h | Artes, Letras e IdeiasAs “canções da noite” Michel Reis - 29 Out 2019 [dropcap]O[/dropcap] compositor romântico Frédéric Chopin, de génio e influência incomparáveis no reino da música de piano, escreveu exclusivamente para o instrumento. A maioria das suas obras é para piano solo, embora tenha também escrito dois concertos, algumas peças de câmara e cerca de 19 canções com poemas em polaco. As suas obras principais para piano solo incluem mazurkas, valsas, nocturnos, polacas, estudos, improvisações, scherzos, prelúdios e sonatas, algumas publicadas apenas postumamente. A sua escrita para piano era tecnicamente exigente e ampliou os limites do instrumento e as suas actuações eram notadas pelas suas nuances e sensibilidade. Os Nocturnos de Chopin, habitualmente descritos como “canções da noite” ou “piano bel canto”, são geralmente considerados das melhores pequenas obras ou miniaturas a solo para piano, e das mais belas do compositor, ocupando um lugar importante no repertório de concerto contemporâneo. O nocturno, perfeitamente adequado ao estado de espírito da época, evoca, como o nome indica, imagens românticas da noite, da lua e todos os tons de expressão lírica e dramática a eles associados. A sua poesia é moldada por uma atmosfera de intimidade e sonho. Obras para piano ligadas a este idioma foram escritas por Clementi, Ries, Szymanowska, Kalkbrenner, Schumann, Liszt, e Field, entre outros. Embora não tenha inventado o nocturno, Chopin popularizou-o e expandiu a forma desenvolvida pelo compositor irlandês John Field (1782-1837), elevando-a ao auge da poesia e tornando-se o seu mestre mais célebre. Os Nocturnos consistem em 21 peças para piano solo escritas entre 1827 e 1846. Os Nocturnos numerados de 1 a 18 (Op. 9, Op. 15, Op. 27, Op. 32, Op. 37, Op. 48, Op. 55, Op. 62), foram publicados durante a sua vida, em grupos de dois ou três, por ordem de composição, e os números 19 e 20 foram, na realidade, escritos primeiro, antes da partida de Chopin da Polónia, e publicados postumamente. O número 21 não era originalmente intitulado “nocturno” mas, desde a sua publicação em 1870, como tal, é geralmente incluído nas publicações e gravações do conjunto. Quando Chopin nasceu, em 1810, John Field era já um compositor consagrado. Eventualmente, o jovem Chopin tornou-se um grande admirador de Field, tendo alguma influência da técnica de tocar e compor do compositor irlandês, apesar de já ter composto cinco Nocturnos antes de o conhecer. Na sua juventude, foi frequentemente dito a Chopin que a sua música se parecia com a de Field. Enquanto o compositor tinha um grande respeito por Field e o considerava uma das suas principais influências, Field tinha, ao que parece, uma visão bastante negativa do trabalho de Chopin. No entanto, Chopin continuou a admirar o compositor irlandês e a sua obra e continuou a inspirar-se nela ao longo da sua vida. Os Nocturnos de Chopin têm muitas semelhanças com os de Field mas mantêm um som distinto e único. Um aspecto do nocturno que Chopin adoptou de Field é o uso de uma melodia semelhante a uma canção na mão direita. Essa é uma das características mais importantes, se não a mais importante, do nocturno como um todo. O uso da melodia como voz concedeu uma maior profundidade emocional às peças, atraindo o ouvinte em maior medida. Para além da melodia da mão direita, Chopin explorou o uso de outra “necessidade” do nocturno, a de tocar arpejos na mão esquerda para actuar como o ritmo da melodia “vocal” da mão direita. Outra técnica usada por Field e a que Chopin deu continuidade por foi o uso mais extensivo do pedal. Ao usar mais o pedal, a música ganha mais expressão emocional através de notas sustentadas, dando às peças uma aura de drama. Uma das maiores inovações de Chopin no que respeita ao nocturno foi o uso de um ritmo mais livre. Além disso, Chopin desenvolveu ainda mais a estrutura do nocturno, inspirando-se nas árias da ópera italiana e francesa, bem como na forma-sonata. O compositor Franz Liszt insistiu até que os nocturnos de Chopin eram influenciados pelas árias de bel canto de Vincenzo Bellini, uma declaração afirmada e ecoada por muitos no mundo da música. Uma outra inovação de Chopin foi o uso de contraponto para criar tensão no nocturno, um método que expandiu ainda mais o tom dramático e a sensação da peça em si. Foi principalmente através desses temas de influência operática, de ritmos mais livres e de uma expansão para estruturas mais complexas e peças melódicas que Chopin deixou sua marca no nocturno. Muitos pensam no “nocturno de Chopin” como uma mistura entre a forma e a estrutura de Field e o som de Mozart. Sugestão de audição: Frédéric Chopin: The Nocturnes Maria-João Pires, Piano – Deutsche Grammophon, 1996