EntrevistaHong Kong | Protestos são também por democracia, refere activista Bonnie Leung Hoje Macau - 15 Jul 2019 Reforma democrática é o grande objectivo dos protestos que têm marcado a região vizinha, muito além do pedido de retirada da polémica lei da extradição. A próxima manifestação de grande escala está agendada para o próximo domingo [dropcap]A[/dropcap] porta-voz da organização que tem liderado as manifestações em Hong Kong disse em entrevista à Lusa que os actuais protestos são contra a lei da extradição, mas também pela democracia que garanta o sufrágio universal. “Queremos também lutar por uma verdadeira democracia”, sublinhou Bonnie Leung, vice-coordenadora da Frente Civil de Direitos Humanos, que integra 15 organizações não-governamentais e movimentos políticos. “Precisamos mesmo de ter um sistema democrático: um homem, um voto: Temos de eleger o nosso Chefe de Executivo e os nossos legisladores”, porque “sem uma verdadeira democracia, coisas más podem sempre repetir-se”, defendeu. A activista ressalvou, contudo, que o foco continua a manter-se no combate à lei da extradição, que desde o dia 9 de Junho motivou manifestações na antiga colónia britânica. Representações colaterais Por outro lado, a mediatização dos protestos tem também permitido ao território representar Macau e Taiwan perante a ameaça de Pequim, acrescentou. “Acredito que muitos cidadãos de Macau e de Taiwan apoiam os mesmos valores. Ao alertar o mundo sobre o problema de Hong Kong, como que representamos também esses cidadãos de Macau e de Taiwan porque estamos a enfrentar o mesmo Governo chinês, estamos a enfrentar o mesmo tipo de perigos impostos por Pequim”, sublinhou Bonnie Leung. A activista admitiu desconhecer contactos directos estabelecidos por grupos, mas confirmou a presença de manifestantes desses dois territórios nos protestos em Hong Kong. Bonnie Leung diferencia o caso de Taiwan do de Macau, dizendo que na Ilha Formosa se vive em democracia, mas que está a viver uma situação idêntica à de Hong Kong, “com muito dinheiro [chinês] a ser injectado na economia, a tentar comprar mais influência, sobretudo nos ‘media’”. Contra a informação falsa Num momento em que passou mais de um mês após os primeiros protestos por causa da lei da extradição, os manifestantes adoptaram novas estratégias, na rua, junto da opinião pública e da comunidade internacional. “Tivemos de mudar as nossas tácticas porque o lado pró-Pequim já começou com uma campanha de falsa informação”, disse Bonnie Leung, admitindo que esta é também “uma batalha pela opinião pública”. “Acreditamos que liberdade, Estado de Direito e democracia são valores universais e podem fazer a sociedade e o mundo melhor. O que estamos a tentar fazer é transportar estes conceitos para a população da China”, explicou. Nas últimas semanas, grupos de voluntários têm-se deslocado para zonas de Hong Kong nas quais se regista um elevado fluxo de turistas chineses, com panfletos e cartazes. “Queremos partilhar as nossas ideias e explicar a estes turistas o que realmente está a acontecer em Hong Kong, em vez de receberem a informação através dos canais oficiais chineses”, e apesar de toda a censura de Pequim sobre esta matéria, lembrou a porta-voz da organização. Torcer o braço No que diz respeito à invasão do Conselho Legislativo, a activista refere que essa situação aconteceu porque o Governo passou a ideia de que as manifestações pacíficas não resultam. “Há um graffiti no Conselho Legislativo que resume a razão pela qual os jovens fizeram o que fizeram: Foram vocês que nos ensinaram que as demonstrações pacíficas não resultam”, disse Bonnie Leung. Recorde-se que dois dos protestos, a 12 de Junho e a 1 de Julho, foram marcados por violentos confrontos entre manifestantes e a polícia, que chegou a usar balsas de borracha, gás pimenta e gás lacrimogéneo. A 1 de Julho, os manifestantes invadiram mesmo o parlamento de Hong Kong. “Obviamente, Pequim e o Governo de Hong Kong querem que a população da nossa cidade e no mundo acreditem que aqueles jovens manifestantes foram indesculpavelmente violentos. Mas estou muito satisfeita e orgulhosa com o facto de que as pessoas de Hong Kong conseguirem descortinar essas táticas”, sustentou Leung. “Dois milhões [de pessoas] estiveram nas ruas pacificamente e nem um vidro foi partido e as nossas reivindicações não foram atendidas”, lembrou, referindo-se aos protestos de 16 de Junho. “O Governo não estava a ouvir”, acrescentou. Bonnie Leung disse compreender a razão pela qual “as pessoas podem não concordar com as acções dos jovens” e que o seu movimento também entende que não é necessário que estes coloquem em risco a sua própria segurança”. “Mas estamos solidários e preocupamo-nos com eles”, disse, reafirmando que não são jovens violentos, mas que, em desespero, frisou, destruíram objectos “que simbolizam a tirania do Governo de Hong Kong”, mas que se preocuparam em preservar documentos históricos, exemplificou. Há mais de um mês que Hong Kong é palco de protestos maciços. O mais concorrido, segundo a organização, aconteceu a 16 de Junho, quando cerca de dois milhões de pessoas (mais de um terço da população) saíram à rua para protestar contra a lei que permitiria a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições com as quais não existem acordos prévios, como é o caso da China. A chefe do Governo, Carrie Lam, depois de pedir desculpa em duas ocasiões distintas, em Junho, chegou mesmo a afirmar já este mês que a lei estava “morta”. Uma declaração que não conseguiu convencer os líderes dos protestos, que continuam a promover pequenas acções e manifestações na cidade e a exigir que o Governo responda a cinco reivindicações: retirada definitiva da lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que os protestos de 12 de Junho e 1 de Julho não sejam identificados como motins, um inquérito independente à violência policial e a demissão da Chefe do Executivo, Carrie Lam. Já os defensores da polémica lei da extradição argumentam que, caso se mantenha a impossibilidade de extraditar suspeitos de crimes para países como a China, tal poderá transformar Hong Kong num “refúgio para criminosos internacionais”. Mas os manifestantes dizem temer que Hong Kong fique à mercê do sistema judicial chinês como qualquer outra cidade da China continental e de uma justiça politizada que não garanta a salvaguarda dos direitos humanos. Na agenda De resto, uma nova grande manifestação contra a lei da extradição e a violência policial está agendada para 21 de Julho em Hong Kong, uma vez que as reivindicações feitas ao Governo não foram atendidas, segundo os manifestantes. “Como as nossas cinco reivindicações não foram ainda atendidas, acreditamos que é muito importante que continuemos os protestos (…) e temos uma obrigação de juntar as pessoas outra vez”, sublinhou a vice-coordenadora da Frente Civil de Direitos Humanos. “A 21 de Julho vamos ter uma manifestação para enfatizar as nossas cinco reivindicações e, especialmente, vamos dar destaque ao abuso de poder por parte da polícia e pedir um inquérito independente”, acrescentou. “Esse vai ser o nosso grande tema”, precisou a activista.“Neste momento, os cidadãos de Hong Kong não confiam no Governo, sobretudo não confiamos na nossa polícia, o que não é nada saudável”, afirmou. “Precisamos de colocar um ponto final a isto com um verdadeiro inquérito independente para saber o que esteve na origem do que aconteceu a 12 de Junho, quem foi o comandante, quem tomou a decisão de disparar sobre os manifestantes e jornalistas”, disse referindo-se ao protesto que ficou marcado pelos actos de violência policial. “E ao saber esta informação e, provavelmente, ao existirem consequências legais sobre as pessoas que tomaram erradamente estas decisões ilegais acreditamos que só assim poderemos seguir em frente. É muito importante e será o nosso grande tema”, concluiu Bonnie Leung.