Corpo de Praia

[dropcap]C[/dropcap]omo procuramos o corpo perfeito? Representações disto e daquilo que ditam o que é bonito e feio, ou aceitável. As formas como tentamos chegar a este corpo perfeito deixam imenso espaço para discussão. Devemos nós submetermo-nos à maravilha do controlo total do nosso corpo?

Quando chegam os meses mais quentes, a pressão publicitária para encontrarmos (em nós) o corpo perfeito parece que se intensifica. As pessoas despem-se com o calor e com isso podem estar a mostrar aquilo que não é aceitável. A celulite, a gordura ou as estrias. Note-se que esta é uma dificuldade particularmente ocidental, talvez particularmente mediterrânica onde as praias são um estilo de vida. De qualquer modo, mesmo que os padrões de beleza se alterem, não deixam de existir – aqui e ali. Há do belo idadismo no que toca a estes corpos. Parece que os corpos velhos já não devem ter direitos de exposição como se fosse uma ofensa, passíveis de censura. Só que os padrões de beleza são construídos – e podem ser reconstruídos também.

Não há nada de fundamental no corpo que envelhece, nós é que o essencializamos para algo que não convém a ninguém. ‘Basta’ transformamos a nossa forma de pensar para não nos chocarmos com a pouca perfeição e a velhice de cada um.

As pessoas detentoras de vaginas e que se regem pela heteronormatividade das relações parece que cedem mais a estas pressões. Não porque são (só) homens que ditam padrões de beleza – apesar de serem sobretudo os homens. Estas dinâmicas vêm de uma expectativa relacional de que os homens são visuais e as mulheres não, que os homens cedem à tentação dos corpos e as mulheres não, e mais outras coisas parvas que aparecem nos estudos – e representações diárias – que mostram que as diferenças de género são estáticas, biológica e fisiologicamente definidas.

Quando já deveríamos ter ultrapassado esta visão retrograda do género, do corpo e da beleza. A censura do corpo feminino leva a absurdos que continuam a prevalecer desde há décadas – provavelmente desde há séculos. Pêlos, mamilos, exposição a menos ou exposição a mais.

Parece que o corpo tido como feminino é frequentemente escrutinado ora por uma razão ou por outra. Os burkinis são repressivos, os fios dentais progressivos – caso se tenha um rabo em condições de ser mostrado. Perfeito.

O corpo é dissidente quando vai contra a corrente. Mas esta dissidência é só para os corajosos que ousam mostrar-se. Não é fácil submetermo-nos aos olhares de escrutínio constantes.

Produz-se saber à naturalidade do corpo que tantos outros querem artificial. Tal como também se produz a artificialidade no sexo. Se o futuro do sexo passa por robôs que podem ser comprados de acordo com as nossas preferências corporais – levamos ao extremo o controlo que queremos ter sobre tudo. Nada contra a criação (e a criatividade) mas dá muita vontade pôr limites quando esta produção implica uma anulação completa do corpo tal como ele é.

Estes corpos belos não são só os que têm feições bonitas ou que possuem características dignas de capas de revista actuais. Os corpos de variadas cores da pele, formas e cores de cabelo passam pelo crivo do ‘aceitável’ também. Num mundo onde ainda nos obcecamos pela beleza da pessoa caucasiana só demonstra o quão atrasados ainda estamos para abraçar a nossa beleza (essência?). Não é por acaso que certas gentes andam a criticar a nova pequena sereia da Disney – porque agora será negra. Como se já não estivéssemos demasiado cansados de (re)produzir o corpo aceitável, sem crítica, sem auto-reflexão, sem desejo de controlo.

O corpo de praia é o que vai à praia – estou farta de dizer. Tornando o corpo político é o que nos permite ir à praia quando o corpo não é ‘belíssimo’ – de acordo com os critérios que andam aí.

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