Prostituição | Abertura económica soltou “demónio social” antigo na China

Por João Pimenta, da agência Lusa

 

[dropcap]S[/dropcap] ituado no centro de Pequim, o Bali SPA recebe os clientes com chá e tangerinas. Nos corredores, música étnica do sudoeste chinês alterna com solos de piano. Mapas de acupuntura e reflexologia enfeitam as paredes.

Um cheiro doce a incenso enche o ar. Os quartos, recentemente renovados, ostentam soalhos em madeira, luz ambiente e quadros decorativos. Mas, por detrás da fachada de SPA de luxo, mulheres de 20 e poucos anos, oriundas do interior pobre da China, oferecem serviços sexuais.

No país mais populoso do mundo, com cerca de 1.400 milhões de habitantes, estima-se que haja dez milhões de prostitutas. Em hotéis, casas de massagens ou bares de karaoke, serviços “extra” são sugeridos aos clientes. Altos quadros do Partido Comunista Chinês (PCC) caídos em desgraça são acusados de manter várias amantes, através de avenças e prendas de luxo, numa versão moderna do concubinato.

A vasta indústria, no entanto, raramente é referida na imprensa estatal ou em documentos oficiais.
“Para o PCC, a prostituição está associada às sociedades capitalistas, e, portanto, não existe na China”, ironiza à agência Lusa Lijia Zhang, autora de um livro sobre o tema.

Inspirada pela descoberta de que a sua avó foi vendida a um bordel na adolescência, Lijia narra em “Lotus” o percurso de uma trabalhadora migrante que cai na prostituição em Shenzhen, uma das mais prósperas cidades chinesas, usada como laboratório à abertura do país à economia de mercado, nos anos 1980.

Considerada um “demónio social”, a prostituição foi imediatamente combatida pelo PCC após assumir o poder, em 1949, através do encerramento de bordéis e proibição do concubinato. A perspectiva feudal sobre o papel da mulher foi igualmente contrariada sob a máxima maoista “as mulheres seguram metade do céu”.

As reformas económicas pós-maoismo, porém, levaram à migração de centenas de milhões de trabalhadores rurais para as cidades do litoral, alimentando o ‘boom’ na construção e indústria que permitiu à China converter-se na segunda maior economia do mundo, a um ritmo sem paralelo na História moderna mas que rompeu com o tecido social do país.

O restrito sistema de residência das cidades, conhecido como ‘hukou’, priva ainda estes trabalhadores de serviços básicos, como o acesso à educação ou saúde pública.

“As pessoas nos estratos inferiores da sociedade vivem numa luta constante pela sobrevivência: não existe qualquer tipo de assistência social ou apoio”, descreve Lijia. “São sobretudo mulheres oriundas dos meios rurais, sem educação ou capacidades que as preparem para a vida na cidade”, conta.

A prostituição na China é punida com pena administrativa, sem passar pelos tribunais: em caso de evidência, as mulheres são enviadas para centros de “abrigo e educação”, por um período máximo de dois anos.

Críticos dizem que os centros têm pouco a ver com educação e denunciam maus-tratos, trabalho forçado e a obrigação de pagar por subsistência e exames médicos a preços proibitivos.

“A conversa sobre reabilitação ou formação ideológica é treta, serve apenas para extorquir dinheiro em nome do Estado e da polícia”, refere uma das ex-detidas, citada num relatório da Asia Catalyst, organização que defende grupos marginalizados na região.

Lijia nota, porém, que apesar das dificuldades, a profissão surge como alternativa a empregos mal pagos e monótonos em linhas de montagem ou restaurantes.

“Não é uma vida totalmente miserável”, diz. “Elas passam a desfrutar do dinheiro e tempo livre, de um estilo de vida urbano: compram roupas, produtos de beleza ou experimentam cozinhas diferentes”, conta.

Xiaowu, de 25 anos e natural da província de Henan, centro da China, começou a trabalhar no Bali SPA há dois meses. Apesar de não gostar da ocupação, admite desfrutar da vida em Pequim.

“Quando era mais nova, na minha aldeia natal, pela amanhã, havia apenas ‘mantou’ [pão cozido a vapor]; à noite, jantávamos sempre ‘tofu’ [alimento produzido a partir da soja]”, recorda. “Hoje, detesto comer tofu”, diz.

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