h | Artes, Letras e IdeiasPressão de Hong Kong na emigração por Macau José Simões Morais - 18 Fev 2019 [dropcap]A[/dropcap]pós um resumo da História da emigração chinesa, regressamos ao episódio com que iniciamos este tema. A Companhia Metropolitana do Rio de Janeiro, a fim de promover a emigração chinesa para o Brasil, começara nos finais de 1892 por abrir uma agência em Hong Kong, mas sendo as leis locais desfavoráveis a uma tal empresa, o local de operação foi transferido para Macau. O vapor alemão Tetartos, fretado para transportar os emigrantes, em Julho de 1893 foi detido em Hong Kong acusado de ter infringido a ordenança da emigração chinesa de 1889, mas foi absolvido pelo júri e solto. Em Setembro de 1893 veio o Tetartos a Macau e a 17 de Outubro partiram os 475 emigrantes chineses, para no Brasil trabalharem na agricultura. No relatório do ano de 1893 de Mr. Hippisley, comissário da alfândega da Lapa, que viveu durante anos em Macau, este fala da expedição dos emigrantes chineses para o Brasil, o que era de esperar pois, na sua estadia em Macau para receber os emigrantes, fez por repetidas vezes trabalhar o telégrafo para pôr ao corrente o governo chinês. Quando esse relatório aparece no Echo Macaense, já Camilo Pessanha está em Macau. Apesar de os jornais de Macau considerarem Alfred Hippisley um funcionário chinês zeloso pelos direitos e interesses do governo chinês, logo se atiram contra ele por acharem o relatório tendencioso, “pois coloca uma arma muito apreciada nas mãos dos que declaram guerra à emigração pelo porto de Macau”. Pergunta O Independente, por que motivo não teve o Sr. Hippisley uma só palavra para malsinar a emigração de Hong Kong? Não se faz por lá também? Não é sabido que tem ali dado lugar a alguns dramas dos que outrora se apontavam em Macau? Será mais livre e de menos perigos para os emigrantes? “Já ninguém se ilude com as declarações de que a emigração por HK é para colónias inglesas, onde os chineses ficam a coberto das leis da humanitária Albion. Levas e levas de cules têm ido para países que não são ingleses, pelo menos por agora, e bem se sabe que Singapura [onde a emigração chinesa será proibida a 24/4/1895], por exemplo, recebe de Hong Kong número considerável de colonos que aí embarcam para onde querem e nas condições que querem, porque os regulamentos de lá o permitem. É como se nós disséssemos que de Macau só podem ir emigrantes chineses para Timor, permitindo que aí os esperassem os navios para os conduzirem ao Brasil, ao Congo, a toda a parte. Não sabe o ex-comissário da Lapa que isto se passa assim na vizinha colónia? Magoa-nos pois que, tendo sido testemunha do modo como se operou o embarque dos chineses no vapor Tetartos e sabendo portanto que não há em Hong Kong nem mais escrúpulos, nem maiores garantias de liberdade, se revestisse o Sr. Hippisley de uma atitude hostil à emigração pelo porto de Macau, secundando a guerra que as autoridades inglesas nos começaram a fazer, depois que viram baldados os seus esforços para conseguirem realizar pelo seu porto do Sul da China o que lhes parecia feio pelo nosso. O relatório na parte da emigração podia muito bem ter a assinatura de um funcionário inglês. Entende o Sr. Hippisley que Macau não tem o direito de deixar embarcar colonos chineses para o Brasil, porque esta república não tem tratado com a China a esse respeito. O que asseguramos ao Sr. Hippisley e a todo o humanitarismo inglês é que, se a emigração do Tetartos não foi livre, também não a há livre por Hong Kong, nem por nenhum porto chinês, onde os regulamentos não são melhores nem mais escrupulosamente observados do que em Macau.” Julgamento parcial As autoridades chinesas protestaram contra esta emigração e as objecções contra ela eram muitas e sérias. É verdade que um tratado negociado entre a China e o Brasil em 1881, nada estipula sobre a emigração. Essa “insuficiência e a necessidade de uma especial convenção suplementar a fim de obter os trabalhadores que se desejam, foram reconhecidas pelo Brasil, que enviou à China para este fim um enviado especial, que se achava em caminho. O Brasil não tinha representante na China, nem a China tinha algum agente acreditado junto ao Brasil, para velar pelos interesses dos emigrantes.” E continuando no Echo Macaense, “O facto da companhia se recusar a esperar pela vinda do Enviado e pela conclusão das negociações que o seu governo julgou necessárias, naturalmente despertou a suspeita sobre a boa-fé.” Mr. Hippisley insinuava ter a Companhia Metropolitana, ou o seu agente, agido de má-fé ao promover essa emigração para o Brasil e inserir no contrato uma condição que tornava transferível o emigrante e o contrato, de modo que o emigrante perdera a sua personalidade e liberdade e se convertera em coisa ou mercadoria, sujeita a passar à disposição de qualquer indivíduo, sem o consentimento do próprio emigrante. Acusação encapotada de escravatura feita à companhia promotora dessa emigração. O redactor do Echo vem em socorro dessa Companhia argumentando, “nem o governo português permitiria que se abusasse do porto de Macau para fazer semelhante emigração, nem o Brasil que ainda há pouco tempo aboliu a escravatura sem dar compensações aos patrões, consentiria em tal abuso.” O Sr. Benavides, agente da Companhia Metropolitana do Rio de Janeiro, “mostrou-nos a cópia do contrato celebrado entre ele e os emigrantes e não vimos aí a clausula de que fala Mr. Hippisley. Os emigrantes apenas se obrigavam a trabalhar nos lugares, isto é, nas fazendas, que a Companhia havia de indicar e não se sujeitavam a ser transferidos a um terceiro, como diz Mr. Hippisley. Mesmo o regulamento chinês de emigração de 1886, no seu artigo 22, providencia acerca da distribuição dos emigrantes na sua chegada pelas diversas feitorias ou plantações. É claro que não se pode esperar que cada fazendeiro que precise de braços venha à China pessoalmente para contratar trabalhadores, mas é natural que a associação promotora da emigração distribua os emigrantes entre os diversos fazendeiros que os quiserem empregar, o que está de acordo com o regulamento sancionado pelo próprio governo chinês.” “Por ventura o artigo 1º do Tratado brasileiro-chinês não garante a liberdade de poderem os chineses emigrarem para o Brasil, bem como o seu bom tratamento aí? Com quanto seja muito de desejar que haja um convénio especial sobre tal assunto, é certo porém que a falta de tal convénio não autoriza a lançar suspeita de má-fé em quem promoveu a emigração franca e legalmente. É certo, porém, que, se os ingleses, que fizeram mil esforços para que essa emigração chinesa para o Brasil se fizesse por via de Hong Kong, chegando até a mandar Mr. Lochart a Londres para trabalhar neste sentido, tivessem conseguido os seus fins, nem o vapor Tetartos teria sido detido em Hong Kong, nem as insinuações de Mr. Hippisley teriam aparecido; e a emigração chinesa para o Brasil seria a operação mais pura e mais justa do mundo. É contra esta parcialidade inqualificável que nos insurgimos e protestamos.”