Instituto para os Assuntos Municipais

[dropcap]U[/dropcap]ma das primeiras tarefas que o Governo da RAEM enfrenta em 2019, é a constituição do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), um corpo estatutário que deveria ter sido criado em 2002, para substituir a Câmara Municipal de Macau Provisória. Após um adiamento de mais de uma década, o Governo finalmente adicionou à Lei Básica a fundação do IAM.

No que respeita à escolha dos membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais do IAM, existem muitas opiniões favoráveis à eleição de alguns deles por sufrágio directo, uma prática de longa data, à semelhança do processo em vigor no Conselho Consultivo do IACM. No entanto, o Governo tem agido de forma a ignorar esta prática esperando que os 25 membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais venham a ser escolhidos por nomeação do Chefe do Executivo. Quanto aos candidatos por auto-recomendação, a maioria é representativa do campo pró-governamental.

Quando o Governo anunciou publicamente que o mecanismo de auto-recomendação era aplicável aos candidatos a membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais, encoragei os membros do campo pró-democracia a apresentar candidaturas e ofereci-me para lhes obter cartas de recomendação.

Espero que o Chefe do Executivo escolha, a partir das listas entregues, pessoas talentosas e competentes, de forma a que os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais possoam incluir representantes dos diversos sectores da sociedade e, assim, poder existir uma participação equilibrada entre os diferentes interesses da sociedade de Macau. Mas, por vezes, as boas intenções são estilhaçadas pela realidade política. O actual Governo mostrou, durante o último mandato, ser incapaz de quebrar o ciclo vicioso da escolha de representantes dentro dos pequenos círculos das elites político-económicas.

Contas feitas, o Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais é basicamente formado por mandatários do campo pró-governamental e por membros transitórios do Conselho Consultivo do IACM. Se não se quebrar este ciclo, haverá um défice de participação da sociedade na admnistração governamental. A composição do recém-fundado Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais revela-se um caso de consanguinidade política, que carece de credibilidade. Este cenário indicia que este orgão virá a constituir uma parafernália política.

Recentemente estive em Taiwan, durante as últimas eleições. Nessa altura tive oportunidade de falar com algumas pessoas e de tentar perceber a sua opinião sobre o conceito de “Um País, Dois Sistemas” e percebi que muitas delas o rejeitam.

A estrondosa derrota do Partido Democrático Progressista (PDP) nestas eleições, foi um castigo infligido pelo povo pela atitude arrogante deste partido, pelo desrespeito da opinão popular e por defender, sobretudo, os seus próprios interesses.

O conceito “Um País, Dois Sistemas” foi uma jogada de tudo-por-tudo de Deng Xiaoping para lidar com os problemas levantados por Hong Kong, Macau e Taiwan. Não havia precedentes que servissem de modelo para esta nova situação e a ideia destinava-se a resolver os problemas. Se o incidente de 4 de Junho de 1989 nunca tivesse ocorrido, acredito que a China estaria mais aberta ao mundo e teria avançado mais. Se os meus leitores tiverem boa memória, hão-de lembrar-se que a China declarou, à data, que Hong Kong permaneceria como estava por mais 50 anos, que não haveria tropas aquarteladas em Macau e que Taiwan poderia ter o seu próprio exército. É lamentável que Deng Xiaoping tenha falecido antes da transferência de soberania de Hong Kong. O conceito original de “Um País, Dois Sistemas” foi perdendo gradualmente flexibilidade durante o processo de implementação e, hoje em dia, é caracterizado por lutas ideológicas e desconfianças. No caso de Hong Kong, a ideia original da escolha do Chefe do Executivo por sufrágio universal passou a ser uma miragem e o fracasso da evolução constitucional provocou dissenções sociais. A parte dos “Dois Sistemas” acabou por se tornar um mero apêndice de “Um País”. Macau, continua a depender da indústria do jogo e da política de “Vistos Individuais” dos turistas continentais para manter a prosperidade e a estabilidade. Embora a economia continue em alta, ainda persistem muitos problemas sociais. O atraso desta ecologia política impediu que fossem revelados os méritos do conceito “Um País, Dois Sistemas”. A forma como os membros do Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais do IAM vão ser escolhidos é o exemplo máximo desse atraso. Por isso, como é que o povo de Taiwan pode confiar no conceito “Um País, dois Sistemas” quando vê a forma como funciona em Hong Kong e em Macau?

Este ano assinala-se na China o 100º aniversário do Movimento 4 de Maio, um movimento que exaltou ideias ocidentais, particularmente a ciência e a democracia. Mas, hoje em dia, “ciência e democracia” continuam a não passar de um slogan na China, onde a tecnologia substituiu a Ciência e a indigitação substituiu a eleição democrática. Se esta situação não se alterar, o futuro da China não será auspicioso e o princípio “Um País, Dois Sistemas” conhecerá novas crises.

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