Especial 2018 | Assembleia Legislativa: O ano da crispação

[dropcap]A[/dropcap] ferro e fogo. Foi desta forma que se iniciou o ano na Assembleia Legislativa, com os deputados Vong Hin Fai e Kou Hoi In a utilizarem um projecto de resolução para enviarem uma mensagem para os tribunais: as decisões de suspensão e perda de mandatos dos deputados são políticas e não podem ser analisadas pelos tribunais. Em causa estava a decisão de Sulu Sou de levar a sua suspensão para a Justiça. Mais do que um acaso isolado, o episódio foi o princípio de uma nova fase no hemiciclo, em que até os deputados ligados aos Operários desafiaram o Governo.

Foi no meio de várias críticas e acusações de interferência na justiça que Vong e Kou – dois dos principais condutores do processo de suspensão de Sulu Sou – tiveram aquela que terá sido uma das maiores derrotas das suas carreiras. O projecto acabou mesmo retirado, entre acusações de “desespero” face à condução do processo de suspensão, porém, o mote estava dado para o que seria a Assembleia Legislativa com a entrada de Sulu Sou.

Com o legislador mais novo a sofrer derrotas nos tribunais e afastado do hemiciclo, o ambiente voltou à monotonia do ano anterior. Mas o fim do julgamento e o regresso do deputado ao hemiciclo, em Julho, voltou a mostrar a mostrar que as coisas estão mudadas.

Entre a facção pró-sistema, com o apoio de todos os deputados nomeados pelo Chefe do Executivo, é notória a existência de uma estratégia concertada de ataque e descredibilização do deputado pró-democrata. O maior exemplo foi proporcionado quando Vong Hin Fai apresentou uma queixa ao presidente da AL, porque Sulu Sou utilizou a expressão “Casa do Lixo”, para se referir ao órgão legislativo.

Apesar dos vários ataques, Sulu Sou não deixará de ter muitos motivos para estar satisfeito com o desenrolar do ano. O pró-democrata representa o voto de protesto de uma sociedade jovem que é ignorada pelo crescimento económico e que sabe que não é ouvida pelo Governo. Sem alternativas, vira-se para o deputado que representa o anti-sistema. Neste sentido, a intolerância serve mais para reforçar o sentido do voto dos eleitores de Sulu Sou do que efectivamente o descredibilizar.

Por outro lado, para os mais desconfiados, a postura da facção pró-sistema não pode deixar de levantar uma outra dúvida: será que, tendo em conta o que se passa em Hong Kong, Sulu Sou vai ser impedido de concorrer às próximas eleições? Ou será expulso antes disso?

Clima de medo

Se o conflito entre a fracção tradicional e Sulu Sou pode ser visto exclusivamente numa lógica política entre diferentes fracções, o momento de maior choque na Assembleia Legislativa chegou com a dispensa dos dois assessores jurídicos portugueses Paulo Taipa e Paulo Cardinal.

A decisão apanhou a maior parte das pessoas de surpresa e resultou em várias reacções de apoio ao profissionalismo e à experiência dos dois assessores. Na Assembleia Legislativa ninguém duvida da qualidade do trabalho dos dois e mesmo Ho Iat Seng não conseguiu ser coerente. Num primeiro momento, afirmou que seria feita uma reestruturação interna e que os assessores iam ter a oportunidade de seguirem um futuro profissional diferente. Mas, mais tarde, deu o dito por não dito, ficando a faltar uma explicação clara.

Nos bastidores, fala-se de caça às bruxas e demissões motivadas pelas posições dos assessores durante o processo de suspensão de Sulu Sou. Segundo esta versão, Paulo Taipa e Paulo Cardinal terão tido visões jurídicas contrárias ao que Ho Iat Seng queria ouvir e pagaram o preço. Como acontece nestas coisas, a história só se vai saber mais tarde. Mas, nos momentos de incerteza, o vazio é ocupado pelo medo. E entre os assessores portugueses ninguém podem levar a mal que a mensagem apreendida seja a seguinte: na dúvida, ou se tomam posições pró-sistema ou se fazem as malas. Será este o melhor ambiente para que a AL produza leis com a qualidade exigida? Não me parece.

Teatro para a TV

O ano que passou serviu igualmente para mostrar a incapacidade de grande parte dos deputados eleitos pela via directa para fiscalizar o Executivo. O Governo, principalmente o secretário Lionel Leong, já mostrou que não vai explicar a situação do empréstimo a fundo perdido à Viva Macau. Os deputados fizeram várias questões e nunca tiveram respostas satisfatórias. Houve vários legisladores que se mostraram descontentes, mesmo entre os pró-sistema. Claro que as perguntas sem repostas e a alegada “frustração” mais não são do que espectáculo político para as câmaras.

Quando há um assunto que o Executivo parece não estar disponível para esclarecer, era expectável que fosse feita uma audição, que fossem chamados à AL governantes e ex-governantes para dizerem preto-no-branco os motivos do empréstimo sem garantias. Mas uma posição destas envolvia que os deputado desafiassem o Governo, mas por “uns meros milhões” não há coragem. No hemiciclo prefere-se fechar os olhos a tudo o que levanta suspeitas, ao mesmo tempo que se pratica uma expressão de choque para ser utilizada quando é revelado mais um caso mediático. A peça de teatro é velha e vem sendo praticada há muitos anos. Neste capítulo, parte da responsabilidade também tem passado pelos deputados, que se demitem das suas funções. E após cada escândalo, quando deputados como Au Kam San fazem um mea culpa e assumem parte da responsabilidade, outros, como Mak Soi Kun sentem-se muito ofendidos por terem o seu trabalho questionado. Uma situação recorrente e que este ano não foi alterada.

FAOM com fartura

Finalmente, 2018 terminou com um confronto muito pouco esperado entre os quatro deputados da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) contra o Executivo. Em causa estava a intenção de Chui Sai On implementar a política “três em quatro”, ou seja um mecanismo para que três em quatro feriados obrigatórios fossem gozados em dias de feriados não-obrigatórios, sem qualquer pagamento extra das empresas e patrões.

Ao contrário do que tem sido habitual, os deputados da FAOM não se esconderam da luta política, defenderam o seu eleitorado tradicional e no final somaram uma vitória.

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