França | Governo teme “grande violência” nos protestos de amanhã

Emmanuel Macron teme que a violência regresse às ruas de Paris na sequência dos protestos do movimento dos coletes amarelos. Apesar das cedências a algumas das reivindicações, as autoridades receiam o pior amanhã. A ministra do Interior declarou ter informações de que entre os manifestantes há quem não reivindique nada e só se interesse por espalhar o caos

 

[dropcap]O[/dropcap]Governo francês admitiu temer “uma grande violência” no sábado, depois de no passado fim-de-semana terem sido detidas mais de 400 pessoas, no âmbito dos protestos dos “coletes amarelos”. Citado ontem pela agência de notícias francesa, France-Presse, o Governo francês disse: “Temos motivos para temer uma grande violência”.

A declaração surge numa altura em que se multiplicam os apelos para uma nova mobilização de “coletes amarelos” por toda a França.

Os apelos surgem não obstante o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter dado mais um passo para aplacar o mal-estar liderado pelos “coletes amarelos”, ao anular a taxa sobre combustíveis em vez de a suspender durante seis meses, como tinha sido anunciado na terça-feira. Com este novo anúncio, o Governo francês pretendia evitar a todo o custo que se repitam amanhã as cenas de guerrilha urbana dos protestos do passado dia 1 de Dezembro em Paris.

Mais de 400 pessoas foram detidas no sábado em Paris, de acordo com o chefe de polícia, que falou de actos de violência de “gravidade sem precedentes”.

Acusado de reagir tarde e mal à crise dos “coletes amarelos”, o Executivo defendeu ontem a sua gestão da situação na Assembleia Nacional, numa sessão que introduziu no hemiciclo as reivindicações do movimento contestatário.

Teoria do caos

A ministra do Interior francesa, Jacqueline Gourault, advertiu ontem para a existência de manifestantes violentos entre os denominados “coletes amarelos” que querem “que a França caia no caos”. Em entrevista ao canal BFMTV, Jacqueline Gourault destacou que esta não é a intenção de todos os “coletes amarelos”, mas sim de uma parte e deu o exemplo de um porta-voz que expressou vontade em invadir o Palácio do Eliseu, sede da presidência.

A ministra do Interior explicou que, tendo em conta os protestos marcados para amanhã, particularmente em Paris, recebeu informações de que “além dos coletes amarelos, há pequenos grupos que querem o confronto”, como tal “há o risco de as coisas correrem mal”.

Em ciclo contrário, as autoridades francesas apelaram à “responsabilidade de todos”, na crise dos “coletes amarelos”, depois de os sindicatos se organizarem e os estudantes universitários prometerem juntar-se a novas manifestações.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, pediu para que “todas as forças políticas e sindicais, os empregadores façam um claro e explícito apelo à calma”.

A frase foi citada pelo porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, e revela bem como Macron se procura associar ao executivo de Édouard Philippe, o primeiro-ministro que, tal como o Presidente, procura medir cada palavra na tentativa de placar a crise dos “coletes amarelos”.

Estudantes na rua

Michel Wieviorka, sociólogo da Escola de Altos Estudos de Paris, citado pela agência France Presse, diz que os manifestantes estão a tentar provar que o “Governo tem falta de jeito e que nunca reconhecerá a natureza negativa da sua política”. E esta perspectiva, vinda de dentro do círculo universitário parisiense, parece alastrar-se, com a indicação, de núcleos activistas da Sorbonne, de que os estudantes se preparam para se associarem ao movimento, em maior força e com maior visibilidade.

Uma sondagem da empresa Elabe, divulgada ontem, revela que 78 por cento dos franceses pensa que as medidas esta semana anunciadas pelo Governo não respondem às solicitações dos manifestantes e dos cidadãos descontentes que as apoiam. A sondagem indica que a aprovação popular das manifestações continua alta e que 72 por cento dos franceses mostram simpatia pelo movimento “coletes amarelos”.

As medidas anunciadas terça-feira pelo primeiro-ministro, Édouard Philippe, de suspender aumentos de impostos foram ineficazes perante os ânimos exaltados dos manifestantes, que dizem que elas sabem “a pouco e vieram tarde”.

Contudo, a sondagem da Elabe também revela que os franceses consideram que tem havido muitos excessos e são já 37 por cento (mais 6 por cento do que há duas semanas) os que consideram que os protestos devem abrandar de tom.

Coletes no parlamento

Os excessos das recentes manifestações em Paris levaram a que um juiz indiciasse 13 pessoas, incluindo um menor, de cometer actos de degradação no monumento do Arco do Triunfo, com três delas a serem colocadas em prisão preventiva. Os suspeitos foram indiciados por “intrusão não autorizada em local histórico” e por participação em grupo formado para fomentar violência e degradação de património”, entre outros crimes.
Mais de 400 pessoas foram detidas no sábado em Paris, de acordo com o chefe de polícia Michel Delpuech, que ontem falou de actos de “violência de gravidade sem precedentes”.

As detenções resultaram em 383 colocações em custódia policial (349 para adultos e 34 para menores), de acordo com um relatório final do Ministério Público.

O primeiro-ministro convocou para a Assembleia “todos os actores do debate público” para assumirem “responsabilidade”, enquanto os “coletes amarelos” preparando-se para as novas manifestações agendadas. “Todos os actores no debate público, políticos, líderes sindicais, editorialistas, cidadãos, serão responsáveis pelas suas declarações nos próximos dias. Sim, eu lanço aqui um apelo por responsabilidade”, disse o líder do Executivo.

As palavras do primeiro-ministro esbarraram no sentimento dos manifestantes. Benjamin Cauchy, um dos porta-vozes do movimento “coletes amarelos” referiu que “os franceses não querem migalhas”.

Taxar colossos

O ministro da Economia e Finanças francês anunciou ontem que será aplicado um imposto nacional aos ‘gigantes’ da Internet se não houver acordo europeu para tributar essas empresas, que estão sujeitas, na prática, a uma taxação inferior. “A partir de 2019 avaliaremos os ‘gigantes’ digitais em todo o país se os estados europeus não assumirem as suas responsabilidades”, disse Bruno Le Maire em entrevista ao canal de televisão France 2.

Macron, no entanto, descartou a hipótese de fazer regressar o imposto sobre a riqueza, que é também uma das exigências dos “coletes amarelos”, uma taxação à qual o Presidente colocara um ponto final depois de chegar ao poder, como um gesto para tornar a França num país mais atractivo para os investidores.

O ministro da Economia e Finanças explicou como será compensada a perda de receita ao ser abandonado o imposto sobre o combustível: “aqueles que têm dinheiro são os ‘gigantes’ digitais, que obtêm benefícios consideráveis graças ao consumidor francês, graças ao mercado francês, e que pagam como mínimo 14 pontos a menos que as demais empresas”.

Nos últimos meses, Le Maire tem sido um dos principais defensores de um imposto europeu sobre os ‘gigantes’ da Internet sobre 3 por cento da sua facturação.

No entanto, confrontados com a relutância de vários dos seus parceiros da União Europeia, e em particular da Alemanha, Paris e Berlim chegaram a um acordo na última segunda-feira, que reduz a proposta inicial, de forma a que o imposto se limitasse à facturação dos serviços, publicidade online e não, por exemplo, à comercialização de dados. Esta proposta, que será submetida à aprovação do Conselho Europeu até Março, só entrará em vigor se não for encontrada uma solução internacional que está a ser negociada dentro da estrutura da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e que tem encontrado muitas resistências, em particular por parte dos Estados Unidos.

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