Macau Visto de Hong Kong VozesUm crime quase perfeito (II) David Chan - 16 Out 201816 Out 2018 [dropcap]A[/dropcap]semana passada, começámos a analisar o caso da morte da mulher e da filha de Xu Jinshan. A polícia encontrou as duas vítimas dentro do carro, um Mini Cooper. As mortes foram causadas por envenenamento com monóxido de carbono, mas a viatura estava em perfeitas condições. Em 2014 foi enviado um email para a empresa que fornece o gás a indagar o preço. O endereço de email, que continha a palavra “khaw”, pertencia provavelmente a Xu Jinshan. O monóxido de carbono foi encontrado no laboratório e Xu Jinshan utilizou-o em algumas experiências. Xu Jinshan admitiu que tinha usado duas bolas insufláveis para guardar o gás e que as tinha levado para casa. Não existem indícios que provem que ele tenha colocado uma das bolas na parte de trás do Mini Cooper, e que tenha arranjado forma de libertar o monóxido de carbono com intenção de matar a mulher e a filha. Durante o julgamento, o juiz dirigiu-se ao júri para salientar que, segundo as declarações do réu, só ele e a filha mais nova sabiam que a bola insuflável continha o gás letal. Xu Jinshan e a mulher eram os únicos a possuir as chaves do Mini Cooper. Perante este facto o júri poderia ser levado a pensar que Xu Jinshan seria a única pessoa que poderia ter posto a bola na mala do carro. A direcção que o juiz deu ao julgamento parece ter sido razoável. Como ninguém viu Xu Jinshan pôr a bola insuflável na mala do Mini Cooper, esta poderia ter sido colocada por outra pessoa. No entanto, como só ele e a mulher tinham as chaves do carro, o júri inferiu que foi ele que o fez, por não ter sido estabelecida nenhuma dúvida razoável. Após sete horas de deliberação, o júri considerou Xu Jinshan culpado dos dois homicídios. Foi condenado a prisão perpétua. Algumas pessoas perguntam-se se Xu Jinshan pode herdar os bens da mulher? Segundo a Lei Comum, os criminosos não podem lucrar com os seus crimes. Para além dos princípios da Lei Comum, os estatutos têm a mesma disposição. A secção 25 da Lei da Emenda e Reforma da Ordenança (Consolidação) estipula que se o assassino for o herdeiro da vítima, seja por: ser beneficiáro por testamento, por ter legalmente requerido a herança, por ser administrador dos bens do falecido, ou por doação, o Tribunal tem o poder de impedir que a receba. O propósito da secção 25 é, óbviamente, impedir que os homícidas possam beneficiar dos seus crimes. A secção 33 da Ordenança da Administração e Inventário de Propriedades estipula que se o Tribunal considerar que a administração dos bens não está a ser adequada, pode emitir uma ordem para corrigir a situação. Os homícidas também não podem beneficiar dos seguros feitos em seu nome pelas vítimas. Em Macau existem disposições legais semelhantes. O artigo 1874 do Código Civil estabelece precisamente o mesmo. Os assassinos não podem herdar das suas vítimas. Votando ao caso de Xu Jinshan, é sabido que o casal poderia facilmente ter-se divorciado. Só não o fizeram por terem considerado preferível continuar a viver juntos, para educarem os filhos. Segundo declarações do réu, a família sabia que ele tinha uma amante, por isso não se percebe porque é que recorreu ao homicídio. Seja como for, acabou por ser uma tragédia familiar. Era muito pouco provável que uma bola insuflável esvaziada tivesse chamado a atenção da polícia. Era difícil imaginar que tivesse sido o recipiente do monóxido de carbono. Temos de agradecer à polícia pelo seu empenho em procurar a solução deste mistério. Mas, acima de tudo, como reza o ditado chinês, “A abóboda celeste foi refeita, já não verte.”