VozesPolíticos inimputáveis Paul Chan Wai Chi - 24 Ago 201826 Set 2018 [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez agora um ano que o tufão “Hato” passou por Macau, deixando um pouco por todo o lado um rasto de destruição. Fong Soi Kun, antigo director da Direccão dos Servicos Meteorológicos e Geofisicos, avançou já com um recurso contencioso à decisão da pena de demissão decidida pelo Chefe do Executivo, ainda em fase de apreciação. Mas seja qual for o resultado do recurso, sabemos que muito dificilmente os funcionários do Governo são responsabilizados pelas suas decisões políticas. Com base na lição aprendida com os incidentes provocados pelo “Hato”, criou-se o projecto da Lei de Bases da Protecção Civil, numa tentativa de intensificar o planeamento geral e de mobilizar a participação social. Neste contexto, o “crime de falso alarme social” foi adicionado à Lei de Bases da Protecção Civil e estabeleceu-se a obrigação de participação dos diversos sectores sociais na protecção civil. Qualquer desrespeito, desobediência ou provocação podem ser considerados “crimes de desobediência simples” ou “crimes de desobediência qualificada”, dependendo da gravidade da situação. Em vez responsabilizar apenas as autoridades relevantes pelas suas decisões políticas, a Lei de Bases da Protecção Civil atribui também essa responsabilidade aos membros da sociedade que actuam a nível voluntário. Parece-vos que os conteúdos do projecto da Lei de Bases da Protecção Civil faça algum sentido? Quando o Governo fez o empréstimo de 212 milhões de patacas à “Viva Macau”, os funcionários responsáveis afirmaram, na altura, que a empresa tinha avalistas suficientes. Mas, segundo o relatório da investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), viemos a perceber que os chamados avalistas não passavam de umas promissórias bancárias que não puderam ser resgatadas. Tanto quanto se sabe, será muito difícil reaver o valor do empréstimo. Mas quem são os funcionários do Governo responsáveis pela concessão deste empréstimo malparado? O Edifício “Sin Fong Garden” está em risco de cair porque o construtor fez cortes nas estruturas provocando fendas e inclinação dos pilares. Até ao momento, apenas se tem falado da possibilidade de reconstrução, mas não se responsabilizou ninguém do departamento de inspecção. E porque é que estas coisas acontecem? O caso dos apartamentos inacabados do Pearl Horizon esteve na ordem do dia, mas o construtor continuou a vender antecipadamente as casas que ainda não estavam prontas e sem poder dar quaisquer garantias de quando viriam a estar. Várias centenas de pessoas compraram antecipadamente estes apartamentos. Neste caso, não houve um único funcionário do Governo responsabilizado. Em vez disso, a responsabilidade foi passada de mão em mão através da revisão da Lei de Terras, que pretende viabilizar concessões arbitrárias de terrenos. A atitude do Governo e a qualidade da sua administração estão a afastar-se do conceito de serviço público, já para não falar da sua ausência de responsabilização. O caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long e o projecto de construção no Alto de Coloane envolveram recursos preciosos de Macau, ao nível dos terrenos, e uma teia de interesses. Mesmo depois dos pormenores destes casos terem sido revelados e das investigações conduzidas pelo CCAC terem sido efectuadas, nem um único funcionário do Governo foi responsabilizado e punido pela lei! Os funcionários superiores estão imunes! É mais fácil para o Governo falar sobre responsabilização do que aplicá-la internamente. A Assembleia Legislativa de Macau está encarregue de supervisionar os actos administrativos do Governo da RAEM, para além da sua função legislativa. No entanto, a maioria dos seus deputados, 33 deles, são escolhidos por eleições indirectas, numa percentagem de 36.3%, enquanto outros 21.2% são indigitados pelo Chefe do Executivo e apenas 42.4% são escolhidos directamente pelos eleitores. A julgar por estas percentagens, fica bem claro onde assenta o poder. É um milagre como é que, mesmo assim, a Assembleia ainda consegue legislar mas, neste contexto, é-lhe muito difícil supervisionar o Governo e responsabilizá-lo pelas suas acções. A ex-deputada de longa data Kwan Tsui Hang, entregou a sua última interpelação escrita à Assembleia Legislativa poucos dias antes do termo do seu mandato, que expirou em Outubro do ano passado. No documento, interpelava o Governo da RAEM sobre o desenvolvimento do sistema politico de Macau e a reforma do sistema de eleição pela via indirecta. Kwan Tsui Hang defendia uma reforma do sistema de eleição pela via indirecta, para que todos os sócios das associações de cada sector tenham direito ao voto. Será que a sua sugestão pretendia tornar o sistema de eleição pela via indirecta mais democrático? A 24 de Outubro, na resposta à interpelação de Kwan, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, como é habitual, não apresentou réplicas substanciais ao que tinha sido inquirido. Para vir a melhorar o sistema eleitoral de forma gradual, é necessário escutar um vasto leque de opiniões e depois encontrar um consenso. Enquanto deputada do campo pró-governamental, Kwan Tsui Hang conseguiu chamar a atenção da Assembleia Legislativa para as questões do desenvolvimento do sistema politico, antes do final do seu mandato. Embora esta chamada de atenção tenha vindo um pouco tarde, não deixa de ser louvável. Se não houver reformas do sistema politico de Macau, não haverá responsabilização das acções administrativas. Se um Governo não tiver de responder pelas suas acções, apenas uma minoria viverá em estabilidade. Quando as contradições sociais acumuladas irromperem, as consequências serão muito sérias. Qualquer politico deve estar informado sobre este matéria. Os problemas não se podem solucionar com distribuição de dinheiro, só se podem resolver quando se assumem as responsabilidades.