Diplomacia | Cimeira da CPLP terminou ontem sem abordar questão de Macau

Chegou ontem ao fim a cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em Cabo Verde. Da agenda saiu a vontade de implementar a livre circulação de pessoas e bens dos Estados membros, mas a questão de Macau não foi discutida. Para Francisco José Leandro, docente da Universidade de São José, o assunto “não está em cima da mesa”

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau não é um Estado mas tem a língua portuguesa como idioma oficial, o que só por si seria argumento suficiente para se ponderar a sua adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ainda que a China tivesse de tomar essa decisão. Em 2016, a um ano de se realizar a cimeira em Brasília, Brasil, o secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, garantiu que a adesão de Macau seria sempre um ponto complicado. “Isso não, porque os territórios estão dentro de países”, afirmou, lembrando que a China já utiliza a RAEM como ponte de ligação com os países de língua portuguesa através do Fórum Macau.

A cimeira deste ano, realizada em Cabo Verde, chegou ontem ao fim e o assunto parece continuar na gaveta. O HM não obteve resposta sobre a possibilidade de inclusão do assunto Macau na agenda, e Francisco José Leandro, docente da Universidade de São José (USJ), autor de vários artigos sobre a CPLP, deixou bem claro que “este assunto não está em cima da mesa”.

“Há dificuldades do ponto de vista jurídico, porque não estão previstos membros que não sejam Estados. Mas acho que a questão essencial é o facto das relações que a China tem estabelecido com os países de língua portuguesa terem sido sempre feitas com uma base bilateral ou através do Fórum Macau”, adiantou ao HM.

Apesar de não fazer parte da CPLP, ao lado de países como Portugal, Brasil, Cabo Verde ou São Tomé e Príncipe, entre outros, Macau participa através da presença de vários observadores consultivos, como é o caso da Fundação Oriente, Instituto Internacional de Macau ou a Associação de Universidades de Língua Portuguesa, da qual fazem parte Rui Martins, da Universidade de Macau, e Lei Heong Iok, presidente do Instituto Politécnico de Macau.

A própria USJ é observador consultivo, mas o papel destas entidades é meramente auxiliar. “Esse estatuto [de observador consultivo da USJ] foi reconhecido o ano passado e acho que estão previstas para este ano um conjunto de iniciativas na área cultural. Mas estes parceiros consultivos não protagonizam as relações económicas e político-diplomáticas, e são essas que são determinantes”, alertou Francisco José Leandro.

Só boas intenções

Da cimeira dos últimos dois dias saiu a ideia de tornar a CPLP num espaço de livre circulação de bens, pessoas e serviços. Maria do Carmo Silveira, secretária-executiva da CPLP, referiu que a facilitação da mobilidade e a promoção do comércio como os principais desafios que a organização enfrenta.

Contudo, Francisco José Leandro defende que houve poucas evoluções no seio da CPLP desde a sua fundação, em 1995. “A CPLP, apesar de haver boas intenções, na realidade não tem uma componente diplomática e de negócios que possa ajudar nesta relação entre a China e os países de língua portuguesa. Se olharmos para a génese da CPLP, e para aquilo que ela é hoje, algumas coisas foram ponderadas, como a dimensão da segurança.”

Contudo, na visão do docente especialista em ciência política e relações internacionais, a CPLP “não tem ainda uma bagagem económica e diplomática que permita ser uma plataforma para esse aprofundamento de relações com a China”.

Mesmo que a livre circulação de pessoas e bens aconteça no seio dos Estados-membros, tal não terá influência para Macau e China, apesar da existência do Fórum Macau e de projectos de integração e cooperação como é o caso da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

“A livre circulação levanta outras questões e não sei se a CPLP tem capacidade política para as ultrapassar. É mais uma das boas intenções mas vai ser difícil de implementar. Há Estados que pertencem ao MERCOSUL, à União Europeia (UE). Não é assim tão fácil. Os Estados que pertencem à CPLP não estão disponíveis para sacrificar nenhuma da sua soberania em favor da própria CPLP. Portugal fez isso em relação à UE, mas nenhum dos outros Estados o fez em relação a outras organizações internacionais e muito menos à CPLP”, rematou. Ontem decorreu ainda a eleição do português Francisco Ribeiro Telles para o cargo de secretário-executivo.

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