O fanfang de Macau

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap]s festas do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique, que decorreram a 3, 4 e 5 de Março de 1894 no Porto e em todo o país, também Camilo Pessanha não assiste, pois vem de barco a caminho de Macau, onde chega a 10 de Abril. No Extremo Oriente está um ar pesado, sob o constante espectro de guerra, pois o colonialismo comercial instiga a abertura de novos mercados. Assim, a 1 de Agosto ocorre o ataque militar do Japão à Coreia.

As comemorações poderiam ter servido para lembrar, não estivesse fora da memória, mesmo no próprio país, a China há cinco séculos estar a preparar a última série de viagens marítimas e em 1433 deixava o mar, faltando-lhe apenas navegar no Oceano Atlântico.

Na sequência das sete viagens de Zheng He, Malaca rapidamente se afirmara como um novo reino, servindo de base de apoio a todas as suas expedições. O Almirante chinês em 1409 aí abriu uma feitoria e colocou o príncipe hindu Parameswara debaixo da protecção dos imperadores chineses da dinastia Ming. Deixando tropas para conter os ataques do Reino do Sião, levou Parameswara numa visita à China.

Assim, Malaca, um dos principais entrepostos comerciais da região, era um dos países tributários que podiam enviar embaixadas ao Celeste Império e quando em 1511 os portugueses a conquistaram, aí continuava a feitoria da dinastia Ming. Era então o porto mais afastado onde os chineses se dirigiam e aí os portugueses contactando-os, com eles vão até Tamão, local de veniaga e entrada da China. Mas para os portugueses serem aceites a viver em território chinês passaram dezenas de anos mais.

No Japão, o ansiar pelas sedas chinesas levava os japoneses a adquiri-las em alto-mar sobretudo aos portugueses que, ao chegarem em 1543 a esse país, dividido em 67 feudos, e apresentando a espingarda, abriu as portas ao comércio, entrando a Religião Cristã com a seda chinesa. Mercadoria adquirida também a marítimos de Fujian e Zhejiang, fora da lei do Imperador e presas fáceis para os piratas japoneses ávidos de seda.

Chineses de Haojing

O ambiente de Macau era de um fanfang em terra da China, aceite pelo Governo Imperial como bairro de administração estrangeira, comum ao longo da História do país. Houvera-os séculos antes pelos caminhos terrestres da Seda e com estes interrompidos, apareceram bairros estrangeiros em muitas cidades portuárias chinesas. Solução encontrada também pela dinastia Ming para albergar os comerciantes portugueses, onde a Sul da grande Ilha de Hiangshan, na pequena península de Haojing ergueram uma cidade com estruturas de governo próprias, permitidas se não fossem incompatíveis com as leis do Império Celeste. Com os marinheiros, mercadores e comerciantes chegaram os missionários, construindo-se a cidade cristã mais tarde amuralhada, habitada por famílias de comerciantes, com Senado, escolas e templos.

Já em 1279, Haojing acolhera sobreviventes das províncias de Zhejiang e Fujian, acompanhantes da nómada corte da dinastia Song do Sul, derrotada pela esquadra mongol na batalha naval em Yamen, num braço do Delta do Xijiang, às portas de Macau; Rio Oeste que passa no Porto Interior. Os agricultores da aldeia de Mong Há e os pescadores da zona da Baía de A-Má, aqui se encontravam quando os portugueses chegaram, havendo pelo menos duas povoações, ou três com Sa Kong, hoje no lugar entre Patane e o Mercado Vermelho. A Norte da península estava Mong Há, a Oeste Sa Kong e a Sul viviam os pescadores, a maioria a residir nos seus barcos que aportavam nessa baía junto ao templo de A-Má. Só quando os portugueses para aqui vieram e fizeram a cidade cristã na parte central da península, apareceram para os abastecer os comerciantes de Guangdong. Estabelecendo mais tarde o Bazar, alimentavam a cidade com produtos frescos trazidos do outro lado das Portas dos Limites.

Fecha o Japão, abre a China

Com a China fechada ao exterior desde meados do século XV, no século seguinte os portugueses e espanhóis navegavam no Pacífico. Da doutrina Católica já tinham saído os Anglicanos e os Protestantes, quando no início do século XVII os holandeses e ingleses chegaram ao Oriente, projectando-se na Ásia a Guerra dentro do Cristianismo, a ocorrer ainda na Europa.

A Religião Cristã levou o Japão a fechar as portas aos comerciantes europeus e desde 1639 manter-se fora do mundo pelos Éditos de Isolamento; mas foi a Companhia de Jesus, uma das causadoras desse encerramento, quem encontrou a solução para Macau ser a porta do Celeste Império. “Com o Sistema Comercial de Cantão, iniciou-se a abertura da China ao comércio internacional a partir dos finais da década de 1680, durante o reinado do Imperador Kangxi (1661-1722).

Com este sistema, os comerciantes estrangeiros passaram a visitar regularmente a cidade de Cantão, a única onde podiam realizar os seus negócios para além de Macau, mas sem contactar directamente com as autoridades imperiais”, segundo Alfredo Gomes Dias, que refere, “Os estrangeiros passavam por Macau, onde se inscreviam para frequentar as feitorias de Cantão durante os meses de Outubro a Janeiro. Findo este período, eram obrigados a regressar a Macau. (…) A necessidade de equilibrar a balança comercial com a China empurrou o poder político e económico de Londres para a I Guerra do Ópio.”

Saber o que contar de Cantão

Os mercadores ingleses, sem prata e nada para trocar pelas deslumbrantes sedas, porcelanas, chás, lacas, encontraram no ópio a mercadoria para a China. Aí ilegal, após a queima do ópio pelo Governo Chinês, estes mercadores pediram ajuda à armada britânica e pela guerra obrigaram os chineses a assinar o Tratado de Nanjing.

Ainda durante a Primeira Guerra do Ópio, o Reino Unido a 26 de Janeiro de 1841 proclamou a soberania da Ilha de Hong Kong e tudo mudou. Os estrangeiros, sobretudo britânicos, a residir em Macau rapidamente atraídos pelo excelente porto aí abriram as suas companhias e investiram na construção da cidade. Com eles vai muita gente, sobretudo macaenses para intérpretes e intermediários com a população chinesa, e outras funções, tanto comerciais como administrativas, necessárias à sua organização.

O Governo de Macau enviou em Novembro de 1843 uma missão a Cantão para negociar com o Vice-Rei, encabeçada pelo conselheiro Adrião da Silveira Pinto (que fora Governador de Macau de 22/2/1837 até passar o cargo a José Gregório Pegado em 3/10/1843), mas esta fracassou. Não conseguiu autorização para a colónia deixar de pagar foro e estender a demarcação do limite da cidade para fora dos muros do Campo de St.º António. Sem permitir o aumento dos 25 navios desta praça, os chineses anuíram, porém, à igualdade de tratamento na correspondência oficial entre as autoridades portuguesas de Macau e as chinesas do distrito e à permissão para os navios portugueses poderem também comerciar nos portos de Cantão (Guangzhou), Amói (Xiamen), Fôk-Tchâu (Fuzhou), Neng-Pó (Ningbo) e Xangai (Shanghai).

O fim do fanfang de Macau ocorrerá com o Governador Ferreira do Amaral.

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