VozesO 1º de Maio e a história das duas cidades Paul Chan Wai Chi - 18 Mai 2018 [dropcap style≠‘circle’]D[/dropcap]urante os últimos anos, em Macau, o 1º de Maio (Dia do Trabalhador) tem sido uma das poucas datas regularmente assinalada com manifestações populares, para além do dia em que se comemora a transferência de soberania. No entanto, quer Hong Kong quer Macau, têm assistido ultimamente a um decréscimo deste tipo de demonstrações no Dia do Trabalhador. Tendo perdido qualquer esperança na realização de um sufrágio universal, no rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva”, a sociedade de Hong Kong padece de pessimismo. Embora grupos de jovens tenham expressado a sua insatisfação de formas radicais, acabaram por ser silenciados após os protestos de Mong Kok. A chamada “resistência corajosa” chegou ao fim. O afastamento de dissidentes, por parte do Governo em funções, tem vindo a ser progressivamente intensificado. Mesmo os jovens da organização “Demosistō” acabaram por ser considerados não elegíveis para o Conselho Legislativo. Como Hong Kong tem sido paralisado por um sentimento de impotência, tornou-se difícil mobilizar as pessoas para manifestações e protestos . Em Macau, a política de “distribuição de dinheiros”, implementada ao longo dos últimos dez anos, tem funcionado como um anestésico. À excepção de pequenos grupos com consciência política, em geral, os manifestantes são desorganizados e não apresentam propostas concretas. Além disso, as manifestações não constituem momentos significativos. Mas, ainda mais determinante, é o facto de se registar uma fraca participação nos movimentos sociais, por parte dos jovens que não pertencem ao campo pró-governamental. E isto é válido tanto para as apreciações positivas aos bons desempenhos do Governo da RAEM, como para as críticas aos seus maus desempenhos. Se os desempenhos dos Governos de Hong Kong e de Macau forem reconhecidos pelo Governo Central, as populações das duas cidades desfrutarão de paz e de estabilidade. Mas, na realidade, o que se verifica é uma constante subida dos preços das habitações e a um acentuar das discrepâncias entre os ricos e os pobres, o que causa um declínio da qualidade de vida das populações. O Governo de Hong Kong tem uma actuação excessiva, mas pouco gratificante para os habitantes da cidade, enquanto em Macau temos um Governo com discursos vazios de sentido, mas uma população satisfeita com a vida que tem. Estas duas regiões são assoladas por grandes questões e por pequenos problemas, no entanto, os conflitos de fundo enraízados nestas sociedades constituem uma situação deveras preocupante, especialmente quando verificamos a indiferença da juventude. No 1º de Maio fui a Hong Kong e reparei que não existe tanta animação como em Macau. Causeway Bay não estava tão cheia de gente como a Avenida de Almeida Ribeiro. O Terminal de Sheung Wan, dos Ferrys que fazem a ligação Hong Kong-Macau não tinha muita gente. Apenas alguns grupos de pessoas iam em direcção do Terminal da Taipa, o que evidencia um decréscimo óbvio de turistas do continente. Se compararmos com as longas filas que se formaram para atravessar a fronteira de Gongbei para Macau, no passado dia 30 de Abril, verificamos que, para os turistas continentais, Hong Kong é um destino longínquo. De acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, a maioria do visitantes de Macau são originários da China continental. Se vier a haver um decréscimo no turismo do continente, Macau ficará tão“calmo” como Hong Kong, ou numa situação tão desastrosa como Taiwan. Por outras palavras, a seiva económica de Macau depende do turismo do continente. Mas será que existem em Macau produtos especiais de que necessitem particularmente os turistas continentais? Será que Macau possui algumas marcas de que se possa orgulhar? Se a China abrisse balcões com produtos farmacêuticos nas lojas duty-free, nos pontos de entrada em Macau, interrogo-me quantas Farmácias de Macau continuariam de portas abertas. As Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau não registaram nenhum desenvolvimento significativo desde a transferência de soberania para a China. O Centro de Medicina Chinesa e o projecto Cyberport de Hong Kong acabaram por não dar em nada. Depois do regresso de Macau à soberania chinesa, verificou-se um fiasco na reestruturação da indústria. Se a China não tivesse implementado o Programa de Visitas Individuais, que permitiu a tantos dos seus habitantes trabalhar em Macau, o sector imobiliário da cidade não teria florescido e, apesar da liberalização da indústria do jogo, os casinos não estariam cheios. Os homens de negócios de Hong Kong e de Macau desejam fazer fortunas, mas carecem de visão para um desenvolvimento a longo prazo. Os funcionários dos Governos de Hong Kong e de Macau limitam-se a depender do Continente e perderam a vontade de trabalhar com empenho. Com a implementação da Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, muitas cidades da China já prepararam as suas infra-estruturas visando a participação neste projecto. No entanto, em Macau, a rede do Metro ligeiro nem sequer se vislumbra no horizonte. A existência de uma cidade depende da existência de traços e de valores que a distingam. Mas os traços e os valores distintos de Hong Kong e de Macau estão a extinguir-se.