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<[dropcap style='circle'] O [/dropcap] meu habitat é a caixa de comentários de uma qualquer rede social. Aí floresço como uma trepadeira argumentativa sustentada por um emaranhado de memes e enfurecedores desafios ao conhecimento adquirido. Sou o assassino a soldo que veio matar o diálogo através de verborreia inflamável. Quero que tudo arda, principalmente a paciência dos meus incautos interlocutores que pensam ingenuamente que estão a ter uma conversa. O comentário que responde ao que escrevi é o meu sustento, alimento-me da reacção que consigo despoletar face ao arrazoado de bombas verbais que despejo indiscriminadamente tanto em cima de assuntos sérios, como da mais banais trivialidades. Este é o ambiente onde prospero. Se me vir na circunstância menor de discutir um assunto à mesa de um café tenho de conceder a minha intransigência à concórdia e render alguns dos meus inquinados trunfos. Frente a frente tenho, de rosto descoberto, sinto-me nu e exposto. A remanescente humanidade que ainda possuo tende a ceder pontos num debate deste tipo. Perco capacidades de litígio e a minha indignação esmorece, verga-se perante os argumentos do lado oposto. Mas ao menos vinco essa oposição, o mínimo que posso fazer. Irrita-me o compromisso, a cedência que em presença tenho de fazer quando me apresentam um pedaço de informação desconhecido acompanhado de um rosto que pode, não ou, sorrir-me. Frente-a-frente não consigo responder com a bomba de fumo da comunicação cibernética que é o meme, ou a exclamação espasmódica de “fake news”. As outras armas que não convém usar numa conversa em presença é o desvio de conversa para o “então e...”, ou a velha, mas sempre útil, ofensa pessoal. Outra das chatices do falatório presencial é a ausência de caps lock na vida real, até porque não quero dar muito nas vistas e GRITAR NUMA ESPLANADA. A minha voz não se fez para os decibéis elevados, apenas o meu teclado. Como sou um ser que floresce na treva, vivo entrincheirado na minha própria cabeça, preso naquilo que considero ser a minha verdade, que deixou de ser algo universal para passar a ser do domínio pessoal. A minha verdade é uma arma de arremesso argumentativo e uma armadura que protege a minha identidade. Para além do músculo, o meu coração é a minha identidade. Eu sou aquilo que penso ser a minha verdade. As minha opiniões fazem parte da estrutura que me compõe. Não tenho opiniões a favor ou contra, eu sou contra ou a favor. Preto e branco. Nuance é o nome que deram às fraquezas dos que se irritam comigo nos comentários de um grupo de Facebook. As minhas posições definem-me, constituem aquilo que sou. Discordar do que digo é invalidar a minha existência. Vivo, respiro e concebo-me nas minhas opiniões. Este foi o resultado de um isolamento a que me votei, é o somatório da distância que ganhei com os outros através de uma ferramenta que deveria servir para aproximar pessoas e facilitar a comunicação. Eu sou a pedra na engrenagem, a misantropia na rede social, a salada de palavras que não pretende ter legibilidade. Quero marés altas de spam a inundar todos os cantos da Internet e extravasar para o mundo palpável. Quero um mundo a arder, nervos em franja daqueles que me respondem ou leem, quero atenção, visibilidade neste campo de batalha virtual. Quero tumultos na rede, cascas de banana no chão, pedras nos sapatos. Quero ser lido e validado por aquilo que sou, e aquilo que sou é aquilo que penso. Sou a materialização rasteira da máxima descartiana. “Troglodytarum, ergo sum”. Alimentem-me, por favor. Procuro em vós a autenticação, ratifiquem-me com a vossa ira, legitimem-me com a vossa atenção. Odeiem-me que eu adoro.  

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