Nedie Palcon, líder da Green Philippines Migrant Workers Union: “Macau continua a ser atractivo”

Foi uma das poucas representantes das comunidades de trabalhadores não residentes a reunir com um membro do Governo, no âmbito do aumento das taxas de partos para estas trabalhadoras. Nedie Palcon, líder da Green Philippines Migrant Workers Union, trabalha em Macau há 14 anos e afirma estar a preparar um grupo de medidas reivindicativas, tal como aumentos salariais e de subsídio de alojamento

 

[dropcap style≠‘circle’]F[/dropcap]oi uma das primeiras porta-vozes das trabalhadoras não residentes a ter um encontro oficial com o Governo. Depois desse encontro o secretário decidiu mudar a proposta inicial relativa às taxas de partos para as empregadas domésticas. Foi uma boa decisão da parte do Executivo?

Na verdade continua a não ser justo, porque as empregadas domésticas são as que recebem os salários mais baixos, que variam entre as três e quatro mil patacas. A quantia é ainda elevada para elas e não está adequada ao seu nível salarial. Ainda assim, acho que é uma boa decisão, uma vez que há 20 anos que não há aumentos nas taxas dos partos.

 

Pretende criar um movimento mais forte para a protecção dos direitos das empregadas domésticas e ser a voz deste sector da sociedade?

Há muito tempo que temos esse plano e uma série de propostas para apresentar ao Governo, como os aumentos salariais e a implementação de um salário, porque Macau ainda não tem um salário mínimo universal. Há também a questão dos contratos de trabalho que não estão uniformizados, então muitas vezes são traduzidos pelas agências de emprego ou nem sequer são seguidos. Sei que fazem o contrato com a empregada, mas esta nunca o vê.

 

Não têm acesso aos contratos?

Não, não têm sequer acesso a uma cópia, a maioria delas. O contrato é automaticamente renovado e as empregadas continuam a não ter acesso a uma cópia. O patrão tem também de pagar 500 patacas para despesas de alojamento, mas esse valor já está em vigor há muitos anos e não houve qualquer aumento. 500 patacas é metade do valor que se paga por um espaço num beliche nesta altura, que custa mil patacas. Nem sequer inclui as restantes despesas da casa. Já temos isto planeado há muito tempo, mas tenho apenas três outras associações a trabalhar comigo nestas propostas.

Tem alguma ideia de quando poderão apresentar estas propostas ao Governo de forma unificada?

Talvez este ano.

 

Relativamente aos aumentos salariais, vocês pedem que haja um aumento das 2500 para 5000 patacas. Contudo, é ainda um valor baixo, tendo em conta a média salarial de Macau. Porquê propor um valor tão baixo?

Achamos que se propusermos um valor mais elevado não vai ser aceite. Procuramos um aumento ligeiro, porque muitas das empregadas domésticas vivem na casa dos patrões. Este aumento iria ajudar as empregadas domésticas que vivem fora das casas dos patrões e que têm de pagar a sua casa e comprar comida. Para elas, cinco mil patacas seria suficiente. Sei que algumas associações propuseram quatro mil patacas de salário na última consulta pública sobre a implementação do salário mínimo, mas continua a não ser suficiente.

 

Acredita que o Governo pode mudar a sua atitude, e também os deputados, em relação aos TNR?

Seria melhor uma mudança, de facto. Quando realizam consultas públicas nunca consultam as associações que representam a comunidade filipina, por exemplo, apenas as associações ligadas à comunidade indonésia. Simplesmente não fomos consultados. Penso que não há muita justiça na forma como realizam as consultas públicas, deveriam ser mais abertas ao público.

 

Disse-me que muitas empregadas domésticas não têm uma cópia dos seus contratos. Tem conhecimento de outras ilegalidades comuns e que são mais urgentes em termos de resolução?

Nos casos em que os patrões pedem às empregadas domésticas para renovar os contratos, e quando estas não concordam com algumas cláusulas, correm o risco de não ver o seu contrato renovado. Se o patrão alegar despedimento por justa causa elas têm de deixar o território.

 

Tendo em conta as agências de emprego, há também situações ilegais, em que estas retêm os passaportes das empregadas. Acredita que a nova lei pode resolver esta situação?

É ilegal reter os passaportes das empregadas domésticas, porque é um documento pessoal delas. Falei com os responsáveis de uma agência e eles justificam a retenção do passaporte para evitar deslocarem-se a casa da empregada para tratar das questões burocráticas. Mas esse argumento não é aceitável. Há casos de empregadas que, ao fim de três meses, não conseguem sair porque não têm documentos. Se a empregada começa a trabalhar através de uma agência, muitas vezes já tem todas as cauções pagas e não conseguem reaver o montante que sobra.

 

Macau continua a ser um território atractivo para os TNR, ou começam a olhar para outras possibilidades?

Continua a ser um lugar atractivo porque é fácil conseguir trabalho aqui. Há muitas categorias abertas a todas as nacionalidades. Em Hong Kong, por exemplo, só nos podemos candidatar aos empregos domésticos, e não é permitido procurar trabalho como turista. Aqui também é ilegal, mas essa prática continua a ser comum.

 

Isso pode findar com a nova lei das agências de emprego? Acredita que o Governo pode mesmo acabar com essa prática ilegal?

É uma possibilidade, mas a maioria das empresas como, por exemplo, os hotéis têm vindo a manter as práticas de recrutamento.

 

É fácil então chegar para visitar Macau, ou alguns familiares, trazer o currículo e apresentar candidaturas a empresas.

Sim.

 

Em Hong Kong tem havido um longo debate sobre os direitos das empregadas domésticas. A situação em Macau é melhor?

Em Hong Kong é melhor no que diz respeito à protecção dos direitos humanos, porque há sindicatos. Aqui os sindicatos não são permitidos, não há sequer uma lei sindical. Em Hong Kong podem falar mais abertamente dos seus direitos junto do Governo, sobretudo junto do departamento laboral. O Governo parece já ter implementado algumas regras, mas há ainda muitas empregadas a serem abusadas pelos patrões, e é difícil o Governo ter controlo sobre todas as situações.

 

Tem conhecimento de casos de violência em Macau?

Até agora, não ouvi nenhum. Sei de algumas situações de empregadas agredidas ou que não têm acesso à quantidade de comida que está estabelecida no contrato. Elas têm o seu salário e usam-no para comer. É uma situação ilegal, porque cabe ao empregador financiar as despesas de alimentação, sobretudo se a empregada viver com os patrões.

 

 

Acha que com a aprovação de uma lei sindical as condições poderiam melhorar?

Sim, mas é difícil porque há muito tempo que se discute a criação de uma lei sindical.

 

Nota uma grande diferença na sociedade em termos de aceitação de outras comunidades? Sente que há segregação?

Sim, noto alguma, sobretudo na hora de fazer as leis e proteger os direitos dos residentes e não residentes. Só o facto de sermos os não residentes já é algo discriminatório e há muito tempo que essa questão está por resolver.

 

Há um discurso político contra os TNR, que tem vindo a ser mais notório depois da transferência de soberania. Este discurso é negativo para Macau?

Não tenho grandes comentários a fazer quanto a esse discurso político, porque não assisto aos debates, mas sei que há muito tempo que existe essa questão. Mas não noto muita diferença. Por exemplo, quando vim para Macau o valor pelo alojamento já era de 500 patacas, e isso foi há 14 anos.

 

Na área da saúde, e tendo em conta o aumento das taxas de partos, é difícil o acesso a cuidados médicos no território para os TNR?

No meu caso, quando vou ao médico o meu patrão paga-me as despesas, mas sei de muitos casos que não é assim. É muito difícil e mesmo no hospital público temos de pagar muito. Eu nunca tentei. Os internamentos são muito caros. Conheço o caso de uma senhora que ficou internada uma semana e a conta atingiu as 30 mil patacas, no hospital público. Ela pediu ajuda a uma assistente social para poder pagar esse montante em prestações, e está à espera de resposta ainda. Conheço também um homem que tem uma conta de 200 mil patacas, e que já está nas Filipinas, mas que tem aqui duas irmãs.

Neste momento a Caritas dá-nos alguma ajuda, mas não temos acesso ao Banco Alimentar, por exemplo. Só através das associações é que fazemos acções de recolha de fundos em associações ou lojas filipinas, por exemplo, para ajudar os casos mais complicados.

 

Os consulados deveriam ter um papel mais interventivo em casos sociais?

No caso deste homem filipino de que falei, a família pediu ajuda mas só receberam algum dinheiro para apanhar um táxi, quando ele precisava de uma ambulância para sair. Foi a única ajuda que o consulado deu a esta família. Não sei porque é que não dão mais apoio, o consulado não dá atenção a muitas situações sociais que acontecem.

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