Manchete SociedadeEstudo | Violência juvenil influenciada por conflitos familiares e seitas João Santos Filipe - 13 Fev 201818 Out 2018 Um estudo da Universidade Cidade de Hong Kong revela que os conflitos familiares têm um grande impacto nos comportamentos violentos dos jovens infractores, seguindo-se a influência das tríades. No que diz respeito aos estudantes, a baixa auto-estima e a obrigatoriedade de ter um bom desempenho escolar pode levar à violência [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mudança do tecido económico registada em Macau a seguir à liberalização do jogo mudou a estrutura social de muitas famílias, algo que teve um impacto nos jovens. Esta é uma das conclusões do estudo “Uma previsão dos efeitos dos factores pessoais e de contexto na violência: Uma comparação entre estudantes e jovens infractores em Macau”, desenvolvido por T. Wing Lo e Christopher H.K. Cheng, académicos do departamento de ciências sociais aplicadas da Universidade Cidade de Hong Kong. O estudo, realizado com base em inquéritos anónimos feitos a 3085 jovens com idades entre os 12 e os 20 anos, revela que, no que diz respeito aos jovens infractores, os conflitos familiares, causados pela existência de uma elevada pressão económica e menos tempo entre pais e filhos, levaram aos comportamentos violentos dos jovens infractores. Em segundo lugar surge a influência das seitas. “Os jovens infractores revelam mais sinais de violência do que os estudantes”, é referido. Neste grupo “os conflitos familiares revelaram ter um efeito mais directo [ao nível dos comportamentos violentos], seguindo-se a susceptibilidade a uma influência negativa ou influência das tríades. Enquanto isso, a ligação ou o compromisso para com a escola tiveram algum efeito directo, ainda que ténue”. As conclusões revelam, portanto, que “a influência das tríades foram o segundo indicador mais forte em termos de violência”. “Para os jovens infractores, a baixa auto-estima não tem um efeito significativo em termos de violência, nem efeitos directos ou indirectos. Isso significa que para eles a sua auto-estima não é preditivo de violência. Os conflitos familiares têm o maior efeito directo, seguindo-se a ‘susceptibilidade a uma influência negativa’, e a influência das tríades, enquanto que o compromisso e a ligação com a escola registou um efeito significativo, ainda que leve.” Naquele que é apontado como o primeiro estudo sobre a violência juvenil em Macau, os académicos analisaram factores pessoais e do contexto em que se inserem os jovens para medirem aquilo que pode desencadear comportamentos violentos. No que diz respeito aos factores pessoais, uma baixa auto-estima e a elevada eficiência escolar nos estudantes estavam associados a comportamentos mais violentos. Contudo, estes factores mostraram não ter qualquer influência nos jovens infractores.” Em relação ao contexto, “os conflitos familiares revelaram ser um forte indicador de violência, enquanto que o compromisso ou ligação à escola foram o factor mais fraco para ambos [estudantes e infractores]”. Em declarações ao HM, Paul Pun, secretário-geral da Caritas e director da Escola São João de Brito, considerou que a influência das seitas junto dos jovens nos dias de hoje é cada vez mais ténue em comparação ao que se verificou nos anos 90. “No passado era um problema [a influência das tríades], e hoje em dia ainda se verifica um pouco. Antes era comum haver essa influência das tríades que diziam aos jovens o que fazer, mas agora essa influência já não se verifica com a mesma frequência. Essa situação melhorou.” Paul Pun recorda os dias de maior violência nas ruas de Macau, em que era comum não só o recrutamento de jovens nas escolas como a influência de seitas em comportamentos violentos ocorridos em ambiente escolar. “Essa situação está melhor”, acrescentou o secretário-geral da Caritas, que chegou a trabalhar como assistente social. “A sociedade de Macau está numa boa fase e as próprias tríades não sentem a necessidade de ir às escolas atrair jovens para fazerem parte dos seus grupos. Não digo que não continue a haver o recrutamento de jovens, mas a situação melhorou. Se os jovens têm algum tipo de problema podem falar com os pais, não têm de encontrar as suas próprias formas de atacar outros estudantes.” Evolução de comportamentos T. Wing Lo e Christopher H. K. Cheng realizaram os inquéritos em 2012 em várias escolas secundárias e lares juvenis do território. A média de idades dos que responderam é de 15 anos, sendo que mais de um terço dos inquiridos completou o ensino secundário. “A maioria”, ou seja, 78 por cento, é natural de Macau, seguindo-se 19 por cento de jovens oriundos do continente. Questionados sobre os rendimentos familiares, mais de 40 por cento dos jovens não tinham conhecimento dos valores, enquanto que um quarto dos jovens disse ter rendimentos mensais abaixo das 15.000 patacas. Já 18,4 por cento disse que as famílias levam para casa, todos os meses, entre 15.000 a 24.999 patacas. Os autores do trabalho académico apontam para a existência da influência das seitas no sector do jogo, o que acaba por se reflectir numa ligação, ainda que mais ténue, aos jovens. “Macau passou por um período turbulento em termos de violência no final dos anos 90, devido ao domínio das tríades chinesas nas operações do jogo VIP dos casinos. Apesar de um desenvolvimento da indústria dos casinos, as pesquisas sugere que as seitas mantém esse domínio. Tratam as mesas VIP de jogo como se fossem os seus territórios económicos, tendo surgido diferentes tipos de apostas e o crime emergiu para captar os desejos dos jogadores. Surgiu um híbrido empresarial das tríades que exerce violência ou que tem a reputação de recorrer à violência para controlar determinado território para obter ganhos financeiros.” O recrutamento dos mais jovens em escolas acontece porque as tríades necessitam de “proteger os seus negócios”. Estabelece-se uma “relação Dai Lo-Lan (de protector e protegido) para reforçar o seu poder em determinado território”. “As pessoas aceitam este comportamento porque entendem que a reputação das tríades em relação à violência constitui uma ameaça. Há a ideia de que as tríades são capazes de exercerem a sua força da maneira que quiserem”, aponta o estudo. Muitos dos jovens infractores que participaram neste estudo “foram membros de seitas”. “Assim que o jovem passa a fazer parte de uma seita, a violência é recompensada como uma forma de expressão e de comportamento integrado em relação ao grupo. A aceitação do comportamento anti-social dos membros torna-se numa recompensa no seu compromisso para com a violência”, apontam os autores, que falam da existência de um “processo de desenvolvimento” nesse campo. Ou seja, há uma evolução em termos de comportamentos relacionais dos jovens em relação às tríades. “Numa fase inicial a auto-estima dos estudantes é relativamente baixa e têm um desejo de serem aceite pelos seus pares, e cometer violência é uma das opções. Assim que começam a desenvolver um comportamento violento, a sua auto-eficácia começa a destacar-se e isso facilita a violência, assim que garantem o seu status nos grupos de pares. Alguns podem juntar-se a tríades, cometer crimes ou serem apanhados pela polícia.” “Numa fase posterior, a violência deixa de ser afectada pela sua baixa auto-concepção, mas pela participação no gang. Assim que passam a pertencer a um gang, essa subcultura torna-se no guia para o comportamento violento. Nessa subcultura, os jovens tornam-se violentos para preencher as normas do gang, ‘olho por olho’ e a irmandade das tríades”, aponta ainda o estudo. Os autores destacam o trabalho que o Governo tem vindo a fazer nesta matéria, desde que criou, em 2004, o programa de auxílio comunitário destinado a jovens e crianças. Contudo, é sugerido que se faça mais nesta matéria, no sentido de se criarem programas específicos para com casos de baixa auto-estima e problemas com a necessidade de um bom desempenho escolar. É também sugerido que sejam realizados mais estudos académicos sobre este tema. O outro lado da economia O trabalho desenvolvido com a chancela da Universidade Cidade de Hong Kong lembra que a mudança brusca que a economia local começou a registar a partir de 2001 teve um forte impacto nas famílias, o que se traduz em menos tempo para os pais estarem com os seus filhos. “Macau tem hoje um dos Produto Interno Bruto mais elevados do mundo. Isso mudou a vida das pessoas em diversas áreas. Em primeiro lugar, houve uma influência no aumento do custo de vida, sobretudo ao nível das rendas e dos preços das habitações para a sociedade em geral. Em muitas famílias, tanto o pai como a mãe têm de trabalhar a tempo inteiro e têm falta de tempo, energia ou paciência para lidar com os seus filhos. Os conflitos familiares aumentaram como resultado da pressão económica nas famílias.” Dessa forma, e “devido ao aumento da pressão económica e dos conflitos familiares, a continuação do domínio das tríades e o fenómeno das ‘baixas qualificações, empregos muito bem pagos’ na nova era do jogo, Macau tem vindo a enfrentar o problema da delinquência juvenil semelhante ao que foi vivido em muitas sociedades”.