Echo Chan volta ao Fórum Macau

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] oficial: pouco mais de dois meses após a saída de Cristina Morais do cargo de secretária-geral adjunta do Fórum Macau, eis que o Governo optou por escolher um rosto com alguma experiência. Echo Chan está assim de regresso ao lugar que ocupou durante oito meses. A confirmação foi feita através de um comunicado oficial. O HM já tinha, há algum tempo, colocado a questão, sem ter obtido resposta.

“A assessora deste gabinete [do secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong], Chan Keng Hong Echo, foi indicada pelo secretário para exercer, em representação do Governo da RAEM, as funções de secretário-geral adjunto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau.”

Segundo o mesmo comunicado, a escolha teve em conta “a bem-sucedida realização no território da 5.ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau, em Outubro de 2016, e o objectivo de responder ao desenvolvimento económico e comercial verificado entre a China e os países de língua portuguesa”, além de ter em conta “o apoio à concretização dos diversos trabalhos do Fórum de Macau”.

O gabinete de Lionel Leong explica que Echo Chan “domina as línguas chinesa e portuguesa”, tendo sido vogal executiva do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM), lugar que vinha ocupando desde a sua saída do Fórum Macau.

Echo Chan foi também coordenadora-adjunta do gabinete preparatório do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa, tendo coordenado posteriormente essa entidade.

Questões pessoais

Echo Chan deixou o lugar em Outubro de 2015, tendo sido a sucessora de Rita Santos, pessoa que, até hoje, foi a que mais tempo se manteve no lugar de secretária-geral adjunta. Na altura, Echo Chan invocou “razões pessoais e familiares” para deixar o lugar.

Também Cristina Morais disse ao HM que a sua decisão se pautou pelos mesmos motivos. “Findo o termo de uma comissão, é natural que as pessoas possam optar por ficar ou sair. No meu caso, optei por assumir funções diferentes, em vez de assumir a prorrogação. Foi por motivos pessoais que deixei o Fórum Macau. Optei por voltar à Direcção dos Serviços de Economia. Continuarei a fazer parte do Fórum Macau porque estarei no departamento de relações económicas internacionais”, apontou.

O HM tentou obter reacções à escolha de um nome repetido para o lugar, mas até ao fecho da edição não foi possível estabelecer qualquer contacto. Xu Yingzhen é secretária-geral do Fórum Macau, tendo como braço direito Vicente de Jesus Manuel.

9 Jan 2017

Leung Hio Ming vai ser o novo presidente do Instituto Cultural

Já se sabe quem vai ser o novo presidente do Instituto Cultural. Trabalha na casa, é um dos vice-presidentes de Ung Vai Meng, e foi director do Conservatório de Macau. Leung Hio Ming é o senhor que se segue

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] notícia foi avançada este fim-de-semana pela Rádio Macau: Leung Hio Ming vai ser o próximo presidente do Instituto Cultural (IC). Guilherme Ung Vai Meng anunciou, na sexta-feira, que vai abandonar o cargo, em Fevereiro, para se dedicar à vida artística. O pintor estava à frente do IC desde 2010, depois de ter liderado o Museu de Arte de Macau.

Quanto ao sucessor de Ung Vai Meng, está no organismo desde 1995. Leung Hio Ming desempenha as funções de vice-presidente. O antigo director do Conservatório de Macau é doutorado em Música pela Universidade do Kansas, nos Estados Unidos. Em 2010, recebeu a Medalha de Dedicação da RAEM.

Sete anos depois de ter assumido a presidência do IC, Guilherme Ung Vai Meng decidiu aposentar-se da função pública. Em declarações ao Canal Macau da TDM, explicou que chegou o tempo de se voltar a dedicar à arte.

“A nossa vida tem períodos e objectivos diferentes. As pessoas conhecem-me do mundo das artes. No meu coração tenho grande vontade de ter esse lado criativo, por isso, no último ano, comecei a explicar ao secretário Alexis Tam, meu grande amigo, que queria voltar ao mundo artístico para criação e investigação de arte”, justifica.

Questionado sobre se a saída se deve a algum tipo de pressão ou desgaste relacionado com processos complicados nos últimos anos, como, por exemplo, o da nova Biblioteca Central, Guilherme Ung Vai Meng garantiu que a decisão é exclusivamente pessoal.

Alexis Tam lamenta

Em declarações aos jornalistas, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura lamentou a saída de Guiherme Ung Vai Meng. “É um trabalhador e presidente de grande qualidade na Administração Pública”, apontou Alexis Tam.

O governante explicou que, no segundo semestre do ano passado, o presidente do IC apresentou o seu pedido de aposentação, uma vez que trabalha há cerca de 40 anos na Função Pública. Tam contou que tentou demovê-lo, mas acabou por aceitar a sua decisão.

O secretário acrescentou que tem dado “grande importância ao cumprimento das atribuições do Instituto Cultural”. “Toda a equipa do IC mostrou também grande empenho no seu trabalho, tendo obtido resultados muito positivos, reconhecidos por todos”, afirmou.

A propósito da salvaguarda do património cultural, uma das atribuições do instituto, Alexis Tam defendeu que “há diferentes partes interessadas na sociedade que defendem diferentes ideias, o que é natural e acontece também noutros países e regiões”, pelo que “cabe ao Governo da RAEM executar da melhor forma os trabalhos de salvaguarda do património cultural, considerando sempre o interesse público e o bem-estar da população”.

9 Jan 2017

CCAC |  Recebida queixa do “caso Sónia Chan”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) já recebeu a queixa do caso relativo ao favorecimento de um familiar para entrada na função pública, por parte da  secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan. A informação foi dada pelo comissário contra a corrupção André Cheong ao Jornal do Cidadão.

“Recebemos a queixa não há muito tempo,” referiu André Cheong acrescentando que na fase actual do processo não tem mais declarações a fazer. O comissário sublinhou que o caso foi directamente entregue ao CCAC, sem adiantar pormenores.

André Cheong fez referência ao relatório de actividades do organismo de 2015, sendo que  “entre os processos penais descobertos, os conluios entre o pessoal do Governo e as empresas de adjudicação são preocupantes”. Para o relatório de 2016, cuja data de publicação está prevista em Março, André Cheong não adianta quaisquer informação.

De acordo com a mesma fonte, O Chefe do Executivo, Chui Sai On  já tem conhecimento da queixa e afirmou que o processo irá seguir de acordo com os procedimentos legais.

9 Jan 2017

AL | Si Ka Lon quer “economia portuária” no quarto espaço

O Governo terá de ir ao hemiciclo dar mais detalhes sobre a ideia de construir um “quarto espaço” a sul de Coloane ou na zona da Ilha da Montanha. Si Ka Lon defende que o novo aterro pode acolher uma “economia portuária”. Dominic Choi alerta para a preservação ambiental

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Gabinete de Estudos de Políticas anunciou, em Dezembro, um estudo que revela que Macau poderá um dia ter um novo aterro para além dos que estão a ser construídos. O “quarto espaço” é, para já, apenas uma ideia, mas o deputado Si Ka Lon pretende que o Governo dê mais explicações sobre o assunto.

Numa interpelação oral entregue para ser discutida num futuro debate, ainda sem data marcada, o número dois de Chan Meng Kam defende que o “quarto espaço” pode ajudar ao desenvolvimento de uma “economia portuária”.

“O primeiro-ministro Li Keqiang afirmou, na sua visita, apoiar o desenvolvimento da indústria oceânica de Macau. Especialistas e académicos de Macau também chegaram a apresentar a construção de um porto de água profunda no sul da ilha de Coloane, para que o nosso porto franco voltasse a brilhar. Quais são as principais funções do quarto espaço apresentado pelas autoridades? Já se ponderou construí-lo como economia portuária?”, questionou.

Para o deputado, “esta concepção visa o desenvolvimento dos próximos dez a 20 anos, pelo que há que proceder, o quanto antes, ao respectivo planeamento, o que é bastante prospectivo. O que a sociedade conhece ainda é pouco, podendo originar algumas dúvidas, por se achar que esta concepção é vaga.”

Dessa forma, o deputado exorta o Governo a ir à Assembleia Legislativa fazer “uma apresentação dos diversos indicadores do ‘belo lar’ e explicar como é que o quarto espaço vai impulsionar a sua concretização.” “Como vão avançar os trabalhos do respectivo desenvolvimento, planeamento e aterros, entre outros?”, questionou ainda.

Olhar para o verde

Dominic Choi, arquitecto e presidente da associação Arquitectos Sem Fronteiras, defende que a construção de um “quarto espaço” a sul de Coloane, junto à praia de Hac-Sá, poderá pôr em causa a protecção do meio ambiente.

“Temos de ter em conta como esse quarto espaço vai afectar o meio ambiente. Isso poderá gerar preocupações sobre a protecção ambiental dessa área de Macau. A maioria dos aterros está a ser desenvolvida junto à Taipa e Macau, que são áreas mais adequadas para este tipo de projectos. Estender mais aterros para o sul significa que vamos ter menos espaços verdes e isso vai influenciar a ligação entre Taipa e Coloane, com mais circulação de pessoas e carros”, defendeu ao HM.

Na óptica de Dominic Choi, o Executivo deve “olhar para as infra-estruturas que serão construídas”. “As actuais habitações públicas estão a ser construídas sem planeamento e isso constitui um problema. Se este quarto espaço for mais uma área de habitação, temos de analisar se essas infra-estruturas serão sustentáveis para responder aos residentes e se vai ter em conta a circulação de pessoas e o tráfego”, rematou.

9 Jan 2017

Justiça | Ho Chio Meng faz reparos à acusação

De cápsulas de café a esquentadores, passando por viagens de avião com pessoas que, alegadamente, não deviam ter viajado à boleia do Ministério Público. O julgamento do antigo procurador continua e Ho Chio Meng reitera que é inocente

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-procurador da RAEM não se conforma com a acusação de que usou dinheiro do Ministério Público para pagar bilhetes de avião e quartos de hotel a pessoas estranhas ao serviço. Ho Chio Meng garante que “não há crime” algum e reiterou que a “acusação está mal feita”. De acordo com a Rádio Macau, que tem estado a acompanhar o julgamento, Ho Chio Meng deixou, na passada sexta-feira, um desabafo: “Não posso ter mais azar do que estar aqui sentado. Mas azar do que este não pode haver”.

Acusado de mais de 1500 crimes, a maioria relacionados com a aquisição de bens e serviços de pequeno valor, Ho Chio Meng referia-se à acusação de que, em sete anos, gastou milhões de patacas em viagens e hotéis com pessoas que não faziam parte do MP e que a acusação identifica como “amigas” do arguido. O ex-procurador voltou a contestar a escolha das palavras: “Esse termo [‘amiga’] não é correcto. Se [o convidado] não for homem, só pode ser mulher. Se a acusação fala nas mulheres, é necessário que diga que há homens também”.

Na versão de Ho Chio Meng, os beneficiários das despesas de representação “estavam a prestar serviços para o MP”, apesar de não fazerem parte do organismo. Seriam pessoas próximas do Gabinete de Ligação ou que viram os gastos autorizados por “um dirigente” que o ex-procurador disse não pretender identificar. A informação estará num documento. “Se tivessem visto este documento, não teriam esta conclusão. Não pensaram bem as coisas”, afirmou, dirigindo-se aos magistrados do MP.

Entre estas pessoas que não faziam parte do serviço e viajaram com o Gabinete do Procurador, está Wang Xiandi, também arguida no processo. Apesar das tentativas do tribunal, Ho Chio Meng não quis entrar em pormenores sobre as ligações de Wang ao MP.

“Sou inocente. Choro pela inocência”, reforçou o ex-Procurador, referindo-se ainda às acusações relacionadas com as despesas de representação. “Sinto-me mal a ler isto. Não corresponde à verdade e afecta a minha família. Da maneira como está escrito, afecta a minha família”, disse.

Rir do que é “muito ridículo”

Na mais recente sessão do julgamento, que está a decorrer no Tribunal de Última Instância, Ho Chio Meng reforçou o tom das críticas à acusação de que é alvo, relata ainda a Rádio Macau. O ex-procurador revelou indignação sobre o alegado esquema de corrupção associado à aquisição de bens e serviços durante o tempo em que esteve à frente do Ministério Público, e disse que havia factos da pronúncia que lhe davam vontade de rir.

“Vi o contrato e até me ri. Não por estar contente, mas por ser muito ridículo”, afirmou Ho Chio Meng, referindo-se ao momento em que, já na prisão, viu por que estava acusado de burla pela compra de serviços de microfilmagem. A acusação alega que houve crime porque as empresas contratadas “não prestaram serviços profissionais, apenas mandaram os seus trabalhadores desempenhar o trabalho”.

Na versão do MP, o serviço devia ter sido prestado por um “técnico de microfilmagem” e por um “operador de computador”. Já Ho Chio Meng alega que esta é uma área onde não há especialistas. “Até eu posso fazer este trabalho”, disse.

O ex-procurador preparava-se também para contestar a acusação na parte em que cita a quantidade de microfilmes comprada, mas a referência serviu apenas para o juiz Sam Hou Fai, que preside ao julgamento, concluir que, afinal, o arguido tem tempo para “ver a acusação tintim por tintim”.

A sessão começou com Ho Chio Meng a afirmar que as condições na prisão são “muito difíceis” para preparar a defesa. “É uma pessoa sozinha, um papel e uma caneta” contra os mais de 1500 crimes que constam da acusação.

O antigo procurador voltou a apontar para a “falta de provas” e disse que a acusação é “subjectiva” e parcial por ignorar alguns factos.

Ainda sobre os contratos de obras e serviços relacionados com a residência oficial, Ho Chio Meng repetiu que se limitou a seguir o modelo do Governo para escolher sempre a mesma empresa. “Em relação às residências oficiais, há prestações de serviços praticamente fixas”, reforçou.

A existência de um piano na moradia oficial do então procurador causou perplexidade ao tribunal. Sam Hou Fai, que também tem direito a residência oficial, quis saber quanto custou o piano e quem o comprou. “A sede do Governo perguntou-me o que queria para lá”, respondeu Ho Chio Meng. E acrescentou: “Não se esqueça que entrei primeiro. Vivi lá primeiro”.

Água quente e café

Na sessão falou-se ainda da instalação de um esquentador na residência (Ho Chio Meng é acusado de ter recebido 700 patacas de comissão pelo serviço) e da compra de cápsulas Nespresso para o MP. O tribunal quis saber por que o café não era comprado directamente ao fornecedor, mas através de uma empresa.

Ho Chio Meng alegou questões práticas e disse que este foi um assunto a que não prestou atenção por entender que “é pouco relevante”, apesar da burocracia envolvida. O tribunal insistiu na pergunta e Ho Chio Meng acabou por se mostrar indignado. “Toda a gente toma café. Mas quem foi preso preventivamente e está aqui sentado, acusado de burla ou de participação económica, sou eu”, rematou.

9 Jan 2017

Taxas de veículos | Vozes e cartazes invadiram as ruas contra aumento

Os números não são consensuais, mas seriam entre 1600, segundo a polícia e 5000, segundo a organização, os manifestantes que ontem se fizeram ouvir contra o aumento de taxas anunciado pelos Serviços de Tráfego. A liderar a manifestação esteve o deputado José Pereira Coutinho que considera a medida uma punição social

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] moldura humana era de perder de vista na chegada da manifestação de ontem à Sede do Governo. Um aglomerado de cartazes com palavras de ordem contra o recente aumento de taxas sobre os veículos impunha-se no ar e para que não existissem mal entendidos, as frases estavam em chinês, português e inglês. Era uma manifestação para ser bem percebida por todos: Executivo e população. A acompanhar os dizeres soavam as vozes que gritavam “retirada” e seguiam o nitidamente satisfeito organizador, José Pereira Coutinho.

Segundo o deputado, eram cerca de cinco mil os manifestantes. “Uma adesão muito boa  e que nos deixa muito satisfeitos”, disse à comunicação social após a entrega da petição. No entanto, Pereira Coutinho não deixou de sublinhar que “seriam  muito mais se muitos não tivessem de estar de serviço”.

Para o dirigente da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), uma das entidades promotoras do protesto, o facto de chamar multas, e não taxas, à recente medida do Governo, é simples de explicar. “Esta forma de aumentar drasticamente os valores do que chamam de taxas é uma penalização e, como tal, não está correcto penalizar a população. Por isso são multas”, disse. Para o deputado trata-se de uma penalização que “vai directamente aos bolsos dos cidadãos” e como tal, deve ser previamente analisada junto da população.

A ATFPM findou a manifestação com a entrega da petição no Governo. Trata-se de “uma missiva a pedir a retirada do despacho que aumentou substancialmente as multas”.

As razões apontadas pelo líder da ATFPM são sumariadas em três pontos: “a falta de consulta pública, as multas exorbitantes que vão para o bolso de empresas privadas e, por último, alguém tem de assumir responsabilidades por todo esta imbróglio”. Para Pereira Coutinho os residentes não devem, no primeiro dia de Janeiro “sofrer consequências tão drásticas”.

O deputado frisou ainda que considera outras formas de intervenção contra a medida tomada no ano novo. “Não estão fora de questão outras formas de acção mais drásticas como expressão de vontade dos cidadãos”. Coutinho avisou já que, no caso de não existir cooperação por parte do Governo, está a organizar uma marcha lenta de automóveis e motociclos.

No entanto, não deixa de apresentar soluções para que estas situações não se repitam no futuro, ou seja,  “quando existir o problema, é necessário consultar a sociedade e as associações que a representam, e, só depois, tomar as decisões”.

Da revolta

Na multidão que se fazia ouvir estava Lou. Com cerca de 50 anos, considera que esta é “uma questão muito ligada à vida quotidiana dos residentes “ e, como tal, sentiu-se no dever de participar no protesto. “O meu marido foi multado quatro vezes no mês passado por estacionamento ilegal apesar de ter colocado a mota em locais que não influenciavam o trânsito”. O motivo, apontou Lou ao HM, foi o facto de não existirem lugares suficientes nos parques de estacionamento, não dando outra alternativa ao marido que não fosse optar por um lugar onde conseguisse e que em nada afectasse o transito. “As multas já são dadas com um carácter intensivo, e como se não bastasse, aumentaram”, reclamou.

Os Serviços de Tráfego (DSAT) não fizeram o anúncio do aumento com a devida antecedências, considerou o jovem manifestante de 20 anos , George Tong. Revoltado, afirma que os salários, pelo contrário, não tiveram aumentos pelo que questiona a possibilidade de viver o dia a dia desta forma.

“Se o Governo conseguir melhorar os transportes públicos estou disposto a deixar de conduzir, disse ao HM. Para o jovem, a solução passaria tão somente por uma boa rede pública de transportes.

De entre as vozes do protesto estava também Sam, de 30 anos. Participava na manifestação por considerar que, “além do grande aumento das multas, também o preço dos veículos foi fortemente inflacionado com a medida”

Para a manifestante é essencial marcar presença e dizer que não àquilo que considera um abuso na medida em que “todos os residentes acabam por ser afectados”.

O Chefe do Executivo prometeu “servir o povo” e não é isso que se está a passar, considerou Mok, um residente com cerca de 50 anos visivelmente zangado com aquilo que considera “uma injustiça”.

Em português falou ao HM, L. que considera que arranjar um lugar num parque “é muito difícil e o aumento das multas é exagerado”. Para o residente, “se o Governo que fazer um aumento tem, em primeiro lugar de arranjar alternativas”.

A manifestação de ontem foi mais um protesto contra a medida anunciada pela DSAT no início do ano e que dita aumentos das taxas para veículos que variam entre os 50 por cento e os 1233 por cento, sendo que a taxa de remoção de veículos registou uma subida de valor entre os 400 por cento e 1233 por cento.

Segundo os dados da Polícia de Segurança Pública, participaram na manifestação cerca de 1600 pessoas.

PSP desocupou 91 lugares estacionamento em seis dias

Um comunicado oficial revela que a Polícia de Segurança Pública (PSP) desocupou 91 lugares de estacionamento em parques públicos entre os dias 1 e 6 de Janeiro, os quais estavam ocupados ilegalmente por veículos há algum tempo. Citado por outro comunicado, o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, garantiu que os trabalhos da PSP no cumprimento das novas taxas de veículos tem sido efectuado “de uma forma mais complacente”. Wong Sio Chak respondeu ainda que “o cumprimento da lei é uma responsabilidade da polícia, apesar de algumas acções serem tomadas de uma forma mais complacente, tal como os primeiros cinco dias após a entrada em vigor da nova tabela de taxas”. O secretário adiantou ainda que as novas medidas reforçaram “o cumprimento da lei para os veículos abandonados sob estacionamento ilegal”.

9 Jan 2017

FRC | Exposição mostra trabalhos feitos com elementos naturais

“Pó e Pedra” é um conjunto de esculturas e pinturas feitas com pigmentos e materiais naturais. A proposta é da Fundação Rui Cunha (FRC) que convidou Fernando Simões e Rafaela Silva para mostrarem os seus mais recentes trabalhos

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma série de pinturas e esculturas feitas com pigmentos e matérias naturais é o conteúdo da exposição “Pó e Pedra” com obras de Rafaela Silva e Fernando Simões.

A pintora, que tem marcado o seu trabalho com peças em que utiliza o óleo, técnicas mistas e colagens, está agora com os olhos postos na natureza e os materiais que dela nascem. “Trabalhei durante muitos anos com a pintura a óleo e era nesse âmbito que me sentia completamente em casa a trabalhar”, disse ao HM. Há três anos frequentou um workshop no Algarve onde “a recolha de rochas e outros elementos da terra” a deixaram encantada com as possibilidades que poderia trazer.

Rafaela Silva começou por trabalhar os pigmentos naturais em papel de aguarela utilizando a água-cola como elemento aglutinador. Mais tarde optou pela cortiça porque “é um elemento novo e que está em fase de grande desenvolvimento de finalidades”. Apesar de ser uma base onde nem sempre é fácil trabalhar por absorver os pigmentos de imediato e exigir uma ideia concreta, é também um desafio por não permitir correcções.

É “com o recurso a elementos naturais e biológicos, e segundo os métodos mais antigos e tradicionais” que a artista pretende continuar o seu trabalho, até porque considera que o contexto artístico está num momento de “voltar à origem por proporcionar novas descobertas”.

Para o futuro prevê outras bases para explorar: “A seguir quero tentar a madeira e depois o papel japonês”, referiu.

A exposição com o escultor Fernando Simões foi produzida separadamente. “Os trabalhos estavam feitos quando recebemos o convite da FRC e acabou por resultar muito bem”.

Espaço para a escultura

Já Fernando Simões continua a criar sobre a representação da própria natureza. “São esculturas que podem representar ondas ou outros elementos naturais que identificamos facilmente” explicou ao HM. A intenção é “transmitir a ideia de movimento e a inspiração vem da própria natureza”.

Este é um método que, para o artista, representa uma forma livre de trabalhar por não seguir “qualquer desenho pré-concebido”. “Começo a fazer uma peça e quando vejo que gosto, está terminada”, sublinhou.

Para Fernando Simões, uma obra de arte tem de possuir definição, movimento e surpresa. No seu trabalho, o inesperado é parte integrante do processo criativo. Com peças que têm de ir ao forno, o resultado pode, muitas vezes, ser o mais inesperado. “É um trabalho que tem uma parte do processo controlada, mas há coisas que depois da cozedura, por exemplo, aparecem e que acabam por ser aproveitadas para valorizar a própria peça”.

A junção das esculturas de Fernando Simões à pintura de Rafaela Silva, foi, para o artista uma boa aposta. “Em Macau, há muita pintura ou fotografia, mas não há muita escultura e esta é uma oportunidade de a mostrar também”, disse. “Pó e Pedra” está patente até 15 de Fevereiro.

9 Jan 2017

China | Anunciadas novas medidas e objectivos para meio-ambiente

Pequim prossegue os planos para atacar os efeitos da poluição atmosférica. Com metas ambiciosas, e investimentos avultados, pretende-se reduzir drasticamente as emissões de poluentes, e apostar nas energias renováveis e transportes públicos

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]urante a reunião dos países da APEC de Pequim, em Novembro de 2014, as autoridades chinesas diminuíram drasticamente a laboração fabril dos arredores da metrópole. O objectivo seria tornar o ar um nadinha mais respirável para receber os líderes dos países da aliança económica. O resultado foi um vislumbre de céu azul por cima de Pequim, uma raridade tão grande que resultou na invenção de uma nova cor: azul APEC. Não só uma representação do apurado sentido de humor chinês, mas também a demonstração de que ver o céu em Pequim é algo que acontece quando o rei faz anos.

Além de se ter tornado uma marca de pouco prestígio da capital chinesa, a poluição atmosférica começa a acarretar um forte peso socioeconómico para a segunda maior economia mundial. Como tal, o Governo Central propôs na semana passada um plano de investimento musculado de 2,5 biliões de yuan para a geração de energias renováveis até 2020, de forma a inverter a marcha do país em direcção ao abismo ecológico. O plano foi avançado pela Agência Nacional de Energia chinesa na noite da passada quinta-feira, e marca um virar de página de Pequim. A ideia é progressivamente largar a energia fóssil, em particular o uso do carvão, que foi o grande motor do crescimento económico chinês, e rumar em direcção às energias mais amigas do ambiente.

Prevê-se que o investimento criará mais de 13 milhões de empregos no sector das renováveis, de acordo com o plano traçado até 2020. Este plano irá duplicar a geração de energia amiga do ambiente, nas áreas das eólicas, energia hidráulica, solar e nuclear.

No mês passado, a instituição que traça os planos gerais da economia chinesa, a Comissão para as Reformas e Desenvolvimento Nacional, comunicou um plano de cinco anos no qual se pretende injectar um bilião de yuan no sector da energia solar. Este exemplo implicará o crescimento que quintuplicará o sector. De acordo com analistas ouvidos pela Reuters, este investimento poderá servir para a construção de mais de mil novas estações de geração de energia solar.

O investimento será repartido estrategicamente, tendo sido alocados 700 mil milhões de yuan para as centrais eólicas, enquanto o sector hidráulico receberá 500 mil milhões de yuan. O restante dinheiro irá para a energia gerada pelo poder das ondas e para a energia geotermal.

Apesar de tudo, o consumo energético de um país com quase 1,4 mil milhões de habitantes é algo colossal. Para se ter uma ideia mais concreta da grandiosidade do problema, apesar deste investimento até 2020, as energias renováveis representarão apenas quinze por cento do total do consumo energético chinês. O carvão continuará a ser uma parcela fundamental da rede energética chinesa, sustentando cerca de metade do consumo da energia. Mesmo assim, este esforço de Pequim equivale a uma poupança de queima de 580 milhões de toneladas de carvão.   

O investimento chega numa altura em que o custo da construção de centrais de energia solar decresceu cerca de 40 por cento, em relação aos valores de 2010. De acordo com Steven Han, analista de energias renováveis ouvido pela Reuters, Pequim pode mesmo a investir mais, à medida que os custos do sector diminuam.

Cortas nas emissões

A China está a planear cortes nas principais fontes da poluição atmosférica, incluindo no dióxido de enxofre, assim como pretende avançar com planos para promover mais transportes públicos nas grandes cidades. As intenções foram anunciadas no final da semana, numa altura em que o norte do país vive, de novo, dias dramáticos causados pela poluição.

A segunda maior economia do mundo vai cortar nas emissões de dióxido de enxofre, uma das principais fontes da poluição do ar, consequência das indústrias e das centrais de energia. O plano anunciado pelo Conselho de Estado prevê uma redução de 15 por cento até 2020.

Além de definir limites para as emissões do sector industrial, a China pretende aumentar a presença dos transportes públicos nas zonas metropolitanas, de modo a que passem a significar 30 por cento do trânsito total. Até 2020, pretende-se ainda promover combustíveis mais limpos e eficientes.

O país vai no terceiro ano da “guerra contra a poluição”, numa tentativa de minimizar a herança de três décadas de crescimento económico sem qualquer entrave, ou preocupação ambiental. Nos últimos tempos, têm sido feitos esforços no sentido de ir ao encontro dos padrões de qualidade do ar e de evitar episódios de forte poluição.

Um porta-voz do Ministério do Ambiente afirmou que o uso excessivo de recursos “é um forte constrangimento que trava o desenvolvimento económico e social da China”.

Nas últimas duas semanas, zonas vastas do norte da China estão a ser afectadas por smog, causado pelo aumento da utilização de carvão necessário para os sistemas de aquecimento, imprescindíveis no Inverno. A poluição voltou a fazer-se sentir com intensidade apesar das concentrações das partículas PM 2.5 terem descido seis por cento em 2016, de acordo com os números oficiais.

Nas novas indicações do Conselho de Estado, explica-se que as emissões vão ser controladas através de critérios mais rígidos para as grandes produções fabris, ajustando a estrutura industrial da China e aumentando o número de empresas que vão estar obrigadas a contribuir para o combate à poluição. As emissões dos veículos também vão ser alvo de medidas mais rigorosas, com novos padrões a serem implementados.

O plano agora anunciado também se compromete com o incentivo à reciclagem e garante que vão ser encerradas empresas que sejam grandes consumidoras de energia e que não cumpram os padrões de eficiência energética. O Conselho de Estado pretende ainda utilizar “mecanismos de mercado” para combater os resíduos e a poluição.

Num anúncio feito em separado, o Ministério do Ambiente revelou que as estações de energia e as fábricas produtoras de papel de Pequim, Hebei e Tianjin vão fazer parte de um esquema piloto de emissões a ser criado este ano.

O Governo Central tinha já afirmado, em Novembro último, que vai ser estabelecido um sistema de emissões a nível nacional que vai abranger todos os sectores industriais até 2020.

Pulmões de ferro

As redes sociais explodiram na semana passada com a publicação de fotografias dos comboios de alta velocidade que ligam Xangai a Pequim. As composições estavam cobertas de poeira que as pintou de castanho. Para reforçar a máxima que uma imagem vale mil palavras, as fotos tornaram-se virais nas redes sociais, alertando para as consequências de semanas de níveis de smog a bater records de perigosidade para a saúde pública.

Na sequência destes alertas de smog, um cientista da Universidade de Tecnologia Química de Pequim, Liu Yong, analisou as máscaras comummente usadas pela população do norte da China durante os dias de alerta de má qualidade do ar. A análise encontrou vestígios de carbonato de cálcio, óxido de ferro e sulfato de ferro nas partículas visíveis. Apurou-se que os compostos eram oriundos de um complexo fabril que queima carvão, libertando os gases para a atmosfera.

O maior problema, no entanto, são as nano-partículas que não são filtradas por estas máscaras, e que representam o maior problema para a saúde. Ouvido pelo South China Morning Post, Liu explicou que “pode haver uma ligação entre a inalação destas substâncias e o aumento de casos de cancro do pulmão”.

Segundo o cientista, o diabo está nas nano-partículas com tamanho inferior a 25 nanómetros, que entram nos pulmões, passam para a circulação sanguínea e acabam por se alojar nos órgãos, incluindo no cérebro. Depois de absorvidas, ficam durante longos períodos de tempo no corpo, constituindo um claro perigo para a saúde pública.

Estes são os inimigos invisíveis que se escodem no muito visível smog que tem manchado os céus de parte da China. Com metas ambiciosas, Pequim pretende combater as consequências socioeconómicas deste flagelo atmosférico, devolver a confiança dos cidadãos no ar que respiram e recuperar o azul do céu.

9 Jan 2017

Grupos pró-China em Taiwan protestam contra activista e deputados de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]rupos pró-China em Taiwan protagonizaram protestos e confrontos com a polícia à chegada à ilha de um activista e de três deputados de Hong Kong para participar num fórum pró-democracia, informou ontem o diário Taipei Times.

O Fórum sobre a Democracia, Legislação e Movimentos Sociais, organizado pelo Partido Novo Poder (PNP) de Taiwan, foi muito criticado por Pequim através do Gabinete dos Assuntos de Taiwan, que o qualificou como uma conspiração entre os movimentos de independência de Taiwan e Hong Kong para dividir a China.

De Hong Kong chegaram a Taiwan o activista Joshua Wong, dirigente estudantil dos protestos pró-democracia de 2014, e os deputados Nathan Law, Edward Yiu e Eddie Chu, para participar no fórum.

Ao chegarem ao aeroporto foram recebidos com protestos protagonizados por cerca de 200 membros de um grupo pró-China, que conseguiram romper o cordão policial, mas foram impedidos de agredir Wong e os deputados.

Mais tarde, durante e depois da realização do fórum, cerca de 300 membros de grupos pró-China protagonizaram protestos.

Surpresas e manipulações

No fórum, Joshua Wong disse que estava surpreendido com os protestos e afirmou que nem ele nem os três deputados eram defensores da independência de Hong Kong.

O deputado Nathan Law, por sua vez, disse que os protestos eram fruto de uma manipulação do Partido Comunista chinês e que não iriam afectar a sua defesa da democracia e da autonomia de Hong Kong, nem tão pouco as suas relações normais e saudáveis com Taiwan.

O Partido Novo Poder, nascido de um movimento estudantil que em 2014 tomou o controlo do Parlamento em protesto pela política de aproximação económica à China prosseguida pelo então Presidente Ma Ying-jeou, é uma formação política anti-sistema e radicalmente independentista.

Joshua Wong e Nathan Law tinham já encontrado cerca de 50 manifestantes pró-China no aeroporto de Hong Kong, munidos com cartazes com mensagens em que os chamavam de “traidores”, escreveu ontem o jornal South China Morning Post.

9 Jan 2017

What’s new pussycat?

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] frequente perguntarem-me, até em eventos de carácter literário, nos quais as perguntas tendem a ser sobre personagens, contextos ou sobre o papel da inspiração – seja lá o que isso for – no ofício da escrita – seja lá o que isso for – “então e os gatos, qual a importância dos gatos na sua vida?” E isso reconduz-nos inevitavelmente ao Facebook e à minha prolífica actividade de divulgador do que de melhor se faz no campo dos gifs, vídeos e memes de gatos. Para além desse meritório trabalho de interesse público, sou também biógrafo oficial dos dois gatos que generosamente acedem a dividir casa comigo, o Rim e o Croquete, e não me poupo ao esforço documental de registar nos mais diversos formatos e suportes as suas aventuras domésticas e as suas muitas, muitas tropelias.

Escritores e gatos partilham histórias de amor e afecto desde sempre. Bukowski dizia num poema que estudava os seus gatos e que estes eram os seus mestres, a Doris Lessing escreveu um livro sobre gatos, o Hemingway gostava tanto de gatos polidáctilos que estes acabaram por virem a ser conhecidos por “gatos de Hemingway”. Os gatos e os escritores são criaturas de uma curiosidade inesgotável, são caçadores solitários e, no caso dos escritores mais argutos, são de uma radical honestidade. Os escritores são, no fundo e na melhor das hipóteses, gatos falhados.

O meu pai era caçador e, por isso, um homem de cães. Os gatos, para ele, eram toleráveis meramente por terem uma função no controlo das pragas de roedores. Eram uma ferramenta ao lado das outras, uma espécie de pesticida com cauda e dentes. Foi difícil convencê-lo a ter o meu primeiro gato, um floco de pelo a que chamámos “gatinho”, quando ainda cabia na palma da mão, “gato”, quando de tão gordo eu mal o conseguia erguer e “filho da puta”, quando ocasionalmente arranhava a mobília ou desatava a fugir rua fora com uma fatia de fiambre na boca.

Quando regressámos de França, o gato regressou connosco. Fiz a minha mãe prometer-lhe sardinhas frescas caso ele não fizesse xixi durante os dois dias da viagem de carro. De passagem por Bordéus o carro avariou e tivemos de pernoitar num hotel enquanto o meu pai discutia com os homens da oficina sobre a origem da avaria e a peça a substituir. O gato, esse, desaparecera algures. Inconsolável, pedi à minha mãe para irmos ver se não estaria escondido algures na oficina, com medo, frio e fome. A minha mãe, insensível a lamentos imberbes e pragmática até à medula, garantiu-me que seria a primeira coisa que faríamos pela manhã. O gato estava lá, debaixo do banco do passageiro, miando como quem quer e não quer ser notado. Os meus pais ficaram provavelmente tão felizes como eu, eles que já se viam a fazer o resto da já penosa viagem com uma criança em modo carpideira no banco de trás. Infelizmente, o gato apaixonou-se pelo campo da primeira vez que fomos visitar a minha avó. Acabou por ficar por lá, gárgula de pêlo sobre o beiral do telhado de quatro águas, dono daquilo tudo, e eu, triste mas resignado, soube pela primeira vez na minha vida o que era ser abandonado.

Já na Faculdade, em Lisboa, adoptei a Joana, uma gata preta e, à altura, minúscula, para me fazer companhia nos intermináveis fins-de-semana que eu passava a estudar Platão ou Kant. A Joana acompanhou-me durante o curso, quando comecei a trabalhar, em quatro mudanças de casa, velou pelo meu filho quando ele era apenas um bebé de berço com dedinhos tentaculares, acompanhou-me no meu casamento, na minha separação, na tristeza profunda dos dias em que a morte range os dentes e no solstício das alegrias mais intensas e perenes. A Joana teve a sua primeira e única ninhada em cima de mim. Quando acordei, de olhos ainda fechados, pensei ter urinado na cama pela primeira vez na vida. Abrindo finalmente os olhos, descobri um tufo de pêlo miando, mesmo à frente do meu nariz, e outros dois deambulando cegos sobre a minha barriga. O quarto, esse, já o teve sobre a cama. A Joana foi uma das melhores partes de mim e da minha vida e, quando ela morreu, em 2014, enterrei-a como se enterra um amigo que nos deixa na desconfortável posição de lhe sobreviver. Dediquei-lhe um livro de contos e vários poemas e penso nela sempre que vejo um gato preto.

Por isso quando me perguntam pelo porquê dos gatos e desta obsessão infantil por um animal que, ao contrário do cão, não ama com o coração todo, respondo normalmente com um sorriso e um encolher de ombros, como as pessoas que tentam explicar o amor. Os gatos são os bichos que mais se parecem connosco. Podem ser meigos até à lamechice, violentos ou simplesmente snobs, elegantes ou gordos como lontras de cativeiro. Gostam de carinho, ma non troppo, de atenção a espaços e têm um ronronar que compete com o xanax em eficácia terapêutica. Às vezes olham-nos como se fôssemos nós o animal de estimação. Às vezes, e não tão raramente, têm razão.

9 Jan 2017

Liberdade. O resto não

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]egeto no princípio do erro e por isso amo a liberdade. Não me seria tragável morar onde a minha possibilidade de ler ou escrever fosse sujeita a censura. Foi assim que aprendi a ser humano e desumano. Foi assim que me tornei no monstro que hoje sou, excepção idílica de um homem, longe da definição corrente, quimera racionalizável e impotente.

Sim. A impotência de ser livre, de explanar os desejos, de fazer exactamente o que quero como se fizesse exactamente aquilo que desejo, algo de abstruso e desleal, no qual me reconheço pouco ou nada, quando penso no caos, na entropia, no mal. Habitante de refúgios, sentinela da ignomínia, eis-me exposto sem peias e de meias para parecer mais ridículo.

Ser livre, pensar hoje e amanhã. Pensar errado ou estimulado, o que vem a ser a mesma coisa. Mas pensar livre dentro das usuais algemas. Exigir o fim da verdade ou do caminho, da via sem dúvidas, das curvas sem outro mundo, esse que fica à espera, muito quieto… do outro lado. Eis o arquétipo, eis a liberdade.

Sim. Criticar os uns e aderir, por instantes, aos outros. Sim. Ser do mesmo e do inominável se assim me apetecer. E ser também desdizer tudo o que disse, porque assim me apetece e ser mais: ser bálsamo, cura e religião.

Desprezar-me-ia… tivesse eu outra certeza além da voz e nela não palpasse a minha insignificância, distância ao ser e ao devir, e por isso nela cavalgar com furor. Será amor?

Não. São interesses, são abismos ávidos, sem recuo nem paixão. Sade rex, num mundo novo, apenas profetizado, do sexo para a mão. Punheta. Japão. Futuro breve, excisão. Nada afecta a minha mão. Somos livres. Biltres exigentes e sem provas anunciadas. Somos nada. Somos mão. E simplesmente desfrutamos da liberdade inclusiva, excessiva, imponderável, sem sentido definido. E onde está o indivíduo? Onde estaciona o homem novo? Curiosamente fechado, ligado, interligado, enquadrado… havia alguma aflição… No problema: há o Japão. À medida exacta da mão que gere, que fere, que range e exangue se distrai sobre o falo rijo de antanho.

Era a liberdade. Não interessa o tamanho ou o discurso. Era a explanação de tudo o que não existe, do que foi desdito pela História e pela glória anunciado. Disseram-nos: foi pecado. Mas nós continuámos indecentes. Queríamos lá saber. Havia dentes, dentadas, noites sufragadas de esperança. E a presença das doenças, sem nos amedrontar. Não há meia liberdade. Ou tudo ou nada. Ou tudo ou a estrada. Não há vida de outro modo, a não ser na China, longínquo país de outras danças.

E eis-nos feitos crianças, sem nada de novo entender, à excepção do sofrimento, desta coisa de não ser real quando o real nos aponta assim, de dedo em riste e berbequim. A furar, a furar, a meter buchas, parafusos, e nós pregados ao muro de todas as lamentações.

Não digam não. Digam sim. Não vale a pena dizer não. O mundo é curto e terno. O universo acaba ali. As novidades são de ontem, os antigos de amanhã pertencem, sempre pertenceram, ao Inverno. São velhos e morrem todos os dias para alívio de um mundo corrente. Junta algum óleo e mete a sertã ao lume que comida, dizem, haverá. E a liberdade? Por onde se distrai a dissoluta puta, que tanto assusta clientes como passantes imbecis?

Não sei. Houve uma noite em que a persegui, sem dizer nada. Ela saíra de um clube a meio da estrada. Era fino, repenicado, cheio de laços e de frufus. Abordei-a mas não acrescentei. Fiz de rei. Era o meu peito e nada tinha para dizer. Esgotara-se na desdita, na crítica, avalanche e nevoeiro, condição primeira do homem livre.

Haja coragem! Enfrentemos a confusão! O resto, queira-se ou não, é só prisão, é só algemas. De fora ficam poemas, folga doce a ilusão. E o que prefiro? As vossas festas que tudo rompem e tudo me deixam na mão? Bate o ritmo, severo e cru, bate o ritmo, certo e inoperante, como nunca o ritmo foi. Liberdade, por favor… bem sei, conheço o ritmo… ouvi-o nos barcos, fui remador… ouvi-o nas varandas… baixinho:  — Só há liberdade a sério quando não houver o rumor rasteiro da verdade, quando a transparência me liquidar sem piedade nem unção.

Que homem  é este? Que final da História hoje nos atordoa? Não importa quão funda se apresenta a fossa… a quem recusarei a mão? Antes a merda. Antes o povo que me descoroçoa, me abate e aflige. Antes, verdadeiramente antes, o que realmente me atordoa. Tão pouco, tão fraca, tão exangue, esvaída: a liberdade tem um nome: não é querida, nem amor, nem dor, nem manifesto. Protesto e tenho razão, por hoje. Amanhã não tenho outra certeza que a de ser relativamente livre, de alucinar face ao destino. Sou menino, dizeis. Sou livre, sou livro, sou discurso ou intenção. O resto não.

9 Jan 2017

Presidente de Taiwan de visita à América Central

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] viagem de Tsai Ing-wen inclui duas paragens nos Estados Unidos. A hipótese de um encontro da Presidente taiwanesa com Donald Trump gera receios de uma escalada da tensão entre a China e os EUA

A Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, partiu sábado para a América Central, numa viagem que tem escalas nos Estados Unidos, semanas depois do aumento da tensão com a China.

As relações diplomáticas entre Pequim e Washington vivem momentos de tensão após um telefonema da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, ao Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, no dia 2 de Dezembro, para felicitá-lo pela sua vitória eleitoral.

Tsai fará duas escalas nos EUA, em Houston e em São Francisco, no início e no fim da sua ronda centro-americana, até 15 de Janeiro, durante a qual visitará quatro dos seus 21 aliados diplomáticos: Honduras, Guatemala, Nicarágua e El Salvador.

Esta viagem visa “consolidar os laços diplomáticos” e “estreitar a cooperação bilateral” com os aliados, “reforçar a cooperação e “ampliar o espaço internacional” da ilha, afirmou Tsai, no aeroporto internacional Taoyuan, antes da sua partida.

Durante a viagem, a Presidente de Taiwan vai assistir à tomada de posse na Nicarágua do Presidente, Daniel Ortega.

A acompanhar Tsai segue uma comitiva também composta por empresários.

Encontro escaldante

Em Taiwan e nos Estados Unidos fala-se de um possível encontro de Tsai ou da sua equipa com o grupo de assessores de Trump ou mesmo com o Presidente eleito, que perante a pergunta sobre a possibilidade de uma conversa com Tsai, respondeu “vamos ver”.

“Um encontro Trump-Tsai desencadearia fortes tensões, irritação dos aliados e outras represálias da China, que pediu a Washington que não permitisse escalas de Tsai no seu território”, disse sábado à agência espanhola Efe o director do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Tamkang, Li Da-jong.

Esta é a segunda viagem de Tsai à América Latina e Central, depois de outra realizada ao Panamá e Paraguai em Junho do ano passado.

Durante mais de quatro décadas, os Estados Unidos tem baseado as suas relações com o gigante asiático no princípio de uma China única, pelo que o único Governo chinês que Washington reconhece é o de Pequim, o que o distancia das aspirações independentistas de Taiwan.

9 Jan 2017

Reportagem | Multa, uma constante da vida

Todos os meses, o orçamento de famílias que residem e trabalham em Macau tem um item extra: as multas de estacionamento. Em particular para quem tem de levar e buscar os filhos à escola. Entre 2015 e 2016, só as multas em lugares com parquímetros aumentaram quase 35 por cento

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]este mundo há duas coisas infalíveis: a morte e os impostos. Em Macau podem-se acrescentar as multas por estacionamento. Como se não faltassem razões para pôr os nervos em franja a quem conduz, as multas são a cereja no topo de um dispendioso bolo, em especial para as famílias que usam o automóvel para largar e buscar crianças em infantários e escolas.

André O, designer de profissão, até já montou um esquema para contornar a inevitável multa sempre que se desloca à escola das filhas. É necessário trabalho de equipa. “Eu e a minha mulher tentamos ir juntos, para que fique sempre um dentro do carro, para o caso de vir a polícia”, explica. Enquanto a mulher leva, ou vai buscar, as miúdas à sala de aula, André fica no automóvel para discutir com a autoridade. A outra opção é manter-se em circulação, dar uma volta ao quarteirão e apanhar a mulher na volta. Têm de moldar o quotidiano e adaptar-se de forma a contornar uma situação que é recorrente, e que lhes pode dar um desfalque de cerca de três mil patacas no orçamento familiar. O casal não está sozinho neste ardil. “Sinto uma certa perseguição, e tenho vários amigos que já tiveram um prejuízo mensal de 10 a 13 mil patacas”, confessa André.

O designer chegou ao ponto de ter de elucidar um polícia sobre o significado de um sinal de trânsito. “Não sabem distinguir entre um sinal de proibido estacionar, mas que permite paragem temporária, e a simples proibição”, comenta. Como vêem um sinal de proibido, automaticamente assumem que este é absoluto e universal. Já lhe aconteceu recusar sair do lugar onde se encontrava parado. “Estava à espera da minha mulher, que tinha ido levar as minhas filhas ao colégio, num lugar onde podia estar parado. O polícia disse-me que tinha de sair e pôr o carro num estacionamento. Perguntei-lhe onde. Ele disse que havia vários, desafiei-o a vir comigo vermos se encontrávamos um lugar”, lembra, humorado pelo caricato da situação. O agente acabou por desistir e não multou o designer. “Deve ter reparado que era um cidadão complicado de lidar, que não valia a pena estar a chatear-se e lá foi à sua vida sem me multar”, remata. Situações normais numa cidade que viu de Novembro de 2015 para Novembro de 2016 um aumento de 25,96 por cento no total das multas por estacionamento ilegal. Até Novembro do ano passado – os dados mais recentes da PSP – foram passadas 860.924 multas de estacionamento. Tendo em consideração que, no mesmo período, existiam em Macau 250.871 veículos matriculados, isto dá uma média de quase quatro multas por ano por viatura.

Sem opções

Usar automóvel em Macau não é um capricho, mas a única alternativa para muitas famílias. “Utilizo o carro todos os dias para levar as crianças à escola de manhã, depois para as ir buscar ao fim do dia e ainda para levá-las a actividades extracurriculares.” Quem o diz é Maria Sá da Bandeira, mãe de três filhos e jurista de formação. Quando questionada sobre a hipótese de usar os transportes públicos, responde prontamente que é impensável. “Três crianças, mochilas, sacos, termos, materiais disto e daquilo, é impossível. Com horários para sair de um sítio e ir para outro, preciso mesmo do carro”, explica. As dificuldades agigantam-se de forma inversamente proporcional ao tamanho dos rebentos. “Um deles é pequenino – cansa-se, ao fim de algum tempo já não consegue andar, não consegue carregar as coisas”, diz.

É uma história recorrente e, se o movimento é obrigatório, a paragem é um quebra-cabeças. “Não há sítio para parar em Macau e na Taipa, e agora ainda é pior porque as obras são constantes”, explica André O, acrescentando que percebe “que parar em segunda fila congestiona o trânsito, mas não arranjam solução”.

Para juntar mais um problema ao longo calvário que é arranjar um lugar para o carro, os silos de estacionamento, sempre cheios, não são propriamente locais agradáveis. “Basta entrar num para perceber que são utilizados como urinol público, o cheiro é nauseabundo – se a pessoa tem o azar de deixar cair as chaves no chão tem de ir directamente para a desinfecção”. As palavras são de Sérgio de Almeida Correia, advogado, que não entende por que acabaram com muitos lugares de estacionamento em zonas de via pública. O jurista só encontra como explicação o proteccionismo aos concessionários dos silos.

Dois pesos, várias medidas

No entanto, a caça à multa não apanha todas as presas que prevaricam os regulamentos do trânsito. Para o advogado Sérgio de Almeida Correia, o problema não é a existência e o cumprimento da lei. “Há muitas vezes negligência grosseira na aplicação da lei, havendo situações em que há excesso de zelo e outras em que há violação do dever de zelo. Existem dois pesos e várias medidas, consoante o infractor”, explica o jurista. Enquanto não existe tolerância para cidadãos, as autoridades fecham os olhos às infracções de trânsito cometidas por transportes públicos, por autocarros de concessionárias de casinos, por veículos de transporte de turistas e por os mil e um atropelos às normas de tráfego resultantes de obras de construção. Já para não falar das infracções cometidas por quem aplica a lei. “Vi várias vezes a polícia a infligir regras de trânsito, por exemplo, aqui no NAPE param em cima de passadeiras, à saída de curvas, para ir multar carros, mas o próprio veículo deles está em infracção”, conta Sério de Almeida Correia. 

A injustiça salta à vista quando se olha para a impunidade com que camiões e autocarros estacionam na faixa de rodagem para deixar turistas, por exemplo, junto aos casinos no Cotai.

Os próprios autocarros das concessionárias de transportes públicos seriam terreno fértil para multas, caso houvesse essa vontade por parte da polícia. “Basta estar ali na rotunda junto ao Hotel Lisboa para ver como é que eles entram na via depois da tomada e largada de passageiros, e a polícia não actua nessas situações”, comenta o advogado.

Também André O se sente revoltado com a actuação dos autocarros públicos que, simplesmente, “param na via pública”. Na Ilha Verde, exemplifica, “estacionam ao final do dia e ninguém multa”. As motas da polícia passam, multam os carros que estão mal estacionados, e não passam cartão aos autocarros. “Mesmo durante o dia, os autocarros param em segunda fila ali ao pé do Canídromo”, indiferentes ao caos que causam ao trânsito, não usando o recorte na faixa de rodagem onde podem encostar.

Enquanto quem reside em Macau desespera, quem vem jogar não só passa ao lado dos problemas dos que cá vivem, como ainda os potencia. “Nós, os residentes, que temos de fazer a nossa rotina diária dentro da cidade, somos altamente prejudicados com o movimento turístico que aqui há. Somos muito facilmente multados por pararmos o carro, mal estacionado, durante um bocadinho porque temos de ir a correr deixar uma criança, ou porque passou um minuto no parquímetro e não conseguimos naquele momento pôr a moeda”, desabafa Maria Sá da Bandeira. “O Governo parece ter todo o interesse em manter a situação, sem qualquer tipo de preocupação adicional com o prejuízo para o quotidiano das pessoas”, acrescenta.

Quid juris

António Katchi, professor de Direito, também vê na arbitrariedade de tratamento um atropelo dos direitos mais elementares da população. “Mesmo com uma vigilância orwelliana sobre tudo o que se passa na estrada, por meio de radares e de câmaras de vídeo, só uma pequena parte das infracções de trânsito pode ser realmente autuada, processada e punida”, começa por ressalvar. Ou seja, a aleatoriedade é, portanto, praticamente inevitável. Mas esta não significa arbitrariedade. “As autoridades devem definir prioridades para a sua acção de fiscalização, e devem atender aos diversos objectivos e princípios que norteiam, ou devem nortear, a sua acção”, explica António Katchi. O jurista adianta ainda que o objectivo deveria ser a segurança dos transeuntes e dos automobilistas, respeitando “o princípio da prossecução do interesse público, o princípio da justiça, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc.”. Como tal, o académico considera as prioridades das autoridades “altamente discutíveis à luz destes padrões”.

Se estamos, ou não, na presença de uma violação do princípio da igualdade, como se diz em legalês, a doutrina diverge. Para Sérgio de Almeida Correia, o princípio fundamental tem como propósito defender a equidade em casos de maior relevância, que vão além de uma infracção administrativa aos regulamentos de trânsito.

Maria Sá da Bandeira, jurista de formação, entende que a violação do princípio da igualdade é evidente. “O princípio da igualdade diz-nos que, para situações iguais, tratamentos iguais, para situações diferentes, tratamentos diferentes. Mas estando nós a falar de situações diferentes, por se tratarem de interesses com prioridades distintas, penso que aí o princípio da igualdade é violado”, comenta. Maria aproveita para acrescentar que “o interesse dos residentes de Macau tem de ser, em muitas situações, posto à frente do interesse turístico da cidade”.

A circunstância das pessoas se encontrarem entre a espada e a parede, a terem de infringir um regulamento de trânsito para conseguirem deixar os filhos na escola, pode representar outra situação digna de análise jurídica.

António Katchi considera que “se uma pessoa comete uma infracção em circunstâncias que não lhe permitiriam actuar de outra maneira, então dificilmente se poderá dizer que agiu com culpa”. Para o académico, poderá alegar-se que a pessoa agiu em estado de necessidade, o que representa uma causa de exclusão da culpa. “Noutros casos poderá alegar-se que a pessoa se encontrava numa situação de conflito de deveres, ou seja, o acto da pessoa nem sequer chegou a constituir um facto ilícito, pois o cumprimento do dever exclui a ilicitude do acto”, explica António Katchi.

Independentemente das interpretações jurídicas, das considerações filosóficas, ou da posição dos astros, tudo indica que as odisseias com o estacionamento vão continuar. O facto é que está nas mãos do Governo local resolver a situação. Porém, a Medalha de Valor que o Executivo entregou recentemente ao comissariado do Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública parece indicar que no paraíso está tudo bem.


Arquitecto Nuno Soares defende plano estratégico de mobilidade

Punir sem procurar soluções para a situação complicada que hoje se vive no trânsito não vai resolver o problema, considera o arquitecto Nuno Soares. Para o urbanista, as autoridades de Macau devem pensar num plano estratégico de mobilidade e não estarem à espera do metro ligeiro, sistema que, de resto, não vai resolver todos os dilemas de quem tem de se deslocar no território.

Na origem de tudo, contextualiza Nuno Soares, “está um cenário em que a população de Macau está a crescer, a população da Taipa e de Coloane também continua a aumentar”. Em Seac Pai Van foram colocadas muitas famílias, recorda, e “o crescimento normal urbano da Taipa faz com que haja obviamente muitas mais pessoas a viverem lá”.

Acontece que a grande maioria dos serviços públicos e muitos empregos continuam a ser na península. “Os movimentos pendulares têm aumentado nos últimos anos, por via do crescimento da população e desta expansão urbana na direcção da Taipa e de Coloane.”

O fenómeno também se regista em sentido contrário, por causa dos residentes que trabalham nos casinos. “Há um stress que está a ser provocado na rede de transportes públicos. Os autocarros têm mais pessoas a usá-los e há mais necessidade de transporte individual porque, ao fim e ao cabo, as pessoas estão mais longe do seu local de trabalho”, observa.

O resultado destas modificações no tecido social e económico está à vista: “Temos em Macau uma rede viária que é das mais congestionadas ao nível mundial. Há efectivamente um problema de escoamento de trânsito e de falta de lugares de estacionamento para a quantidade de carros.”

Para o urbanista, a única forma de se tentar dar a volta ao texto, neste momento, é um plano estratégico de mobilidade. Quando o metro estiver a funcionar, “obviamente que vai ajudar porque vai ligar a península ao Cotai”, mas não vai fazer com que Macau passe a ser o paraíso da mobilidade. E porque ainda faltam vários anos até que o metro seja uma realidade, há que minorar os problemas. “Precisamos claramente de um plano de mobilidade que ajude a gerir as diferentes redes”, propõe Nuno Soares.

A solução possível

O arquitecto explica como é que se faz um plano destes. Em primeiro lugar, há que perceber o que está em causa. “Há aqui um sistema de transporte público, um sistema de shuttle bus e um sistema de transportes individuais”, indica. Existem ainda situações de pico, aponta, dando um exemplo pessoal. “Quando levo a minha filha à escola de manhã, há um congestionamento provocado pelas escolas. Há um congestionamento provocado por edifícios singulares onde trabalham muitas pessoas”, indica.

Juntando estes aspectos, “tem de se organizar os sistemas e resolver os momentos em que há entropia”, um exercício que tem de ser feito de “uma forma sistemática completa”. A solução “não é milagrosa”, mas ajuda em muito, entende o urbanista.

Em termos práticos, e pegando no exemplo do sistema de autocarros públicos, Nuno Soares sustenta que tem de ser feita uma alteração. “Muitas das nossas linhas são históricas, ou seja, são linhas cujo percurso é feito há muitos anos. Não são muito objectivas. Os turistas queixam-se muito, quando chegam a Macau, que é difícil usar os autocarros porque não estão organizados como um metro, ou seja, com uma linha periférica, com a linha central, com a linha transversal”, analisa. Há que fazer uma racionalização, apostar na criação de corredores e tornar “os percursos mais evidentes, mais fluidos”, mas de “uma forma integrada em toda a península”.

Quanto ao tratamento das situações de pico, o urbanista recupera a situação que se vive à porta das escolas. Os estabelecimentos de ensino não estão circunscritos a uma só zona pelo que, antes de mais, é necessário fazer estudos pontuais – que deverão, no entanto, ser parte de uma abordagem sistemática.

“Um dos problemas é largar as crianças e voltar a recolhê-las, o ‘drop-off’. As escolas têm de ter concessionadas zonas de drop-off, zonas onde os pais param para largarem as crianças e as recolherem. Em situações de pico, esta solução aumenta muito a fluidez”, defende.

Falta de alternativas

Mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão ter de começar a usar menos os carros que têm na garagem e optarem por outras soluções, porque “temos motas e carros a mais”. O urbanista, que anda de bicicleta sempre que pode, é defensor de alternativas aos transportes privados, mas diz também que “uma estratégia só de punição, de tornar as coisas mais caras, não vai resolver” o problema.

“Se temos regras temos de as implementar, mas temos de pensar em respostas. A solução não deve estar na punição. O Governo deve pôr-se como alguém que resolve, alguém que identifica problemas e que toma medidas para os solucionar, não só como alguém que pune quem não cumpre”, afirma. “É muito importante que o Governo assuma este papel.”

O arquitecto não está contra o aumento do valor para a utilização de veículos pessoais, mas as acções neste sentido não podem ser desacompanhadas de alternativas. “Tem de ser um conjunto de medidas que, ao mesmo tempo que se desincentiva o uso do transporte individual, se incentiva o uso do transporte colectivo. O Governo tem de fazer aquilo que lhe compete – melhorar a rede e as condições”, conclui.

NÚMEROS
  • 25,96% foi o aumento das multas de estacionamento entre Novembro de 2015 e Novembro de 2016
  • 860.924 é o número de multas de estacionamento nos primeiros 11 meses de 2016
6 Jan 2017

Património | Questionado atraso na lista de monumentos

 

A deputada Ella Lei interpelou o Governo quanto ao atraso da nova lista de monumentos classificados. O arquitecto Carlos Marreiros lamenta e pede um orçamento maior para que o Instituto Cultural possa contratar fiscais do património

 

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi há três anos que a Lei de Salvaguarda do Património Cultural entrou em vigor mas, até agora, o Governo ainda não concluiu os trabalhos sobre a criação de uma lista de monumentos que necessitam de ser protegidos. A deputada Ella Lei, através de uma interpelação escrita, interpelou o Governo sobre o assunto.

“O Instituto Cultural (IC) disse, em resposta a uma anterior interpelação, que, até meados de 2015, já tinham sido feitos 70 trabalhos de recolha de informações sobre o ‘levantamento exaustivo do património cultural intangível de Macau’. As autoridades prometeram ainda iniciar o processo de avaliação em meados de 2015. É incompreensível que a primeira ronda de avaliação dos primeiros dez projectos se tenha arrastado até Dezembro de 2015. Já passou um ano e as autoridades ainda não conseguiram concluir o processo, bem como anunciar resultados”, apontou a deputada.

Ella Lei considera “confuso” o facto de o levantamento exaustivo feito pelo IC em 2014 tenha chegado aos 100 monumentos, sem que até agora se tenham divulgado resultados. “Quantos bens desse grupo de 100 monumentos já foram avaliados? Para além dos dez espaços já avaliados, que medidas têm para conservar os restantes espaços que não estão protegidos pela lei? Porque é que o Governo não acabou a avaliação no prazo de um ano, conforme diz a lei?”, questionou a deputada da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM).

Lista já este ano

Para o arquitecto Carlos Marreiros, membro do Conselho do Património Cultural, o atraso na elaboração da lista de monumentos a proteger “não é bom porque os calendários são desenhados para serem cumpridos, servem estratégias e regulamentos, e estes devem ser respeitados”.

“No que diz respeito ao património, é ainda mais importante porque tem de ser preservado. Com esta ânsia de destruir e construir alto, tarda o facto de a lista não estar ainda actualizada. Faço votos para que, num novo ano, a lista esteja cá fora”, acrescentou.

Ainda assim, Carlos Marreiros considera que nem tudo se perdeu nestes três anos sem uma lista de protecção de património.

“O facto de não existir uma lista não quer dizer que o património se tenha perdido. Nos últimos dez anos não se perdeu porque a protecção tem sido abrangente, e se não for uma questão dos edifícios em si, as zonas de protecção têm tido regras bastante rígidas, e o IC felizmente tem sido muito interveniente quando acontece qualquer dúvida. Vão ao local e tentam saber mais informações e fazer os acertos.”

Mais orçamento

Marreiros vai mais além e diz ser fundamental um aumento de orçamento destinado ao IC. “O IC deveria de ser dotado de mais orçamento para poder contratar mais fiscais do património para andarem pelas ruas e fazer a verificação quanto ao respeito da legislação. Para melhorar as zonas arquitectónicas seria importante que o Governo exigisse, na submissão de projectos de património, ter a co-responsabilidade de um especialista da área, ao jeito do que há em Portugal, na Europa, e em Hong Kong.”

Foi em Dezembro de 2015 que o IC iniciou a abertura do procedimento de classificação do primeiro grupo de dez bens imóveis em “estado de urgente conservação (…) cuja documentação e argumentação estão completas e se encontram em condições apropriadas de classificação”, afirmou o presidente do IC, Ung Vai Meng.

A lista de dez bens inclui cinco imóveis classificados como monumentos – os quatro tempos dedicados ao Deus da Terra e as antigas muralhas da cidade. Já os restantes cinco são edifícios de interesse arquitectónico.

Um desses edifícios é a antiga Farmácia Chong Sai, localizada na Rua das Estalagens e adquirida pelo Governo. Os trabalhos de requalificação do espaço, onde trabalhou o médico Sun Yat-sen, já foram concluídos, tendo o novo espaço museológico aberto portas ao público no passado dia 15 de Dezembro.

6 Jan 2017

Nova lei de bens e serviços concluída este ano

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) deverá concluir este ano a proposta de lei da aquisição de bens e serviços por parte dos serviços públicos. A garantia é dada no parecer da execução do Orçamento de 2015, cuja discussão na especialidade já foi concluída pelos deputados à Assembleia Legislativa (AL).

“O documento está a ser elaborado com base nas sugestões do Comissariado contra a Corrupção e Comissariado da Auditoria. Face à nova metodologia adoptada, a DSF está a tentar concluir a elaboração da proposta de lei em 2017, para a mesma poder, ao nível do trabalho governamental, entrar de novo em processo legislativo”, pode ler-se.

A nova metodologia diz respeito à decisão de fazer uma só lei, quando, inicialmente, o Governo pensava legislar os montantes dos concursos públicos em separado.

“Numa primeira fase, a parte referente aos montantes com base nos quais se deve proceder a concurso público seria tratada por regulamento administrativo. Numa segunda fase proceder-se-ia à revisão do regime jurídico por lei da AL. Contudo, após uma análise concreta e pareceres dos serviços, concluiu-se que toda a matéria deveria ser tratada através de uma lei formal da AL”, aponta o mesmo parecer.

O Governo demorou um punhado de meses a chegar a esta conclusão, pois começou a debater a questão em Abril e só em Setembro se chegou à conclusão de que será realizada uma proposta de lei.

Execução “bastante razoável”

Ao nível da execução do Orçamento de 2015, o parecer fala de uma taxa de 85,9 por cento, sendo “susceptível de ser considerada como bastante razoável em termos de relação de despesa paga com a dotação final do orçamento de 2015, embora não se apresente uniformemente favorável quando analisada individualmente por serviço ou organismo público”.

O parecer revela que se verificaram taxas de execução orçamental inferiores a 75 por cento nos casos da Direcção para os Assuntos Marítimos e da Água (69,5 por cento), Direcção para os Serviços de Protecção Ambiental (58,5 por cento), Fundo Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (15,9 por cento), Fundo de Turismo (50,9 por cento), Fundo de Acção Social Escolar (67,8 por cento), Instituto de Habitação (73 por cento), Instituto de Promoção e Investimento do Comércio (64,7 por cento) e Fundo para a Protecção Ambiental e de Conservação de Energia (7,6 por cento).

 

6 Jan 2017

Ho Chio Meng | Governo exortado a dar explicações na AL

Os deputados José Pereira Coutinho e Ng Kuok Cheong entregaram interpelações orais sobre o telefonema que Sónia Chan fez ao antigo procurador da RAEM, sugerindo a contratação de um familiar. O Governo vai ter de dar justificações no hemiciclo

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, e Chui Sai On, Chefe do Executivo, já falaram publicamente sobre o caso do telefonema que a governante fez a Ho Chio Meng sobre a contratação de familiares para o Ministério Público (MP) mas, para os deputados José Pereira Coutinho e Ng Kuok Cheong, os argumentos apresentados não bastam.

O dia do debate não está ainda marcado, mas o Governo vai ter mesmo de ir à Assembleia Legislativa (AL) dar explicações sobre o assunto, pois os dois deputados querem quais as medidas a adoptar para evitar casos de abuso de poder.

“Que medidas vão ser adoptadas pelo Governo para apurar responsabilidades das ex-secretária e actual secretária [Sónia Chan] na ‘colocação de pessoas’ dentro do MP e eventualmente noutros serviços públicos, violando os deveres de isenção e abuso de poderes derivado dos cargos que ocupam?”, questionou Coutinho.

O deputado quer ainda saber se o Governo “vai apurar a extensão do abuso de poderes derivados dos cargos públicos que ocupam, bem como a eventual banalidade da violação dos deveres de isenção e abuso de poder pelos titulares de importantes cargos”.

O deputado considera que está em causa uma violação directa do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública (ETFPM).

“No inicio do julgamento do ex-procurador do MP, o mesmo declarou publicamente que fez ‘favores’ às ex-secretárias para a Administração e Justiça, incluindo a actual, nomeadamente na colocação de pessoas dentro do MP. Posteriormente, a secretária [Sónia Chan] confirmou, enquanto responsável máximo por um serviço público [Gabinete de Protecção dos Dados Pessoais], ter efectuado um telefonema para recomendar um familiar, e o familiar conseguiu obter um emprego dentro do MP. Esta conduta viola directamente o dever de isenção previsto no ETFPM.”

Que regulamentação?

Por sua vez, o deputado Ng Kuok Cheong fala da necessidade de regulamentação destes casos. “O Governo deve regulamentar os actos de apresentação ou recomendação de familiares entre altos dirigentes, por forma a salvaguardar os princípios da legalidade, protecção dos direitos e interesses dos residentes, igualdade, justiça e imparcialidade, definidos no Código do Procedimento Administrativo. Como vai fazê-lo?”, questiona.

Para Ng Kuok Cheong, “para salvaguardar a justiça e a imparcialidade, o Governo deve regulamentar as situações em que altos dirigentes propõem determinado candidato aos seus subordinados, ou seja, aos membros do júri do processo de recrutamento e selecção”.

O deputado quer ainda saber se o Chefe do Executivo “chegou a imputar as devidas responsabilidades aos altos dirigentes, incluindo os titulares dos principais cargos na área da Administração e Justiça”.

Para o deputado do campo pró-democrata, “dirigentes de alta categoria a aproveitarem-se dos seus poderes para ajudar familiares a obter emprego na Função Pública é uma situação que se tem agravado desde a transferência de administração.”

 

6 Jan 2017

Turismo | Alojamento em residências familiares continua sem consenso

 

O alojamento em residências de família continua a não ser uma ideia bem recebida pela população local. O estudo mais recente indica que está a cair o interesse pelo assunto. Aqueles que concordam com a ideia não a querem ver colocada em prática no local onde moram
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s dados divulgados ontem pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) mostram, mais uma vez, que as opiniões não são consensuais e que os residentes têm menos interesse na possibilidade de haver alojamento em residências familiares.

O inquérito mais recente sobre a matéria, realizado entre 28 de Julho e 29 de Agosto do ano passado, revelou que 55 por cento dos residentes já ouviram falar no tema, enquanto em 2014, altura em que foi feito o primeiro estudo do género, eram 58 por cento. Paralelamente, o número de inquiridos que mostraram não ter opinião sobre este tipo de alojamento subiu de 42 para 84 por cento.

No que respeita ao uso de terrenos, e tendo em conta os itens que avaliaram a “modificação de terrenos e edifícios de finalidade habitacional” e a “utilização de terrenos e edifícios de fins não-hoteleiros” para o uso de alojamento familiar por visitantes, os resultados mantiveram-se semelhantes. “Menos de metade dos residentes – 42 por cento em 2016 e 48 por cento em 2014 – considera que alojamento em residências de família pode ser criado em terrenos ou edifícios para fins habitacionais, revelando hesitação dos residentes em relação à modificação do uso dos terrenos”, lê-se na nota enviada à comunicação social.

Dados sem conclusão

Quanto à implementação da medida na freguesia de residência, no ano passado, apenas os residentes da Taipa e da freguesia da Sé concordaram com a ideia, mas os apoiantes não ultrapassam os 60 por cento. Em 2014, os entrevistados da freguesia da Sé e de Coloane tinham optado, em primeiro lugar, pela implementação de alojamento em residências de família na sua área envolvente.

Em suma, os resultados de ambos os estudos mostraram a tendência dos residentes de escolher o desenvolvimento do plano em zonas fora da freguesia onde vivem. As razões, indicam os resultados, demonstram preocupação com o impacto na segurança pública, na higiene e no trânsito.

O Governo considera, assim, que os dados continuam a não ser conclusivos.

A pesquisa de opinião realizou-se através de inquéritos de rua e on-line. Os inquéritos de rua abrangeram várias zonas da cidade, tendo como alvo indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos a residir em Macau nos últimos 12 meses. No total foram recolhidos 2146 inquéritos, entre os quais 2102 inquéritos de rua e 44 inquéritos on-line. A DST afirma ainda que “continuará a prestar atenção ao desenvolvimento deste assunto, consoante a evolução da sociedade”.

6 Jan 2017

Associação entrega petição ao Chefe do Executivo a pedir redução das taxas de veículos

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação dos Profissionais de Motociclos de Macau entregou ontem uma petição a Chui Sai On pedindo a retirada ou reelaboração da actualização das taxas feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT).

Lei Chong Sam, o presidente da associação, descreve, na carta entregue na Sede do Governo, o aumento das taxas como “uma medida louca” que apenas vai trazer mais insatisfação e queixas por parte da população.

“Não foi feita qualquer consulta pública, apesar de ser um assunto relacionado com a vida de todos”, afirmou. Por outro lado, o anúncio das medidas foi “repentino e provocou uma forte reacção”.

O dirigente associativo queixou-se ainda que “os métodos de cobrança são irreais e o que os valores das taxas são injustos”. Para Lei Chong Sam, as únicas entidades que saem beneficiadas com a medida são as empresas que detêm parques de estacionamento e não os cofres públicos. “A parte mais afectada é a população trabalhadora que tem de recorrer aos veículos próprios para se deslocar para os empregos e escolas por não ter uma rede de transportes públicos eficaz, capaz de satisfazer as necessidades”, frisou.

Por outro lado, considera ainda que a medida é demasiado ampla, visto abranger todas as taxas relacionadas com a compra, a avaliação, a utilização quotidiana dos veículos pelos cidadãos, os meios de transporte em geral, a aprendizagem e o pagamento das licenças.

A associação referiu ainda que compreende que exista um ajustamento das tabelas vigentes dado que há muito não sofriam alterações, mas não compreende este “aumento quase louco” em que o Executivo usa a burocracia como “um inimigo contra a população”.

Recorde-se que o assunto, que causou muita polémica, está na origem de uma manifestação agendada para o próximo domingo, que conta com o apoio dos deputados Pereira Coutinho e Leong Veng Chai. Está marcada para hoje uma conferência de imprensa em que vai ser divulgado o traçado do protesto.

 

6 Jan 2017

Conselho de Consumidores | Queixas diminuíram em 2016

As queixas recebidas pelo Conselho de Consumidores diminuíram no ano passado. As telecomunicações continuam a liderar as reclamações. A compra de casas na China Continental está a revelar-se problemática

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] volume de queixas dirigido ao Conselho de Consumidores (CC) desceu 12 por cento no ano passado, comparativamente ao ano anterior. Em 2016, foram 6420 os casos que chegaram ao organismo: 1673 queixas, 4711 pedidos de informação e 36 sugestões.

Os residentes mostraram que, durante o ano passado, a área de maior descontentamento foi a relacionada com “Equipamento de Telecomunicações” seguida de perto pela dos “Imóveis”, com 198 e 184, respectivamente. Ainda no topo do desagrado ficaram os serviços de telecomunicações (144), os transportes públicos (99) e o sector das comidas e bebidas (92). No total, estes foram os tópicos que reuniram cerca de 43 por cento das queixas, correspondentes a 717 dos casos registados.

No entanto, segundo a nota divulgada pelo CC, as queixas relativas ao “Equipamento de Telecomunicações”, área no topo do ranking, diminuíram cerca de 35 por cento.

O problema da casa

O CC refere ainda que as queixas em relação às restantes áreas, no seu todo, também foram menos, com excepção do item correspondente aos “Imóveis”, que assinalou cerca de 100 conflitos na primeira metade do ano. Na origem destes casos está, diz o organismo, a aquisição de habitação na China Continental por residentes. O Conselho faz ainda saber que, com o conhecimento da situação, “lançou, por iniciativa, um mecanismo de comunicação com as associações comerciais ou cívicas das citadas áreas, realizando reuniões e encontros com as mesmas no sentido de se debater sobre o motivo dos conflitos de consumo”.

As queixas denunciadas por turistas somaram 683 casos que correspondem a dez por cento do total recebido pelo CC. O descontentamento dos visitantes incidiu na qualidade e no preço dos relógios, jóias e equipamentos de telecomunicações.

O organismo diz também que, em breve, irá mais detalhes sobre os casos recebidos em 2016.

6 Jan 2017

John Kerry diz que EUA respeitarão política de uma só China

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] representante da política externa chinesa e Jonh Kerry falaram ontem por telefone sobre as relações entre os dois países. O secretário de Estado norte-americano reafirmou o respeito pela política de uma única China, apesar da tensão criada pelo telefonema da Presidente de Taiwan a Donald Trump.

O secretário de Estado norte-americano assegurou ontem, numa conversa telefónica com o seu homólogo chinês, que os Estados Unidos respeitarão a política de uma China única, independentemente de que partido esteja no Governo, informou o ministério chinês.

As relações diplomáticas entre Pequim e Washington vivem momentos de tensão após um telefonema da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, ao Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, no dia 2 de Dezembro, para felicitá-lo pela sua vitória eleitoral.

Tsai fará duas escalas nos EUA, em Houston e em São Francisco, no início e no fim da sua ronda centro-americana, de 7 a 15 de Janeiro, durante a qual visitará os seus aliados diplomáticos Honduras, Guatemala, Nicarágua e El Salvador.

Na sua conversa telefónica com o ministro chinês, Wang Yi, John Kerry sublinhou a importância das relações entre os EUA e a China, enquanto Wang afirmou que os dois governos devem “continuar a trabalhar para proteger e reafirmar” o desenvolvimento das relações bilaterais, acrescentou o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

Kerry assinalou o êxito do desenvolvimento das relações bilaterais e destacou a colaboração em questões como a recuperação económica global, a luta contra as alterações climáticas e a resolução de assuntos importantes sobre segurança internacional.

As novas ameaças

Apesar do compromisso da administração do actual Presidente dos EUA, Brack Obama, com o princípio de uma só China, Trump já pôs em causa a sua continuidade.

“Não sei porque temos de estar ligados por uma política de uma só China, a não ser que cheguemos a um acordo com a China que tenha a ver com outras coisas, incluindo o comércio”, disse Trump, a 11 de Dezembro, ao canal televisivo Fox News.

Durante mais de quatro décadas, os Estados Unidos tem baseado as suas relações com o gigante asiático no princípio de uma China única, pelo que o único Governo chinês que Washington reconhece é o de Pequim, o que o distancia das aspirações independentistas de Taiwan.

6 Jan 2017

Sandy Leong Sin U expõe trabalhos no Café Terra

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Café Terra, localizado perto do Teatro D. Pedro V, acolhe até ao próximo dia 25 de Janeiro uma exposição de uma artista local. “Miss” é o trabalho mais recente de Sandy Leong Sin U e estará exposto nas paredes do pequeno estabelecimento. Segundo um comunicado, a exposição “Miss” aborda as memórias de família da própria artista.

“‘Miss’ é um trabalho que serve de memória à avó de Sandy Leong Sin U, que faleceu há um ano. Através de uma mostra de recordações, roupas feitas à mão e mobílias que faziam parte da casa da sua avó, Sandy Leong Sin U pretende reflectir sobre o modo de vida nos anos 60 e 70 na China, com uma perspectiva histórica.”

Sandy Leong Sin U referiu ainda que os proprietários do Café Terra disponibilizaram o espaço e também assistência técnica para a exposição, além de terem feito ajustes “de acordo com o progresso do trabalho”.

A artista de Macau trabalha sobretudo ao nível de ilustração, instalação e desenho, tendo lançado, em 2015, a obra “Hey, Listen”, além dos trabalhos “If we think our world is…” e “Relationship”.

Esta não é a primeira vez que o Café Terra mostra uma ligação ao meio artístico e até musical. Recentemente o espaço serviu de palco a um concerto de jazz, promovido pela Associação Promotora de Jazz de Macau. Já foram também expostas fotografias de Wong Wang Lap, actualmente a estudar em Londres, Reino Unido.

“Há cada vez mais colaboração entre cafés e artistas locais, e cada vez mais cafés estão a tornar-se em plataformas para novos artistas mostrarem o seu trabalho”, apontam os responsáveis do Café Terra.

6 Jan 2017

Paulo Senna Fernandes é 19º em ranking mundial

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] estilista local Paulo de Senna Fernandes foi distinguido como o 19.º designer do mundo no ano de 2016/2017 pelo World’s Leading Designer, na categoria de moda, vestuário e concepção de vestuário. Ao HM, o designer macaense garantiu ter recebido “a melhor prenda”.

“Recebi uma prenda de Itália, o 19.º lugar no ranking mundial de designers, após exibições importantes na Holanda, Índia, Itália e China, na cidade de Shenzen. É uma honra para mim, mas este não será o meu último prémio porque sempre gostei de competir, uma vez que ainda procuro o meu reconhecimento ao nível internacional”, contou.

Paulo de Senna Fernandes garante que só se candidata por querer levar o nome de Macau além-fronteiras. “Quando me inscrevo numa competição procuro trazer prémios porque sempre quis levar e mostrar lá fora o que é ‘Made in Macau’.”

O premiado designer, que já foi reconhecido com outros galardões ao longo da carreira, deixa ainda um recado. “Sou mais respeitado lá fora, tanto na China como no resto do mundo. Deram-me prémios e um nome. O meu mercado é o Continente, porque na China há oportunidades de negócio, bem como clientes, comunicação e espaço. O mais importante é que há um grande mercado de tecidos e acessórios, é muito fácil fazer encomendas.”

Para o sector de moda local, Paulo de Senna Fernandes deixa ainda umas ideias. “Macau tem poucos alfaiates porque a maioria da mão-de-obra vem da China. Mantenho os alfaiates locais nas minhas produções porque quero mostrar aos meus clientes que faço um trabalho diferente. Se Macau tivesse um espaço só para estilistas locais, no centro da cidade, seria muito interessante para desenvolver e promover o sector”, concluiu.

6 Jan 2017

Fotografia | International Photo Awards & Convention em Macau

 

A quinta edição da iniciativa International Photo Awards & Convention, organizada pela Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia, tem lugar em Macau e parece ter chegado para ficar. A organização pretende fazer do território o anfitrião permanente do evento, para transformar Macau num centro de encontro da fotografia internacional

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ser palco regular do International Photo Awards & Convention da Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia (PPCA, na sigla inglesa), a partir deste ano. A iniciativa, que assinalará a 5.ª edição na próxima semana, chegou ao território depois de ter passado por Cantão, Hong Kong e Xangai.

“A intenção é fazer, em Macau, o que já se faz em Las Vegas num encontro anual organizado pela Associação de Fotógrafos Profissionais Americana, dedicada a fotografia de casamento”, disse ao HM Allison Chan, directora da PPCA. No entanto, a ideia para a associação asiática é a de que, por cá, “seja dedicada à fotografia em geral e não limitada a um tema”, disse ainda.

Macau parece ser, para a organização, um local de excelência para transformar o evento num acontecimento estável porque “tem muita coisa em comum com Las Vegas”. Uma das razões apontadas é a existência de espaços que permitem expor as fotografias finalistas.

Na edição que decorre a 10 e 11 deste mês, a sala de exposições do Conrad Hotel vai acolher as 500 fotografias que foram escolhidas por decisão do júri. “Em Hong Kong, por exemplo, seria impossível encontrar um espaço assim.” No total, a PPCA recebeu cerca de 10 mil imagens de cerca de três mil profissionais de todo o mundo.

A ideia é “partilhar as últimas tendências da fotografia mundial e inspirar uma maior criatividade, ao mesmo tempo que é esperada a promoção de um intercâmbio com os criadores locais e um incentivo à indústria em Macau”, referiu.

Por outro lado, a Associação de Indústrias Culturais e Criativas, que colabora na organização do evento, considera que esta é uma forma de enquadrar as políticas de diversificação turística e incluir a fotografia numa indústria local a desenvolver. Gary Tang, presidente da associação, considera ainda que “o evento será a plataforma perfeita para motivar os talentos locais, ao mesmo tempo que promove a imagem do próprio território no estrangeiro”.

Espaço para os de cá

Outra novidade é o concurso local que integra a convenção. Dedicado aos fotógrafos do território, os interessados, profissionais ou amadores, podem submeter as suas imagens numa competição especial.

O evento conta ainda com a realização de masterclasses (dia 11), com a orientação de alguns dos melhores fotógrafos internacionais. Fazem parte da lista de oradores Liang Chen, de Taiwan, que ministra a palestra dedicada ao tema “a alma na fotografia”, o americano David Beckstead, que vai falar acerca dos elementos fotográficos, e Dave Koh, de Singapura, que traz o tema da criatividade para discussão.

O primeiro dia, 10 de Janeiro, é dedicado à realização de vários fóruns dos quais a organização destaca: “Latest Photography Trends”, com Allison Chan (Hong Kong), Victor Tong (Malásia), Zhang Huabin (China), Jack Chan (Hong Kong) e Liang Chen (Taiwan); e “Criatividade e Impacto”, com Victor Tong (Malásia), Jason Groupp (EUA), Erich Caparas (EUA), Anthony Mendoza Barlan (Filipinas) e Prito Reza (Bangladesh).

A competição geral é dividida em oito categorias que incluem o retrato, retrato criativo, crianças, paisagens, casamento, pré-casamento, retrato e paisagem captados por telefone. O painel do júri seleccionará os 32 vencedores através de um processo ao vivo e a apresentação do prémio será realizada no dia 10 de Janeiro. O destaque da competição será o anúncio dos dez melhores fotógrafos internacionais durante a apresentação dos premiados na noite de terça-feira.

6 Jan 2017

O estranho lugar das palavras

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á dias em que de súbito acordo num momento qualquer do dia como se pela primeira vez. De novo, mas com uma sensação de estranheza desmesurada, e como se desentranhada à força e antes da hora, a um sono tumultuoso e insuficiente. Arrancada do lugar. E quando mergulho nas palavras sei. Que estas são sempre um lugar estranho. Insustentável estranheza ou lugar.

Há lugares tão estranhos. Para lá de qualquer indizível sensação de reconhecimento. Não que a estranheza seja inscrita no lugar. Os lugares são imanentes como as coisas, como a matéria. Como o corpo, até. E há corpos estranhos. Estranhos que ficam para sempre e para lá da intimidade aparente da pele. Irreconhecíveis enquanto lugares familiares, alheios. Há lugares e pessoas e nomes que nos ficam estranhos para sempre. Ou exteriores. Tive um lugar assim. Pessoas. Talvez não tanto porque não estivesse recamado de todos os objectos que me acompanham a vida, a memória, e dos quais me penduro para não soçobrar sem bússola. Perder. Mas porque foi escolhido com mais liberdade do que outros, utilidade e não paixão, por uma vez. E, de repente ali, tive o tempo de ver nos dias esse não reconhecimento. Talvez um lugar de não encontro. Uma ligeira coincidência de passagem. E só.

E, para afundar a sensação bem num âmago completo de estranheza, e a ferir de inevitabilidade, como se uma verdade qualquer acordasse sequiosa de validação, sento-me no lugar destas palavras, dias depois, sem de todo as reconhecer. Uma manta espessa e contínua, de nós e pontos apertados, que tive de desfazer. Desmanchar, em parte. Porque era hoje. A elas, ao lugar delas e ao lugar que me ocupou no tempo delas. Um lugar outro que não vejo ali. A estranheza completa e desconhecida desse lugar perdido na memória e que aqui serve. E que está bem. Assim. Certo nas palavras e estas na sua lonjura, já. Custo a reconhecê-lo e só muito a custo, abrindo parágrafos e afastando ramos estranhos numa confusão de sentidos desorientada, como num lugar entranhado de floresta sem momentaneamente ver de onde vem a luz. E desse lugar abstracto em que de repente acordo, espreito inúmeras possibilidades de significado. Várias estranhezas outras de territórios alternativos ao que, insignificante, moveu as palavras de início. Porque de significante, só deixou a recordação de deixar.

Mas, outras vezes, caio de repente até numa única simples palavra. Simples e familiar, e deparo-me também com uma equívoca e indeterminada sensação de pura estranheza. Não sei porquê. Talvez não esteja nela. E sim no lugar em que me encontro. O mesmo mas, por erro de percepção. De paralaxe, de novo. Eu lia dantes. E relia e retomava o prazer intenso de algumas palavras quase até ao desgaste da sua superfície doce. E relia-as cada vez mais suaves e niveladas dos volumes e texturas da emoção. Quase a tornar-se inócuas. Depois tinha que parar. Deixá-las regenerar todo esse perfume antes de consumi-las de novo. Depois, muito depois foi como se as palavras tivessem enlouquecido. Mutáveis, ambíguas, irónicas e fugidias na sua perversão. De querer seduzir magias e de querer recobri-las de dúvida.

Mas o lugar de que falava. Nem sequer chegado a ser desconfortável. Nem de perto. Apenas uma distância, no conforto, de não ser a minha pele. Uma pele alheia, familiar e anódina. Há lugares assim como pessoas. Esse confronto de múltiplos contornos entre familiaridade e desconhecimento, entre conforto e indiferença, fez-me um dia mudar de casa. Com toda a nitidez. Houve uma música e uma emoção forte. E, de súbito a certeza de ter que mudar e o ânimo para todo um terramoto dos objectos e de tudo. Como mudar de pele. Mais complicado do que de face ou de roupa. E há lugares que se nos colam imediatamente como uma seda fina, uma musselina etérea se quiser vê-la com essa separação do que é o corpo que se transporta, ou simplesmente e invisível ao próprio, a pele. E outras estranhezas. E outros lugares. Igualmente feridos dessa imaterialidade que lhes imprime interrogações e inúmeras sensações dentro do leque do visível aos olhos ou do visível à cegueira dos olhos. E de entre lugares estranhos, o amor. Assim, a dizer de repente.

Há lugares tão estranhos. Lembro-me de quando era pequenina, e mesmo mais tarde, um bocadinho menos de tudo, e agora tudo isso em muito mais. E encantada por uma pedra bonita, e como uma formiga, por isso pensava levá-la para casa. Naqueles gestos lentos de pontinhas dos dedos a tentar fugir aos grãos de terra, de olhos postos e só na pedra de uma cor curiosa, ou de uma textura lisa, lisa e boa de tocar. E, no preciso momento de levantá-la da terra em que repousava há tempo suficiente, uma miríade de vidas de vermes ou de insectos por debaixo. E o susto, a repugnância ante a possibilidade do tacto por engano das expectativas dos sentidos. Essa vida surpreendida escondida e em paz nos seus desígnios. Mais perturbadora, muito mais do que a pedra que por erro ou injustiça me detivera a deslocar do nicho original. A roubar à harmonia. Ainda hoje, o prazer fresco de encher as mãos de punhados de terra, neles construir camas para rebentos, mudas, sementes, ou raízes já feitas, é inquieto por essa possibilidade da vida minúscula e oculta nos seus grãos. A eminência do tacto, arrepiante. Dos vermes. Que se tratará, para além da leitura associada à morte, de uma repugnância estranha, é.  E perante os bichos queridos quando partem de si. Como se com a temperatura do corpo se esvaísse deles a alma que os distancia dos objectos e nessa ausência injustamente tornados menores do que eles. Os objectos que, mesmo frios, agarramos com prazer nas mãos. Não os bichos.

Um dia uma mulher estranha com quem trabalho, e poucas devem ser mais estranhas do que ela,  quando, no entanto, sempre que fala eu reconheço de dentro as palavras que acho bem, e porque lhe toquei no braço no decorrer de um diálogo, afastou-se com agressividade e disse horrorizada não me toques, eu odeio que me toquem…respeito tanto isso que muitas vezes não toco aquilo de que gosto. Tenho medo que mais alguém odeie que eu lhe toque. É odioso fazer isso a alguém. E no entanto faz-se de muitas maneiras cuja escala não intuímos. Coisas de esconder o afecto. De o recobrir de ironia. De agressividade. Eu tenho saudades desse tempo de álbum de fotografias e da parte em mim que pertence a esse tempo. Em que as pessoas se tocavam com o tacto.

Lugares estranhos. Viver com essa outra de mim que não domino. Toda uma vida, vendo bem. Aquela que é fabricada do lado de lá e de que não conheço contornos nítidos. Que sou. Ou pareço. Mas esse é um conflito que imagino que nos tolhe a todos. Esse fantasma instalado em nós pela percepção de quem é exterior e dessa paisagem exterior olha. Resguardado também pela invisibilidade inerente a essa película grossa de que nos recobrimos. Mesmo sem querer. Com aversão, ódio. Ou exterioridade. Só. Mas lugar certo Sem força e sem saber o gesto alógica, a regra. Há sempre o momento a surpreender. Esse olhar extrínseco. Não inerente à essência. Inventado, até. Tantos conflitos se geram nessa gestão descontrolada de representações de nós e em nós de cada um desse que somos.  E, curiosamente é na subjectividade inteira para dentro desse casulo tão inviolado, estanque e translúcido quanto muito, que melhor sinto o que sou.  Nesse conflito triste de um vulto a que falta o perfume daquele calor intenso de sentimentos puros soterrados por mil cuidados e mil cobardias. Se algo em mim quereria ter cura é esse lado externo a mim e que anda pelo mundo como se fosse eu. Um eu que não reconheço ter a competência de me representar. Todo o calor de sentimentos, toda a solidez de que se faz o etéreo, toda a alma em desvelo. Pelo que gosto. Mais ainda pelo que amo. E nada. Quase nada transpira dessa mortalha grossa de que me sinto recoberta. Pelos outros. Alguns. Algumas vezes. Esta insularidade intransposta do ser. Talvez por isso sou só. Não em mim. A solidão não é em nós, mas sempre nos outros. Sou só nos outros. Se me não veem e me não vivem. Nessa representação de nós, que muitas vezes penso como uma peça de roupa oferecida. Raramente a reconhecemos. Raramente acerta em nós com um tiro certeiro de maravilha. Ego contra ego. Com ego.

Arriscava dizer que também os outros sofrem desta distância. De embarcações frágeis enviadas para longe sem ter visto de perto. Temos um problema com intimidade. Temos um problema com confiança. Temos um problema de entrega. E temos problemas por ter problemas. Destes. E dos outros. Dos dos outros. Mundo complicado como uma nave de loucos (em) que somos. Outros lugares estranhos. Alienamos nessa zona etérea do mundo que é a fantasia, o desespero d a realidade. A revelar-se escorregadia como um verme, e impalpável como uma ideia. Ou o ruído dos passos nas pedras do caminho e o intransponível poder de um abraço.

Interrogo muitas vezes as coisas nessa lamela de laboratório científico, debaixo das lentes de microscópio. A incredulidade tem crescido em mim, comigo, a passar a outras idades. Mas não é que os sentimentos me ofereçam dúvidas em mim. Emprestam-me de forma permanente em dúvidas de mim nos outros. Cada vez mais estamos menos sós mas em lugares estranhos de nós. Nos outros. Por isso e sempre voltar ao lugar do silêncio. E não poder querer permanecer. Reduzir por momentos o ruído de dentro e de fora. É no silêncio que melhor me encontro no que de melhor deve haver em mim. Ou baixar os braços. Nesse silêncio onde não se entra nem ninguém facilmente. E de onde falo para dentro destas palavras quando posso. Sim. Quando posso sentir-me recoberta pela casa e pelas roupas sem despir menos que o necessário. Senão, é também aqui que me prendo a esse fantoche que vejo de fora como se fora eu não sendo. Eu que conheço outras camadas que os fios não gerem, os dedos não manipulam, e os olhos não tolhem.

Um dia vivi num lugar pequenino e talvez feio, que nunca foi estranho. E todo um chão em malmequeres. Podia parecer uma metáfora no mosaico da memória. Mas é rigor. Longe. Um lugar longe de tudo. E que nunca foi estranho. Com alguém que nunca foi estranho e até hoje está ali. A uma distância em quilómetros e em meses que nunca foi mais matéria do que isso. Que o tempo tem inexoravelmente diluído do quotidiano e está ainda, mesmo assim ao alcance. Deixou-me e ao lugar, num dia em que o ar e o mundo precisava de estabelecer regras de distância física mas só, um manuscrito. Folhas de uma caligrafia azul, reconhecível e tatuada do gesto, em folhas grandes e pautadas de finas linhas. Azuis. Como eram dantes. Um ensaio sobre a angústia. “A superação da angústia”. Escrito em dias a dois metros de mim porque o lugar não esticava mais de pequenino. Mas com toda a distância entre mim e o segredo das palavras a cair lentamente nas folhas, como gotas, de folhas, muito depois da chuva. Da angústia. Que era necessária verter num espaço curto. Em palavras ditas. Contadas. No espaço curto longitudinal, com o abismo pelo meio. Em si. Escritas, durante anos e anos não li. É esse o lugar estranho do amor. Um. Ou estranheza é o lugar em si. Para além da ética ou da estética. Quando visto do lado de dentro, umas vezes. Ou quando visto de fora e outro. Estranheza é um lugar. Que é um não lugar. Por isso. Não o amor. Lugar entranhado de si. O lugar estranho do amor, de tanto ser estranho não ser lugar nem estranho, mas ser em si.

6 Jan 2017