A Sombra de Teseu

SEGUNDO ESTÁSIMO

 

CORO DE MULHERES

Ai que desgraça vem aí!

E Fedra arde de desejo.

É Afrodite e não Eros,

Quem a desvia do seu rumo.

Não tem mão em si, tudo fará,

Para vingar a sua carne

Que arde no sal da desfeita.

 

CORIFEU

Fedra mentiu sem escrúpulos,

Para seduzir Hipólito.

Não ponham as culpas na deusa.

Mulher com desejo é bicho,

Não respeita nem a si própria.

 

CORO DE MULHERES

Quem faz o que os deuses não querem?

Quem sabe o que é uma mulher?

Nem o tempo que tudo tem

Nos pode ajudar nestas questões.

Que pudemos saber da vida?

De quem é que somos migalhas,

De nós próprios ou dos deuses?

Fará alguma diferença

De onde nos chega não saber?

O que é mulher, que é homem?

Nem Fedra sabe dela mesma!

 

(Fedra volta à cena)

 

FEDRA

Que estou a fazer da minha vida?

Porque a arrasto para o lodo?

Que mal me liga àquele corpo?

 

(Fedra cala-se e anda como louca)

 

Mas Hipólito tem de pagar!

Mas Hipólito tem de pagar!

Mas Hipólito tem de pagar!

 

(novo silêncio e põe as mãos sobre o rosto)

 

Deuses, ajudem-me, por favor!

Que loucura esta que digo.

Que culpa tens tu, Hipólito?

De onde vem esta vontade

De castigar-te, Hipólito?

A virtude é a tua culpa.

 

(cai de novo no silêncio)

 

Esta demanda não tem razão,

Só o sangue pode acalmar-me,

Derramado em qualquer lado.

Nem que o universo rua!

 

(nova pausa, leva de novo as mãos ao rosto)

 

Tudo por causa de um corpo!

 

(Fedra sai de cena; a cena agora representa a chegada de Teseu ao palácio)

 

TERCEIRO EPISÓDIO

TESEU (gritando)

Onde está a minha mulher? Onde está Fedra? Alguém a pode avisar da minha chegada?

 

FEDRA (entrando em cena e sorrindo)

Estou aqui, meu senhor!

(estende-lhe os braços, abraçam-se e beijam-se)

Quantas saudades, Teseu! Quanta saudade! (volta a abraçar Teseu e depois pergunta) Mas que aconteceu, porque tanta demora e nenhuma notícia?

 

TESEU

Contra-tempos, Fedra, contra-tempos! Depois conto-te tudo com mais detalhes. Deixa-me agora olhar bem pra ti! Como estás bela, Fedra! Como estás bela, minha rainha!

 

FEDRA (sorri envergonhada e faz notar alguma preocupação)

Obrigado, meu marido! Mas já não sou a flor da Primavera, que por ti era colhida.

TESEU

Serás para mim sempre a mais radiosa Primavera! E acredita quando te digo que não sou só eu que vejo isso, Fedra! Qualquer homem daria um dos seus braços para estar aqui no meu lugar…

 

FEDRA

Daria, sim, porque nesse caso seria rei. (e riu-se)

 

TESEU (dando as mãos ao riso de Fedra)

Sempre com resposta pronta! Sempre fugindo dos elogios como uma serpente foge do falcão. Mas o que te digo é a mais cristalina água da nascente da montanha. Mas deixa-me perguntar àquele belo jovem que chega, e verás quão certo estou.

 

(Hipólito entra em palco)

 

É verdade ou não, meu filho, que Fedra é tão bela como qualquer rapariga do palácio?

 

HIPÓLITO (algo embaraçado)

Meu pai, não sou homem para adocicar palavras! Tão pouco homem para reparar na beleza dos corpos. Mas como você está? Que lhe aconteceu?

 

FEDRA (com ar irónico)

Hipólito realmente tem mais o que fazer do que reparar na beleza dos corpos, Teseu! Muito mais.

 

(Teseu parece intrigado, mas nada diz, olhando um e olhando outro; Hipólito mantém-se calado, olhando o pai)

 

TESEU

Meu filho nada de importante se passou! Apenas contra-tempos, como já disse a Fedra, mas amanhã contarei tudo com detalhes, ainda que não tenha nada de interessante ou misterioso para partilhar.

 

HIPÓLITO

Sendo assim, meu pai, dêem-me licença, vou retirar-me e deixar-vos a sós.

 

TESEU

Vai, sim, filho, falaremos depois. Agora tenho saudades desta beleza que não vês. (e abraça Fedra, com um dos braços)

 

(Hipólito sai de cena e Fedra e Teseu ficam sós; Teseu tenciona beijar Fedra, mas ela esquiva-se)

 

TESEU

Algum problema, Fedra?

 

FEDRA (mostrando-se preocupada, como se algo a atormentasse)

Nada, Teseu! Não se passa nada. Estou cansada.

 

TESEU

Cansada? Cansada de quê?

 

FEDRA

Cansada de esperar, meu marido! Cansada de esperar. De pensar no que poderia ter-te acontecido, o que estarias a fazer…

 

TESEU

Cansada de esperar, Fedra? Não é a primeira vez que me ausento tanto…

 

FEDRA

Mas assim tanto tempo sem notícias, é. Até mandei Hipólito ir até Atenas ver se sabia de ti…

 

TESEU

Mandaste Hipólito à minha procura? Mas qual a necessidade, a urgência de tal decisão, mulher?

 

(silêncio, Fedra não responde, tenta desviar o assunto)

 

FEDRA

O que importa é que estás bem! Que nada te aconteceu e regressaste na mesma alegria com que partiste.

 

TESEU

Infelizmente parece que sou o único com alegria nesta casa! Que se passou Fedra? Que aconteceu na minha ausência?

 

FEDRA

Já te disse que não aconteceu nada.

 

TESEU

Fedra, conheço-te como conheço o fio da minha espada! Sei bem quando algo te preocupa, quando escondes algum acontecimento que possa perturbar-me. (segurando agora Fedra, pelos ombros) Diz-me, por favor, que aconteceu?

 

FEDRA (depois de algum silêncio)

O que aconteceu, meu marido? O que aconteceu? O que aconteceu é que foste desrespeitado! E em tua própria casa. E por aquele a quem te deve o seu ser. Foi isto que aconteceu.

 

TESEU (afastando-se de Fedra e encarando-a estupefacto)

Que dizes? Que dizes, mulher?

 

FEDRA (encarando-o friamente)

Isso mesmo que pensas, meu marido! Isso mesmo!

 

TESEU

Meu filho tomou-te mulher, Fedra?

 

FEDRA

Inicialmente só se insinuava, Teseu. Mas rapidamente se tornou muito inconveniente. Foi quando tive a ideia… ai como vejo agora ter sido uma tão péssima ideia, meu marido!!!

 

TESEU

Mas que ideia foi essa?

 

FEDRA

Não sabíamos de ti há quase cinco meses e já não suportava as investidas de teu filho. Disse-lhe, Hipólito, se teu pai estiver realmente morto, serei tua, mas terás de trazer-me a comprovação da sua morte. Pois não poderei ser tua com Teseu viva. Pensei em ganhar tempo, e que entretanto tu chegasses, Teseu, entendes? (e agarra os braços de Teseu) Entendes, meu amor, entendes?

 

(o rosto de Teseu endurece)

 

Quando regressou, disse que estavas morto e exigiu de mim a promessa que lhe fizera. Este corpo ainda nem arrefeceu do corpo dele, Teseu. (tapa o rosto) Que vergonha, meu marido, que vergonha!

 

(o silêncio ocupa  a cena por algum tempo)

 

Entendes agora a minha preocupação, meu marido? Que devo fazer, meu amor, que devo fazer, dizes-me?

 

TESEU (que parece ter vindo da longínqua terra dos mortos, de Hades)

É Hipólito que tem de se retratar, não tu!

 

FEDRA (violenta)

Retratar, Teseu? Retratar? Pedindo desculpas, talvez, não?

 

TESEU (segurando-a e tentando acalmá-la)

Calma, mulher! Calma. Este crime pede exílio ou morte, como retratação.

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