Alemanha | Quarto mandato de Merkel na eleição que leva a extrema-direita ao Bundestag

A hipótese mais provável para Angela Merkel formar Governo é a coligação com Liberais e Verdes, depois dos socialistas do SPD terem obtido o pior resultado de sempre. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha é a terceira força política neste momento. No entanto, as relações com a China devem permanecer fortes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] CDU de Angela Merkel ficou em primeiro lugar nas eleições federais alemãs apesar do crescimento do populismo isolacionista da extrema-direita, com a Alternativa para a Alemanha (AfD) a ficar em terceiro lugar e a chegar pela primeira vez ao Bundestag. A líder dos cristãos democratas, no poder desde 2005, não tem uma vida fácil pela frente na tarefa de formar um Executivo, principalmente tendo em conta o desaire dos sociais-democratas do SPD de Martin Schulz, que obtiveram a pior votação de sempre, com 20,5 por cento. Neste contexto, resta à Chanceler formar Governo com os Liberais e Verdes.

José Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, vê com preocupação os resultados das eleições alemãs. “Há um reforço nítido da extrema-direita, agora representada no Parlamento com um número razoável de deputados”. O economista aponta a possível destabilização política trazida pelos “discursos populistas, anti-imigrantes, que surgiram também noutros pontos da Europa”, trazidos para a campanha alemã pela AfD. De facto, o partido de Frauke Petry, apelidada por alguns sectores como Adolfina, chega aos 94 deputados, num total de 630 possíveis.

A própria CDU tem de fazer contas à vida depois de conseguir um dos piores resultados de sempre com 33 por cento, uma marca que apenas encontra um registo pior em 1949, o primeiro sufrágio depois da queda de Hitler e da divisão do país, quando tiveram 31 por cento. Importa recordar que nas eleições de 2013 a CDU conseguiu 41,5 por cento.

Queda socialista

Contudo, o grande derrotado destas eleições foi o SPD, o partido de centro esquerda liderado por Martin Schulz, que apesar do segundo lugar obtido ficou muito aquém do esperado com apenas 20,5 por cento, o pior resultado de sempre. O desaire levou o líder dos socialistas a confirmar que vai passar para a oposição, deixando a Merkel apenas a possibilidade de se coligar com os Liberais e os Verdes.

O tombo socialista também não foi uma surpresa tendo em conta a tendência política europeia e mesmo a eleição de Donald Trump.

“Os partidos socialistas na Europa parecem perder eleitores para forças políticas que são anti-imigrantes, um movimento difícil de fazer”, diagnostica Sten Verhoeven, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. O docente especialista em direito europeu realça o muito tempo que estas forças políticas estiveram no poder, durante as quais surgiram pressões sobre o estado social. O eleitorado vira-se para forças que apontam o dedo a outras causas para a crescente pressão sobre o trabalho e benefícios sociais, tais como o federalismo europeu e as vagas migratórias. “Os socialistas têm de se reinventar e voltarem a focar-se em assuntos sociais”, aponta o académico. Feitas as contas o SPD fica com 149 deputados.

Em terceiro lugar no pódio das eleições fica então a AfD. Com tamanha representatividade parlamentar, o partido de extrema-direita terá algum poder de arremesso para pressionar o Governo de Angela Merkel a tomar posições mais isolacionistas, tanto em políticas de imigração como na relação com a União Europeia (UE).

Sinais preocupantes

As eleições alemãs foram mais um cartão amarelo às instituições europeias. Apesar de estar em perspectiva um quarto mandato para Angela Merkel, a agenda euro-céptica do AfD ganhou tracção considerável no eleitorado, algo que não deverá passar em claro a Bruxelas. Isto também tendo em conta que o partido de Frauke Petry anunciou que irá coordenador esforços com a Frente Nacional francesa e com o partido de extrema-direita da Áustria. Tudo “situações preocupantes para a UE”, no entender de José Sales Marques, que realça as características nacionalistas e isolacionistas destes movimentos profundamente contrários ao processo de integração europeia.

Angela Merkel na primeira reacção aos resultados apurados dirigiu-se aos eleitores da AfD, dizendo que quer ouvir os seus medos, compreender as suas preocupações e procurar resolvê-las.

“Nesta conjuntura, com a realidade do Brexit, há a necessidade de reequacionar o futuro da Europa”, perspectiva o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau. Apesar de as forças populistas de extrema-direita dificilmente terem capacidade para chegar ao poder, o seu crescimento pode levar a mudanças de políticas que levam o pêndulo ideológico a afastar-se do centro. Uma circunstância que, de acordo com José Sales Marques, também pode trazer más notícias para os países do Sul da Europa.

Com este resultado, o AfD pode cimentar-se no Bundestag e na política nacional alemã. Embora possa haver alguma fragmentação interna entre as diversas facções dentro dos nacionalistas, os fundos federais que vão receber permitem que tenham uma estrutura sólida no panorama político alemão.

Relações chinesas

Apesar da descida do partido de Merkel, a agência Xinhua salienta os 12 anos consecutivos da Chanceler ao leme da Alemanha como uma apoiante da globalização e da cooperação internacional. Durante os seus mandatos, Merkel visitou a China uma dezena de vezes e a sua reeleição é tida pela agência oficial chinesa como “um sinal positivo para o desenvolvimento futuro das relações entre a China e a Alemanha”.

Importa salientar que neste momento Pequim é o maior parceiro comercial da Alemanha. Em contrapartida, os produtos alemães são os preferidos nas importações chinesas entre os países europeus. Aliás, a agência salienta que as estreitas ligações comerciais são uma das razões da robustez económica alemã, facto que terá sido fundamental para a reeleição de Merkel.

Outra das situações elencadas pela Xinhua para celebrar a vitória da CDU é a “volatilidade crescente que se faz sentir no mundo” sendo, portanto, uma boa notícia uma “relação de maturidade entre os dois países num contexto de prosperidade e estabilidade global”.

Sem aludir directamente ao nome de Donald Trump, a agência chinesa salienta o papel da Alemanha como um actor racional no plano internacional, que funda a sua conduta na resolução de crises e conflitos pela via diplomática, em vez da intervenção militar. Além disso, a Xinhua salienta a posição alemã de compromisso com o acordo de Paris quanto às políticas de combate às alterações climáticas.

José Sales Marques destaca a natureza da relação entre a China e a Alemanha, que é “na sua essência baseada em relações comerciais extremamente vantajosas para ambas as partes”.

Também Sten Verhoeven entende que os germânicos não devem abdicar da posicionamento que têm no comércio global. Aliás, o académico entende mesmo que para a Alemanha não existe alternativa a essa posição e que romper com esta aliança comercial traria dores económicas a ambos os países.

A possibilidade das forças políticas nacionalistas fincarem o pé numa posição de isolacionismo face ao mercado global é algo que José Sales Marques não acredita ser possível. “É do interesse nacional da Alemanha que essa capacidade económica se mantenha, ou que se fortaleça”, comenta.

Como faz questão de vincar a Xinhua, o eixo comercial e diplomático sino-germânico tem desenvolvido “ligações especiais”, e “qualquer interrupção desse intercâmbio seria demasiado custosa”. Nesse sentido, a agência refere que ambas as partes precisam estar atentas ao crescente espectro de proteccionismo que atravessa o velho continente.

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