Imagens | HK Urbex à procura da memória colectiva de Hong Kong

Na cidade dos arranha-céus, um grupo de jovens exploradores documenta, em fotos e vídeo, o interior de edifícios abandonados, na tentativa de os inscrever na memória colectiva de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e a metrópole é frequentemente associada à modernidade e futurismo – no cinema já foi, por exemplo, a Gotham City de “Batman” e cenário de “Ghost in the Shell” – nos vídeos do grupo “HK Urbex” são os redutos mais antigos, e até decadentes, que estão em destaque.

O grupo de oito elementos, que mantém a identidade oculta, já entrou, sem autorização, em mais de 100 edifícios ou estruturas deixadas ao abandono em Hong Kong, desde um centro de detenção para a antiga agência de serviços secretos, a um hospital psiquiátrico, uma antiga mansão, escolas, cinemas, um mosteiro, um antigo matadouro.

“Há muito património, mas é difícil de ver. Muitos destes sítios são demolidos sem que ninguém conheça a sua história. Partilhamos informação sobre eles para que entrem na consciência colectiva”, diz à Lusa Ghost, de 34 anos, um dos fundadores do projecto.

Os edifícios com valor histórico – mesmo que não reconhecido oficialmente – são o ‘alvo’ preferido, mas também já entraram em “estações de metro [desactivadas], estaleiros de obras”, já que também “fazem parte da narrativa de Hong Kong” e são locais “que as pessoas não vêem normalmente”.

Há também blocos residenciais, sem particular traço arquitectónico, mas que representam uma forma de viver. É o caso do prédio Hoi Hing, em Tai Kok Tsui, onde as 283 fracções estão quase todas abandonadas, mas nem por isso vazias.

Além do avançado estado de decadência – janelas partidas, canos soltos, paredes lascadas – os corredores e os apartamentos do Hoi Hing estão repletos de coisas, móveis, roupa, sacos, caixas, papéis, um amontoado de lixo onde se avistam subitamente objectos pessoais: um sapato de bebé, um jornal de 1982, álbuns de fotografias. Num deles uma família à mesa, miúdos e graúdos de pauzinhos em punho, olha para a câmara com um ar desanimado.

O edifício de 53 anos – que conta na sua história com um macabro caso de homicídio de um casal pelo filho – aguarda demolição, tendo a propriedade sido adquirida por 2,6 mil milhões de dólares de Hong Kong.

O património que morre

Os dois fundadores do projecto HK Urbex (2013), Ghost e Echo Delta, estão atentos às notícias sobre demolições e novos projectos imobiliários, e até desenvolveram um “sexto sentido”. “Há sinais. Notamos que há um edifício sem ar condicionado, a parede está partida, começamos a investigar. Muitas vezes somos as últimas pessoas a entrar nestes edifícios.”

“Na última década muito património foi demolido ou renovado”, diz Echo Delta, lembrando o caso do Queens Pier, cujo anúncio de demolição gerou forte contestação. “Eu era jornalista na altura e estava a cobrir a história. Muitos jovens ficaram indignados e até se acorrentaram ao cais, fizeram greves de fome. Foi a primeira vez que assisti a isso e marcou-me muito”, conta.

Uma combinação de demolições e gentrificação estão a ter um impacto significativo na cidade, garantem os exploradores. “Está a mudar muito rápido, está sempre tudo em obras, não fazemos ideia de qual será o aspecto da cidade daqui a 20 anos”, diz Echo Delta.

“Em cantonês há um termo que quer dizer ‘memória colectiva’ e tem sido muito utilizado nos últimos anos, em que as pessoas se sentem nostálgicas em relação ao antigamente. O processo de gentrificação está descontrolado. Daqui a dez anos, até os sítios mais tradicionais vão ficar como Singapura, onde tudo tem um aspecto muito genérico”, comenta.

Os edifícios “formam a identidade de Hong Kong” e, na opinião dos exploradores, o ímpeto para os proteger insere-se na mesma narrativa da luta política por democracia. “Muitos jovens querem diferenciar-se da China, por isso há tantos grupos pró-democracia, o Occupy Central, o ‘localismo’. De certa forma, isto surge em paralelo com isso, estamos a defender a nossa identidade e parte dela são estes edifícios”, salienta.

Numa cidade que luta com a falta de espaço e bate recordes nos preços do imobiliário, Ghost considera “uma loucura” que existam tantos edifícios remetidos ao abandono, recordando uma notícia de 2015 que dava conta que cerca de 100 escolas permaneciam abandonadas.

Embora longe de ser representativo, um relatório oficial indica que existiam no ano passado 43.660 fracções vagas em propriedades privadas. “É incrível, numa cidade onde as pessoas têm de viver no espaço de duas mesas, é criminoso, viola mais a lei do que nós ao entrarmos nesses sítios”, destaca.

De toda a gente

Apesar de saberem que não é permitido, os dois consideram as incursões importantes. “Não conhecemos a história se não entrarmos”, afirma Echo Delta, lembrando as emoções fortes das suas incursões, onde se comovem, assustam, divertem.

“Os álbuns de fotografias dizem-me muito. Questiono-me sobre o que é feito daquelas pessoas. Cresceram, morreram, ainda estão em Hong Kong? É um pouco triste por vezes, são sentimentos mistos. O sapato de criança que encontrámos, por exemplo, é um pouco mórbido. Não conseguimos deixar de pensar ‘O que se passou aqui?’”, comenta.

Estes salteadores dos prédios abandonados, que têm como mote “Não levar nada, não deixar nada, não matar nada”, começaram por usar máscaras para esconder a identidade, tendo em conta a ilicitude dos actos.

As máscaras acabaram por se tornar numa forma de “combater a cultura das ‘selfies’ e do ego”, sublinha Echo Delta. “Estes sítios onde vamos não nos pertencem, são de toda a gente”.

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