Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasVirgens e meninos rabinos António Cabrita - 8 Jun 20178 Jun 2017 05/05/2017 Max Ernst – “Virgem que espanca o Menino Jesus observada por três testemunhas” (1926) [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma vez, pensava na vida olhando a minha filha mais pequena que brincava com um pato amarelo, de plástico, e perguntei-lhe de chofre: Filha, o que é a mentira? Ela, entretida com o pato, atirou: Uma tartaruga. Não me desmanchei: E quantas patas tem? Respondeu firme: Duas. Depois, sob pretexto de lhe ler uma história, mostrei-lhe uma gravura com uma tartaruga. Ela concluiu o resto, não precisei de lhe dizer uma palavra. Chama-se a isto a racionalidade: a capacidade de mudarmos as nossas concepções quando confrontamos aquilo em que acreditávamos com a experiência da realidade. O que se denota pelo comportamento de Trump é que para ele as tartarugas ainda têm duas patas e continuarão a ter. Dizia o presidente americano que os EUA abandonam o acordo por ser mau para o emprego nos Estados Unidos, pois afecta a indústria do carvão e de outros combustíveis fósseis. O que ele não diz – eis uma personagem em quem até as omissões mentem – é que o acordo, simultaneamente, estimula outras indústrias bem mais florescentes na economia dos EUA. Elucidam os jornais: «Segundo números do Departamento da Energia, citados pela CNN, a indústria do gás natural emprega 362 mil pessoas, a solar 374 mil e a eólica 102 mil. Já a indústria do carvão dá emprego a 164 mil funcionários, um número que tem vindo a descer há décadas. Os dados mostram ainda que a empregabilidade na indústria solar cresceu, em 2016, 17 vezes mais que o crescimento total do emprego.» Não são recicláveis os operários americanos? A tal da perna curta, etc. Na verdade, a única coisa que lhe interessa são duas. A primeira é exibir músculo para ver se ganha ao resto do mundo a discussão sobre quem estabelece as regras da relação, o vulgo “quem manda em casa!”. E as coisas não estão a sair-lhe bem. A segunda é a que resulta disto: em Trump, neste momento, por detrás da máscara da arrogância, existe uma criança tremendamente assustada. Alguém que deu conta de que pode haver despistes mortais num triciclo. Em estudando-lhe as expressões faciais, nos momentos chaves da sua exposição mediática, nota-se alguém tremendamente dividido entre o papel de que ele se acha investido e a mortificação de já não saber que máscara adoptar com precisão em cada ocasião. A urgência pomposamente solene com que empurrou Montenegro (a macia matéria do mundo) para depois apertar um botão do casaco em Grande-Plano não é congruente com o ar de pilhéria com que anuncia que se está nas tintas para que o planeta fique estufado – um ar de puto radiante por contrariar os outros. A lição dura que Trump está a ter através de humilhações sucessivas, dentro e fora – e proporcionais à irrealidade com que as nega no twitter – é a derrota do homem comum americano: a sua impropriedade para enfrentar a complexidade do mundo actual, dado padecer da inércia de nunca se interrogar se a tartaruga terá mesmo duas patas. Por isso jamais poderá agir Trump como diplomata e nunca almejará ser mais do que o ladino intermediário de alguns negócios, não coincidindo exactamente o seu primeiro interesse com os interesses da América, antes fixando-os na manutenção do rating da sua imagem. Será que o triciclo se aguenta na curva? Só este pânico explica a inadequação dos tuites em que desqualifica o mayor londrino. Não é a pertinência, a justeza da palavra que ele visa, isso é irrelevante, ele apenas roga, desesperadamente, por atenção e, quiçá, ternura. Apetecia convocar aqui a “Virgem que espanca o Menino Jesus observada por três testemunhas”, de Max Ernst (o quadro que ilustra a crónica)” – são imensamente friáveis as nádegas do Menino, seu filho. E, para já, tirar o triciclo a Trump. Quanto a mim prometo não voltar ao tema dos meninos rabinos. 06/05/2017 Esta Virgem e a crónica de há duas semanas do Valério sobre as 72 Virgens que aguardam por mártir de um Islão no Paraíso, fez-me pensar no tipo de virgens que quereria para mim, depois duma minha virtual conversão. Eis algumas que já me ocorreram: a) Têm todas de ter um certificado de garantia de que nunca estiverem em hotel russo ao mesmo tempo que um milionário americano, não quero hímenes restaurados; b) quero uma virgem com uma genitália que seja uma espiral de quatrocentos e cinquenta metros de diâmetro, com rochas negras de basalto, para que eu exercite os meus dotes de montanhista; c) outra com uma (sic) como a que descrevi exaustivamente num conto: com quatro cantões como a Suiça. Já que a nomeei mereço frequentá-la; d) uma virgem, como pediria o filósofo Agamben, de “uma beleza-por-vir” mas que não seja demasiado linguaruda como a Xerazade, podendo no entanto herdar-lhe as axilas, que diziam aromatizadas em jasmim. Melhor, que seja só axilas… e) uma virgem que, como queria o gnóstico Valentim, não obre e não urine e saia ilesa de todas as minhas fantasias; f) uma virgem cuja palavra menstrue, para que me lembre. Outra g) tão inteligente que, de cada vez que me veja nu, não sinta logo necessidade de chamar os bombeiros; h) uma virgem que tenha pomares nas virilhas e exsude em aparos moles; i) uma virgem tão feliz em sê-lo que a cole num postal para o Papa Francisco; j) uma virgem especialista sobre o vasto mundo do paguro; k) uma virgem inautêntica, até sincera nisso, e duma fantasmagórica vacuidade para que eu possa dormir lá dentro; l) uma especialista em sânscrito que me possa ler o Kama Sutra, na língua que o incarna, sem precisarmos de nos cansarmos no espaldar; m) uma não-virgem, que pode ser a minha mulher (troco-a por vinte e cinco virgens), pra que naquela imensa eternidade tenha alguém que me diga que não; n) uma virgem que respeite a minha decisão de não querer ser informado sobre os pormenores da incandescente cópula do gafanhoto (16 horas de labor operático). Por favor, recrutadores, passem a palavra.