Dez frases sobre a essência da China (Parte 3) 随时翻翻《红楼梦》(第三部分)

Estas dez frases vão ensinar-lhe mais sobre a China do que qualquer livro da especialidade

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]onho da Câmara Vermelha foi ao longo de todas as épocas um dos livros que mais vendeu. Escrito no séc. XVIII, é considerado uma obra-prima e um dos pontos mais altos da ficção chinesa. A Vermelhologia é um campo de estudo dedicado exclusivamente a esta obra. Para dar um exemplo, o Presidente Mao tinha consigo um vermelhologista de renome. No entanto, eu não sou uma vermelhologista, vou apenas desfolhando este clássico só para preservar no meu ADN a marca da língua chinesa, eu que me tornei uma escritora de língua inglesa. Recentemente, coleccionei dez frases para partilhar com os meus leitores. Hoje só me interessa discutir o valor revolucionário da literatura clássica.

Sou um homem, meu amor! 抱诚守真

Oh, meu deus! Durante este tempo todo, os especialistas estiveram a tentar convencer-nos de que este clássico da literatura falava do amor platónico entre dois adolescentes, o jovem Baoyu e a sua apaixonada Daiyu. Outra teoria que circulava é que a obra abordava o karma. O karma é a experiência, a experiência cria memórias, as memórias criam imaginação e desejo, e o desejo volta a criar o karma. Digamos assim, se comprar um hamburger, isso é karma. O caro leitor passou a ter uma memória que pode dar-lhe o desejo potencial de comprar um Big Mac e entrar no McDonalds – e como os protagonistas são adolescentes, seria o cenário ideal – e lá vem o karma outra vez.

O desejo é o ponto de partida de todas as boas histórias, não é uma virtude, não é um valor, apenas uma nítida pulsão que tudo transcende. E o facto de eu estar a pensar estas coisas é a prova provada de que Sonho da Câmara Vermelha é uma obra-prima totalmente inovadora, que continua a ser apreciada hoje em dia pelos leitores do mundo inteiro: o autor assumiu que os chineses têm corpo.

E como é que estes corpos se apresentam? Pergunta difícil, sem dúvida.  Vim a descobrir que todas as personagens femininas têm o peito liso e, quando alguma não tem, o autor evita entrar em pormenores sobre a sua anatomia e prefere dissertar sobre outros atributos – o cabelo, as roupas de seda, o seu aroma ou o gosto refinado – ah, e sobre a sua força interior. É também um segredo de Polichinelo que algumas das partes mais sumarentas foram censuradas da edição oficial. Por exemplo, o escaldante caso amoroso entre Keqin e o sogro foi retirado porque o autor o mostrou a um certo “ancião sábio”. Então, o autor passou a relatar com pormenores romanescos a história da censura da sua história, esperando que os leitores pudessem compreender o seu desgosto. Esta foi a parte que eu achei realmente divertida. A partir daqui o autor aprendeu a lição e nunca mais mostrou os seus escritos a ninguém. E desde então as suas heroínas tornaram-se seres sensuais e memoráveis. E isto porque se assemelhavam a mulheres verdadeiras, apesar da sua aparência permanecer um mistério. Apesar disto, toda a sua chama criativa foi dedicada ao protagonista masculino, Baoyu e à descrição do seu corpo e suas expressões. Acredito que, desta forma acidental, Sonho da Câmara Vermelha libertou as mulheres e os homens chineses.

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