João Mascarenhas, músico: “Não acredito numa jam session séria”

Um acaso levou-o ao evento Jazz Sunday Sessions que acontece no espaço Live Music Association todos os domingos. A partir daí, o músico brasileiro, que vive entre Macau e Hong Kong, começou a pensar em novos projectos para o território. João Mascarenhas acredita que o público local precisa de educação para ouvir outros sons que não os da música clássica, para compreender o sabor do improviso

Foi o João que descobriu as Sunday Jazz Sessions no Live Music Association (LMA). Como surgiu o interesse pelo evento?

Foi uma coincidência. Tive um trabalho aqui, de último minuto, em que umas pessoas de Hong Kong me pediram para arranjar músicos em Macau. Comecei a contactar músicos que conhecia, e aí comentaram comigo que havia essas sessões no LMA. Já tinha planos para começar a passar mais tempo em Macau, e foi uma coincidência muito boa.

Está a pensar desenvolver alguns projectos em Macau. Que tipo de projectos são esses?

Estou querendo começar a ensinar. Quero começar alguma coisa no LMA. Há músicos bons em Macau, mas estão estagnados. Queremos mudar a educação musical aqui. Tenho vindo a ser contactado por dirigentes associativos e quero trazer músicos de Hong Kong também. Basicamente quero trabalhar com a educação, porque é algo fundamental para criarmos uma plateia. Se tivermos os estudantes daqui, que começam a chamar os amigos, cria-se um fomento da cena da música jazz. Estou a pensar também criar uma associação aqui em Macau, para também fomentar esse lado educacional.

Como foi a sua vinda para a Ásia e a entrada na cena musical de Hong Kong, onde existe mais diversidade?

Hong Kong tem de facto mais lugares para se trabalhar. Estive em Macau em 2005. Antes estive nos Estados Unidos a fazer um mestrado em Composição, mas estava um pouco aborrecido e não aguentava mais ficar lá. Apareceu então um trabalho no Vietname, onde gravei dois discos, e depois arranjei emprego em Macau. Aqui tocava com uma banda num hotel e conheci a minha esposa. Isso me fez ficar aqui por aqui. Decidi também voltar para a universidade e ganhei uma bolsa da Universidade de Hong Kong para trabalhar em composição. Comecei a fazer trabalhos como compositor, produtor e também como educador, porque fiz bastantes workshops.

Entre a primeira experiência em Macau como músico e esta fase agora, que análise faz da evolução da cena musical aqui?

Macau tem uma coisa que lembra muito a minha cidade natal, Belém [no Brasil]. Não se tem referências do que acontece no resto do planeta se não se for lá fora ver o que está acontecendo. Costumava fazer comentários sobre um slogan que havia em 2005, que dizia “No mundo de diferenças, a diferença é Macau”. Tem uma conotação negativa. Naquela altura havia as escolas do Conservatório, que vão estar sempre ligadas à cena da universidade. Então se não tiver musica clássica, não é uma coisa séria, não é uma coisa para ser ouvida. Cria-se uma barreira entre o que é música popular e o que é música clássica. Naquela época só havia dois bares com música ao vivo. Com esse boom dos casinos, passaram a existir os lugares, os bares que deveriam ter música. Mas Macau ainda não tem uma produção de músicos não clássicos, com nível profissional suficiente para gerir entretenimento de alta qualidade. Os músicos de conservatório mais puritanos e conservadores chamam música popular ao jazz, mas o jazz não é isso. O jazz teve um grande boom no início do século XX, quando apareceu em Nova Orleães o crioulo tocando. Depois houve o boom das bandas brancas, com Glenn Miller, o swing, a década de 30. Depois chegou Bebop. Era uma outra maneira de pensar completamente diferente. O artista de jazz é um performer e, ao mesmo tempo, um compositor. Ele improvisa. Em Macau ainda não tem essa coisa, não produz ainda músicos que tenham esse nível para serem entertainers de música popular, e está começando no jazz. O caminho para mudar isso é a educação musical, e gostaria muito que, pelo menos, os clássicos pensassem na flexibilidade. A coisa do jazz exige uma pequena prescrição, depois há uma improvisação e interacção. O jazz é, na verdade, uma música interactiva. O meu coração está na hora do improviso.

Também é preciso educar o público?

Exacto. Em Hong Kong faço workshops sobre apreciação de jazz para pessoas que não são músicos, de uma maneira informal. E quero começar a fazer isso aqui também.

Macau é muito feita de comunidades. É possível treinar os diferentes ouvidos que existem aqui?

É possível. Tudo depende da maneira como se entrega esse tipo de música e de informação, como se apresenta uma música para as pessoas. Tem de haver entretenimento também. A música clássica está morrendo e em decadência, e o que mantém a música clássica ao vivo é a parte da música de filme. Há uma orquestra em Hong Kong que vai executar as músicas do filme do Harry Potter, por exemplo. A música clássica está querendo pegar nessa coisa do visual, para conseguir alguma sobrevivência.

É um tipo de música para se ouvir sentado.

É um pouco isso. Acho que o jazz está entre isso e a música popular, direccionada para um total entretenimento. Não acredito numa jam session séria, num ambiente de teatro. O jazz é improvisação, depois interacção. Há também uma coisa que o artista de jazz tem, que é a individualidade. O músico tem um jeito de tocar.

Gosta mais de ser educador ou músico?

Ser músico envolve a composição, que é uma coisa solitária. Passo horas e horas no meu computador. Adoro compor e produzir, adoro ensinar, performances também é uma coisa forte. Não consigo separar essas coisas.

A música clássica está em declínio. E o jazz?

Hoje em dia, a indústria está cheia de géneros de música. As fronteiras estão misturadas. A música clássica, de concerto, ainda tem o suporte das instituições académicas e do Governo. Isso acontece aqui em Macau também e em Hong Kong. O jazz é visto como uma música de bar, de cabaret, inferior, mas na verdade é bem mais difícil do que música clássica. Tenho alunos de Macau para quem é difícil pensar fora da caixa, porque sempre lhes deram uma partitura para seguir.

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