Phil M. Reavis, músico da banda “The Bridge”: “A música, com o tempo, torna-se visceral”

Phil M. Reavis é professor de Inglês e músico em Macau desde 1982. Veio para dar aulas e agora é um dos rostos associados ao jazz local. Autodidacta, toca saxofone tenor com a banda local “The Bridge”. Ao HM, falou do que pensa relativamente ao estado do género musical no território

Como é que veio para Macau?

Vim para o território em 1982. Já tocava, na altura, mas só para mim. Apesar de professor era, acima de tudo, um desportista e treinador. Tive muita sorte. Cresci numa cidade operária dos Estados Unidos que tinha muitos campos para a prática de desporto. Com o salto em altura consegui uma bolsa que me deu acesso à universidade, com pagamento total de propinas. Acabei os estudos e comecei a trabalhar como professor, mas acabei por ir para o Camboja como treinador de uma equipa internacional que englobava várias modalidades. Com o agravamento da situação política naquele país fui destacado para o Vietname. Foi aí que conheci a minha mulher. Por sermos de cores diferentes, não éramos um casal bem visto. Recordo-me quando os Estados Unidos obrigaram todos os dependentes de quem estava no exército ou a trabalhar para o Governo a irem embora, e queriam que a minha mulher também o fizesse. Mas não éramos casados e, por isso, ela conseguiu ficar. Acabámos por ir para o Laos ensinar Inglês cerca de seis anos. Voltámos aos Estados Unidos. Pensava que poderia ter mais oportunidades se fizesse um mestrado em Estudos Migratórios, mas acabei por aceitar um emprego numa universidade. Na Universidade do Minnesota o movimento negro estava no auge, o que me incomodava muito. A minha mulher era branca e nada daquilo fazia sentido para mim. Aliás, durante a minha infância e adolescência não senti, de todo, a discriminação. Lembro-me da primeira vez que senti isso na pele. Estava no ensino secundário quando vi uma caixa enorme que tinha lá dentro um saxofone e fiquei encantado. Um amigo disse-me que podíamos ter aulas a um preço simbólico e o direito a ter o instrumento. Fui falar com o professor, que não me aceitou. O meu amigo voltou a insistir e lá consegui, mas em vez de uma caixa grande, tive uma caixa pequena com um clarinete. Agora, enquanto docente, estava no meio das questões raciais mais profundas dos Estados Unidos. Convidámos, na altura, um poeta para vir falar com os estudantes e, quando ele chegou e se deparou com uma plateia de brancos e negros, não quis falar para os brancos. Era tudo tão absurdo. Apareceu, mais tarde, a oportunidade de vir para Macau dar aulas de Inglês numa escola chinesa. Tínhamos, eu e a minha mulher, de ficar cinco anos para dar início ao departamento de Inglês. Tivemos muita sorte. Naquela altura, em Macau, já havia uma consciência muito grande de que se as pessoas quisessem progredir na vida teriam de aprender línguas. Tinha alunos espectaculares e que aprendiam muito depressa. Havia a combinação de dois factores fundamentais: queriam muito aprender e o território estava aberto. Acabaram-se os problemas raciais e essas coisas absurdas.

Onde é que andou a música durante esse tempo?

Comecei a tocar ainda no ensino secundário. Dada a situação em que me senti discriminado, acabei por aprender sozinho. Ao longo do tempo, chegava a casa e “fechava-me no armário” para tocar. Tinha um bom ouvido e achava que, se tocasse o que ouvia de forma perfeita, podia ir avançando. A música, com o tempo, torna-se visceral. Mas foi realmente em Macau que comecei a tocar para os outros. Vi um folheto de um concerto de jazz promovido pelo clube da altura. Ao perceberem que também tocava, convidaram-me a fazê-lo, mas em público. Foi em Macau que comecei a tocar realmente.

Como era a cena musical local da altura e em que aspectos tem mudado, nomeadamente no jazz?

Era muito limitada. Dentro da comunidade chinesa, a única coisa que era considerada como música era a clássica. O único instrumento real era o piano, por vezes o violino e, quanto muito, a flauta. A cena musical estava parada e agarrada ao virtuosismo da música clássica. Por exemplo, sempre que tínhamos concertos, os professores de música não apareciam. Lembro-me apenas de duas situações em que estiveram presentes. A ideia de ter música num clube ou num bar, penso, parecia-lhes motivo para ser desconsiderada. Mais tarde, tivemos a Casa de Vidro. Foi um grande salto na nossa visibilidade, era perfeita. Já não era a falácia de música nos bares. Era um passo em frente. Acabámos por ter festivais com alguma regularidade e o género teve um grande desenvolvimento no território. Actualmente, as diferenças são muitas e considero que está tudo melhor, principalmente com as novas gerações de músicos.

O que é que aconteceu?

Os jovens agora vão para a universidade para seguir música, por exemplo. Isso dá-lhes competências muito fortes. A escola de música está também muito bem organizada e há toda uma geração de novos artistas. Por outro lado, estamos numa sociedade altamente consumista e isso também se nota na música. As pessoas pensam que se conseguem ganhar dinheiro com ela, então é melhor aprender.

O que é preciso ao nível pessoal para tocar, especificamente, jazz?

O que quer que seja, vem com o tempo. Por exemplo, Ella Fitzgerald, enquanto jovem, canta bem mas, com a idade, a voz dela atingiu outra intensidade. É a maturidade que passa para a música. O mesmo se passa com o jazz. Esta nova geração começa agora a ter uma noção da expressão. Já não se trata unicamente de tocar as notas certas nos tempos certos. Um músico de jazz faz outra coisa: sente. É o sentimento que demora tempo. Se calhar, nos Estados Unidos, pode ser mais fácil para os mais novos que começam a ouvir jazz desde pequeninos na rádio mas, ainda assim, depois vem o tempo. No entanto, os miúdos que saem das escolas correm um grande risco. Quando os ouvimos, são todos iguais e não se pode fazer nada contra isso. Têm o grau académico, mas a questão é saber se conseguem fazer música daquilo. No território, temos uma grande referência que está a fazer muito pelo jazz e pelo seu ensino: José Eduardo.

Há um público em Macau?

Costumava existir, mas foram-se todos embora. Era, em grande parte, a comunidade portuguesa. Na noite de domingo, que marcou o regresso do Clube de Jazz, fiquei muito surpreendido com o público no Live Music Association. Vi jovens chineses, além dos portugueses. Mas lá está, é uma sociedade virada para o consumo e, em Macau, isso é mais evidente ainda. O jazz tem dificuldades. Foi sempre um género alternativo e nunca foi para maiorias. É triste, mas penso que será sempre considerado, de alguma forma, um género menor, até mesmo nos Estados Unidos. Há dois ou três anos, estava num bar com uns amigos que não ganhavam mais de 50 dólares por concerto. É terrível. Muitos deles acabam por saber interpretar mais do que um instrumento, porque lhes dá mais oportunidades de tocar. Mas há muita necessidade de instrumentistas, principalmente que saibam tocar baixo. É o instrumento em que é mais difícil encontrar um substituto e não há banda que não precise dele. Se tivesse agora um filho que quisesse seguir música, o meu conselho seria só que aprendesse baixo.

O que pensa do regresso do Clube de Jazz de Macau?

É um renascer da vontade de ouvir o género com frequência ao mesmo tempo em que se aposta numa geração mais nova, tanto de público, como de músicos. O jazz não tem a visibilidade que deveria, nem nunca teve. Não é ainda visto como uma música séria. É importante também perceber que o mito dos negros tocarem jazz é apenas isso, um mito e uma estupidez. Toda a gente o pode tocar, e bem. Esta política identitária não faz sentido algum.

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