Difamação

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 7 deste mês a “apple.nextmedia” publicou um artigo sobre o processo de difamação instaurado por Leung Chun-ying, Chefe do Executivo de Hong Kong, contra Kenneth Leung K C., membro do Conselho Legislativo da cidade. A propósito o “China Morning Post” escreveu,

“A ordem judicial apresentada na segunda-feira pelos advogados de Leung Chun-ying acusa Kenneth Leung de difamação alegando que o Chefe do Executivo “ainda estava a ser investigado pela Comissão Independente Contra a Corrupção e também pelas autoridades tributárias de Hong Kong e de outros países, a propósito de uma receita de 4 milhões de libras da UGL”.

A ordem judicial também especificava que Kenneth Leung tinha proferido declarações difamatórias quando afirmou que “as autoridades centrais irão ficar numa posição muito embaraçosa, na eventualidade de este vir a ocupar o cargo de Vice-Presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.”

Para além do pedido de uma indemnização monetária, Leung Chun-ying solicitou ao Tribunal uma “Ordem de Injunção” a fim de travar os procedimentos difamatórios.

A ordem judicial é uma intimação emitida pelo queixoso contra o réu e que dá inicio à acção judicial. Neste documento é habitual ser apresentada uma descrição dos factos e ser mencionado o valor da indemnização exigida pelo queixoso.

Em Hong Kong, a difamação tanto pode dar origem a um processo cível como a um processo criminal. No entanto, é muito raro um caso desta natureza dar origem a um processo criminal, a menos que sejam postas em causa a paz e a ordem públicas. O queixoso costuma desencadear um processo cível para proteger a sua reputação. Em Macau é diferente, a difamação dá origem a um processo semi-criminal e, assim que a vítima dá o seu consentimento, o Governo formula a acusação.

O artigo adiantava que uns dias antes do envio da acção judicial Kenneth tinha recebido uma carta-aviso.

Numa acção por difamação, o queixoso costuma enviar uma carta elaborada pelo advogado, onde explica que as declarações do acusado prejudicaram a sua reputação. O destinatário da carta é intimado a apresentar prova que sustente as afirmações proferidas ou então a retratar-se e a apresentar um pedido de desculpas. Nestas situações, o pedido de desculpas e um desmentido público é a melhor forma de resolver o problema. No caso de Leung Chun-ying, é muito pouco provável que se chegue a um acordo antes da acção judicial.

De qualquer modo, Leng Chun-ying não vai para já apresentar a ordem judicial a Tribunal para dar início à acção legal. Cabe agora a vez a Kenneth Leung de apresentar a Defesa aos magistrados. A “Defesa” consiste num documento apresentado pelo acusado ao Tribunal a expor as suas razões. Terá de apresentar provas da seriedade e da legalidade das suas afirmações.

Em Hong Kong, os casos de difamação sobem ao Tribunal de Primeira Instância (em Macau, ao Tribunal da Relação). Estes julgamentos têm a presença de um júri. A presença do advogado também é requerida. É preciso ter em conta que os seus honorários são muitíssimo elevados. Se não se estabelecer um acordo antes da audiência, podem alcançar os dez milhões. Donde se concluí que a difamação é um jogo para milionários.

De acordo com a Lei de Bases, o dever do legislador é monitorizar o desempenho do Governo e por isso é natural que os seus membros sejam alvo de críticas. No entanto, não é permitido proferir afirmações falsas. É preciso não esquecer que os membros do Governo também são residentes de uma Região Administrativa Especial e que a Lei protege os seus direitos. Combater a difamação é uma das armas que podem usar para defender a sua reputação.   

Mas se Leung Chun-ying usar o seu direito legal para processar Kenneth, o preço político pode ser muito elevado. Não é de admirar que existam comentários sobre “a quebra de relações entre o poder executivo e o poder legislativo”. Como é a primeira vez que em Hong Kong um Chefe do Executivo processa um deputado, os comentários “surpresa” irão surgir um após outro.

Ninguém gosta destes constantes burburinhos que destabilizam Hong Kong. Embora a ordem judicial já esteja preparada para ser apresentada em tribunal, ainda estamos a tempo de resolver a situação pacificamente. Fazemos votos para que os litigantes cheguem a um acordo o mais breve possível. Será o melhor para Hong Kong e para as partes envolvidas.

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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