As imagens interditas do Tribunal

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 23 de Maio, o jornal de Hong Kong “Apple Daily”, publicou uma notícia sobre umas fotografias que tinham sido tiradas em Tribunal, durante o julgamento de pessoas envolvidas nos motins de Mongkok. O juiz, Chan Hing Wai, pediu explicações à “fotógrafa”, ao que a mulher respondeu:

“Gosto de tirar fotografias. Se eu quiser, posso tirar uma foto consigo, Sr. Dr. Juiz.”

A mulher adiantou que era chinesa, com cartão de identidade de Hong Kong, embora sem residência permanente. Acabou por nunca responder directamente ao juiz. Limitou-se a repetir a pergunta e a afirmar que o Tribunal é um espaço público e que tirar fotografias é uma coisa muito comum.

O juiz explicou-lhe imediatamente que tirar fotografias numa sala de audiências não é de todo comum. É alias grave, porque nas fotografias poderão aparecer os rostos dos jurados. O magistrado marcou para as 16h30, do mesmo dia, a audição do caso desta mulher, que ficou imediatamente proibida de sair de Hong Kong. O telemóvel foi-lhe temporariamente confiscado. O juiz informou-a que, se não se apresentasse a horas, seria emitido um mandato.

O julgamento decorreu na sexta-feira, mas, na altura, não foi tomada nenhuma decisão. Este caso pode vir a arrastar-se por algum tempo.

A Secção 7 da Ordenança de Crimes Sumários Cap. 228, do Código Penal de Kong considera crime tirar fotografias numa sala de audiências, incorrendo o transgressor no pagamento de multa, que poderá ascender a 250 HKD. Não se surpreendam os leitores com este valor tão diminuto, é que a lei data de 1949.

Este foi a terceira vez, num espaço de três meses, em que ocorreram episódios desta natureza numa sala de Tribunal. Todos estes episódios sucederam durante os julgamentos de casos relacionados com os motins de Mongkok.

Em meados de Fevereiro, na terceira sessão do julgamento dos envolvidos nos motins, um homem do continente, sentado na galeria do público, foi apanhado a fotografar os jurados e a enviar as fotos através do Wechat. No entanto, o oficial de justiça não registou os seus dados e deixou-o sair em liberdade. A juiza, Ms. Pang, afirmou que acreditava que o incidente tinha ocorrido de forma “inadvertida” e que esperava que os jurados não se preocupassem.

No início de Março, cinco jurados foram informados, por uma pessoa que estava na galeria, que estariam a ser fotografados. Nessa altura, a polícia deteve de imediato um homem do continente, mas não encontrou nenhuma foto incriminadora, nem sinais de quaisquer fotos apagadas.

Em meados de Maio, enquanto o juiz se dirigia ao júri, alguém percebeu que um homem estava a tirar fotografias. A pessoa que deu o alerta, gritou “alguém está a tirar uma foto”. No entanto, os seguranças não conseguiram apanhar logo o culpado. Foi o que bastou para o homem apagar a imagem. Posteriormente foi libertado. Sexta-feira passada, quando foi emitido o veredicto dos envolvidos nos motins de Mongkok, alguém enviou um e-mail anónimo para o Tribunal com a fotografia dos jurados, onde se podia ler “ainda existem muitos …”. O juiz chamou de imediato a polícia e pediu que os jurados abandonassem a sala, escoltados pelos agentes.

Nos Tribunais existem diversos avisos, bem visíveis, de proibição de fotografar.

No caso Regina v Vincent (fotografia ilegal) CACD 2004, o juiz salientou que os Tribunais têm de estar atentos a situações de intimidação de jurados e das testemunhas. As fotografias tiradas durante um julgamento podem ser usadas para ameaçar o juiz, os advogados, os jurados, etc.

Além disso, é uma forma de identificar as testemunhas, os funcionários do Departamento dos Serviços Correcionais ou os agentes da polícia. É óbvio que tirar fotografias em Tribunal põe em risco o julgamento.

Um das razões que leva à proibição de fotografar no Tribunal, é a preservação da solenidade da Lei e o garante de que o julgamento não virá a ser afectado. Como em Hong Kong é actualmente implementado o sistema da Lei Comum, o júri está presente no julgamento. Os jurados precisam de protecção. Recentemente, foram tiradas fotografias em Tribunal por diversas vezes. Alguém chegou a enviar algumas destas fotos por email ao juiz. Se estas acções não forem travadas de imediato, não só verá o Tribunal a sua dignidade diminuída, como acabará por haver interferência nos julgamentos.

A abertura dos Tribunais destina-se a permitir que o público possa ter mais informação sobre a aplicação da justiça. No entanto, as pessoas devem respeitar o Tribunal e obedecer à lei. A privacidade dos envolvidos também terá de ser protegida. Interferir nos interrogatórios e subestimar a correcção dos Tribunais só irá afectar Hong Kong.

O mesmo princípio é aplicável a todos os Tribunais, em qualquer parte. A protecção de quem está envolvido no processo jurídico é necessária. Se esta garantia não for dada, ninguém vai querer trabalhar nesta área. E se isso vier a acontecer, teremos um mundo sem lei nem ordem.

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