SociedadeAcadémicos reticentes quanto aos novos manuais de história feitos com a China Sofia Margarida Mota - 18 Nov 201623 Nov 2016 A produção de manuais de História uniformizados com os do interior da China é uma iniciativa prevista para o ano lectivo de 2019/2020 que suscita, desde já, reacções diferentes. Tereza Sena acha que é uma iniciativa “louvável”, desde que reserve espaço para as particularidades de Macau. Larry So considera que se trata de um acto político [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] uniformização da produção de materiais escolares para a disciplina de História com o interior da China, medida anunciada esta semana pelo Chefe do Executivo, é vista por académicos do território de forma diferente. Os novos livros deverão chegar às escolas no ano lectivo de 2019/2020, confirmou Chui Sai On no debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG). Se para a historiadora Tereza Sena é uma iniciativa positiva, para o sociólogo Larry So trata-se de uma manobra política. “Faz sentido que a história da China seja ensinada em Macau, mas tem de existir uma parte reservada à história local”, afirma Tereza Sena ao HM. Macau é uma região administrativa especial e tem um passado diferente do da China e, mesmo com a uniformização dos manuais, “faz sentido que também tenha direito à sua própria história”. Os livros vão ser concebidos pela Direcção dos Serviços da Educação e Juventude (DSEJ) em conjunto com os serviços homólogos do Continente. “Apesar da concepção de livros de História de Macau ser um projecto recorrente no território, é louvável a iniciativa anunciada por Chui Sai On. Este é um projecto de que já se falou várias vezes e que, não se sabe porquê, acabou por não se concretizar”, explica a historiadora. No que respeita às equipas que poderão colaborar na produção dos manuais, com o conhecimento referente ao território, a historiadora considera que “hoje em dia há excelentes investigadores – tanto chineses como portugueses e de outras nacionalidades – no que respeita à investigação acerca da História local, pelo que há uma abordagem científica rigorosa”, sendo que um trabalho conjunto se afigura a melhor solução. Apesar de elogiar a iniciativa, não foi sem dúvidas que Tereza Sena recebeu a notícia. “Há conteúdos para fazer um manual. Agora, resta saber se o manual de que Chui Sai On fala será uma visão partilhada ou uma história direccionada”, lança, considerando que “a história de Macau já ultrapassa até mesmo as abordagens mais nacionalistas”. A historiadora sublinha que o trabalho feito em língua chinesa acerca da história do território “é muito interessante”, mas há outros, também de valor, e noutras línguas com outras origens. “Desde que seja uma visão partilhada de Macau, acho muito bem, até porque esta é uma terra que pertence a todos e representa um lugar de encontro mundial, em que não há só chineses ou portugueses”, explica. Para a investigadora, o ideal será um manual que conte com o contributo dos vários grupos identitários que têm passado pelo território. Recorda ainda que “já existe uma academia em Macau em que há diálogo e há troca de conhecimento”, sendo que espera que a iniciativa espelhe o trabalho conjunto que tem vindo a ser feito “com os melhores e mais recentes contributos”. Politiquices As directivas anunciadas por Chui Sai On representam, para o sociólogo Larry So, uma manobra política. “Penso que esta é uma orientação política porque o assunto pode ser crítico e é uma forma de manipulação”, defende ao HM. Para Larry So, o facto de as pessoas, desde pequenas, aprenderem as coisas de determinada maneira é algo que fica registado, e o modo como são dadas as informações pode fazer com que pensem que o que é bom e verdadeiro é o que lêem nos livros escolares: “Ficarão a pensar que é aquilo que se passou”. Para o analista, é claro que “com este tipo de iniciativa, os livros podem ser manipulados e isso é, de facto, um assunto político e não de conhecimento”. Larry So não entende porque é que a produção de um livro escolar tem de ser feita por um Governo. “Porque é que um Governo faz um manual?” questiona, considerando que “há pessoas na comunidade com formação em educação, com o conhecimento para o fazer e que podem realmente transmitir a história e não a afectar”. No entanto, não deixa de considerar que a história apresentada vai sendo mudada com o tempo. “Penso também que, de vez em quando, todos nós alteramos a história, até pela forma como a olhamos.” Larry So espera que os manuais anunciados “se cinjam à transmissão de factos sem terem associada uma interpretação ideológica”. No que respeita à história local, marcada pela presença portuguesa, Larry So considera que os conteúdos dos livros de História “não vão embaraçar as relações com os portugueses e que vão respeitar a sua presença de modo a promover promover uma amizade nova com o país, diferente da que existiu durante cerca de 400 anos”, na sequência das directrizes de Pequim dadas recentemente ao território, com a visita do primeiro-ministro Li Keqiang.