VozesIde a pé Isabel Castro - 26 Ago 201626 Ago 2016 [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]ideia foi e continua a ser polémica em várias jurisdições, entre elas Portugal, e era mais ou menos óbvio, para quem conhece Macau, que o processo não ia ser simples num território com uma extraordinária resistência ao que é novo, sobretudo se a novidade vier de fora. O Governo defende-se alegando a ilegalidade da prática desenvolvida pela empresa: como os serviços prestados pela Uber são ilegais, não houve margem para discussão, fecharam-se as portas e, a acreditar no que diz a empresa, inviabilizou-se a possibilidade de implementar, de forma pacífica, um serviço que, como também é óbvio para quem conhece Macau, faz muita falta a quem cá vive. Uma das primeiras coisas que ouvi dizer na minha breve aprendizagem de Direito é que se legisla a pensar no futuro, para que as leis tenham uma longevidade razoável. Mas aprendi também que a legislação deve ser capaz de acompanhar a evolução das sociedades que organiza – se assim não for, as leis não nos servirão e serão apenas formas de nos trancarem no passado. O argumento da ilegalidade não convence também porque todos nós conhecemos o modo como os negócios se fazem em Macau, o proteccionismo exacerbado em certas áreas e as formas – nem sempre claras, justas e, diria mesmo, legais – que se utilizam para salvaguardar o que deveria estar garantido apenas pela necessidade e pela qualidade. Não se quis discutir a hipótese de tornar a Uber uma realidade em Macau apenas porque não se quis. Não vale a pena tentar encontrar pretextos. Tanto não se quis tornar a Uber viável que a polícia se transformou numa espécie de fiscais do tabaco, ao apresentar uns extraordinários resultados no combate à prevaricação. Todos sabemos que há taxistas a desrespeitar a lei todos os dias. Há histórias para os mais variados gostos cinematográficos – de passageiros trancados pelos motoristas dos veículos, a utentes a quem são cobrados valores exorbitantes. Os números estão aí para quem quiser fazer exercícios comparativos – andasse a polícia atrás dos taxistas em falta, como anda atrás dos motoristas da Uber, e o serviço de táxis em Macau seria uma maravilha, uma coisa digna de cidades evoluídas. Mas, mais uma vez, nem sequer é preciso chamar à colação a questão da legalidade – ou da falta dela – no modo como actuam os taxistas e a ausência de punição. O serviço prestado pelos táxis de Macau não é mau, é péssimo: carros velhos, carros sujos, malas onde não cabem malas, motoristas que não tiram as mãos do volante para ajudarem os clientes a meter as malas na bagageira. Motoristas que não falam outra língua que não a local e não demonstram a mais pequena vontade em perceber as necessidades de transporte do passageiro estrangeiro que visita Macau, esse destino tão internacional. É o que temos – e o que não temos também. Qualidade à parte, os táxis são coisa rara, difícil de apanhar, não são capazes de atender muitos dos que procuram uma forma de se mexerem numa cidade em que os autocarros são o que são e, para quem opta por ter um automóvel, o estacionamento é o que é. Macau não é o primeiro local onde a Uber encontra resistência. Portugal, como escrevia no início deste texto, foi um osso duro de roer – e eu até compreendo a resistência da concorrência directa, os taxistas que, em muitas praças portuguesas, esperam pacientemente por clientes que teimam em não chegar. Ainda assim, o Executivo português decidiu estudar uma forma de evitar que empresas como a Uber deixem de operar num vazio legal. Contra factos não há argumentos e o facto é que o mundo muda – quem legisla deve ser capaz de lidar com a mudança, doa a quem doer. Aqui, num sítio onde apanhar um autocarro pode ser um filme, apanhar um táxi pode ser um filme de terror, o metro vai lento e não existem alternativas para que as pessoas possam organizar a vida e as suas mais variadas necessidades – a ausência de transporte escolar e de empresas dedicadas a esta área é um exemplo – a Uber daria muito jeito. Daria muito jeito que quem decide pensasse no que faz mesmo falta a quem aqui vive e todos os dias, um dia depois do outro, tem de se mexer no caos em que esta cidade se transformou.