Brexit | Reino Unido na corda bamba. Fica ou sai da União Europeia?

A Europa vai passar por algo nunca antes visto. Na quinta-feira, o Reino Unido vota a permanência e ninguém sabe o que pode acontecer em caso de saída. De terríveis consequências a um mar de rosas ouve-se de tudo. As sondagens, depois de mostrarem o Brexit a liderar várias semanas, mostram agora um empate após o recente assassínio de Jo Cox. O resumo das campanhas hoje poderá ser decisivo para o resultado final. Por estes lados, vigora o ‘tanto se me dá como se me deu’

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a próxima quinta-feira, dia 23, os cidadãos britânicos vão decidir se sim, ou não, o Reino Unido (RU) fica na Europa.
Nas últimas semanas, as sondagens têm mostrado uma clara tendência de saída. Todavia, o assassínio da deputada Jo Cox por um activista de extrema direita pode ter inclinado a balança a favor dos que pretendem ficar. Mas os resultados divergem. A Survation, com resultados publicados no diário inglês Daily Mail ontem, indica a inversão da tendência com 45% a favor da permanência e 42% contra. Outra sondagem, realizada pela YouGov para o Sunday Times, também publicada ontem, mostra 44% contra os 43% que preferem sair.
Por outro lado, a decisão do jornal conservador Mail on Sunday ter instado os leitores a votarem “não” também pode vir a ter alguma influência na decisão final.
Para já, o que parece mais certo é uma nação fracturada em relação à decisão a tomar na quinta-feira. A “poll of polls” do Financial Times indica mesmo um empate a 44% com 12% de indecisos. Ou seja, ninguém está muito certo do que vai acontecer na quinta-feira e, após os brutais erros das sondagens das legislativas de 2015, estes estudos arriscam-se a não servirem mesmo como mero indicador. 2016-02-17T175436Z_1917102660_GF10000312516_RTRMADP_3_BRITAIN-EU

Campanhas suspensas

Para além do impacto imediato que terá gerado nos britânicos a morte de Jo Cox, a tragédia obrigou ainda à suspensão das duas campanhas pelo que, ao resumirem hoje, espera-se com ansiedade as tomadas de posição que poderão influenciar decisivamente os eleitores.
Os partidários do “fica” têm receio que a suspensão possa diminuir-lhes o tempo útil para convencerem os eleitores, mas o silêncio dos apologistas do Brexit como Boris Johnson, Michael Gove e Nigel Farage pode sugerir um estado de nervos perante a situação.
O lado do Brexit pode vir a ter mais dificuldade em prosseguir a política “anti-establishment” e o outro lado tentará rentabilizar a morte da deputada.

União pouco pacífica

Tudo começou a 20 de Fevereiro deste ano quando David Cameron marcou o dia 23 de Junho como data para o referendo, uma velha promessa para a ala eurocéptica do Partido Conservador.
O anúncio dividiu logo as águas, com uns ministros a apoiarem uma solução e outros a apoiarem outra.
Quiçá convencido que uma saída do Reino Unido nunca passaria num referendo, ele que é contra, Cameron rapidamente percebeu ter aberto a Caixa de Pandora, quando personagens como o Ministro da Justiça, Michael Gove, e o ainda presidente da Câmara de Londres, Boris Johnson, se colocaram ao lado dos partidários do Brexit.
Mas a relação do Reino Unido com a Europa nunca foi um mar de rosas.
Mesmo quando se alega que Winston Churchill imaginou uns “Estados Unidos da Europa” para consolidar muitos pensam que ele não imaginava o RU como parte dessa união.
Doze anos antes da entrada do RU na Comunidade, o princípio britânico já era de retracção não tendo participado em qualquer das negociações anteriores, nomeadamente as que levaram à fundação da União Europeia do Carvão e do Aço em 1951 nem mesmo nas que levaram à formação da então Comunidade Económica Europeia (CEE), percursora da actual União. Formaram, isso sim, um contrapeso chamado Associação Europeia de Comércio Livre em 1960. Apenas durante a década de 60, ao passar por uma situação económica grave, o RU começou a dar passos no sentido da integração o que viria a acontecer em 1973, apesar de dois vetos do Presidente francês Charles de Gaulle.

Realidade que surpreende

Hoje, com a Inglaterra de novo a passar por uma situação económica difícil pede-se a saída. Mas não é novo só que antes mais de 67% votaram na permanência. Foi logo a seguir ao tratado de União, em 1975, que se realizou o primeiro referendo à Europa.
Tal como então, em 2015, quando Cameron recuperou a promessa eleitoral do referendo para “calar” as alas mais radicais do partido, nada indicaria que o Brexit pudesse ganhar, mas o mundo mudou.
O Partido Conservador, pedia o referendo para ter uma arma para combater o UKIP de Nigel Farage e as suas propostas proteccionistas motivadas pela imigração massiva de cidadãos do Leste da Europa.
Os 13% conquistados nas ultimas eleições, a presença de um deputado na Câmara dos Comuns e a subida de três deputados no Parlamento Europeu em 1999 para os actuais 25 foram sinais de alerta. Cameron tinha poucas hipóteses de evitar o referendo.
Mas a grande crise de refugiados do médio oriente, ainda não tinha acontecido e isso mudou tudo.
A corrente onda internacional contra os poderes estabelecidos, que tem resultado numa grande desconfiança das populações ocidentais em relação aos que os governam, capitães de indústria e bancos, tem sido terreno fértil para a evolução dos que pretendem sair da União Europeia.
Para além disso, questões como o orçamento da comunidade para o qual o RU é um contribuidor líquido com $12 mil milhões de dólares (mais do que recebeu) o que, apesar de representar de apenas 1% do PIB, é um dos assuntos que mais tem irritado os apoiantes do Brexit.
Sair mudará tudo para melhor, é nisso que acreditam os separatistas como Boris Johnson,
“Vai ser maravilhoso podermos negociar por nós próprios outra vez. Estávamos a ficar moles nos negócios”, disse Johnson em declarações à BBC.
Para o ainda presidente da Câmara londrino a saída será melhor e os acordos comerciais serão todos repostos apesar de o RU fazer parte de cerca de 66 acordos de comércio via UE, agora postos em causa.
“Há muito tempo para negociar acordos de comércio” garante Boris alegando ao período de dois anos entre a decisão e a saída de facto. Para ele, o “RU vai conseguir um estatuto especial com a União que lhe permita aceder ao mercado comum sem restrições”.
Opinião diferente tem José Luís Sales Marques, economista e presidente do Instituto para os Estudos Europeus de Macau.
“Existem receios (…) Por isso, vários dirigentes europeus já vieram dizer que, em caso de Brexit, o RU deve ser fortemente penalizado. Isto é, não haverá ‘soft landing’, pois isso poderia encorajar outros Estados membros”.
Uma opinião de alguma forma partilhada por António Guterres que, em entrevista à CNN, disse que “O Reino Unido sozinho terá dificuldades em ter uma grande influência no que são os assuntos globais no mundo actual”.
Para tentar conquistar os defensores do Brexit para o seu lado, David Cameron propôs um acordo especial com a União Europeia que, para os eurocépticos ficou aquém do esperado e “não vai resolver nada”, como disse Boris Johnson.
Isto apesar de Cameron ter conseguido que a UE cedesse na possibilidade de o RU optar por não participar numa “união mais próxima” dando mais poderes aos parlamentos nacionais, questão fundamental para os secessionistas. Não conseguiu, porém, tudo o que pretendia noutras áreas como os benefícios de segurança social para populações migrantes outra das questões sensíveis neste balanço entre o “fica” e o “não fica”.

Meio mundo contra

O facto de grande parte das instituições mundiais odiadas por todos aqueles que se vêm a revoltar contra os poderes instituídos estarem contra o Brexit não tem ajudado muito a causa da permanência.
Ainda esta semana o FMI lançou um alerta contra a saída do RU alertando para “um expectável abrandamento do crescimento económico e uma subida da taxa de desemprego nas ilhas britânicas nos próximos anos” mas, claro está, o relatório também concede que a lista dos ‘estragos’ apenas poderá ser finalizada quando os termos do acordo de secessão forem conhecidos.
Ontem, segundo o diário japonês Nikkei, também os bancos centrais da Europa, dos Estados Unidos e do Japão começaram a discutir uma acção concertada de injecção de liquidez em dólares no mercado. Ou seja, poderão implementar um mecanismo de urgência para abastecer o mercado com dólares para evitar eventuais problemas no caso de os britânicos decidirem sair da União Europeia fazendo adivinhar uma possível agitação nos mercados.
No caso chinês, já foram várias as vezes que Xi Jingping e outros responsáveis se manifestaram contra o Brexit. Mas, na opinião de alguns especialistas, isso poderá ter mais a ver com a manutenção da imagem do líder chinês, pois este tem apostado fortemente no mercado britânico e levado muitos investidores chineses para aquelas bandas. Como disse John Zai à BBC, o líder da Cocoon Networks, um grupo de venture capital com planos para investir em empresas tecnológicas na Europa, “os empresários chineses podem começar a achar que apostaram no cavalo errado.”
Contudo, outros entendem que a China preferirá acordos com a UE a apenas com o RU, um mercado muito mais pequeno. Mas os investidores privados podem ter outras ideias.
“Sinceramente, acho que livre dos regulamentos europeus, será mais atraente para os investidores chineses um Reino Unido fora do que dentro” diz William Cheung, professor da Faculdade de Finanças e Negócios da Universidade de Macau.
“A ideia que tenho é existirem muitos investidores locais à espera da saída, pensando que a queda de preços que se seguirá será óptima para especular”, adianta ainda o académico especialista em Comportamentos de Negócios e Bolsa de Hong Kong, não esperando qualquer tipo de comoção no índice bolsita da RAEK, quer o RU fique, quer saia.
Sales Marques também concorda com o princípio de que os negócios por este lados pouco irão sofrer mas não tem a mesma leitura face aos mercados financeiros.
“Estão a ocorrer ajustamentos nos mercados e há muita incerteza mas o ambiente de negócios na RAEM não sofrerá grande impacto directo, com a excepção para os investimentos nos mercados financeiros e variações cambiais na libra e no Euro”, diz o economista.

Dois anos para uma nova realidade

Aconteça o que acontecer na próxima quinta-feira, passarão dois anos até que se perceba que Europa resultará de uma eventual saída do RU da união.
Será aquele o tempo que demorará a negociar o novo estatuto britânico ditando novas relações comerciais e de negócios, estatutos de cidadãos, obtenção de vistos entre muitas outras possíveis mudanças,
Os apoiantes do Brexit acreditam que vai ser um mar de rosas e vão conseguir um estatuto especial mas, mesmo que o “hard landing” não aconteça, poucos acreditam que qualquer acordo comercial venha a dispensar a livre circulação de pessoas, um dos pontos que mais irrita os apoiantes do Brexit.

Imigrantes, a grande incógnita

Segundo o grupo Migrantes Unidos, a população migrante portuguesa no RU praticamente dobrou nos últimos quatro anos devido à crise económica que atingiu Portugal, e só agora dá sinais de arrefecimento. De acordo com a organização, 30 mil portugueses chegam anualmente no Reino Unido desde 2011. “Calculamos em cerca de 300 mil, dos quais pelo menos 100 mil vivem em Londres. Desses, cerca de 120 mil chegaram nos últimos quatro anos”, afirma Paulo Costa, um dos responsáveis da organização, em declarações ao sítio “noticias em Português” baseado no RU.
Para estes, a grande questão que se coloca é o que lhes vai acontecer quando terminar, se terminar, a política de livre circulação. Macau, onde grande parte dos residentes ostentam passaportes da UE, também poderá ser afectado.
Nada acontecerá de um dia para o outro mas Sales Marques aconselha precaução: “devem estar atentos ao futuro, pensarem em planos B, mas não entrar em pânico. Muitos já são residentes do RU e quanto a estudantes, só os que usufruem de estatuto de comunitário quanto ao pagamento de propinas podem sofrer com um aumento das mesmas, no futuro”. Para o presidente do Macao Youth League das Nações Unidas (finalista da medicina na Universidade de Edimburgo), em declarações recentes ao Jornal Ou Mun, “a saída UE não vai implicar com descontos em propinas para os estudantes de Macau pois já as estão a pagar a preço internacional embora tenham passaporte de Portugal”.
A maior diferença para o líder estudantil vai notar-se na “conveniência de solicitação de visto, no ranking das universidades britânicas porque influencia o intercâmbio de docentes”.

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