Risco

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á um velho ditado, que todos conhecemos mas nem todos praticamos. O nosso bom amigo, “Quem não arrisca não petisca.” – ele é válido para (quase) tudo. É provavelmente, das melhores expressões da nossa gente. Pela alta energia que emana, pelo impulso para o desconhecido, pela capacidade de acreditar, por ser o empurrão que falta em horas de indecisão.
“Quem não arrisca não petisca” faz-nos acender uma pequena luz cá dentro que, com jeitinho, conseguimos transformar num clarão de lucidez e emoção. “Quem não arrisca não petisca” é o conselho que o amigo nos dá por nos crer ver singrar, por não nos quer ver infelizes. “Quem não arrisca não petisca,” é o que a mãe nos diz quando aprendemos a andar de bicicleta. “Quem não arrisca, não petisca está connosco quando precisamos de nos rir com a vida. “Quem não arrisca não petisca”, terá sido o que passou pela cabeça do Gama quando se fez ao mar, pela do Carlos Manuel quando acabou com a Alemanha à bomba, terá também passado pela cabeça do Bogart quando beijou Bacall pela primeira vez, e pela de muitos de nós que fizemos o mesmo, ou parecido, e vivemos um amor à conta disso. Terá surgido na cabeça de muitos que um dia decidiram arriscar para conquistarem o petisco.
“Quem não arrisca não petisca”, ou seu equivalente em italiano, também terá passado pela cabeça de Romeu, que acabou como se sabe, até de Ícaro muito provavelmente. Mas essa é a essência do risco. Pode correr mal. Pode ser um amor impossível, um sonho difícil de atingir, mas também pode correr bem e se arriscarmos vamos sempre saber que tentámos. Podemos calcular o risco mas não podemos viver sem ele.
Vêm-me estes riscos ao papel a propósito de uma história ouvida há dias e passada num outro dia num desses departamentos do governo. Ao que consta, terá saído uma ordem de serviço a pedir ao designer gráfico que não deixasse tanto espaço em branco nos posters pois isso poderia ser considerado desperdício de papel… não podia ser real! Mas foi. fire-crusade
Lembra-me então a história quão penalizado pode ser arriscar em Macau. Neste caso, para não arriscar, o funcionário em jogada brilhante de antecipação prefere jogar pelo seguro e sugerir a poupança de papel no design gráfico nem que para isso tenha de espezinhar a criatividade no processo, mesmo qualquer tímida assomo futuro desse vício.
Tendo esta história acontecido num departamento onde a criatividade deveria ser moeda corrente, tamanho descalabro cambial proporciona péssimos sinais. Sinais de um “burrocracia” instituída, sinais de que o risco continua a não ser praticado mas visto como demónio a evitar.
Em Macau não se arrisca porque o erro é insuportável, vai-se a face e as roupinhas. Mas o erro não é insuportável, o erro tem de ser “descriminalizado”, pois sem erro não há criatividade. Especialmente, numa terra onde o governo surge como um dos principais agentes da economia e do desenvolvimento social e educativo locais, deve ser ele o primeiro a perder o medo de arriscar, de aceitar propostas inovadoras, de estimular as suas próprias chefias a perderem o medo de arriscar. O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco.

Fogo

Ainda alguém liga aos fogos em Portugal? Isto, é claro, se não morar na zona, por outra questão directamente relacionada, ou não tiver família ou amigos ligados a um dos 25.000 fogos florestais que Portugal regista em média por ano. Pergunto isto porque à semelhança de outros casos, a repetição excessiva promove a entrada do fenómeno nas nossas paisagens visual e auditiva default como mais um ruído entre muitos outros. A nossa atenção diminui porque é sempre o mesmo. Pessoalmente, desde que me lembro de ver notícias, e já vão uns bons anos, há sempre notícias de fogos florestais em Portugal. Aposto inclusive, que se a RTP fosse aos arquivos e colocasse imagens de 2002 para ilustrar as noticias de incêndios deste ano, apenas o locutor desactualizado nos faria alertar da troca pois o resto seria igual. Milhares de hectares ardidos, casas em perigo, fogo-posto, reacendimentos, bombeiros vitimados, florestas por limpar. Todos os anos, sem falha, repetem-se as entrevistas e as situações e nada muda. Ou melhor, algo muda e logo o que não devia: cada vez arde mais, isso sim, isso muda.
Segundo a Pordata, os resultados são estes: nos últimos 10 anos arderam 1,6 milhões de hectares de floresta e mato; desde 1980 até hoje foram quase 4 milhões! Na década de 80 arderam 735,000 hectares, na de 90 foram pouco mais de 1 milhão, nos anos 2000, 1,5 milhões e, até 2013, mais meio milhão de hectares. Este ano já arderam 31.000… Ou seja, quanto mais tecnologia, acessos, suposto esclarecimento e métodos de combate existem mais mata arde. Traduzido para euros, o jornal i anunciava em 2013 “segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), as perdas ambientais e materiais resultantes dos incêndios na floresta atingiram 2,224 milhões de euros entre 2002 e 2012.” E este montante correspondia (apenas) à destruição de 1,5 milhões de hectares de floresta.
O que se poderia fazer em termos de inovação para pesquisa e prevenção, para descobrir formas inovadoras e prevenir e atacar incêndios florestais com, seja, 10% desse orçamento?
A verdade é que nestes últimos 30 anos, as políticas de todos os governos, sem excepção, para a protecção da floresta portuguesa são um rotundo falhanço. Perante tanta inépcia, tanto discurso vão, pela simples incapacidade de se criar uma task force multidisciplinar que analise a fundo o fenómeno e proponha soluções inovadoras, só custa mesmo a acreditar ainda existir haver floresta para queimar em Portugal.

MUSICA DA SEMANA

Asian Dub Foundation – “In Another Life”
(…) “Children with no eyes, push the …up the hills
Not blinded by the light, but by another’s will
Possession’s at the rage, breathe life into every day
The world has a different way, at the bottom of the food chain
And if you’re looking at your life from only way you are
You only see the ground, will you ever see the stars” (…)
Destaque
O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco.

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