Addy Chan, vice-presidente da Associação dos Engenheiros de Macau

Prioridade para o planeamento urbano, circulação de transportes públicos na nova ponte, menos tempo para a concessão de terrenos e que o problema do metro não seja escondido. São estes alguns dos pedidos de Addy Chan

Comecemos pelo sistema de infra-estruturas do território. Considera que precisamos de mais contacto com o exterior, em termos do actual sistema de transportes, incluindo Zhuhai e Hong Kong?
A ponte entre as três regiões é muito importante. A maioria vai focar-se nas pessoas e na necessidades que estas têm, mas temos que pensar em aspectos de logística, nomeadamente de trocas comerciais e negócios. Entre Macau e Hong Kong é uma viagem que se faz de barco numa hora. Com a ponte e se se conduzir a 120 quilómetros por hora, juntamente com o tempo de passar a fronteira e chegar a Central, deverá demorar o mesmo. No entanto, embora não pareça ser mais benéfico neste ponto, é-o em termos de mercadorias, quando se enviam mercadorias de Hong Kong para Macau costumam demorar pelo menos um dia de barco. Se for de camião, os procedimentos todos demorariam apenas duas horas, o que é melhor. O problema de Macau é que o nível do mar não permite que os grandes barcos com contentores aqui atraquem, o que afecta a internacionalização do sector de importações e exportações local.

Não tem receio que a ponte acabe, como todas as outras estruturas, por ser intransitável com a quantidade de automóveis?
Esta é uma questão com a qual os designers [do projecto] têm que se preocupar. Todas elas têm grandes engarrafamentos automóveis e é preciso planearmos a longo prazo. Não apenas para os próximos dez anos, mas sim 20 ou 30. O número de carros e pessoas vai ser cada vez maior. É preciso pensar em grande escala e fazer as perguntas certas. Há demasiados carros na rua e as pessoas queixam-se da falta de estacionamentos. Talvez a rede de transportes públicos não satisfaça o suficiente para deixar os carros em casa. No caso da ponte, é preciso pensar como se vai processar o trânsito. Será mesmo preciso ir de carro pela ponte, ou um bom sistema de transportes poderia ser solução? Se existisse [isso], as pessoas não teriam que se preocupar com o carro e seria mais fácil para as deslocações. O Governo planeia criar uma série de instalações adjacentes para conforto dos passageiros, mas a verdade é que as pessoas, enquanto cidadãs, são preguiçosas. É nisto que o Governo, os engenheiros e os designers do projecto têm que pensar. Criar uma ideia muito simples, confortável e ‘user-friendly’. Quando vamos a Hong Kong, é-nos muito fácil deslocar, porque o metro vai para todo o lado e é barato.

Que soluções podem ser impostas, então?
É preciso repensar os postos fronteiriços, entre os quais o das Portas do Cerco, o da Ilha da Montanha e o do Porto Interior. A ideia deve ser distribuir as pessoas pelas várias entradas que temos, fazendo com que só dois deles sofram com engarrafamentos e todos passem num mesmo sítio. Isto não pode é ser resolvido só por Macau, é um assunto que só se resolve com a cooperação da China, até porque se trata de fronteiras conjuntas. Fala-se tanto em estratégias de cooperação, mas estas são as coisas realmente importantes. Se Macau for uma cidade bem apetrechada, bonita, com estacionamentos, mas onde é impossível apanhar táxi, quem a quererá? Temos que perceber que quem vier a seguir vai ter os mesmos problemas se eles não forem resolvidos.

Outra das coisas pensadas é uma estação de metro até à China. Isto faz sentido?
O traçado original prevê uma paragem perto da Ilha da Montanha e faz todo o sentido, até porque se Macau não acompanhar os passos largos que a China está a dar na área dos transportes, irá perder a importância que hoje em dia tem no país. Macau está a querer internacionalizar-se, mas as coisas têm todas que ir nesse sentido. Addy Chan_GLP_08

O Regime de Acreditação para os Arquitectos e Engenheiros em Macau vai entrar em vigor no próximo mês. Na sua opinião, o que vai mudar?
Isto é necessário e nunca existiu, mas vai ser doloroso até que as pessoas aceitem e seja uma lei bem sucedida. Isto porque no passado, os arquitectos e engenheiros locais não eram reconhecidos internacionalmente e, até hoje em dia, poucos são aqueles que o são. Podemos ver que as empresas e profissionais que vêm a Macau não confiam no trabalho dos engenheiros locais. Se têm experiência suficiente? Não, mas porque não vai ao encontro dos padrões internacionais. Honestamente, acho que não podemos esperar muito com a implementação [do regime], comparando com os de outras regiões. Serão precisos 20 ou 30 anos para que este sistema seja verdadeiramente eficaz. Quando for idoso, este será um regime estável e a profissão suficientemente internacional. A grande diferença, com a nova lei, é a necessidade de experiência dos recém-licenciados. Antes, funcionava apenas com um sistema de registo de quem tinha tirado o curso. Serão precisos cinco anos em part-time ou dois a tempo inteiro em regime de preparação.

Isto vai criar problemas à entrada destas pessoas ao exercício da profissão?
Não creio, até porque o mais importante é a segurança, porque não podemos esquecer que estamos a lidar com a vida das pessoas. Primeiro, está a segurança e depois a experiência. É uma boa lei, mas é preciso tempo para que estabilize, até porque vai demorar para criar a comissão de aprovação, mas espero que lá coloquem pessoas da área, nomeadamente que estão neste momento a trabalhar com o mercado local. Sugiro que também haja académicos universitários. Há muitas faculdades no mundo que têm cursos de Arquitectura e Engenharia, mas será que todos os estudantes estão aptos para trabalhar? Há cursos inteiros de Engenharia Civil online… Isto é viável? Essa comissão terá que avaliar os seus conhecimentos. Os alunos que se licenciarem agora não vão poder inscrever-se na base de dados através da nova lei, porque as inscrições estão fechadas e vai demorar até tudo estar em ordem. Depois de formarem a comissão, têm que simplificar o sistema, de forma a explicar aos mais novos o porquê de terem, ou não, sido seleccionados para começar a trabalhar. O problema é, novamente, necessidade de clareza na lei.

[quote_box_right]“Não se podem esconder os problemas debaixo do tapete, o Governo precisa de ir, como se faz em Hong Kong, à Assembleia Legislativa para explicar tudo [sobre o metro]”[/quote_box_right]

Considera que os cursos destas áreas, oferecidos por universidades locais estão aptos a formar bons profissionais?
Sim, mas julgo que isto é apenas o início e é preciso tempo para construir uma plataforma de estudos internacional. O mais importante é não só adaptar o ensino ao mercado da arquitectura e engenharia locais, mas também impor às universidades que leccionem o que se faz lá fora nesta área.

Como vê a desistência do Governo em reaver 16 terrenos devido à falta de requisitos para a sua caducidade?
Já soube quais as alegadas razões para o cancelamento da reversão, mas como engenheiro, não me interessam aspectos legais, mas sim se esta é uma situação que vai repetir-se outra e outra vez. É isso que não pode acontecer e para isso têm que se encontrar os verdadeiros problemas. Foi uma questão de prazos e atrasos, de erros nos projectos? Temos que saber. Às vezes não é um problema das pessoas, mas sim das políticas.

Alguns desses terrenos eram propriedade de conhecidos empresários locais, nomeadamente patronato de operadoras de Jogo.
Segundo sei, o Governo não divulgou nomes e o que realmente interessa é saber qual o destino e projectos pensados para os terrenos, qual a sua utilidade para a cidade e em quanto tempo estará pronto.

A concessão de terrenos deveria ser menor do que os 25 anos estabelecidos?
Sim, sem dúvida. Os projectos podem facilmente começar num prazo de dois anos e caso não seja possível, devem ser devolvidos ao Governo. A pergunta é: será que estes terrenos podem ser revertidos de imediato e ser usados pelo Governo para construção? O mais relevante é criar construção nestes locais que não são aproveitados, porque já temos muito pouco espaço. No caso de conceder os terrenos a empresas, o Executivo tem que exigir à entidade aquilo que vai ser feito.

Em termos de planeamento urbano, do que é que Macau precisa neste momento?
Julgo que primeiro é preciso perceber o tipo de cidade que queremos que Macau seja. O plano tem de ser a 20 anos e perceber se queremos uma cidade turística, uma plataforma para os Países de Língua Portuguesa, uma zona essencialmente residencial… O que vai ser Macau? Podemos até ter milhões de turistas daqui a uns anos e em Engenharia, tudo é, na prática, possível. É é preciso ter um plano bem delineado para depois se fazer.

Mas vai custar tempo e dinheiro.
Neste assunto, essa não é uma desculpa válida porque o Governo está já no activo há 15 anos. Inicialmente, justificavam que era tudo novo, mas agora já não se pode.

Subiram novos Secretários ao poder há seis meses. Sendo engenheiro em Macau, como vê a evolução desde então e qual a sua opinião sobre a performance de Raimundo do Rosário?
Em termos gerais, diria que o avalio em 85%, de zero a cem. Hoje em dia, o processo de aprovação de apresentação de projectos, em concursos públicos, está bastante mais rápido e dantes eram precisos uns três meses para isso. Antes, qualquer pequeno problema conduzia à rejeição do projecto, mas agora o Governo explica que partes estavam incorrectas e que precisam de ser melhoradas. Tornou-se num processo muito eficiente, porque é possível começar um projecto e ir melhorando o que não está bem. O problema para o novo Secretário é que não é possível resolver problemas de 15 anos em seis meses. O [da Associação dos Engenheiros] é que ele peça a demissão antes de completar o mandato, porque sinceramente, se formos ver o seu passado profissional, estava bem colocado em Portugal e não tinha problemas, era um bom emprego. De repente teve que pegar neste cargo problemático e vai resolver, mas não de acordo com as expectativas da população, que creio que são demasiado altas, não condizem com a realidade. Não se pode fazer magia para resolver um problema instantaneamente.

Considera que Raimundo do Rosário devia ter dado prioridade à resolução de problemas deixados pelo Governo anterior?
A questão é que muitos dos problemas não têm que ver com corrupção, como a população ficou a pensar na altura do caso Ao Man Long e sem confiar no Governo. O nosso sistema não é forte o suficiente, porque se fosse, não haveria espaço para corrupção. O sistema político precisa, claro, de ser suportado por uma actualização da moldura legal existente.

Que leis precisam de ser actualizadas?
O Regulamento de Segurança contra Incêndios é um deles, que data de 1995. Porque é que as construtoras de casinos não seguem a lei local, mas sim a dos EUA? Isto é já um problema em si e temos que perceber porque é que escolhem não usar o nosso sistema. Talvez isso seja uma pista… As empresas dizem que são questões de seguradoras, mas se a nossa lei está, aparentemente, de acordo com os padrões europeus, porque é que não se usa? Outra tem que ver com as instalações eléctricas, que é um regulamento em vigor desde 1974. Há muita coisa em cima da mesa do Secretário.

[quote_box_left]“O problema para o novo Secretário é que não é possível resolver problemas de 15 anos em seis meses. O [da Associação dos Engenheiros] é que ele peça a demissão antes de completar o mandato”[/quote_box_left]

Em relação ao Reordenamento dos Bairros Antigos. O Governo extinguiu o Conselho Consultivo que tratava disto. O que propõe para a remodelação destas zonas?
Voltamos ao planeamento urbano. Várias pessoas dizem que podemos seguir o exemplo de Taiwan ou da China, mas não se pode simplesmente copiar e colar ideias de uns países para os outros, porque são diferentes. Primeiro, as rendas em Taiwan são muito mais baixas do que aqui, que sobem imenso, rapidamente. Se o Governo quiser mesmo renovar a cidade, terá que ser a entidade activa, porque a população confia mais no Governo do que nos empresários. Várias empresas podem fundir-se para um projecto único e construir algo mais sólido. Se a reconstrução de um edifício der lugar a algo maior e melhor, cria-se mais espaço para revender. É assim que se cativa os habitantes que aí vivem. E se se relocalizar estas pessoas e lhes pagar as rendas enquanto a construção decorre e depois elas venderem os seus apartamentos renovados ao dobro do preço?

A questão do metro arrasta-se há já vários anos. Um dos problemas mais morosos é a construção da parque de oficinas, que continua a ter problemas e o Governo ainda não resolveu. Porque acha que isto acontece?
O Governo sempre soube onde queria as coisas [do metro] e não é primeira vez que lida com a obra. O ponto é fazer as perguntas certas e é preciso que tanto a construtora, como a consultora e o Governo se resolvam. Não é preciso fazer inúmeros estudos e todos os profissionais envolvidos no projectos são supostamente bons, não se sabe como o projecto está tão atrasado. Não se podem esconder os problemas debaixo do tapete, o Governo precisa de ir, como se faz em Hong Kong, à Assembleia Legislativa para explicar tudo. Há um grave problema de insegurança governamental.

E sobre os problemas que vieram do antigo Governo?
Não distingo entre novo e velho Governo, porque para mim só difere a governação portuguesa e chinesa e já estamos sob poder da China há 15 anos. Um dos grandes problemas que detecto no Governo é a falta de comunicação interdepartamental, em que uns aprovam, mas desconhecem que outros rejeitaram. A bola está sempre a ser jogada para o departamento do lado. Dizem muitas vezes que é preciso um grupo de gestão interna, mas não, porque os problemas resolvem-se entre as pessoas.

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