IAS | Mais de 200 mil pessoas em Macau jogam a dinheiro

Cerca de 2.568 residentes sofrem do vício do jogo. Em cerca de 30 por cento dos casos, os visados apresentam-se em estado de negação. Os dados foram revelados ontem por Wu I Mui, chefe da Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático do Instituto de Acção Social (IAS)

 

Mais de 30 por cento da população do território tem o hábito de jogar. Os dados foram revelados por Wu I Mui, chefe da Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático do Instituto de Acção Social (IAS), quando participou ontem no Fórum Macau, do canal chinês da Rádio Macau.

Segundo Wu I Mui, que citou a pesquisa mais recente do IAS, 30,1 por cento da população do território joga. O número, no entanto, não significa que todos os envolvidos têm problemas com o jogo.

Tendo em conta a população de Macau no final de Junho, que de acordo com os Serviços de Censos e Estatística (DSEC) era de 678,8 mil pessoas, os números representam um total de 203.640 pessoas, praticamente um terço da população.

Em termos do vício do jogo, este afecta 0,45 por cento dos residentes. Segundo os dados mais recentes da DSEC, no final do ano passado o território tinha 570,7 mil residentes. Cerca de 2.568 sofrem do vício do jogo.

Ao nível da proporção com problemas com o jogo, Wu I Mui indicou que a situação mais grave foi atingida quando cerca de seis por cento dos residentes eram viciados no jogo. Nessa altura, que os dados do IAS identificam como 2007, a população local era de 538 mil pessoas, de acordo com um comunicado do Gabinete de Comunicação Social, de 2008, o que significa que seis por cento representa 32.280 pessoas.

 

Graus diferentes

Entre os identificados como viciados no jogo, cerca de 30 por cento são considerados casos sérios, que nem sequer reconhecem a existência de um problema.

Nos restantes 70 por cento, a chefe da Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático indicou que as pessoas têm a capacidade para admitirem que sofrem de um problema.

Também neste aspecto Wu considera que em comparação com o passado a situação mudou radicalmente. De acordo com as explicações da responsável, há cerca de 10 anos, era maior o número de pessoas com o vício do jogo que recusava ter um problema do que aquele que conseguia aperceber-se da situação em que se encontrava.

Quanto aos pedidos de ajuda, nas declarações ao canal chinês da Rádio Macau, Wu I Mui explicou que antes da pandemia havia cerca de 140 pedidos de ajuda por ano. No entanto, com as restrições do Governo, houve menos gente a sair de casa e os pedidos desapareceram. Porém, na primeira metade deste ano já se registaram 19 pedidos, o que para Wu significa que as pessoas estão a retomar as suas actividades normais.

21 Set 2023

O álcool e o tempo

 

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]eixar de fumar é deixar um vício ou um hábito, mas deixar de beber é deixar uma vida. Aquilo que muda, antes de mais, é o olhar ou a consciência. O nosso olhar ou a nossa consciência sobre tudo. Com o álcool há uma espécie de tempo presente que não passa, como se fosse sempre presente do indicativo. A experiência de beber bastante implica viver num presente do indicativo infinito, ou que tende para o infinito do presente. Deixar de beber não é o mesmo que nunca ter bebido. Beber, aqui, não o que a maioria das pessoas faz, que apanham uma ou outra bebedeira ao fim de semana ou de quando em quando. Beber, aqui, é um modo de viver que implica uma contínua procura de estancar o tempo. O tempo não passa, o tempo está estanque – enquanto se bebe e por isso mesmo se continua a beber, tentando fazer com que o tempo se mantenha assim parado – e depois dá um salto. A noção de tempo quando se bebe faz-se sentir em duas velocidades: presente do indicativo infinito; e saltos abruptos para um outro presente. É como, imagino, um dia se faça sentir as viagens no tempo. Há uma expressão portuguesa que também se podia apropriar a esta experiência: “estás aqui estás ali” (embora esta expressão esteja ligada a alguém ser projectado por outrem, aqui somos projectados pela interrupção do tempo, como se se tratasse de um filme cortado). Ora, quando se deixa de beber a experiência do tempo muda completamente. O tempo passa. Isto é, o tempo volta a passar, a fazer-se sentir, sem saltos. E os nossos passos no tempo também passam a não ter interrupções. Deixa de haver “brancas”. O tempo anda mesmo, e com ele, nós. E não há tempo para nada.

Para nos habituarmos ao tempo a passar – e isto é mais difícil do que possa parecer –, é preciso entender que o tempo tem de ser ocupado na sua integralidade. A todo o tempo o tempo se faz sentir, contrariamente à experiência de quem bebe. Para quem deixa de beber, inicialmente o tempo alarga. E neste alargamento passamos a ter a sensação de ter rejuvenescido, de ter novamente aquela idade em que há tempo para tudo. Fazemos coisas. Temos tempo para trabalhar, para ler, para ver filmes, para pensar. De certo modo, é como se nos tornássemos novos ricos do tempo. Assim que o novo rico do tempo deixa de beber, a primeira coisa que faz é não deixar fresta nenhuma de tempo aberta. Fecha todas as frechas de tempo. E um dos problemas que agora enfrenta – infinitamente menor se comparado com o anterior – é aprender a não esbanjar esse tempo que acaba de ganhar. Esbanjá-lo com excesso de trabalho, excesso de leituras, excesso de filmes, excesso de exercício. Este excesso só se fará sentir como excesso mais tarde, evidentemente, e se for mal usado. Por exemplo, excesso de trabalho em coisas que não são importantes para si mesmo, excesso de leituras que não lhe são importantes, etc.. Esta entrega ao excesso, ao esbanjamento do novo tempo que recebeu, deve-se a ele sentir cada entrega como se estivesse a recuperar o tempo perdido, a vida perdida. E se por um lado é isso mesmo, por outro a vida não foi perdida – embora o novo rico possa senti-lo assim – a vida foi apenas vivida de outra maneira. De outra maneira muito diferente. Mas seja como for, a verdade é que esse tempo está aí e ele terá de voltar a aprender a usá-lo. Pois o que inicialmente parece ser um ganho – e de facto é –, o voltar a sentir o tempo a passar e tê-lo à sua disposição, facilmente pode torna-se numa armadilha, sendo gasto em tarefas que vão causar mais angústia do que bem estar. Um beber contínuo causa um entorpecimento no modo como o tempo se faz sentir e com isso a angústia esbate-se, mesmo num uso menos efectivo do tempo. Mas ao deixar de beber o tempo revela-se como ele sempre foi: a nossa vida a passar, a passar, a passar.

 

 

 

7 Ago 2018

Lionel Leong defende consenso para interdição de entrada a locais

Foi ontem aprovada na generalidade o regime de condicionamento da entrada, do trabalho e do jogo nos casinos, que prevê a proibição dos trabalhadores do jogo de apostarem nos casinos. O deputado Sulu Sou propôs a interdição ou mais limitações de acesso aos locais de Macau, mas o secretário Lionel Leong disse que é preciso consenso

 

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Governo quer evitar o aumento do número de jogadores patológicos entre aqueles que trabalham nos casinos e, por isso, levou ontem à Assembleia Legislativa (AL) o diploma que revê a lei de condicionamento de entrada, trabalho e do jogo nos casinos, depois da alteração feita em 2012.

A proposta de lei foi aprovada na generalidade e vai agora ser analisada pelos deputados, mas vários membros do hemiciclo duvidaram da eficiência da proibição de entrada. Sulu Sou lembrou que, em regiões vizinhas com jogo, como é o caso de Singapura ou Coreia, os locais só podem estar nos casinos um número limitado de horas, existindo também um pagamento à entrada e limites nas apostas que são feitas.

Desta forma, Sulu Sou pediu ao Governo se existe a possibilidade de implementar “a medida de interdição para os locais”. “É uma medida radical mas é a maneira mais fácil para regulamentar. Muitos dos visados nesta proposta de interdição são os trabalhadores dos casinos, mas foi afastada a população desempregada. Talvez o Governo possa considerar a experiência de outras regiões e adoptar uma medida de interdição para os locais, limitar os montantes de aposta e as modalidades.”

Contudo, o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, respondeu a este apelo com bastantes reservas. “Quanto a esta medida radical, de proibir a entrada de uma assentada, pode ser discutida de várias perspectivas. Queremos ter um desenvolvimento sustentável para Macau, mas também queremos ter um menor número de jogadores patológicos. Quanto a proibir a entrada aos locais, temos de reunir o consenso da sociedade.”

Aquando da entrada em vigor da lei, não são apenas os croupiers que não podem apostar noutros locais, mas também funcionários “das máquinas de jogo, caixas de tesouraria, área das relações públicas, restauração, limpeza e segurança, bem como os trabalhadores responsáveis pela fiscalização”. Estão, contudo, previstas excepções, uma vez que a entrada nos casinos é permitida nos primeiros três dias do Ano Novo Chinês ou quando existam “causas justificativas de entrada nos casinos”. Lionel Leong admitiu que trabalhadores da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais podem estar incluídos nestas excepções de entrada.

 

DICJ cria linha aberta

Depois da realização da consulta pública o Executivo decidiu incluir os trabalhadores da limpeza e restauração, entre outros, na interdição de entrada nos casinos de operadoras diferentes daquela em que trabalham. Contudo, os deputados mostraram muitas reservas quanto à implementação prática desta medida, lembrando que muitos funcionários públicos conseguem escapar aos olhos dos seguranças.

“Há funcionários públicos que conseguiram entrar nos casinos e não foram detectados, inclusivamente alunos. Podemos definir uma lei rigorosa, mas depois ao nível da fiscalização não se conseguem resolver as questões”, lembrou Song Pek Kei.

Paulo Martins Chan, director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), garantiu que será realizado um estudo dos tipos de emprego existentes nos casinos, uma lista que depois será divulgada online.

Quanto à implementação prática da interdição, Paulo Martins Chan adiantou que estão a ser pensadas várias medidas, tal como “o patrulhamento ou a participação das concessionárias”. “Vamos criar uma linha aberta para efeitos de participação. Sabemos que estas medidas estão adaptadas ao sistema social de Macau e através desta linha aberta conseguimos aplicar esta medida de interdição.”

Angela Leong, que além de deputada é também directora-executiva da Sociedade de Jogos de Macau, lembrou que vão existir dificuldades. “Como é que os casinos identificam se a pessoa é ou não trabalhadora, e como é que os casinos podem garantir que os dados pessoais dos seus trabalhadores não vão ser relevados? As operadoras vão ter de assumir muitas responsabilidades. Como é que o pessoal de segurança vai executar a lei?”, questionou.

13 Jul 2018

TNR com baixos salários apostam em lotarias e slot-machines

Apesar de fazerem parte das comunidades com os salários mais baixos de Macau, os trabalhadores não residentes também jogam. Não o fazem nas mesas dos casinos, muito menos nas salas VIP, mas apostam em lotarias, onde os bilhetes custam no máximo dez patacas, ou em slot-machines. Há vícios escondidos e famílias destruídas. Associações que representam estas comunidades pedem mais serviços de apoio e uma nova base de dados que inclua os trabalhadores migrantes

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] esperança deposita-se em pequenos quadrados de papel com números e rabiscos. As mãos cansadas de trabalhar seguram-nos enquanto os olhos não saem dos ecrãs com os resultados. É assim a rotina dos que apostam quase diariamente nas lotarias do Pacapio, com gestão da SLOT – Sociedade de Lotarias e Apostas Mútuas de Macau.
Não há turistas nem multidões e os jogadores são, na sua maioria, reformados. Há, contudo, um outro tipo de jogadores que se destaca: são trabalhadores não residentes (TNR), filipinos ou de outras nacionalidades, que ali jogam nas horas mortas ou nos intervalos do trabalho. Sabem que com apenas cinco a dez patacas podem ter a sorte de ganhar o jackpot.
“Claro que quero ganhar dinheiro!”. Freddie Padin, filipino, trabalhador na área do catering no Aeroporto Internacional de Macau, está confiante de que a sorte um dia lhe vai cair no colo. A mulher vive nas Filipinas e visita-o em Macau sempre que pode. Este TNR vive no território há onze anos.
Nunca ganhou nada no Pacapio, mas isso não o demove de continuar a tentar, sozinho ou na companhia de amigos. “Se ganhasse o dinheiro iria investi-lo, iria para casa, para as Filipinas. Se ganhasse o jackpot claro que iria para casa, seria um vencedor”, garantiu ao HM.
Não vai ao Pacapio todos os dias, mas sempre que ganha um pouco parte para outros voos em busca da riqueza que lhe vai resolver todos os problemas.
“Não venho todos os dias, só às vezes. Quero ganhar um jackpot e aqui só gastamos dez patacas. Se ganhar mais algum dinheiro vou aos casinos, mas nunca ganhei”, assegurou.
Regressar às Filipinas com dinheiro no bolso é o sonho de muitos e é isso que os faz ir sempre que podem apostar nas lotarias. São homens e mulheres que aguardam nas cadeiras vermelhas à espera que se faça sorte.
Muitos deles experimentam jogar uma primeira vez, como é o caso de Dante Canedo. Há dois anos que vive em Macau e trabalha na área da limpeza, no casino Venetian.
“É fácil jogar aqui, mas não sei se virei mais vezes”, contou. “Quero jogar porque quero ganhar o grande prémio, e se conseguir regresso para as Filipinas.”
E o que faria na sua terra natal? Dante Canedo queria montar um negócio, na área da restauração, ou fazer uma grande casa para si e para os seus.
Também Renato, filipino, vem com alguma frequência, mas não todos os dias. “Venho nos meus dias de folga, porque é muito barato jogar, são só dez patacas”, adiantou.
John conversa com um amigo enquanto olha para o ecrã cheio de números. É a sua primeira vez que vem ao Pacapio para jogar, mas caso ganhe o jackpot, já sabe o que vai fazer com o dinheiro: “comprava o meu próprio carro e ia para o Hawai com amigos e raparigas bonitas”.

“Jogo faz mal aos filipinos”

Enquanto uns apostam e aguardam que a sorte apareça, outros almoçam no restaurante localizado ao lado, com o irónico nome de Estabelecimento de Comidas Boa Fortuna. Choi (nome fictício), bebe um chá quente enquanto fala com o HM, sem nunca desviar o olhar dos números que estão na sala do lado.
Choi começou por frequentar o Pacapio para ali fazer as suas refeições, até que sentiu curiosidade e passou a apostar nas lotarias. Hoje, já reformado, frequenta as lotarias entre três a quatro vezes por mês e chega a ganhar não mais do que 200 patacas.
Uma vez ganhou um milhão de patacas, há muito tempo, “uma coisa rara de acontecer”, garante.
Choi diz que 80 por cento dos jogadores são pessoas como ele: reformados que ali gastam as suas horas mortas, sobretudo no período de férias, quando há mais apostadores. Depois há os trabalhadores migrantes.
“Estes jogos são muito baratos e toda a gente tem o objectivo de ganhar dinheiro. Mas acho que este jogo pode fazer mal aos filipinos porque, apesar de custar pouco dinheiro, eles podem gastar o seu salário todo”, defendeu Choi.
Este jogador é um dos muitos residentes de Macau que guarda boas memórias de um espaço cheio de história, e que acarreta consigo “memórias inesquecíveis”. “Acho que este tipo de lotarias deve continuar a existir porque há muita gente que não consegue entrar nos casinos”, apontou.
Mio, que veio para Macau com dez anos de idade, vai às lotarias umas dez vezes por mês. Esta é a casa onde gasta os seus tempos livres há quase 20 anos.
“Aqui não há coisas para fazer além do jogo. Também não costumo fazer desporto, por isso não tenho mais nenhum sítio onde ir além das lotarias”, contou o residente, que trabalha num casino.
Um lugar onde “há muita memória” deve sem dúvida manter-se, acredita Mio. “O Pacapio deve manter-se e não deve ser administrado dentro dos casinos, porque há pessoas que não podem lá entrar”, frisou.

“Jogo faz mal”

O jogo ou o seu vício é uma temática que não se associa aos trabalhadores migrantes dado os baixos salários que estes recebem. Na maioria dos casos, os ordenados ficam abaixo da média salarial de Macau, que ronda as 15 mil patacas. Sabe-se de um caso aqui a ali, mas a maior parte das situações estão escondidas aos olhos de muitos.
Rodantes, ligado a duas associações de cariz social ligadas à comunidade filipina, assume já ter ouvido falar de histórias de azar dos que procuraram a sorte.
“Sei que há muitas pessoas que vão ao Pacapio e às slot-machines. É um problema porque é muito fácil ir lá, uma vez que esses espaços estão localizados no centro de Macau, e jogam para tentar a tua sorte, mas nós, associações, tentamos alertar essas pessoas para que não joguem.”
Rodantes contou que o espaço de slot-machine localizado ao lado do Hotel Sintra é muito frequentado por TNR. “Se formos, por exemplo, às casas-de-banho vemos muitos filipinos e também pessoas de outras nacionalidades, como o Nepal ou o Vietname, que estão lá para jogar. É mais barato [apostar], é muito fácil e podem gastar o tempo livre depois do trabalho, ou mesmo nas folgas. É muito comum.”
Embora o azar seja mais comum, há histórias de pessoas que conseguiram regressar ao seu país de origem com mais umas patacas no bolso.
“Há alguns anos que ouvimos alguns casos de famílias que entram em falência e que têm de voltar para as Filipinas sem nada, porque perderam o emprego. Mas conheço muita gente que investiu o dinheiro que ganhou nas Filipinas, na construção de casas, por exemplo. Mas a maioria não consegue guardar dinheiro para o seu futuro”, adiantou.
Rodantes diz que há muita falta de informações sobre eventuais riscos, e é aqui que entra o trabalho de associações ou outras organizações não governamentais (ONG).
“As pessoas que jogam podem não frequentar a igreja ou não ir ao consulado. Há muita falta de informação e temos vindo a falar dos riscos que o jogo acarreta. Gasta-se todo o salário e, por muito barato que seja, gasta-se sempre dinheiro.”
Para Rodantes, os TNR não deveriam ter permissão para jogar. “Penso que o Governo deve fazer mais promoção junto das empresas e dos patrões, para não permitirem os seus empregados de jogar. Os locais podem fazer o que quiserem, mas os TNR não deveriam ter permissão para jogar.”
Ana Fivilia, representante de outra associação próxima da comunidade filipina, também “ouviu falar” de histórias semelhantes. “Há casos de filipinos que gastam o seu ordenado em jogo, porque pensam que vão ter sorte naquele dia. É muito arriscado gastar o salário assim à espera da sorte.”
A associação da qual Ana faz parte dá sobretudo aconselhamento emocional e psicológico. “Ajudamo-nos uns aos outros e damos conselhos a quem tenta sair do vício do jogo.”
Ainda assim, Ana considera que os departamentos públicos devem ajudar os trabalhadores migrantes. “Estes jogadores deveriam ter algum tipo de apoio do Governo porque os portadores de blue card têm salários muito baixos e toda a gente sabe disso. Não falo apenas dos filipinos mas de pessoas de outras nacionalidades. E vão para os casinos tentar a tua sorte.”

Também têm direito

Paul Pun, secretário-geral da Caritas, tem uma posição menos radical do que Rodantes. Os TNR também têm direito a jogar, caso assim o desejem, defende. O que é necessário é criar programas de apoio especiais para estas comunidades, que devem passar, sobretudo, pela criação de uma nova base de dados.
Isto porque Paul Pun acredita que os actuais dados, elaborados pelo Instituto de Acção Social, possam incluir apenas os residentes e deixar de fora os portadores de blue card.
“Em Macau deveríamos ter mais programas de apoio a migrantes que estão viciados no jogo. Neste momento há um programa de prevenção do jogo e acredito que não estejam a excluir os TNR”, começou por dizer.
De facto, segundo o website do IAS, a Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático – Casa de Vontade Firme aceita residentes permanentes e não permanentes de Macau, tal como TNR.
Ainda assim, “temos de ter mais ONG a trabalhar em conjunto para reduzir este problema e também temos de apostar na investigação, para que tenhamos uma melhor base de dados”. “Temos de saber a percentagem dos trabalhadores migrantes que têm um problema sério com o jogo”, explicou.
Junto das comunidades de trabalhadores migrantes não existem apenas famílias com salários entre duas a quatro mil patacas. Há pessoal que trabalha na área da segurança, ou mesmo na construção civil, com ordenados a rondar as dez mil patacas ou um pouco mais do que isso.
“Não podemos proibi-los de jogar, porque não sabemos se trabalham como empregadas domésticas, alguns deles podem até ter salários mais altos. Mas a maior parte deles ganha muito pouco. Mas também têm o direito de ir aos casinos ou à lotaria, apesar de ser muito arriscado”, acredita Paul Pun.
Além das apostas existem muitas vezes outros vícios associados. “Conheço alguns casos de pessoas que ganharam muito dinheiro e que contaram aos outros migrantes que ganharam. Então estes também tentaram a sua sorte. Muitos deles também bebem muito, além de jogar”, concluiu o secretário-geral da Caritas.
De acordo com os dados recolhidos pelo IAS, relativos ao período entre Janeiro e Dezembro de 2016, mais de 80 por cento dos pedidos de ajuda partem dos portadores de bilhete de identidade de residente, sendo que, em 40 por cento dos casos, os viciados em jogo ganham mais de 17.000 patacas.

5 Jan 2018