Ferrovia | Temporada de Verão termina com recorde de viagens

A temporada de viagens de Verão de 62 dias da China foi concluída, com as ferrovias a contabilizarem um recorde de 887 milhões de viagens de passageiros entre 1 de Julho e 31 de Agosto – um aumento de 6,7 por cento ano a ano – segundo indicou a China State Railway Group Co., Ltd. (China Railway) no domingo.

Durante este período, o número médio diário de viagens de passageiros transportados pelos caminhos-de-ferro do país foi de 14,31 milhões, de acordo com a empresa, indica o Diário do Povo.

Entretanto, mais de 14,32 milhões de passagens de estudantes foram vendidas durante a temporada de viagens de Verão, de acordo com a China Railway.

Um total de 670 milhões de toneladas de mercadorias foram também transportadas pelos caminhos-de-ferro, incluindo 250 milhões de toneladas de carvão térmico durante este período, segundo a empresa.

Para garantir viagens seguras e organizadas e operações estáveis, a empresa preparou um plano de transporte, aumentou a capacidade e implementou medidas favoráveis ​aos passageiros com bastante antecedência, acrescenta a publicação estatal.

A azáfama das viagens de Verão costuma ser uma temporada movimentada para o sistema ferroviário do país, pois os estudantes universitários retornam a casa para as férias de Verão. As visitas familiares e as viagens turísticas também aumentam durante este período.

2 Set 2024

Lusofonia | Pequim volta a permitir viagens organizadas a quatro países

A China incluiu ontem a Guiné Equatorial, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), num terceiro lote de destinos para onde vai permitir viagens de turismo em grupo.

A decisão, anunciada pelo ministério do Turismo e da Cultura do país asiático, abrange um total de 82 países, para além dos 40 incluídos nos dois primeiros lotes.

Destinos populares entre os viajantes internacionais, como os Estados Unidos ou o Reino Unido, passam assim a estar novamente disponíveis para os turistas chineses que viajam em grupos organizados.

No início de Fevereiro, Pequim voltou a permitir o turismo em grupo para cerca de 20 países, incluindo destinos como Tailândia ou Indonésia. Portugal foi incluído no segundo lote, aprovado no mês seguinte, assim como Brasil, França e Espanha.

A China, que era o maior emissor de turistas do mundo até ao eclodir da pandemia da covid-19, manteve as fronteiras encerradas durante quase três anos, no âmbito da política de ‘zero casos’ do novo coronavírus, que foi desmantelada, em Dezembro passado, após protestos ocorridos em várias cidades do país.

No âmbito daquela política, quem chegava ao país tinha que cumprir um período de quarentena de até três semanas em instalações designadas. O número de voos internacionais foi reduzido até 2 por cento face ao período anterior à pandemia.

11 Ago 2023

Sexta Viagem Marítima de Zheng He (IX)

Zhu Di (1360-1424), como príncipe de Yan, governara Beiping desde 1380, quando as fronteiras do Norte se encontravam ameaçadas por constantes investidas dos mongóis, tendo-os vencido em 1390, após dez anos de duros combates. Conquistando ao seu sobrinho, o imperador Jianwen (1398-1402), Nanjing, a então capital da dinastia Ming, em 1402, Zhu Di tornou-se imperador e logo começou a pensar mudar-se para o Norte, devido à estratégica posição.

Em 4 de Fevereiro de 1403, já como Imperador Yongle, proclamou passar Beiping a chamar-se Beijing (Capital do Norte), mobilizando mais de 136 mil famílias de Shanxi para aí irem viver. A construção da nova capital começou em 1406, usando partes de Dadu, a capital da anterior dinastia mongol Yuan, e foi planeada com três partes: a Cidade Proibida onde se situava o Palácio Imperial, a Cidade Imperial, local desde a Porta Wumen até à Porta Qianmen e a Cidade Interior.

Beijing originariamente tinha vinte portas, nove das quais para a cidade interior, sete nas muralhas da cidade exterior e quatro para a Cidade Proibida. Cada porta tinha a sua função, sendo a Desheng para receber as tropas que regressavam vitoriosas e a Anding de onde partiam as expedições militares.

Em 1407 iniciou-se a edificação do Palácio Imperial, com a ajuda de 230 mil trabalhadores especializados, entre habitantes locais e de todas as zonas do país. A Cidade Proibida tinha um perímetro de três quilómetros com um diâmetro no eixo Norte-Sul de 760 metros e de Oeste para Leste de 766 metros.

Rodeada por muros com 7,9 metros de altura e um fosso na parte exterior a toda a volta, na parte Sul situavam-se os pavilhões onde o Imperador trabalharia nos assuntos do Estado e realizaria as cerimónias e na parte Norte, a zona da residência do Imperador, da esposa e concubinas.

Na Cidade Interior foi na altura edificado o Templo do Céu, Tiantan, onde inicialmente eram venerados o Céu e a Terra.

Enquanto prosseguiam as construções na cidade de Beijing, o Imperador Yongle mandou reparar e dragar o Grande Canal para o tornar mais largo à navegação e facilitar o transporte dos cereais da zona de Jiangnan, o celeiro da China, de Hangzhou até à nova capital, ficando essa obra terminada em 1415. Também a Grande Muralha foi reforçada para proteger o território Ming dos mongóis, que tinham retornado às suas estepes.

A transferência da capital de Nanjing para Beijing realizou-se no primeiro dia da primeira lua de 1421, mas no dia 8 da 4.ª lua desse mesmo ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle, devido a uma trovoada três pavilhões da Cidade Proibida arderam, tinha já a armada partido para a sexta viagem marítima de Zheng He. Alguns oficiais criticaram junto do Imperador as expedições considerando ser o incêndio um sinal divino.

VIAGEM de 1421 a 1422

Na quinta viagem marítima vieram dezasseis embaixadas da Ásia e África que chegaram a Nanjing no 7.º mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ji Hai 己亥), 8 ou 17 de Agosto de 1419, mas como desde 1417 o Imperador aí não voltou, foram pelo Grande Canal levados até Beijing por Zheng He.

Sem fazer trasfega, os tributos prosseguiram no segundo maior junco da armada, o barco cavalo, assim chamado por ser muito rápido devido aos oito mastros e dez velas, que não entrou no Rio Yangtzé, mas por mar foi até Tianjin, passando só aí a navegar no Grande Canal para percorrer a última etapa até à capital.

No oitavo mês lunar os enviados de Ormuz (Hulumosi), Zufar (Zufa’er em Omã), Adem, Mogadíscio, Zheila (Ra’s), Brava (Bu-la-wa), Cambaia (Khanbayat), Calicute (Guli), Cochim (Kezhi), Jiayile (Kayal no Sul da Índia), Ganbali (Sudoeste da Índia), Ceilão (Xilanshan), Lambri, Aru (Haru), Semudera e Malaca (Manlajia) foram recebidos por o Imperador em Beijing.

No 18.º ano de governação de Yongle, ano Geng Zi (庚子), em 1420 o Imperador mandou o Grande Eunuco (Tai Jian) Hou Xian (侯显, 1365-c.1438) ao Golfo de Bengala para tentar terminar com o conflito e estabelecer a paz entre o Sultanato de Delhi e o reino tributário da China de Bengala (Bang Ge la), assim como levar de volta os enviados do Sudeste Asiático, onde se encontrava o Sultão de Malaca Megat Iskandar Shah e família.

Já os embaixadores provenientes dos reinos do Mar Arábico e África de Leste esperaram quase dois anos para serem enviados aos seus países, pois a ordem imperial para a sexta viagem marítima de Zheng He só foi dada na Primavera do ano 19.º de Yongle (ano Xin Chou, 辛丑, 1421), 3 de Março de 1421, após a inauguração da nova capital. O Grande Almirante foi então despachado com cartas imperiais e prendas para os governantes desses países.

Zheng He navegando pela costa do Sudeste da China chegou ao porto de Vijaya no Zhancheng, de onde enviou uma pequena frota ao Sião (Xian lu) com o recado para o Rei tai deixar em paz o reino de Malaca, enquanto a armada seguiu com destino a Malaca, e daí para a ilha de Sumatra, visitando os reinos de Lambri, Aru e Semudera. Em Semudera a armada foi dividida em quatro esquadrões, sendo o de Zheng He (郑和) o mais diminuto, enquanto os outros três, um comandado por o Grande Eunuco Hong Bao (洪保), o outro por o Grande Eunuco Zhou Man (周满), a liderar a frota com três juncos do tesouro a Adem, onde seguia Li Xing e o terceiro, comandado por um outro Grande Eunuco, Zhou Wen (周文), do qual na China não há já nenhuma referência, terá ido a Cambaia (Khanbayat). Todos estavam incumbidos de transportar os embaixadores de retorno às suas terras.

No Ceilão (hoje Sri Lanka) os esquadrões separaram-se, seguindo Zheng He para o Sul da Índia, Jiayile, Cochim, Ganbali e Calicute. Hong Bao viajou por Liushan (ilhas Laquedivas e Maldivas, esta governada por um sultão somali da dinastia Hilaalee conectado a Mogadíscio) para chegar ao Golfo Pérsico e deixar em Ormuz o enviado, dirigindo-se depois a Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão de Zhou Man que vinha de Jedá, seguindo depois para Brava, Melinde e Mombaça, na costa Oriental de África.

O Grande Eunuco Zhou Man, que liderou o esquadrão com três juncos do tesouro, foi à Arábia, passando por Dhofar (Zufa’er) em Omã e pela costa de Hadramaut no actual Iémen foi a LaSa, dirigindo-se depois ao porto de Adem, onde ofereceu ao Rei vestes e barrete de Oficial chinês. Tal visita ficou registada no livro Yingya Shenglan (瀛涯胜览) [Visão em Triunfo no Ilimitado Mar] escrito por Ma Huan (1380-1460). Daí foi a Jedá e no regresso passou por Socotra, por Zheila (Saylac), já na costa Somali, seguindo até Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão comandado por Hong Bao.

No regresso, atravessando o Oceano Índico vários esquadrões agruparam-se em Calicute e a armada reuniu-se toda em Semudera, visitando depois o Sião e em Palembang (Jiugang) Zheng He decretou que Shi Erjie, segunda filha de Shi Jinjin e neta de Jinqing, sucedesse na posição de administrador de Jiugang a representar o Imperador Ming.

Esta foi a mais curta de todas as viagens marítimas de Zheng He, tendo feito o mesmo percurso do da quinta viagem. A armada chegou a Nanjing no 8.º mês lunar do ano 20.º de Yongle (ano Ren Yin 壬寅, 1422) [3 de Setembro de 1422], trazendo enviados do Sião, Semudera, Adem e outros países que mandaram produtos locais como tributo. Os enviados estrangeiros foram via terra ou por o Grande Canal até à corte de Beijing em 1423.

23 Mar 2023

Páscoa | Preços de viagens disparam com aumento da procura

As agências de viagem estão a sentir um grande aumento da procura e há quem fale de um momento “muito bom” para o negócio. Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Taiwan são os destinos mais populares

 

Com a maior procura de viagens no período da Páscoa, os preços estão a registar aumentos significativos, que em alguns casos atingem os 30 por cento. O relato da situação foi feito, ao canal chinês da Rádio Macau, por Chao, funcionária de uma agência de viagens.

De acordo com a profissional ouvida, as agências de viagem tem tido um grande aumento da procura para a época da Páscoa, sendo os destinos mais populares o Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Taiwan.

Segundo a mesma responsável, o negócio está “muito bom” e nem os preços com aumentos que chegam a 30 por cento têm sido um entrave à marcação das férias. A mesma fonte revelou que as viagens em excursões para os destinos mais populares estão mesmo esgotadas.

O levantamento das várias restrições de circulação, impostas pelo Governo, que seguiu a política de zero casos do Interior, é apontado como um dos motivos que volta a permitir aos residentes voltarem a voar. Antes destas alterações, quem fosse para qualquer outro destino que não o Interior estava obrigado a cumprir quarentena, que a certa altura da pandemia chegou a ser de 28 dias.

Novas tendências

O canal chinês da Rádio Macau ouviu também a proprietária de outra agência de viagens, identificada como “senhora Hong”, que traçou um cenário semelhante. No entanto, Hong afirmou que em relação ao período anterior à pandemia emergiu um novo modelo de viagem, com as pessoas a preferirem viajar sozinhas, em vez de recorrerem às excursões.

Para responder a esta nova procura, Hong revelou que a agência tem preparados mais pacotes de viagens para turistas independentes. Em relação aos pacotes de viagens em excursões, a responsável reconheceu que o sudeste asiático é muito popular e que “houve um certo aumento dos preços”, embora sem especificar valores.

Também para fazer face a uma maior procura, e depois de três anos em que praticamente só voou para o Interior, a Air Macau anunciou recentemente um aumento do número dos voos a partir dos últimos dias de Março, para destinos como Tailândia, Japão ou Singapura.

21 Mar 2023

Covid-19 | Ligações marítimas reúnem famílias de Macau e Hong Kong

Foram ontem retomadas as ligações marítimas entre Porto Exterior, na península de Macau, e Sheung Wan no centro da ilha de Hong Kong. Para muitos residentes, chega ao fim uma separação de três anos em que estiveram impedidos de ver os familiares

 

As ligações marítimas entre a península de Macau e Hong Kong foram ontem retomadas, permitindo o reencontro de familiares que, durante quase três anos estiveram separados, a apenas 60 quilómetros de distância, devido à pandemia da covid-19.

Já há dias que os cerca de 300 bilhetes para a primeira viagem do dia entre o terminal marítimo do Porto Exterior, em Macau, e Sheung Wan, no centro de Hong Kong, estavam esgotados.

Quatro dos bilhetes foram para a família de Abigail, que até faltou às aulas no Jardim de Infância Dom José da Costa Nunes, o único infantário de língua portuguesa em Macau. “Vou ver o meu avô e a minha avó e os meus tios”, disse rapidamente à Lusa a menina, de “quase 5 anos”, que desde 2019 não está com os familiares de Hong Kong.

“Sinto muito a falta deles”, confessou Abigail, por detrás de uma máscara decorada com figuras do Ano Novo Lunar. “Já vamos almoçar com eles, mas primeiro temos de ir renovar o teu BIR [Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong]”, prometeu a mãe.

Também há três anos que Kei Kei, de 28 anos, não via o padrasto, a trabalhar na logística de mercadorias em Hong Kong, um dos maiores portos do mundo. “Ele já tem alguma idade e nem eu nem a minha mãe queríamos que ele andasse a fazer quarentenas tão longas. Eu trabalho com idosos, em lares e centros de reabilitação e não podia deixá-los durante tanto tempo”, disse à Lusa.

As ligações marítimas entre as duas regiões administrativas estavam suspensas desde Fevereiro de 2020, deixando a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau como única ligação, ainda assim com quarentenas obrigatórias, que chegaram a ser de 28 dias, à entrada em Macau.

“Quando isto [a pandemia] começou, não fazíamos ideia que ia ser tão duro”, disse Kei Kei com um suspiro. “Pensámos que ia ser só uns meses no máximo”, acrescentou.

Casamento limitado

À semelhança da China continental, Macau seguiu até meados de Dezembro a política ‘zero covid’, apostando em testagens em massa, confinamentos de zonas de risco e quarentenas à chegada. O fim destas medidas chegou no mês passado, depois de quase três anos de restrições rigorosas.

Restrições que fizeram mesmo com que o padrasto não pudesse estar presente quando Kei Kei se casou com um cidadão luso-brasileiro, em Outubro de 2021, no Consulado-geral de Portugal em Cantão, capital da província vizinha de Macau. “Foi uma cerimónia pequena e rápida, mas ele não pôde vir”, lamentou a jovem.

No final de Dezembro, Macau retomou a ligação marítima com o aeroporto de Hong Kong, com duas viagens de ida e volta semanais entre o terminal do Pac On, na Taipa, e o Skypier do aeroporto.

Já em Janeiro foi a vez de regressarem as ligações entre o terminal marítimo de passageiros da Taipa e o de Sheung Wan, com cerca de dez carreiras de ida e volta.

A operadora é a Turbojet, que faz parte do império fundado pelo magnata Stanley Ho, falecido em 2020, e que abrange a operação de 13 casinos em Macau e em Portugal, do Casino de Lisboa e do Casino do Estoril.

De acordo com os Serviços de Saúde de Macau, 114 pessoas morreram de covid-19 no território desde o início da pandemia, em 11 de Março de 2021.

19 Jan 2023

China suspende emissão de vistos de curto prazo para sul-coreanos em retaliação

A China suspendeu a emissão de vistos de curto prazo para sul-coreanos, na primeira retaliação de Pequim contra as restrições impostas a viajantes chineses, face ao rápido aumento de casos de covid-19 no país.

A embaixada chinesa na Coreia do Sul anunciou que os vistos para negócios, turismo, tratamento médico, escalas aéreas e assuntos privados vão ser suspensos para cidadãos sul-coreanos.

A suspensão foi desencadeada por “restrições de entrada discriminatórias impostas pela Coreia do Sul à China”, lê-se no comunicado.

A Coreia do Sul suspendeu a emissão de vistos de curto prazo para viajantes chineses até 31 de janeiro, impedindo a entrada de turistas no país. Os voos entre a Coreia do Sul e a China também estão limitados ao aeroporto internacional de Incheon, em Seul. As ligações a Busan, Daegu e Jeju foram suspensas.

O anúncio da embaixada da China surge depois de o recém-nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, ter protestado junto do seu colega sul-coreano, Park Jin, sobre as restrições de viagem, durante uma conversa por telefone, na segunda-feira.

Qin expressou “preocupações” e instou Seul a manter uma “atitude objetiva e científica”, de acordo com um comunicado emitido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

Vários outros países, incluindo Portugal, impuseram restrições a viajantes oriundos da China, apontando preocupações com o recente aumento de casos de covid-19 no país e o surgir de uma nova variante do novo coronavírus.

As restrições consistem, sobretudo, na obrigação de fazer um teste 48 horas antes de embarcar, uma medida que a China impõe também a quem viaja para o país.

Nos últimos três anos, o país asiático impôs um sistema de quarentena em instalações designadas, que chegou a ser de 28 dias em algumas províncias, e a realização de vários testes, incluindo o serológico e o PCR, para quem chegava à China vindo de fora.

Pequim diz agora que vai adotar “medidas recíprocas” para responder aos países que impuseram medidas de prevenção face ao aumento de casos na China, que abandonou a política de ‘zero casos’ de covid-19 em dezembro, desencadeando uma vaga de infeções sem precedentes.

10 Jan 2023

Covid-19 | Estados Unidos exigem teste a quem viaja de Macau

Além dos Estados Unidos, também a Itália passou a exigir a realização de testes a pessoas oriundas da RAEM. Quem viaja para Portugal pode estar mais descansado, uma vez que o país afasta a possibilidade de implementar restrições para quem vem da China

 

Desde ontem, quem entrar nos Estados Unidos vindo de Macau está obrigado a apresentar resultado negativo de um teste de ácido nucleico realizado nas 48 horas anteriores. A possibilidade de implementação desta exigência tinha sido adiantada na terça-feira e foi confirmada ontem, pelo Centro de Controlo de Prevenção e Controlo de Doenças norte-americano (CDC em inglês).

“O CDC anuncia esta medida para reduzir o ritmo da propagação de covid-19 nos Estados Unidos face ao aumento dos casos de covid-19 na República Popular da China, dada a falta de dados epidemiológicos e de sequência genómica viral adequados e transparentes”, foi justificado, numa nota de imprensa publicada ontem. “Estes dados são essenciais para acompanhar o surgimento de novos casos e reduzir as hipóteses de entrada de novas variantes com efeitos preocupantes”, foi acrescentado.

A mesma nota de imprensa admite ainda a hipótese de serem tomadas medidas mais restritivas: “O CDC vai continuar a acompanhar a situação e ajustar a abordagem, quando considerado necessário”, foi informado.
Além de um teste negativo, as autoridades norte-americanas aceitam também um certificado de recuperação, para quem tiver estado infectado nos 10 dias anteriores à viagem.

A exigência aplica-se a qualquer pessoa, independentemente da nacionalidade, que tenha estado em Macau, Hong Kong ou no Interior da China mais de dois dias nos 10 dias anteriores à viagem. Na medida também não é considerada a vacinação, ou seja, é aplicada mesmo se o viajante tiver levado quatro doses.

Tendências sazonais

Além dos Estados Unidos, foram impostas medidas restritivas para passageiros vindos da China em mais países. O Japão foi um dos primeiros países a seguir esta direcção, quando decidiu restringir os aeroportos de destino para voos provenientes do Interior, Macau e Hong Kong.

Em Itália a medida de testagem também foi implementada, primeiro na região da Lombardia, depois em todo o país, após terem sido detectados 97 casos positivos entre os 212 passageiros em dois voos provenientes do Interior da China. Os dados foram fornecidos por Guido Bertolaso, conselheiro regional da Lombardia, de acordo com a Sky News.

Um dos países que admite não adoptar qualquer medida, para já, é Portugal. Numa resposta escrita à emissora TSF, o ministério da Saúde apontou que as autoridades portuguesas estão a “acompanhar a situação epidemiológica em articulação com os parceiros europeus e organismos internacionais, nomeadamente no âmbito da actividade do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças”.

Contudo, Portugal não prevê “alterações nos procedimentos” ou a adopção de “medidas adicionais”, mantendo-se em curso “a vigilância genómica do SARS-CoV-2 através do Laboratório Nacional de Referência”.

30 Dez 2022

Desmascarados

Quase três anos depois, voltei a fazer uma viagem internacional, a minha segunda travessia aérea do Pacífico: por inusitados motivos profissionais vi-me pela primeira vez – e última, provavelmente – no famigerado arquipélago do Havai, que até parece estranho escrito assim, com a grafia portuguesa, mas que é globalmente promovido e reconhecido como oásis para férias de verão, paraíso prometido na terra, areia, mar, palmeiras, bom clima e todos os confortos para viajantes que apreciem os prazeres do estio e os decorrentes modos de vida, de recreio e de consumo.

Foi naturalmente a minha primeira visita a um destes lugares que se vão designando como “pós-covid”, não porque o vírus tenha desaparecido ou porque se tenha desenvolvido uma qualquer forma de imunidade colectiva, mas porque deixou de ser obrigatório o uso de máscaras de protecção e se voltou a uma convivência “cara a cara”, sem as barreiras higiénicas que o vírus impôs em todo o mundo – e ainda impõe no Japão, onde vivo.

Na realidade, são muito semelhantes os números de novos casos diários na cidade onde resido e na cidade de Honolulu, onde passei uma pacata semana. A diferença está nas cautelas que ainda se seguem ou já se deixaram de seguir: em Hiroshima, toda a gente, sem excepção, continua a usar máscara de protecção; em Honolulu, nem sequer quem trabalha em cafés, restaurantes ou pequeno comércio utiliza (com poucas excepções). Nas ruas, além de mim, foram raríssimas as pessoas que vi com máscara.

Pela parte que me toca, dispenso o risco, ainda que fosse certamente mais agradável voltar a fazer parte desse mundo desmascarado que se vai recompondo. O regresso a casa pressupunha a apresentação à chegada de um teste-covid negativo, além dos problemas acrescidos de uma eventual infecção num sítio onde não sou residente.

Por isso me mantive entre esses certamente menos de 1 por cento da população que usava máscara. Diga-se que nem por isso senti qualquer tipo de pressão ou condicionamento por não estar a seguir o padrão social dominante.

Esse padrão dominante tem outras características: como na generalidade dos sítios com localização costeira e fortes tradições balneares, vive-se num território ultra urbanizado, com um modelo urbano que se vai repetindo ao longo da costa com formas diversas mas com estruturas e funções muito semelhantes: praia, hotéis, centro comercial, mais lojas, cafés. Com ligeiras variações ao longo dos 3 quilómetros da praia de Waikiki, foi por aqui que me entretive à beira mar, mais interessado nas águas mornas do Pacífico do que nas multidões turísticas na sua voragem consumista.

Os preços, aliás, não enganam: o custo do alojamento, o dos cafés e restaurantes, o das lojas e até o dos supermercados estão muitíssimo acima daquilo que é o meu padrão quotidiano. As mais destacadas marcas do universo da moda contemporânea têm também aqui as suas lojas e assinalam um certo padrão de consumo ao qual não é fácil escapar: pode não se comprar roupa nestes estabelecimentos mas em algum sítio se terá que comer, por preços altos ou muito altos, mas nunca por menos que isso.

Há, no entanto, um pormenor que é semelhante ao do comércio, restauração e hotelaria em outras destinos turísticos com características estivais semelhantes, mesmo que tenham menos prestígio e gabarito internacional (como seja, por exemplo, o Algarve): em quase todas as lojas, restaurantes, hotéis e centros comerciais se encontram anúncios a anunciar postos de trabalho disponíveis. Conclui-se facilmente que têm dificuldades, estes diligentes empresários, em encontrar pessoas para trabalhar.

Não havendo especiais notícias sobre escassez de população e de mão-de-obra no Havai e tratando-se de uma área comercialmente tão atractiva e dinâmica, surpreende esta generalizada procura de pessoas para trabalhar, que percorre quer os estabelecimentos mais luxuosos, quer os de gama média que por ali se encontram. Ocorre então perguntar, como se estivéssemos em Portugal: então e se pagassem salários decentes?

Ficamos sem saber, naturalmente, o que aconteceria nessa economia da decência: sabemos é que aqueles empregos, com os salários que se praticam, são manifestamente desinteressantes para a população local. Não é um problema de subsídio-dependência ou de preferência por um qualquer rendimento mínimo garantido: é a rejeição possível do trabalho sem condições que se vai oferecendo, sabendo-se que há sempre alguém que o vai aceitar – é a chantagem sistemática da ameaça do desemprego e não uma qualquer forma de dependência de parcos subsídios.

Basta passear pelas ruas mais próximas da famigerada praia de Waikiki, abarrotada de fregueses com generosas carteiras e magníficos cartões de crédito, para se ver que as soluções que se encontram para os postos de trabalho necessário são as mesmas que se encontram – e que na realidade se procuram cada vez mais – em Portugal e noutras paragens: pessoas imigrantes, neste caso do sudoeste asiático, para quem os parcos salários recusados pela juventude norte-americana constituem generosa compensação que não encontrariam nos lugares de onde partiram. Vivem certamente mal, longe da praia e do conforto da massa de turistas que abarrota os hotéis e os espaços públicos – mas ainda assim é uma vida melhor do que a que tinham antes.

É também disto que se vai fazendo a globalização: circulam os capitais por circuitos mais ou menos opacos para se valorizarem em mercados especulativos diversos; recusam-se salários decentes; explora-se a miséria de quem procura vida melhor onde for possível; acumulam-se riquezas cada vez maiores em cada vez menos pessoas.

Podem até as ruas sugerir um certo ar de prosperidade e modernidade mas basta olhar para quem trabalha para se verificar a habitual e ancestral brutalidade da exploração. São negócios facilmente desmascarados.

8 Jul 2022

Turismo | Trip.com quer levar turistas de ‘alta gama’ para Portugal

O gigante de viagens chinês espera que a pandemia esteja mais controlada em 2022, com cerca de 90 por cento da população chinesa vacinada, para atacar o mercado europeu e investir em Portugal

 

A directora executiva da Trip.com Group, uma das maiores agências de viagens do mundo, afirmou à Lusa que assim que a pandemia estabilizar pretende enviar ‘clientes de alta gama’ para Portugal e que tenciona investir no país.
“Estamos muito avançados na preparação da recuperação [da pandemia] para enviar clientes para a Europa e Portugal” disse Jane Jie Sun, em entrevista à Lusa à margem de um evento realizado em Macau.

A responsável do grupo proprietário de empresas de viagens online como a Skyscanner, Trip.com, MakeMyTrip, Qunar, Ctrip.com, entre outras, explicou ainda que “a maioria dos países europeus quer muito atrair turistas chineses porque o poder de compra é muito forte”.

Apesar de toda esta confiança, existe um entrave que está a atrasar a chegada de visitantes chineses à Europa: as quarentenas no regresso a ‘casa’.

A China permanece praticamente isolada na política de casos zero covid-19 e impõe fortes restrições fronteiriças e elevadas quarentenas a quem queira regressar ao país.

Ainda assim, Jane Jie Sun mostrou-se relativamente confiante de que esta situação poderá ser alterada em 2022, mas que “tudo depende do controlo do vírus”.

“Se conseguirmos [China] chegar ou ultrapassar 85 por cento ou 90 por cento [de vacinados], se a terceira dose for eficaz e se a taxa de mortalidade estiver sob controlo, há possibilidades”, frisou.

Até lá, garantiu, a empresa tem uma equipa de pesquisa a explorar locais e ‘resorts’ para a chegada de clientes da China.

“A Europa tem muitas boutiques hotéis e resorts lindos e nós queremos garantir que todos estes hotéis e resorts estejam disponíveis aos nossos clientes na China”, sublinhou.

Em campanha

Em Portugal essa pesquisa também está a ser feita, e quando questionada pela Lusa sobre se o grupo estava a pensar investir em Portugal, a resposta foi pronta: ‘Claro’.

A prova deste compromisso por parte do grupo com Portugal ficou patente com o lançamento, este mês, de uma campanha conjunta com Turismo de Portugal.

Em resposta à Lusa, o Turismo de Portugal explicou que a campanha “vocacionada inteiramente para o segmento digital, em particular para os dispositivos móveis” tem como foco “essencialmente para ‘millennials’ e ‘genZ’ chineses e, geograficamente, privilegiando as principais cidades chinesas emissoras de turistas, nomeadamente Pequim, Xangai, Cantão, Chengdu, Chongqing, entre outras”.

O objectivo, detalhou o Turismo de Portugal, passa por “manter Portugal como ‘top of mind’ dos consumidores chineses para quando as viagens forem possíveis novamente”.

Segundo dados oficiais disponibilizados à Lusa, “em 2020, fruto do contexto pandémico, a China foi o 13.º maior mercado externo em hóspedes e o 17.º em dormidas para Portugal, com quotas de, respectivamente, 1,5 por cento e 0,8 por cento.

“Em relação às receitas turísticas, a China ocupou o 18.º lugar com 57,8 milhões de euros, que representaram 0,7 por cento face ao total e um decréscimo, face a 2019, de 74,3 por cento”, acrescentaram.

Enquanto se espera que a pandemia esteja controlada, a aposta da empresa tem sido o turismo doméstico na China continental e Macau.

As reservas de hotéis domésticos e de bilhetes de avião na China continental registaram um crescimento de dois dígitos no segundo trimestre de 2021 em comparação com o mesmo período em 2019, lê-se num comunicado da empresa.

“No Trip.com, do Grupo Trip.com, as reservas globais de hotéis domésticos aumentaram mais de 160 por cento no terceiro trimestre de 2021 em comparação com o terceiro trimestre de 2019”, acrescentou o grupo.

13 Dez 2021

A arte de viajar sem sair do lugar

Roda de amigos, conversa mansa e sem destino como é sempre a melhor conversa. Alguém que diz, falando dos tempos que correm: “O que sinto mais falta é de viajar”.

Curioso, pensei e disse na altura, repetindo agora para supremo benefício do leitor benévolo. A mim não me faz falta nenhuma. Na verdade, nunca fui grande adepto de viagens e mesmo que fosse atraído por algum romantismo inerente ao viajante profissional isso estaria destruído pela burocracia sanitária que nesta altura nos infligem. Pode parecer triste para alguns ou até mesmo algo cínico e limitado – e isto garanto que na altura não terei dito – mas a verdade é que a noção de descobrir povos, lugares e costumes tendo de me deslocar nunca me foi atraente.

Para minha magra defesa sempre direi que tive a sorte de viajar e conhecer algum mundo e na devida altura. Aprendi, como sempre se aprende, com a diferença ou as semelhanças inesperadas. Em alguns lugares, como a minha amada Irlanda, terei sido “feliz”, para usar uma formulação utilitária. Mas mesmo assim. Ao procurar razões para este sedentarismo convicto deparei-me sem surpresas com o passar do tempo: as coisas perdem novidade, o entusiasmo decresce, o tédio avança e o gosto pelo familiar domina naturalmente à vontade. Para o nómada voluntário e ansioso de se misturar com outras “culturas”, isto seria desastroso e compreendo. Para quem sempre esteve e está habituado a viajar sem sair do lugar é apenas um transtorno menor e quase bem-vindo.

Explico, sob o risco assumido de parecer pretensioso: gosto de viajar nos livros. Em pequeno, ao colo de Stevenson, Verne ou Salgari. Fui a todo o lado sem sair da sala – de resto como o próprio criador de Sandokan ou Corsário Negro, que sempre terá visto a Malásia ou o mar das Caraíbas sem a maçada de se ter de levantar da secretária.

Depois, mais tarde, a descoberta de um género literário pouco ou nada cultivado por estas bandas: a literatura de viagens. Como em tanta coisa, a cultura anglo-saxónica tratou de mostrar o caminho. E o caminho é este espelho, às vezes distorcido, que nos devolve o outro, a sua cumplicidade ou estranheza. Por exemplo, os relatos dos ingleses em Portugal durante os séculos XVIII e XIX sempre me fascinaram. E não falo das hipérboles sintrenses de Beckford ou Byron. No magnífico Retratos de Portugal – Sociedade e Costumes, escrito pelo capitão de infantaria escocês Arthur William Costigan entre 1778 e 1779 e que é uma recolha das cartas dirigidas ao irmão encontramos uma descrição notável e obviamente parcial do Portugal daquele tempo. Gosto muito de uma carta em particular em que o oficial se encontra em Faro na companhia de um adido militar britânico e um jovem padre português. Falam da biblioteca do Vice-Rei dos Algarves e o adido nota a escassez de livros interessantes, com a excepção de dois ou três sobre estratégia militar e uma Bíblia. Depois isto, que cito: “À palavra Bíblia, pronunciada pelo senhor Bagot, o jovem padre mostrou grande desejo de a ler, dizendo tratar-se de um livro que nunca lhe chegara às mãos”.

Portugal, país de viajantes por necessidade, engenho e terna cupidez, também tem os seus relatos. Mas o género, infelizmente, nunca se consagrou como no Reino Unido ou, de forma mais discreta mas nem por isso menos interessante, noutros países. Embarco de memória nos extraordinários livros de Peter Fleming (o irmão mais velho de Ian, o do James Bond, mas igualmente um sucesso editorial) ou abandono-me ao extraordinário On A Chinese Screen, livro de viagens de Somerset Maugham com capítulos quase impressionistas mas em que se consegue perceber a génese dos seus melhores contos. Aqui mesmo ao meu lado espera-me a primeira edição (1946) de When The Going Was Good, do meu ídolo Evelyn Waugh. Escrito entre 1929 e 1936 é uma jóia de humor, snobeira e descrição. Não resisto à citação de algumas linhas no original, escritas em Addis Abbeba na véspera da invasão de Mussolini e perfeitas na fotografia dos personagens: “ There was an American who claimed to be a French viscount and represented a league, founded in Monte Carlo, for the provision of an Ethiopian Disperata Squadron for the bombardment of Assab. There was a completely unambiguous British adventurer, who claimed to have been one of Al Capone’s bodyguard and wanted a job; and an ex-officer of the R.A.F. who started to live in some style with a pair of horses, a bull terrier and a cavalry moustache – he wanted a job too.”

Que galeria, que de matéria literária e de sonhos! Mesmo leituras de viagem que nos dão conta de sombras mais negras são necessárias: recomendo vivamente o que ando a ler de forma voraz: Travellers In The Third Reich, de Julia Boyd (2017). A autora serve-se de cartas e testemunhos de turistas, diplomatas, celebridades e anónimos locais para traçar um retrato assustador e ao mesmo tempo cândido dos anos de ascensão do nazismo – onde o visitante, no limite, apenas poderia suspeitar o que se iria passar. Por outro lado, através dos testemunhos dos alemães pós- Tratado de Versalhes compreendemos como medrou depressa e de forma horrenda o terror subsequente.

Ah, viajar, viajar. Pois sim. Destinos exóticos? Trocava-os todos por um bilhete de regresso à Irlanda ou aos Açores, o único lugar que realmente desejo conhecer. Até lá fico-me bem com estas palavras-espelhos. Que as cultivem, que não me sejam negadas, para bem da minha preguiça e necessidade de viagens inesquecíveis.

25 Jun 2021

Covid-19 | China apela a trabalhadores que não viajem durante Ano Novo Lunar

O Governo chinês está a encorajar dezenas de milhões de trabalhadores migrantes a não regressarem à terra natal durante as férias do Ano Novo Lunar, a principal festa das famílias chinesas, para evitar a propagação do novo coronavírus.

A medida da Comissão Nacional de Saúde, conhecida ontem, não é uma proibição formal de viajar, mas constitui uma recomendação excecional, na única época do ano em que milhões de trabalhadores migrantes podem estar com as suas famílias.

A comissão disse que está a encorajar os governos provinciais a persuadirem os trabalhadores a seguirem aquela sugestão. A mesma fonte apontou que os trabalhadores que ficarem nos locais onde trabalham devem receber pagamento extra e tirar férias noutra altura.

A ausência de um bloqueio nas vésperas do Ano Novo Lunar do ano em curso foi responsável pela propagação do vírus por todo o país e, a seguir, por outras partes do mundo.

A China praticamente erradicou a transmissão local do coronavírus, mas as autoridades continuam em alerta máximo, face a um possível ressurgimento. As escolas já estão programadas para começar as férias do Ano Novo Lunar uma semana antes e os turistas foram orientados a não se deslocarem até Pequim durante o feriado.

O novo coronavírus foi detectado pela primeira vez na cidade de Wuhan, no centro da China, no final do ano passado. Os números oficiais da China apontam para 4.634 mortes, entre 87.027 casos confirmados de covid-19 no país.

“Os governos locais devem intensificar os esforços para encorajarem empresas e instituições a (…) orientarem os trabalhadores a tirarem férias nos seus locais de trabalho apenas dentro do possível”, disse a comissão, em comunicado.

A semana do Ano Novo Lunar é tradicionalmente a época em que as famílias se reúnem para refeições e visitas a templos e mercados. Milhões de chineses regressam à terra natal, na maior migração interna do planeta, em longas viagens de comboio, avião ou autocarro. Milhões de chineses de classe média também aproveitam a ocasião para viajar em lazer.

A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.791.033 mortos resultantes de mais de 81,9 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

31 Dez 2020

Viagens por Macau

[dropcap]A[/dropcap] melancolia das manhãs, manhãs de agonia, levam-me habitualmente a fazer “viagens” – “viajar é um exercício de tentar perder-se de si, um dos caminhos mais rápidos em direcção a nós mesmos” – a um lugar chamado Macau, lugar de pertença – retomar caminhos, com um outro olhar (o olhar escolhe, os olhos vêem), uma nova percepção -, o voltar ao território de exílio, o buscar do desconhecido conhecido, espaço de saudade e contemplação do lugar… a cidade abandonada.

Nos últimos anos, muita coisa mudou – demografia, arquitectura, trânsito, poluição, clima, ambiente, usos e costumes -, Macau tornou-se um laboratório de ansiedade.
Gosto do convívio da noite, de estar só – nasce um desespero ingénuo -, surgem ideias, daí palavras, formam-se esboços de frases – nasce o texto!

As rotinas são terríveis – matam o pensamento -, fazem-nos perder a inquietação, a dúvida, necessárias à mudança.

A imaginação é essencial para se desfrutar de um lugar como Macau, onde os pormenores em que a vista atenta não são o que parecem, mas antes outros tantos pontos de referência para todo um sistema secreto de mundos sobrepostos mas espantosamente divergentes na complicada vida da cidade.

Foram alguns velhos resistentes – uma velha guarda já desaparecida –, e não outros, que me ajudaram e me iniciaram a perceber a maneira como eu próprio podia estabelecer uma relação com o espírito da cidade. Hoje em dia ocupo-me – comigo eu entendo-me -, a tentar determinar a relação ente Macau e eu próprio – é vida!

A memória – “memorizar é restaurar a intimidade” – não abandona as suas imagens tão prontamente, as minhas estão inextricavelmente associadas aos seus sabores, odores, cores e sons.
“A desistência é uma revelação”, já o constatava Clarice Lispector. Reprimem-nos, mas não nos roubam as almas, transformam-nos, mas não nos mudam a identidade, subjugam-nos, mas não nos tiram o pensamento.

Já sabemos calcular a vida – o que a vida custa – sacrifícios, doenças, a morte; pensamos, agimos, mas como existe um hiato entre cérebro e coração – amor e compaixão -, adiamos resoluções. Nascer é um começo, o resto é discutível.

A vida – assim como a cidade – não segue uma coerência narrativa.
Macau ainda é uma cidade catita, atraente, sóbria. Não é desmantelada por defeito, somente desleixada, suja – já foi pior -, um pouco desbotada, enferrujada.

Tem uma certa unidade decrépita no estilo e concepção arquitectónica, tanto tem uma concordância, como uma colisão de conceitos ocidentais e orientais de proporções e formas – possui uma história social e humana. – essa é a verdadeira essência da cidade.

Macau é uma cidade desnorteada, impreparada, vive deslocada da realidade presente e o seu sentido de colectivo e confiança está em erosão de pensamentos e ideias – tudo o que é solução é inaplicável e tudo o que é aplicável não é solução.

Deambulemos (pensamentos), pela cidade – “é obrigatório ter outros em face” -, sem restrições nem representações.
Os habitantes dos bairros periféricos – “as periferias são a parte mais importante das cidades. São fábricas de desejos e sonhos”, na opinião do arquitecto italiano Renzo Piano -, Iao Hon, Patane, Tagmanini Barbosa, Ilha Verde vivem num silêncio contido. A alma deles é generosa, vivem domesticados, são classes assistidas, têm consciência da asfixia social em que vivem, mas vivem longe da praça, do palácio, do governo, mas existem!

Em contexto social de bairro, a sua solidariedade é grande, já que há “um movimento intrínseco de inserção e um propósito social de inclusão”, que no seu conjunto exprimem a ideia cívica de união, aquilo a que Tomás de Aquino chamava “amizade civil”.

São pessoas – lê-se-lhes nos seus rostos, não são precisas palavras – que desejam uma sociedade em que mulheres e homens pudessem ser livres. E para serem livres bastar-lhes-ia ter uma vida digna e decente, com um conteúdo económico e social, gostariam de ter uma independência ética. Do programa faz parte a gramática social… não a gramática teórica.

O rio das Pérolas lá no fundo, continua a representar o trânsito do desejo e da aventura, daí as noites continuarem a ser uma mera continuação do dia – existimos logo vivemos!

7 Mai 2020

Bancarrota em tempos de sucesso

[dropcap]D[/dropcap]urante quase dois séculos ofereceu viagens e férias a milhões de pessoas, de todo o mundo para todo o mundo, alimentando sonhos e fantasias, contribuindo para negócios e diplomacias internacionais, inaugurando modelos empresariais e de exploração de mercados. A empresa de origem britânica Thomas Cook, pioneira global em mercados turísticos que mal existiam, resistiu a duas guerras mundiais, dezenas de conflitos bélicos nacionais ou internacionais, epidemias graves, impactos de atentados terroristas e outras crises de maior ou menor dimensão ao longo de 180 anos. Veio a morrer – ou a declarar bancarrota, que é mais ou menos o mesmo – em pleno apogeu mundial da actividade turística, da economia do lazer e do hedonismo (pelo menos para uma parte da população), quando nunca se viajou tanto e para tantos sítios e quando os aviões em permanente circulação ultrapassam largamente o que seria imaginável pelos autores de ficção científica quando em 1841 se criou a Thomas Cook & Son, primeiro para organizar viagens de comboio no interior de Inglaterra, 15 anos depois para promover as primeiras viagens organizadas na Europa e outros dez anos volvidos iniciando processo semelhante nos Estados Unidos.

O Grupo Thomas Cook que agora anunciou bancarrota é o resultado da fusão entre a Thomas Cook AG (a sucessora da pioneira Thomas Cook & Son) e da MyTravel Group, que ocorreu em 2007 e havia de deixar sequelas, segundo os analistas da especialidade. Este grupo era o maior operador turístico do mundo e além de reservas de viagens e “pacotes” turísticos – incluindo os diversos serviços inerentes às deslocações de negócios ou lazer – era proprietário das suas próprias cadeias hoteleiras em todos os continentes e de sete companhias de aviação com 117 aviões ao seu serviço. A propriedade do capital social da empresa deixou entretanto de estar maioritariamente em Inglaterra, deslocando-se gradualmente para a Alemanha (sobretudo), a China ou até Portugal (a Fidelidade – tal como o grupo chinês Fosun, proprietário da seguradora – faziam parte da estrutura accionista da Thomas Cook aquando da falência). O grupo empregava cerca de 21.000 pessoas em 16 países, abruptamente atiradas para o desemprego.

Os impactos serão muito maiores, no entanto, que uma empresa desta planetária dimensão arrasta muito com a sua queda: companhias aéreas que venderam massivamente lugares a clientes da empresa falida, hotéis cuja ocupação pode depender em mais de 60% dos clientes desta operadora, pequenos prestadores de serviços de restauração, visitas guiadas, animação, entretenimento, aventura, desporto, enfim, toda a panóplia de variados serviços que hoje pode compor pacotes turísticos e de viagens que procuram responder às necessidades diversas de variadíssimos tipos de consumidores. Segundo a imprensa, a Thomas Cook deixa uma dívida de cerca de 380 milhões de euros só a hotéis, com alguns notáveis casos individuais, como o de um hotel mexicano que reclama 3 milhões de euros. Em algumas ilhas gregas, cerca de 40% dos turistas chegam através da Thomas Cook. Em Espanha fala-se no possível encerramento de 500 hotéis, com especial impacto nas Canárias e Baleares. Para agravar a situação, a empresa opera segundo um modelo em que os pagamentos são feitos 3 meses após a utilização dos serviços. Ou seja, declarando a bancarrota no final de Setembro, a Thomas Cook recebeu todos os pagamentos feitos pelos seus clientes pelas reservas mas não pagou qualquer serviço prestado durante toda a época alta do turismo de Verão no hemisfério norte.

Com estas e outras criativas habilidades, foram-se protegendo os rendimentos dos altos dirigentes da empresa. É verdade que mais de vinte mil trabalhadores ficaram sem emprego e que os impactos económicos sobre outras empresas – com as suas implicações sociais – demorarão anos a estimar devidamente: não são só estabelecimentos concretos que dependem em larga escala deste tipo de grande operador, mas regiões e territórios que têm semelhante dependência.

Muitos casos se arrastarão por tribunais de todo o mundo nos próximos anos, certamente. E muitos terão sido os erros de gestão cometidos ao longo da última década, pelo menos, dizem os analistas. Mas nem por isso deixaram os altos gestores da empresa de auferir generosos rendimentos: Peter Fankhauser, o suíço que presidia a companhia na altura da bancarrota, recebeu 9,5 milhões de euros desde 2014, incluindo mais de 5 milhões como prémio pelo seu magnífico desempenho! Harriet Green tinha ganho 10 milhões entre 2012 e 2014. E mesmo Manny Fontenla-Novoa, que presidiu a empresa entre 2007 e 2011 e contribuiu para uma quebra histórica do seu valor em bolsa, arrecadou pessoalmente quase 19 milhões de euros (o que de resto levou a empresa a rever em baixa os pagamentos de prémios a gestores executivos).

Várias causas são apontadas para este fiasco em tempos de grandioso sucesso das empresas turísticas e algumas delas são comuns nas análises dos especialistas. A digitalização e decorrente autonomia dos consumidores que permite a personalização de viagens e a contratualização directa de serviços, dispensando intermediários, será certamente uma delas mas não poderá ser a única. Na realidade, o grupo de origem alemã TUI – o único concorrente com a dimensão da Thomas Cook e agora com uma posição largamente hegemónica no mercado global – sobreviveu sem grandes sobressaltos a esta transição. Não é o caso da Thomas Cook, que em tempos de digitalização de serviços expandiu largamente a sua rede de estabelecimentos físicos ao adquirir uma empresa concorrente – o que implicou investimento na aquisição da outra empresa e depois despesas no despedimentos dos trabalhadores em excesso, totalizando mais de 100 milhões de euros. Viria depois a contratar uma equipa especializada para promover a reconversão das tecnologias digitais da empresa (liderada pela então presidente, que agora trabalha para a IBM), o que acabaria por se revelar mais um investimento milionário falhado. E depois o Brexit e a desvalorização da libra: receber adiantado dos clientes e pagar três meses depois do consumo dos serviços pode ser um excelente negócio mas também pode ser um desastre, caso aconteça uma desvalorização drástica da moeda, como foi o caso. De resto, como o explicou Peter Fankhauser, o presidente da empresa, já após o anúncio da bancarrota, “não fizemos nada mal”. Deve ser isso.

4 Out 2019

Quando lá fora

[dropcap]O[/dropcap]s meus amigos são lestos a gabar-me a sorte que tenho em viajar por obrigações profissionais. Tento evitar mostrar-lhes que a coisa não é nem pouco mais ou menos tão divertida como parece. Ou glamorosa. São normalmente noites mal dormidas em hotéis a que se seguem pequenos encontros em livrarias, monólogos com estudantes ou passagens fugazes por feiras de livros. “Ah, mas o pequeno-almoço deve ser óptimo.” Nunca perceberei a fixação da maior parte das pessoas pelos pequenos-almoços de hotel.

Normalmente, é fazer quase as mesmas coisas longe de casa e dos amigos. Sim, a paisagem muda. Infelizmente, não disponho de órgãos sensíveis à beleza da paisagem, seja esta urbana ou rural. As grandes catedrais góticas da europa central não me comovem, o Sena não me emociona; a única coisa que de facto me estimula é a possibilidade – ao contrário dos pequenos-almoços continentais de hotel, todos eles muito semelhantes – de comer coisas diferentes. Até nos países onde a gastronomia não faz inveja a ninguém se descobre um restaurante chinês ou paquistanês digno de deixar memórias.

De vez em quando acontece de facto algo de novo. A última vez que me aconteceu foi na Holanda, numa daquelas cidades de nome dificilmente pronunciáveis. Estava hospedado num hostel simpático e regressava da apresentação de uma antologia de diversos autores europeus em diversas línguas onde eu estava incluído com um conto. Uma coisa moderadamente divertida e muito bem organizada cujo alcance, infelizmente, não ultrapassaria os limites da pequena sala onde teve lugar. A literatura contemporânea e a sua inexorável produção tornaram um céu pintalgado de luz num insuportável e incessante festival de pirotecnia onde se sucedem, incapazes de gerar atenção, todo o tipo de livros. A distracção gera indiferença. No melhor dos cenários, somos apenas tangentes.

Chegado ao quarto depois de meia dúzia de cervejas, tentei dormir. Não durmo bem nos hotéis. Ao contrário das muitas pessoas que deliram com lençóis lavados de frescos, duros e a cheira a goma, gosto da minha cama e da minha roupa de cama, de preferência um dia depois de a ter mudado.

Acordei cerca das nove horas da manhã a pensar no check out. Quando rodei sobre mim próprio, ainda na cama, dei de caras com um latagão desconhecido com pelo menos dois metros de altura. Tinha a recordação nítida de aquele corpo não estar ali quando finalmente me deixei dormir. Ergui ligeiramente o edredão. Ele estava inteiramente vestido e calçado. Não o quis acordar – ia dizer-lhe o quê? “Olá, muito gosto em conhecer-te.” E em que língua?

Levantei-me, vesti-me de fininho e sai do quarto. Na recepção, quando me perguntaram se a estadia fora do meu agrado e se tinha alguma sugestão a fazer, lembrei-me de lhes aconselhar uma sinalização mais eficaz dos quartos ou mesmo fecharem o bar do hostel mais cedo, mas apenas sorri e agradeci.

Já no avião, assaltou-me uma dúvida: e se o tipo estava morto quando acordei? Tomar-lhe o pulso para o medir não foi de facto o meu primeiro impulso. E se tenho a polícia à minha espera no aeroporto da Portela? “Senhor Romão, o nome Dirk Oomen diz-lhe alguma coisa?” Nesse dia e já em casa, não me foi fácil dormir. Devia ter-me apresentado ao senhor.

20 Set 2019

Lamno -A vila de pescadores esquecida*

[dropcap]M[/dropcap]acaense é símbolo do intercâmbio cultural entre o oriente e o ocidente, e o mesmo acontece no noroeste de Sumatra, na Indonésia, a duzentos quilómetros de Banda Aceh, numa remota vila de pescadores no vasto Oceano Índico, Lamno. Além de ser um local de excelência mundial na produção de lagosta, Lamno destaca-se pela singular existência de um grupo étnico misto de portugueses e indonésios. Os rostos típicos do Sudeste Asiático convivem com um par de olhos azuis cristalinos e de cabelos loiros. Esta aparência especial, que parece expor tranquilamente o seu passado histórico, atraiu também a atenção da imprensa estrangeira.
Infelizmente, Lamno ainda hoje é uma vila desconhecida.

Devido à sua localização, Lamno sempre teve relações com a China desde os tempos antigos e durante o grande período de navegação dos europeus dos séculos XV a XVII. Antes dos portugueses chegarem na procura de especiarias e na ânsia de espalhar a religião católica, o imperador da dinastia Yuan já tinha enviado mensageiros ao local, em 1284. No entanto, existem duas formas para tentar explicar o aparecimento do grupo mestiço português-indonésio local. A primeira é a de que muitos dos marinheiros da frota portuguesa que chegaram à vila optaram por lá ficar tendo muitos deles casado com as mulheres locais. Mas, de acordo com um comunicado oficial, quando os navios portugueses atravessaram a área marítima de Banda Aceh, foram capturados pelo Sultanato de Aceh. Naquela época, os marinheiros portugueses estavam misturados com a tripulação da Andaluzia, Espanha. A Andaluzia é a última dinastia islâmica do território espanhol, “Nasrite”. Devido à semelhança da religião dos dois povos, a tripulação e os habitantes locais facilmente se integraram, e o Jaya Sultan também os ajudou a estabelecer o sultanato “Lamno”. Esta pode ser uma segunda explicação para o surgimento desta mistura peculiar.

A minha viagem para Lamno foi bastante complicada. O avião teve de fazer duas paragens desde Hong Kong até chegar Banda Aceh, e precisei também de contratar um motorista e de alugar um carro no dia seguinte. Devido à falta de alojamento em Lamno, a viagem de ida e volta até Banda Aceh tem que ser feita no próprio dia. Embora estivesse sozinho, a jornada foi tranquila. Felizmente, o motorista que contratei era da organização de socorro às vítimas do tsunami da ONU e nasceu em Lamno.

De Banda Aceh para Lamno, o carro percorreu uma estrada costeira, passando por campos verdejantes, praias lindas e selvagens. O pequeno carro subiu as sinuosas estradas da montanha onde a beira da estrada era coberta de floresta tropical. Durante esta viagem, o cenário ecológico original dos penhascos perto da beira da estrada, era assombroso e mostrava-me o infinito. O Oceano Índico estendia-se diante dos meus olhos.

À tarde, chegámos a um vasto campo, onde se localiza a vila de Lamno. Ao passear no pequeno mercado da aldeia, pude observar vários edifícios com o estilo arquitectónico do sul da Europa e islâmico, que revelavam assim as características culturais locais. O motorista e os aldeões levaram-me para uma casa de madeira onde se sentavam à porta duas mulheres tímidas de meia- idade. Após as apresentações, vim a saber que o marido de uma delas era um homem mestiço luso-indonésio da quarta geração e que a sua filha possui cabelos loiros. O balanço geral da minha jornada foi muito bom, mas fiquei um pouco desiludido por não conhecer pessoalmente estas duas pessoas, que estavam a trabalhar e a estudar noutra ilha.

No entanto, esta viagem encheu-me de satisfação e deu-me a conhecer a vila de “Lamno” registada nos dados históricos chineses, portugueses, ingleses e indonésios.

 

Ritchie Lek Chi, Chan
*Artigo publicado no Macao Daily Newspaper em 14 de Novembro de 2018

 

18 Mar 2019

China espera quase 3.000 milhões de viagens durante o Ano Novo Lunar

[dropcap]A[/dropcap] China vive a partir da próxima semana a maior migração interna do planeta, com uma previsão de 2.990 milhões de viagens, ao longo dos 40 dias antes e após o Ano Novo Lunar.

Por estrada ou por mar, de avião ou de comboio, milhões de chineses rumam à sua terra natal para festejar a passagem do Ano Lunar, a principal festa das famílias chinesas, equivalente ao natal nos países ocidentais.
Entre 21 de Janeiro e 1 de Março, o país conta registar quase 3.000 milhões de deslocações internas, um aumento homólogo de 0,6 por cento, anunciou o vice-director da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, Lian Weiliang, citado pela agência noticiosa oficial Xinhua.

Durante este período, o país terá em funcionamento cerca de 4.800 comboios, entre os quais 3.500 em linhas de alta velocidade, um aumento de 17 por cento, face ao ano anterior, reflectindo a rápida expansão da malha ferroviária de alta velocidade do país, que compõe já dois terços do total do mundo.

O número de voos aumentará 10 por cento, com cerca de 532.000 travessias aéreas programadas durantes os quarenta dias.

Citado pela Xinhua, Lian Weiliang explicou que os viajantes contarão com a ajuda de 230.000 voluntários, durante o pico das viagens.

Dias de festa

O feriado do Ano Novo Lunar começa este ano a 4 de Fevereiro, sob o signo do porco, um dos doze animais do milenar zodíaco chinês.

Todas as escolas, do ensino primário ao superior, fecham durante um mês. Para muitos trabalhadores, as folgas e feriados concedidos nesta quadra pelo Governo e as empresas constituem as únicas férias do ano.
É por isso também a única altura em que muitos das centenas de milhões de trabalhadores migrantes empregados nas prósperas cidades do litoral chinês regressam a casa e revêem os filhos.

Na China, e em todas as ‘chinatown’ espalhadas pelo mundo, os edifícios são engalanados com lanternas vermelhas, enquanto nas ruas se lançam petardos e fogo-de-artifício para “afugentar os maus espíritos’.
Com quase 1.400 milhões de habitantes, a China é o país mais populoso do mundo.

21 Jan 2019

“Viagem Oriental” a partir de hoje no Jardim de Lou Lim Iok

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição fotográfica “Viagem Oriental”, organizada pela realizadora de origem goesa Nalini Elvino de Sousa, regressa a Macau pelas mãos da Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa.

A mostra, que abre hoje ao público, tem inauguração oficial marcada para o próximo dia 14, no Pavilhão Chun Chou Tong do Jardim de Lou Lim Iok, e fica patente até ao dia 18.

Para a exposição foram seleccionadas 20 fotografias do livro homónimo, apresentado em 2016 na Escola Portuguesa de Macau, que faz um levantamento de peças decorativas e de colecção oriundas de Macau e que ainda hoje habitam as casas senhoriais goesas. “Estes objectos ajudam a divulgar a herança dos séculos de intenso intercâmbio cultural e comercial entre as duas regiões e a exposição serve de mote a uma palestra com Nalini Elvino de Sousa”, refere a organização em comunicado.

A conversa sobre as ligações entre Goa e Macau, sobre o que uniu as duas regiões e as novas pontes que poderão ser criadas, decorre dia 14, data escolhida também para a inauguração da exposição fotográfica. A cerimónia oficial está marcada para as 16 horas, enquanto a tertúlia decorre entre as 17 e as 19 horas.

Recordações distantes

O livro, e consequente exposição, tiveram origem numa competição de fotografia, através da qual se seguiram os vestígios já ténues dos vasos de porcelana, dos potes azuis, das figuras chinesas, dos serviços de chá guardados nas prateleiras dos enormes armários, normalmente com um lugar de destaque nas casas senhoriais de Goa. As imagens que vão estar expostas em Macau foram tiradas dentro dessas casas, cujos proprietários aceitaram abrir as suas portas ao concurso fotográfico.

Ainda no âmbito da vinda de Nalini Elvino de Sousa até Macau, será organizado um workshop de dança “Vauraddi Xetkamti”, na qual se utilizam cascas de coco como instrumento ritmico. Esta dança está intimamente ligada aos kunbis, gente que se dedica ao trabalho agrícola, cultivando várzeas e subindo coqueiros. A iniciativa vai ter lugar nos dias 17 e 18 de Outubro, no exterior do  Pavilhão Chun Chou Tong do Jardim de Lou Lim Iok, às 17.45h e desdobra-se em duas sessões de 60 minutos cada para um máximo de 20 participantes por aula.

De origem goesa, Nalini Elvino de Sousa nasceu em Lisboa e mudou para Goa onde vive há 19 anos. Realizou, apresentou e produziu mais de 100 documentários para a série “Contacto Goa” que foram transmitidos na RTPi e RTP Africa. É, actualmente, responsável pelo programa “Hora dos Portugueses” na Índia, transmitido na RTPi e RTP1. Produz ainda curtas-metragens e outros documentários através da sua produtora Lotus Film & TV Production.

Nalini Sousa dirige igualmente a ONG Communicare Trust que ensina a comunicar em diversas línguas, incluindo a portuguesa, e organiza eventos relacionados.

9 Out 2018

Fotografia | Exposição “Viagem Oriental” patente ao público em Outubro

 

A associação “Somos!” lançou ontem uma página de internet que cruza informação e cultura de países de língua portuguesa. Em Outubro, durante o mês da lusofonia, a “Somos!” promove uma exposição de fotografia da goesa Nalini Elvino de Sousa, que retrata os objectos típicos de Macau que decoram casas senhoriais de Goa

 

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]iagem Oriental” é o nome da exposição de fotografia da jornalista e produtora goesa Nalini Elvino de Sousa que vai estar patente, de 9 a 18 de Outubro, no Pavilhão Chun Chon Tong do Jardim de Lou Lim Ioc.
O evento é promovido pela “Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa”, em parceria com o Núcleo de Animação Cultural de Goa, Damão e Diu.
A exposição é composta por um conjunto de 20 fotografias que também integram o livro homónimo, apresentado em 2016 na Escola Portuguesa de Macau.
O livro em questão resulta de um levantamento de peças decorativas e de colecção oriundas de Macau e que ainda hoje adornam algumas casas senhoriais em Goa. “Estes objectos ajudam a divulgar a herança dos séculos de intenso intercâmbio cultural e comercial entre as duas regiões e a exposição serve de mote a uma palestra com Nalini Elvino de Sousa”, lê-se na apresentação da iniciativa.
Tanto o livro como a exposição surgiram da participação de Nalini Elvino de Sousa numa competição e fotografia em que a autora explorou “os vestígios já ténues dos vasos de porcelana, dos potes azuis, das figurinhas chinesas, dos serviços de chá guardados nas prateleiras dos enormes armários, normalmente, com um lugar de destaque nas casas senhoriais de Goa”, refere a mesma fonte.
As fotografias captadas por Nalini Elvino Sousa são o resultado da hospitalidade dos proprietários que aceitaram abrir as portas de casa.
A par da mostra, a associação organiza uma palestra sobre as ligações entre Goa e Macau, “sobre o que uniu as duas regiões e as novas pontes que poderão ser criadas”.
A escolha de Nalini Elvino de Sousa como figura que apadrinha o início de actividades da associação não foi complicada. A jornalista goesa é uma das colaboradoras da organização e junta no seu trabalho aquilo que a “Somos!” quer transmitir: a partilha cultural entre pontos do mundo marcados pela presença e cultura portuguesas.
Também a data do evento não foi fruto do acaso. “A Nalini vem em Outubro, justamente no mês em que Macau tem vários eventos a decorrer ligados à lusofonia. Este é o nosso propósito, ser uma ligação entre os países de língua e cultura portuguesa com Macau e na China”, referiu a presidente da associação, Marta Pereira.
Ainda no âmbito da vinda de Nalini Elvino de Sousa a Macau, a “Somos!” organiza, na mesma altura um workshop de dança indiana – “Vauraddi Xetkamti”. Uma das particularidades deste estilo é o ritmo produzido por cascas de coco que marca o exotismo da coreografia. “Esta dança está intimamente ligada aos kunbis, gente que se dedica ao trabalho agrícola, sempre ao sol, cultivando as várzeas e subindo aos coqueiros”, lê-se na apresentação do evento.
A iniciativa desdobra-se em duas sessões de 60 minutos cada, para um máximo de 20 participantes por aula.

A autora

Nalini Elvino de Sousa é de origem goesa, nasceu em Lisboa e decidiu mudar-se para Goa, onde vive há 19 anos. De acordo com a organização, “os aspectos multiculturais que lhe são inerentes e o seu espírito positivo são visíveis em tudo o que faz. Dedica-se de corpo e alma a todos os projetos que estão ligados à educação e aos media”, refere.
Nalini Sousa realizou, apresentou e produziu mais de 100 documentários para a série “Contacto Goa”, transmitida na RTPi e RTP África. É, actualmente, responsável pelo programa “Hora dos Portugueses” na Índia, transmitido na RTPi e RTP1. Produz também curtas-metragens e outros documentários através da sua produtora Lotus Film & TV Production. Dirige, igualmente, a ONG Communicare Trust que ensina a comunicar em diversas línguas, incluindo a portuguesa.
A “Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa” foi criada recentemente com o objectivo de constituir um meio “que une os países de língua e cultura portuguesa à China, passando por Macau”, apontou Marta Pereira.
Não querendo levantar muito o véu, a “Somos!” tem mais actividades agendadas e, para já, avança a responsável, está na calha mais um evento dedicado à fotografia. Desta feita, trata-se de um concurso internacional aberto a participantes da Macau e de países de língua e cultura portuguesa. Ao longo dos meses de Novembro e Dezembro, quem estiver interessado em participar pode submeter os seus trabalhos para o concurso que se realiza antes do final do ano. Os trabalhos submetidos serão convertidos numa exposição que deverá ser inaugurada na primeira quinzena de Março de 2019.
Quanto ao lançamento da página de internet da “Somos!”, que aconteceu ontem, a dirigente associativa refere que “foi uma abertura ainda muito suave”. “É um trabalho muito moroso tendo em conta que trabalhamos com muitas pessoas: temos uma rede de colaboradores dos vários países de língua e cultura portuguesa e este site pretende ser a plataforma que nos une.”
“Com esta página, Angola pode não ser só conhecida como um país repressor, onde há questões políticas delicadas, mas também como um país que é muito mais do que isso. O mesmo se passa em relação a Macau que não é só o território do dinheiro, dos jogos e dos casinos. Macau tem toda uma história e uma cultura local para divulgar e é para isso que a “Somos!” existe”, rematou.

22 Ago 2018

O Verão há muito tempo

[dropcap style=’circle’] N [/dropcap] a minha infância, o Verão anunciava um horizonte inteiramente diferente daquele que vigorava no resto do ano. Era uma espécie de intervalo que redimia os meses de frio e de solidão em Clermont-Ferrand, França. O inverno em Clermont-Ferrand era sinónimo de frio e de neve. Ao contrário da imagem romântica que temos da neve – e num país como Portugal, só se pode ter uma imagem romântica – a época da neve não corresponde a parzinhos românticos dançando no gelo, felizes, em pleno Central Park, ou a bonecos alvos salpicados de vegetais fingindo narizes e olhos. Na maior parte do tempo em que neva, a vida quotidiana e a poluição encarregam-se de transformar as ruas num lamaçal castanho que toda a gente gostaria de evitar e não o consegue.

Eu tenho demasiados genes portugueses para a vida naquelas condições climatéricas. Para além de uma asma que acordava em Outubro para adormecer apenas em Maio, tinha amigdalites constantes no Inverno, período no qual a minha dieta se resumia a leite quente e antibióticos. O próprio acto de sair à rua, com temperaturas negativas e vestindo malhas sobre malhas, era um acontecimento para o qual tinha de me preparar psicologicamente. Os dias em que não tínhamos aulas eram, para mim, os mais felizes (e eu gostava de ter aulas).

Em Agosto, como a maior parte dos emigrantes, regressávamos a Portugal. Com o carro carregado de parafernália electrónica, queijo Brie e brinquedos, empreendíamos a viagem de carro que durava dois dias e duas noites de Clermont-Ferrand a Tavira. Em Tavira, os miúdos da minha idade ficavam a olhar para o nosso carro, um Renault 18 GTL que, não sendo de todo um modelo de topo, fazia ainda assim um brilharete. Lembro-me dos olhares de espanto das crianças quando eu lhes mostrava os vidros eléctricos. Aquela banalidade ao nível de ligar e desligar a luz, em França, era em Tavira pouco menos que magia.

As famílias das minhas irmãs recebiam-nos como reis magos temporãos. Da goela do porta-bagagens do Renault saíam objectivas e máquinas fotográficas para um cunhado fotógrafo, acessórios de caça para um cunhado de clique mais barulhento, brinquedos para os meus sobrinhos, roupa para as minhas irmãs, iguarias francesas para todos. Sentia-me feliz com aquela distribuição de prendas, sentia que bastava pouco para fazer os outros felizes. A família era como o Verão: tinha uma época e era simples.

Na praia eu era invariavelmente a criatura mais branca sobre a areia. Acabava o Verão com inveja do meu sobrinho, apenas um ano mais novo e consideravelmente mais escuro que eu. Eu começava a temporada num tom azul-claro e, passando de leve pelo branco, ia directamente para o vermelho. Não tinha jeito para aquela forma de ser português, descontraído e alheio à necessidade de protector solar. A minha pele absorvera demasiada frança, demasiada neve.

Quando acabava o Verão, a pouca cor que adquirira naquele mês de praia dissipava-se no regresso a França e, já na escola, quando me perguntavam pelo que tinha feito nas férias e eu respondia “praia”, orgulhoso, o resto da turma ria-se. Para aquela medalha de veraneante, os meus genes portugueses nunca chegaram.

23 Jul 2018

A repetição

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]azer uma viagem não é locomover-nos. O tempo de uma viagem não é o tempo da deslocação. A repetição quotidiana de uma viagem converte-a em deslocação. O caminho de casa até à escola ou até ao ginásio nas primeiras vezes é diferente de quando já faz parte das nossas vidas. A distância entre o sítio onde vivemos e o sítio para onde vamos de férias ou até viver não é medida apenas em quilómetros. Não, nas primeiras vezes. Não, sem antes a viagem ter sido feita vezes sem conta ou raramente, a ponto de nunca lembrarmos a experiência que fizemos durante as primeiras vezes, quando vamos a um local ou a um sítio.

A primeira vez que vamos a um sítio: impermeabilidade, estranheza.

Quando vamos pela primeira vez a um sítio, fazemos a experiência do que a filosofia chama “objecto”. É uma experiência de resistência. O sítio está impermeável. Não que nos seja vedada a entrada, mas desde a aproximação à entrada até que estamos lá dentro sem nos conseguirmos bem orientar, por não sabermos onde se encontram os lugares das coisas, tudo parece barrar-nos o caminho. Pode ser a escola. O edifício é opaco e maciço. Entramos. Não sabemos se a sala de aula é à esquerda ou à direita ou nos andares de cima. Onde estão as casas de banho, cafetarias, cantinas, bibliotecas, o pátio do recreio? Todos os outros são desconhecidos: colegas e alunos. Estamos lá e não chegamos ainda completamente. É preciso fazer a travessia do dia, cumprir horários. É preciso que passe uma semana, um mês, um trimestre ou semestre. O tempo qualifica a duração. Passado tempo não é como se a estranheza, a impermeabilidade, a opacidade se mantenha. Abrem-se janelas, entramos por portas, na verdade, portais do tempo transportam-nos como vasos comunicantes que diluem a rigidez. Não vivemos já na antecipação provocada pela ignorância. Interiorizamos os espaços. O tempo assimila os sítios, a escola inteira. Vestimo-nos da escola inteira onde passamos a caber ou onde tem cabimento a duração qualificada do tempo que lá passamos. Quando passamos pela escola da infância ou pelo liceu da juventude não vemos já só a fachada ou o lado visível que oferecem a ver. Podemos nem lá entrar através da nossa memória ou imaginação. Podemos não invocar estórias do passado. E, contudo, é completamente diferente ver agora os edifícios de fora e quando os vimos pela primeira vez. Entramos por eles adentro, ensopados nas suas vísceras, que não é apenas a sua geografia específica, mas nós e os outros que lá vivemos dentro, no âmago do seu ser.

Quando regressamos a um local onde vivemos há muito tempo, fazemos uma experiência idêntica à que fazemos quando passamos pelo velho liceu, já desactivado. É um sítio a céu aberto e não um local fechado. Mas se nos lembrarmos do momento quando lá chegamos, temos a percepção de que se tinha apresentado também de uma forma impermeável. Chegamos à estação de comboios ou ao aeroporto ou como quer que seja à rua onde vamos viver. A fachada do prédio esconde os andares e as escadas e as pessoas que lá vivem no interior dos seus apartamentos. Ao entrarmos não sabemos onde nos leva o corredor, onde fica o nosso quarto, a casa de banho, a sala de estar, a cozinha. Não sabemos qual é a qualidade da luz no inverno e no verão e como a casa toda falará connosco e se apresentará acolhedora ou inóspita, vazia ou cheia de gente real ou imaginada. A mesma impermeabilização veda a nossa entrada imediata nos locais por onde se distribui a nossa vida: faculdade, cantinas, bibliotecas, ginásios, edifícios públicos, locais de lazer, casas de amigos que ainda não conhecemos. Um dia vivemos a cidade do lado de dentro, metáfora do útero ou do coração que mede o pulso, o ritmo da vida, a interioridade onde se dá a assimilação da nossa vida pela cidade e os outros que lá se encontram.

A primeira vez de todas as primeiras vezes é quando somos assimilados, e a nossa vida é tragada pelos sítios por que o tempo das nossas vidas se distribui. Mas pode ser a vida toda, o horizonte temporal de que dispomos mas nada conseguimos fazer dele. Podemos rever os sítios da geografia singular das nossas vidas, os itinerários que os ligam, o tempo que há para viver. E, contudo, podemos não regressar. A vida segue sempre em frente e nunca permite um regresso. Espacialmente, deslocamo-nos até onde vivemos. Temporalmente, nunca.

Fui a um desses sítios da minha vida e não houve repetição. Atravessei ruas, vi as casas de pé, cheguei até ao rio. Vi erigirem-se cidades fantasma com os fantasmas daqueles que me constituem, mas já desapareceram como se com o seu desaparecimento também os sítios tivessem desaparecido. Estórias de possibilidade, esperança e expectativa estão por terra como pó que assentou. Tudo fica impermeável. Não neutro. Tudo é um possível havido que morreu.

3 Nov 2017

Nocturnos

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uanto tempo se demora a chegar? Demoramos tempo a partir. Nenhuma viagem coincide com uma deslocação. Estamos de partida semanas ou dias antes de partirmos. Demoramos tempo a chegar, mesmo tendo aterrado. Quanto tempo dura uma viagem? As semanas em que a antecipamos e as semanas de dias que vibrarão em nós. Há partidas sempre. Se calhar não fizemos senão chegar. Chegamos verdadeiramente? Partimos? Quando partimos o que deixamos? Quando chegamos o que encontramos? Há chegadas e partidas circunscritas ao quotidiano. De casa para o trabalho e de regresso. Dos sítios onde vamos até casa. Vamos de férias e regressamos.

A distância também fixa a viagem. Sim: podemos estar à distância de poucos quilómetros ou até metros. Quando vou ver alguém no quarto ao lado para lhe perguntar coisas banais. Estás bem? Precisas de alguma coisa? Essa viagem curta pode ser dramática ou banal. Também podemos viajar durante um dia. Não é uma viagem habitual. E, contudo, a estranheza pode ser enorme. A língua desse sítio pode ser impenetrável, as ruas escuras e mal iluminadas. A roupa pode colar-se ao corpo. Encontramos alívio nos espaços gelados pelo ar condicionado.

Viajar só e com amigos é completamente diferente. Com amigos podemos encontrar outras pessoas como encontraríamos se estivéssemos sós. Mas em conjunto a viagem é diferente. Sobretudo, se houver uma cumplicidade. Há várias cumplicidades, mas as mais intrigantes sempre foram para mim as que têm origem no espírito da palavra, no recorte da imagem fotografada ou pintada, no som do acorde.

Macau é uma cidade de pé. Há hotéis que parecem bairros. Há também ruas que são as entranhas de uma cidade cheia de camadas. Onde se sedimenta a vida humana, em caracóis viscosos e peçonhentos, pássaros que são levados em gaiolas a passear, no cheiro das diversas cozinhas, nos interiores de casas onde pessoas falam no seu universo. Joga-se no casino como se fosse a metáfora da vida. Ganha-se ou perde-se. Na vida, talvez se perca sempre.

Ecoam as cordas de uma viola, num rio ondulante. É calmo. Exposto, porém, a tufões furiosos que alagam as partes baixas da cidade. A chuva é como água que se solta de paredes cheias de vapor. Raparigas muito magras e de uma brancura só coberta pelo negro da roupa que trazem. Motas que atravessam o trânsito como se não houvesse amanhã. Conduz-se no sentido contrário mas numa mesma direcção. O lugar do morto é do motorista.

Houve-se português falado por pessoas que há muito aqui vivem e também de chineses, coisa estranha. Como se fossem configurados por um horizonte onde nunca irão. Se calhar não terão de ir. Como eu aqui, sem perceber palavra alguma. Testemunho com espanto quem tem o talento de falar uma língua reservada para tantos que nela nasceram e para tão poucos que nela mergulham.

Cheira a violetas, forte, azul. Chove sem cessar. O tufão açoita. Há uma electricidade no ar. Tudo à beira de implodir, como o corpo na roupa que faz escoar a vida. O fuso horário confunde o dia. Aqui e agora não é lá sabe-se lá quando. E não esperarei. Porque poderia partir e ficar sem tentar regressar, sem ter por quem regressar, sem querer regressar.

Acordo e peço noodles. Volto ao Ardbeg. Vou para a cama já sem imaginação para o que quer que seja e vejo séries para adormecer.

Perguntei-te se esperava por ti. Não. Não era para esperar. Foi uma figura de retórica. Já vivo no oriente onde é casa só com a referência das horas de todos os dias. Olho o meu corpo irreconhecível e é para mim como o Chinês que ouço, as cores berrantes das lojas. O longe de onde parti e a que nunca regressarei. Querendo, não saberia como.

Já só de caminho, já sem saber a que regresso, de onde parti e para onde vou. Houvesse uma rotina com um itinerário e eu saberia com disciplina adormecer. Mas entre mim e mim há a noite. E se o dia é difícil ao princípio, a meio da tarde vem a dobra. Com o jantar, encho-me e encharco-me. Com a noite vem a anestesia para o que não é dor, porque nada me dói. E preferiria o desespero, com os olhos postos no futuro para sempre. Preferia isso a “isto”. Já nada esperar.

Ao longo da viola morosa”, “mas já sem coração que me prenda”. Primeiro, esqueço-me de ti, dela, dele, de vós, de nós, dos outros. Depois, esqueço-me de mim. Oblitero-me e só ecoa a viola morosa com acordes que vêm de aves estranhas. O som agudo da tristeza é dilacerante. Já não me revejo, nem escuto, nem ouço. “Mas que cicatriz melindrosa”. Entre idas e vindas, textos lidos e por escrever, jantares com os sabores da Tailândia e cheiros opulentos. O picante exige cerveja.

Ao longo da viola morosa”, há quem tenha vidas.

Eu, porém, queria partir, sem chegar. Ou estar só por estar. Buscando o quê, quando me queria despedir de mim e não tenho talento. Vistas as coisas, nada mais há. A não ser a espera. Nem é tristeza. É uma incompetência incómoda e desagradável.

Trabalho a partir do interior do que quer que seja que é interior a extirpação da espera. Há ainda um resquício humano que em mim faz que pudesse esperar. Mas o que mais gosto de ver é o tufão que vem me faz não ser vulnerável, nem estar exposto a nenhuma maré, a não ser à definitiva.

 

8 Set 2017

A viagem de Camilo Pessanha até Macau

Camilo Pessanha chegou pela primeira vez
a Macau no dia 10 de Abril de 1894

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]amilo de Almeida Pessanha, em Coimbra onde nascera, formou-se em Direito em 1892 e após um breve período de advocacia em Óbidos, seguiu para Macau nomeado, por Boletim Oficial de 10 de Fevereiro de 1894, professor do Liceu dessa cidade no Extremo Oriente. Fora um dos 39 professores a concurso, aberto a 19 de Agosto de 1893 pela Secretaria do Ministério da Marinha e Ultramar, para leccionar no Liceu Nacional de Macau ainda por inaugurar pois fôra fundado a 27 de Julho desse ano.

No Echo Macaense de 29 de Agosto de 1893, com o título Echos da Metrópole, refere-se terem as Cortes encerrado a 15 de Julho e depois disso mandado proceder ao concurso para provimento dos lugares de professores do Liceu de Macau. O sr. Silva Bastos, secretário particular do Ministro das Obras Públicas concorreria à cadeira de História, sendo possível vir a ser nomeado secretário do mesmo liceu. Mas esta era uma notícia prematura, escreve o jornal, porquanto a escolha do ocupante desse posto dependia do corpo docente e tinha de ser aprovada pelo Governo de Lisboa, ainda sobre proposta do respectivo Governador de Macau. Desabafa o redactor:

“Oxalá que na escolha dos professores não predominem os empenhos, recaindo a nomeação em indivíduos que não possuem outros merecimentos senão o de serem afilhados deste ou daquele trunfo político.”

José Horta e Costa, então deputado por Macau, advogara a criação do liceu nessa cidade e José Azevedo foi informado que se Pessanha não tivesse participado numa reunião do Partido Progressista (na altura encontrava-se no poder o Partido Regenerador, mas tal não era grave já que os dois partidos tinham um pacto e governavam Portugal alternadamente sobre orientação de Inglaterra) a sua nomeação estava garantida, como conta Daniel Pires.

Ainda assim conseguiu, a 18 de Dezembro, ser um dos quatro escolhidos. Com 26 anos, Camilo Pessanha parte então de Portugal, contratado como Professor do Liceu Nacional de Macau, estabelecimento de ensino que ia abrir as portas para colmatar o espaço vazio das Humanidades, num tempo em que a educação escolar apenas se destinava a preparar os jovens para o mundo do trabalho na área comercial.

Outra notícia do Echo Macaense, de 29 de Agosto de 1893, refere o que se diz em Lisboa acerca do provimento do Governo de Macau, mas as informações não são concordantes pois constara há tempos que ia ser nomeado para Governador o sr. Ferreira de Almeida. No entanto, uma outra versão garantia que “este sr. vai ser nomeado para Macau, mas para dali ser transferido para Cabo Verde e ocupando o seu primeiro lugar o sr. Horta e Costa”.

Este último pertencia nessa altura a uma comissão que estudava as causas da depreciação da moeda de prata na Índia e em Macau. Formularam-se quesitos respeitantes a Macau e Timor para se adoptar como unidade monetária a pataca, subsidiária em prata e cobre, sendo daí calculados os vencimentos dos funcionários públicos. Já quanto à Índia, “não se tomou resolução, aguardando-se o parecer de Inglaterra com respeito aos efeitos da crise da prata nas suas colónias ultramarinas”.

A viagem, a bordo do navio espanhol Santo Domingo, iniciara-se a 19 de Fevereiro de 1894. Depois de cinco dias em Barcelona, o navio levou apenas mais dois até atracar em Port-Said, no Egipto. Cruzando os 162 km do Canal do Suez (inaugurado a 17 de Novembro de 1869), desembocava agora no Mar Vermelho onde, nos umbrais do Oceano Índico, aportou em Adém (na Arábia Feliz, actual Iémen, então na dependência do Comissariado da Província Britânica da Índia). Depois atravessou o Mar Arábico até Colombo, no Sri Lanka, onde permaneceu apenas por duas horas.

O vapor espanhol seguiu então pelo Estreito de Malaca até Singapura e daí para Manila. Camilo Pessanha chegou a Macau no dia 10 de Abril de 1894, mas será pela viagem feita em Janeiro desse ano pelo novo Procurador dos Negócios Sínicos, Álvaro Maria Fornelos, que conseguimos desfazer a dúvida sobre o percurso dos barcos desde Manila até Macau: iam primeiro a Hong Kong e, noutra embarcação, seguia-se até ao porto de Macau, que sofria de um adiantado estado de assoreamento.

Com apenas cinquenta anos, Hong Kong era já o principal porto dos vapores provenientes da Europa.

Viagem de Hong Kong para Macau

Camilo Pessanha, às duas da tarde de 10 de Abril de 1894, embarcara muito provavelmente no vapor Heungshan para Macau. Este barco da Hong Kong, Canton & Macau Steamer Co. Ltd., capitaneado pelo inglês William Edward Clarke, já por várias vezes ficara encalhado no Porto Interior devido ao assoreamento e por isso nos jornais da época era publicada pelo secretário da Companhia, T. Arnord, a tabela das horas de partida de Hong Kong para Macau nos meses de Maio a Agosto do referido vapor.

Para se perceber o insólito e excepcional procedimento que a companhia Hong Kong & Macau Steam Boat tinha com os habitantes de Macau, o jornal político e noticioso O Independente, cujo redactor principal era José da Silva, apelava a 25 de Julho de 1891 que esta reconsiderasse a sua atitude:

“Já não é pouco a elevada tarifa de passagem entre Macau e Hong Kong, uma distância de 38 milhas, por 3 patacas, se a compararmos com o mesmo preço para a passagem entre Hong Kong e Cantão, que é mais do que o duplo da distância. (…) Note-se que entre Macau e Hong Kong o principal elemento servido pela companhia é português, enquanto no outro trajecto não o é. Este tratamento diferencial é já por si só injustíssimo e repugnante. A companhia é inglesa. Como regra, paga aos seus empregados portugueses menos do que aos empregados ingleses. Se quisermos fazer sobressair esta grande diferença, basta lembrar que pagava ao seu secretário português, Costa, umas 300 patacas por mês, enquanto ao seu sucessor, o inglês Arnhold, que não vale mais do que valia o Sr. Costa, paga 700 patacas mensalmente. Assim a poderosa companhia quando paga a um português, paga menos, quando recebe de um português, exige mais, com a circunstância agravante de que ela sabe muito bem, até pelos jornais da colónia, onde tem a sua sede, que se fartam de o dizer que os portugueses estão pobres. É talvez por isso que os explora, porque, em geral, é à custa dos desgraçados e infelizes que os avarentos argentários se opulentam. Sobre esta injustíssima exploração lembrou-se ainda de proibir aos seus empregados o encargo de pequenas encomendas, como é uso fazer-se em todos os navios mercantes que traficam na China, para cobrar, ela, em seu proveito, uns 10 avos por cada pequeno pacote. Ainda neste caso foi só em Macau e portanto, e especialmente, no elemento português que a companhia quis acertar, o que é sobre maneira revoltante. (Não esquecer que os mais antigos aliados de Portugal, os ingleses em 11 de Janeiro de 1890 tinham-lhe feito um Ultimatum, o que provocara um protesto nacional pelo roubo das terras africanas entre Angola e Moçambique.) Não pedimos aos directores portugueses, que há na companhia, que exerçam a sua influência a fim de que se acabe com este procedimento injusto e até vexatório, porque bem sabemos que, em se tratando dos seus compatriotas, são aqueles senhores directores lusitanos os primeiros a atacá-los e amesquinhá-los…”

Macau à vista

Pessanha mergulha nas primeiras imagens de Macau: são de montes e são de praias que, num iniciático momento, se misturam, pois ainda desconhece os nomes do que avista do barco ao contornar a península.

Mais tarde saberia o nome daqueles lugares e assim, apresentando a primeira visão, apareceu-lhe, ao passar pela Enseada das Portas do Cerco, a Praia da Areia Preta, então usada para piqueniques pela nata da sociedade macaense. Uma escondida e pequena ilha demarcava-se, enquanto o barco seguia a Sul e se postava o forte edificado, em 19 de Fevereiro de 1852, na Colina de D. Maria II, sobranceiro à Praia de Cacilhas.

Vagueando o olhar e terminada a praia, situada na base do Ramal dos Mouros, dava agora pelo Monte da Guia e, sempre a trepar, até à parte mais alta do cume, dentro da Fortaleza depara com a plataforma onde um provisório farol de madeira aproveita o antigo aparelho de iluminação, enquanto espera ser um dia reconstruído e retomar a sua traça original.

Em baixo, sob a Praia da Guia, a Chácara do Leitão, onde por vezes Pessanha, na companhia do proprietário, Francisco Filipe Leitão, haveria de espairecer. Levantando os olhos, no alto da Colina de S. Januário, observa o Hospital Militar Conde de S. Januário, inquilino recente a ocupar o lugar do Baluarte de S. Jerónimo, construído por volta de 1622 pela muralha proveniente da Fortaleza do Monte e que nesse local fazia uma mudança da trajectória para Sul. Então já demolido, restava parte da muralha a descer até à Fortaleza de São Francisco (a ocupar o lugar do convento franciscano demolido em 1864), ao nível do mar.

À sua frente e sobre as águas, a Bateria 1.º de Dezembro, construída em 1872 e remodelada em 1888. Continuando a estibordo, apresenta-se-lhe a belíssima baía, enfeitada de um elegante casario. Alguém aponta em direcção a um fortim, chamado de S. Pedro, erguido na altura em que se construíram as muralhas da cidade e demolido, tal como a Bateria 1.º de Dezembro, por razões urbanísticas, em 1934, sempre presentes no quotidiano das cinco estadias em Macau de Camilo Pessanha.

À direita do Fortim de S. Pedro está o hotel onde se irá hospedar e, recuando um pouco, a moradia que muito mais tarde virá a ser a sua alugada residência e onde viverá até à morte. Após a passagem da Baía da Praia Grande, que termina na Fortaleza de Nossa Senhora de Bom Parto, aparece a enseada com a Praia do Tanque dos Mainatos, seguindo-se por entre penedos a Baía do Bispo, e contornando a parte Sul da península navegava o vapor bem próximo da Fortaleza da Barra. No entanto, outras fontes referem que a seguir à Baía da Praia Grande havia outras duas, a do Bom Pastor, que da curva de Bom Parto chega à ponta da Santa Sancha e na Praia do Bispo, onde os ingleses do Hotel Bela Vista nadavam, por isso reconhecida também pela formosíssima Praia da Boa Vista.

Na ponta Sul da península, a Fortaleza da Barra ou de São Tiago, e à entrada da Barra do porto interior o antiquíssimo Templo de A-Má, divindade protectora dos mareantes. Por fim, antes do vapor atracar numa das três ponte-cais de madeira, surge a Praia do Tanque do Maniato. Sobe agora o barco pelo Porto Interior, um canal do Rio Oeste entre a Ilha da Lapa e a península de Macau, “por entre uma infinidade de grandes lorchas e de pequenos tankás, entre os quais se via um único vapor, o da carreira de Cantão” – observação de Adolfo Loureiro, seguramente não muito diferente da presenciada por Pessanha, que assim chega, aparentemente, são e salvo a Macau.

Os companheiros de viagem

Entre os perto de quatrocentos passageiros que com Camilo Pessanha viajaram no vapor Heungshan, provenientes do reino, vinham para trabalhar na colónia os senhores António Augusto de Almeida Arez, como delegado do Procurador da Coroa e Fazenda desta Comarca, e Hermano de Castro, farmacêutico, e sua Senhora. Dos nove professores de Liceu nomeados para esta província, chegavam os srs. dr. Horácio Afonso da Silva Poiares, para a 1.ª cadeira, de Língua e Literatura Portuguesa, dr. Camilo de Almeida Pessanha para a 8.ª cadeira, Filosofia Elementar, e o engenheiro civil Mateus António de Lima, para a 2.ª cadeira, Língua Francesa. Este último, pouco tempo depois seria também nomeado Condutor das Obras Públicas, após a exoneração do condutor de segunda classe, o Tenente António Mendes da Silva. Já o quarto professor do Liceu para leccionar a 7.ª cadeira, Geografia e História, João Pereira Vasco, só chegou a Macau a 12 de Maio de 1894, tomando posse dois dias depois.

Os restantes cinco professores encontravam-se em Macau pois, pelo Artigo 7.º, “Os lugares de professores das 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 9.ª cadeiras serão providos em indivíduos, funcionários do Estado em Macau, de reconhecida aptidão para as disciplinas que hajam de professar, sendo preferidos os que tiverem já prática do magistério das mesmas disciplinas”.

Viajava também com os três professores do Liceu o Cónego Francisco Pedro Gonçalves, ex-reitor do Seminário de S. José, mas este, oito dias depois, a 18 de Abril seguiu para Singapura no cargo de Superior das Missões.

Após três horas de navegação, encosta o vapor no cais ponte da carreira de Hong Kong. Haveria alguém à espera de Camilo Pessanha e dos outros dois professores? É provável que sim, mas desconhecendo esse facto, pois que ninguém a isso se refere, terão sido tratados do modo como ocorreria ao comum passageiro.

7 Jul 2017

Uma viagem incompreensível

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ronto. A medida de acesso livre de iates entre Macau e a cidade chinesa de Zhongshan está lançada, e o novo terminal marítimo da Taipa foi, finalmente, inaugurado. Macau parece ter ganho novas faces marítimas para mostrar ao mundo, em termos de sistemas e infra-estruturas.

Mas há que questionar: e depois? O número de pedidos para a entrada de iates é tão pouco, que até Maio deste ano apenas três iates chegaram ao território vindos de Zhongshan. A Direcção dos Serviços de Turismo admitiu que esta medida é dirigida para turistas com maiores capacidades económicas, pelo que o número de visitantes desta categoria não deve registar um grande aumento.

É incompreensível que, apesar de saber que os turistas serão, à partida, poucos, os Serviços de Turismo continuem a afirmar que vão fazer estudos sobre as “características de consumo” dos clientes nesse segmento, mas não estudam como podem atrair mais visitantes ou melhorar essa medida.

Este caso faz-me lembrar o comentário feito por um analista que referiu que o Governo sofre de uma espécie de doença de Parkinson, que estará a aparecer novamente. Assim que descobre um problema, o Executivo limita-se a encomendar estudos a diversas entidades, pois considera que são os melhores medicamentos para as suas doenças.

Fazer estudos não é, de todo, uma medida errada, mas deve ser adequado e ter efeitos práticos. Nesta iniciativa sobre a entrada livre de iates, o ponto essencial é como é que se podem diminuir as exigências a quem tem um iate, para que a medida possa beneficiar mais pessoas.

Levanta muitas dúvidas o facto dos Serviços de Turismo e a Direcção dos Serviços dos Assuntos Marítimos e da Água implementarem medidas sem terem uma comunicação permanente. Este é um velho problema de incoerência que existe nos diversos departamentos do Governo.

Para além da burocracia, há ainda a dificuldade relacionada com o facto do interior da China cobrar quase um milhão de renmimbi para que um iate fique estacionado na marina. Isso não ajuda os proprietários de iates que sejam, digamos, da classe média, ou classe média alta.

Além disso, as taxas de inspecção nas alfândegas são altas, e é algo que o Governo de Macau já disse que precisa de coordenador com as autoridades de Guangdong. Também foi falada a existência de um mecanismo de cooperação entre os dois territórios, mas será que está a ter efeitos?

Quando os iates chegam a Macau, podem ficar estacionados no cais de Coloane ou na marina da Doca dos Pescadores, mas as instalações em Coloane não são simples. Não há sampanas (embarcações asiáticas, com fundo de bambu) que façam a ligação para embarcações de recreio mais específicas. Os iates só podem atracar numa zona a cem metros de distância em relação ao cais, e os turistas precisam de usar o batel para fazer a ligação ao cais. Não deixa de ser uma viagem com um quê de assustador.

Quando os iates de Zhongshan chegam a Macau, não podem passear nas suas águas. Se eu fosse dona de um iate e chegasse ao território, e percebesse que não podia dar uma volta de barco, então ia pensar para que estava eu aqui com o meu iate. O Governo Central já atribuiu à RAEM quilómetros de águas marítimas, mas é estranho que os iates ainda não possam fazer visitas aqui à volta.

Não me assumo especialista. Mas tendo em conta que o terminal marítimo da Taipa já entrou em funcionamento, e tendo em conta a sua enorme dimensão (quatro vezes superior à do aeroporto), devem existir zonas por ocupar ali à volta.

As autoridades deveriam pensar em aproveitar esses espaços para o embarque de iates provenientes da China, e isso iria permitir um melhor acesso dos turistas ao Cotai, Taipa ou Coloane. Talvez fossem proporcionadas melhores condições do que o Cais de Coloane.

16 Jun 2017

Exposição conta história da travessia marítima no território

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição “Viagens de Outros Tempos” é uma mostra que faz a retrospectiva das ligações marítimas entre Macau e as Ilhas. Em meados do século XX, a península de Macau e as ilhas da Taipa e Coloane estavam separadas por mar, sendo as lanchas um importante meio de transporte entres estes pontos do território.

De acordo com o Instituto Cultural, “em dias de mau tempo, vários residentes e turistas experimentaram os atrasos e suspensões temporárias do serviço, mas tais inconvenientes não impediam as pessoas de as usar”.

Com o passar do tempo, este tipo de transporte tornou-se desnecessário, tendo o serviço de travessia marítima sido interrompido após a conclusão da Estrada do Istmo e da Ponte Nobre de Carvalho.

“Viagens de Outros Tempos” apresenta pela primeira vez várias colecções ao público, incluindo documentos originais tais como o “Registo de Carga da Companhia de Transporte Marítimo de Passageiros Un Fat que Ligava Macau a Coloane” e o “Contrato de Locação de Lanchas a Motor”. A exposição integra ainda fotografias, bilhetes, jornais e publicações comemorativas relativas às lanchas que faziam a travessia entre Macau e as Ilhas.

Faz também parte desta mostra pioneira a apresentação de “A Evolução da Topografia de Macau”. Feita através de um ecrã, a iniciativa explora as linhas costeiras do território e as rotas das lanchas de diferentes épocas.

Outros horizontes

Paralelamente são exibidos vídeos de entrevistas a residentes que recordam as viagens que fizeram. Porque o tempo não pára e a tecnologia pode ser aliada da história, o espaço de exposição tem reservada a possibilidade de experimentar um passeio de lancha virtual em 3D, baseado no modelo da “Kuong Kong”.

Por outro lado, o evento tem ambições académicas. Tendo uma componente de conhecimento em que são reflectidas as transformações sociais que se deram no território durante o período abordado, a ideia da organização é “disponibilizar material para futuros estudos sobre tráfego marítimo.

“Viagens de Outros Tempos” está patente ao público até 5 de Outubro, na Casa de Nostalgia das Casas da Taipa.

7 Jun 2017