João Luz VozesLatrina mental [dropcap]A[/dropcap] diferença entre uma ideia e bosta pode parecer ténue aos afortunados de fraco olfacto. Quando a diferença é difícil de identificar podemos estar na presença de uma ideia de estrume, adubo natural que fertiliza o campo dos conceitos escatológicos. Macau é terreno fértil onde abunda este tipo de composto mental. As coisas que se ouvem e lêem nesta pastagem, não raras vezes, são uma espécie de clister intelectual, as primeiras gotas de um dilúvio castanho. Há coisa de dias, não importa onde, nem por quem, li algo que, à primeira vista, me fez rir às gargalhadas e depois me encheu de desgosto. Não querendo antecipar o suspense quanto às fedorentas pérolas, deixem-me que vos guie pela mirabolante tese que pretende resolver o elevado preço da carne de porco em Macau, ao mesmo tempo que elimina o valor das terras numa cidade faminta de espaço, com uma das maiores densidades populacionais do planeta. Junta-se uma pitada dos chavões locais, como diversificação económica (faltou a Grande Baía) e está feito. A teoria é adorável, pura, inocente, faz florir um canteiro. Imagine que o Governo decide dedicar a zona X dos Novos Aterros à pecuária, mais propriamente à criação de porcos. Sim, provavelmente a mais cara pocilga do mundo. Cometendo o risco de bater o recorde mundial da sensualidade impressa, vou citar a empreitada de construção directamente do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas, seguido de um breve trecho de prosa dessa bíblia da suinicultura que é a publicação “Vida Rural”. Porque não andamos aqui a brincar. “A Zona X do Novos Aterros Urbanos ficará localizada” entre coisas, “com uma área de cerca de 320 000 m2”, e destina-se principalmente à zona de instalações públicas e de habitação”. Coisinha para custar mais de 816 milhões de patacas. Imaginem quantos quilos de febras se compram com este balúrdio. Antes de passar ao Evangelho de São Bácoro, deixem-me informar que sou do Alentejo, a Meca do Porco Preto. Um dos segredos desse mítico e mundialmente apreciado suíno é a sua dieta forte em bolota. Será que alguém vai propor o cultivo de sobreiro, aka chaparro, na zona Y? Nasceria um novo princípio: “Dois Aterros, Um Chavascal”. Fica a sugestão. Outra questão por responder é como aplacar dois dos mais poderosos lobbies e negócios, não só da região, mas do mundo inteiro, construção e imobiliário, a favor de algo que se pode importar. Não podemos adquirir espaço, terras, ao exterior, uma ideia que escapou aos inúmeros facínoras expansionistas que escreveram a sangue as mais tristes páginas da história mundial. Imagine-se o expansionismo guiada pela fome de costeleta. E como o prometido é devido, aqui vai a citação do “Vida Rural”: “As porcas, de forma natural, desmamam os leitões e são depois colocadas com os varrascos durante 30 dias. Para os leitões nascerem entre Março e Abril terão de ser colocadas à cobrição entre Novembro e Dezembro”. Ouro vertido em prosa, em doses equivalentes de despropósito e lirismo. Quase 3000 caracteres vertidos e só ainda vou num tópico. Acho que me entusiasmei. Permita-me a rápida guinada para uma verborreia que a falta de senso levou ao corte editorial. Acredite, caro leitor, a quantidade e qualidade do excremento que ouvimos e lemos é de tal ordem que seria possível erguer um Taj Mahal fecal todas as semanas. Mas esta catedral merdosa merece um lugar de pódio. Imagine que a pandemia da covid-19 crescia para níveis de filme apocalíptico protagonizado pelo Bruce Willis. Este é o ponto de partida para o impressionismo de Belle Époque deste Claude Merdet, para a fragância do nosso Cócó Chanel. Se Macau vivesse um cenário de grande extinção em massa devido ao coronavírus, com ruas como valas comuns, ou pior, com uma situação económica de incalculável prejuízo para as PME, um dirigente associativo achou no absurdo a solução. Quiçá, um ávido leitor de Albert Camus, pronto para achar significado de vida no despropósito. Este senhor acha boa ideia o Governo substituir os trabalhadores das PMEs por heróis anónimos vestidos com fatos NBQ, aqueles que vimos em desastre nucleares como em Fukushima, vestimenta híbrida entre alienígena e fato espacial. Imaginemos como seria o dia-a-dia de uma loja ou pequeno restaurante, com empregados em fatos hazmat ao estilo “Breaking Bad”, mas com outro tipo de culinária. Onde é que estes estabelecimentos iriam arranjar clientes, e mesmo se existissem, até que ponto do desejo de comprar é superior ao amor à vida? Não lembro de ver roulottes de bifanas, ou lojas de sopa de fitas em Chernobyl. Às tantas, a série documental ocultou esses bravos guerreiros atómicos. Defecados estes dois montes de fumegantes ideias, acabei também por largar uma flatulência cerebral. Semanalmente, despejar nesta nauseabunda página os grandes êxitos das ideias de merda que, imunes à vergonha, conhecem a luz do dia e transformam o espaço público numa latrina de festival de Verão. Mas talvez isso seja demasiado cruel com o estimado leitor, para a minha sanidade mental e saúde pública da população.
Hoje Macau China / ÁsiaChina | Mais de um milhão de animais abatidos devido a peste suína A peste suína que se propagou na China, com efeitos inflacionários a nível mundial, resultou já no abate de 1,2 milhões de porcos, mas a disseminação “abrandou bastante”, informaram ontem as autoridades chinesas [dropcap]O[/dropcap] vice-ministro chinês da Agricultura Yu Kangzhen admitiu, em conferência de imprensa, que a situação é “complicada e grave”, apesar dos esforços para conter o surto. Yu revelou que o Governo está a desenvolver uma vacina para combater a doença, mas que vai ser “um longo caminho a percorrer”. O responsável garantiu, no entanto, que “o surto de peste suína na China abrandou significativamente”. “Esse é um facto indiscutível”, afirmou. A carne de porco é parte essencial da cozinha chinesa, compondo 60 por cento do total do consumo de proteína animal no país. Dados oficiais revelam que os consumidores chineses comem 55 milhões de quilos de carne de porco por ano, de longe o maior mercado do mundo. O país produz anualmente 430 milhões de porcos. A actual onda de surtos começou na Geórgia, em 2007, e espalhou-se pela Europa do Leste e Rússia, antes de chegar à China, em Agosto passado. Inicialmente, Pequim insistiu que estava tudo sob controlo, mas os surtos acabaram por se alastrar por todo o país. Apenas a ilha de Hainan, no extremo sul da China, e as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong, não registaram ainda casos. Os fornecedores estão a preencher a lacuna com o aumento das importações, implicando uma reorganização dos mercados de proteínas globais e o aumento dos preços na Ásia e na Europa. As autoridades chinesas autorizaram, desde o final do ano passado, os matadouros portugueses Maporal, ICM Pork e Montalva a exportar para o país. Estimativas iniciais apontavam que as exportações portuguesas para China se fixassem em 15 mil porcos por semana, movimentando, no total, 100 milhões de euros. Visto pelos produtores portugueses como o “mais importante” acontecimento para a suinicultura nacional “nos últimos 40 anos”, a abertura do mercado chinês deverá agora ter efeitos inflacionários em Portugal. A peste suína africana não é transmissível aos seres humanos, mas é fatal para porcos e javalis.
Hoje Macau China / ÁsiaVenda de porcos portugueses para a China deve atingir 100 milhões de euros [dropcap]O[/dropcap]s produtores portugueses começam ontem a exportar carne de porco para a China, através de três matadouros, um negócio que deverá movimentar 100 milhões de euros, com cerca de dez mil animais abatidos por semana. “Esta primeira encomenda é de dez contentores. Em termos anuais, estamos a falar de um volume de negócios de 100 milhões de euros e cerca de dez mil animais, por semana, abatidos e transformados”, disse à Lusa, na segunda-feira, um dos membros da direção da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS), Nuno Correia. No total, através do Porto de Sines, distrito de Setúbal, os dez contentores vão transportar 270 toneladas de carne, no valor de um milhão de euros, para província chinesa de Hunan. Porém, “é muito provável que haja uma actualização destes valores, a partir de Setembro, já que a China está a dar indicações de querer antecipar os números em vista para 2020”, prevendo-se assim uma movimentação de 200 milhões de euros. Inicialmente, o arranque das exportações estava previsto para Dezembro. No entanto, o tráfego de contentores provocado pela greve dos estivadores eventuais de Setúbal acabou por atrasar o processo. “Foi um caminho difícil, mas, finalmente, vamos dar início à exportação de carne de porco portuguesa para a China. Portugal tem que exportar para crescer e para chegar à auto-suficiência e a China vai [contribuir] para esta estratégia de internacionalização do país”, vincou, na altura. O acordo em causa foi celebrado com o ACME Group, ficando o ICM, a Agmeat e a Montalva responsáveis pela exportação. “Para já, queremos também que estes matadouros possam exportar outras partes do porco, nomeadamente, as unhas, as orelhas e as miudezas”, acrescentou. Adicionalmente, até Setembro, vai ocorrer uma nova vistoria para tentar homologar mais três matadouros em Alcanede, Montijo e Lisboa. O bom mercado O início das exportações de suínos portugueses para a China vai ser assinalado numa cerimónia oficial que vai contar com a presença do ministro da Agricultura, Capoulas Santos, e do embaixador da China em Portugal, Cai Run. Nuno Correia adiantou ainda à Lusa que, na sequência do recente encontro entre a FPAS e o Governo de Hunan, ficou acordado que Portugal vai ter um centro de demonstração e degustação dos produtos portugueses, como o vinho, a fruta e também a carne de porco. “Tenho a certeza de que este é um passo de gigante. Dá alternativa aos produtores portugueses para venderem os seus produtos num mercado bastante apetecível, com volume e com preços muito interessantes de venda”, afirmou. A conclusão deste centro está prevista até ao final de 2019, a partir daí, “a própria província dará todo o apoio ao desenvolvimento e promoção da entrada dos produtos portugueses”. Fundada em 1981, a FPAS é uma associação sem fins lucrativos que visa o estudo e acompanhamento dos problemas relativos à suinicultura.