Carlos Morais José A outra face VozesRAEM 25 anos | Portugueses e malteses, às vezes Um quarto de século escorreu desde a transferência de soberania de Macau para a China. E, antes e durante estes cinco lustros, também alguma tinta escorreu na lusa língua e em lusas páginas sobre o destino desta cidade, traçando previsões e apresentando opiniões cuja acuidade, no mínimo, deixou muito a desejar e fazem até surgir um sorriso complacente 25 anos depois. Os portugueses seriam corridos. Os jornais em língua portuguesa desapareceriam, bem como o uso da própria língua. Macau perderia a sua relativa importância enquanto cidade-casino. A cidade tornar-se-ia em apenas mais uma cidade chinesa, como qualquer outra (como se cada cidade chinesa não tivesse a sua identidade própria), engolida por Zhuhai. Uma mão-de-ferro esmagaria as liberdades dos cidadãos. Mas o coro das velhas (da Praia Grande) falhou redondamente nas suas previsões. É que, 25 anos depois, contra numerosas expectativas, a comunidade portuguesa aqui permanece e prospera. Isto é, no mínimo, estranho para muitos. E essa estranheza cresceu sobretudo nos que, tendo aqui vivido, nunca realmente se interessaram por conhecer esta cidade, a sua cultura e o povo que nela habita. A ignorância é, como se sabe, a raiz da maior parte do mal. A capacidade de não ver, de não querer compreender, de apressadamente julgar com base em valores exportados, e com isso adquirir um sentimento de superioridade, marcou decisivamente a postura de alguns portugueses e poderia ter colocado em risco a nossa presença não fosse a China ser o que é: na sua grandeza, ouvir alguns espirros e não os confundir com uma doença. Ainda agora, observando o modo como Macau é referido nos media de Portugal que resolveram fazer uma espécie de balanço destes 25 anos, é espantoso como alguns dos momentos mais importantes para a nossa comunidade são, pura e simplesmente, ignorados. Refiro-me, por exemplo, à criação do Fórum Macau e na designação da RAEM como ponte entre a China e os países lusófonos em 2003. Este acontecimento, por si só, justificou a presença ilimitada no tempo da nossa comunidade e atribuiu-nos um papel relevante. Por outro lado, algumas das características portuguesas de Macau (gastronomia, danças, músicas, etc.) foram realçadas por motivos identitários e turísticos, no sentido de marcar a diferença “europeia e latina” de Macau e criar pólos de atracção. É por isso que temos assistido ao aparecimento de cada vez mais restaurantes portugueses, por exemplo, e de produtos lusitanos nos escaparates de lojas e mercados, que hoje existem em número muito superior ao que existia no tempo em que Portugal administrava este território. E só não haverá mais porque os nossos empresários são algo monos quando apreciam a possibilidade de expandir as fronteiras dos seus negócios. No entanto, em Macau é difícil lembrar um produto português que não exista: do Queijo da Serra ao bacalhau, passando pelo azeite, o vinho, o porco preto, a ginjinha e, claro, o pastel de nata (este produzido localmente), entre muitos outros. Aliás, é reconhecido que apresentam, em geral, mais qualidade que os produtos símiles que são vendidos em Portugal, acrescentando que o seu preço pouco cresce com a viagem já que aqui não lhe são aplicados impostos. Por outro lado, o Fórum Macau e os programas de cooperação têm trazido para Macau numerosos estudantes de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé, Timor e Brasil, o que modificou a paisagem humana da cidade e a sua própria cultura. Além de estudantes, é de registar a presença de professores lusófonos nas diversas universidades e escolas de Macau. E isto não é coisa pouca, porque a chegada destas gentes fortifica a presença da nossa comunidade, cria mais espaços de convívio, expande os horizontes dos seus protagonistas, solidificando e melhorando uma relação de cinco séculos entre a China e a lusofonia. Apesar do governo português ter tomado recentemente atitudes incompreensivelmente agressivas em relação à China, como a proibição total da Huawei no 5G (terá valido a amizade americana e o lugar europeu a António Costa?) e nisso incorrer em perdas de mais de cem milhões de euros, entre outros disparates anunciados, os chineses continuam a manifestar uma enorme paciência para com o nosso país e, por extensão, com a presença da comunidade portuguesa em Macau. A nossa amizade secular devia ser acarinhada, respeitada, impulsionada por novos actores, mas só parcialmente assistimos a isso quando é realizado por gente comum, na medida em que os responsáveis políticos parecem colocar interesses pessoais e partidários acima dos interesses do país e do seu povo. Esquecem também o modo extraordinário como Macau acolheu cerca de dois mil portugueses que aqui desembarcaram à procura de melhor vida, quando o país mergulhou na crise económica de 2011. Pela RAEM, nestes 25 anos, o tecido social mudou radicalmente e para muito melhor, na medida em que o nível de vida da maior parte da população subiu em flecha. Este ponto tão importante, que também nunca é referido nas reportagens lusas, foi fundamental para a manutenção da harmonia social, mesmo quando se tentou criar dissensão e sentimentos de rejeição ao poder central chinês (lá iremos). Mas a verdade é que a população de Macau atingiu um grau de riqueza e satisfação incomparável com o tempo da administração portuguesa. Os jovens vêem abrir-se incontáveis oportunidades de futuro, pelo que têm contado com o apoio sólido (também financeiro) dos sucessivos governos. Foram criadas várias universidades, incluindo a Universidade de São José, filiada da portuguesa Universidade Católica, que contou com generosos subsídios governamentais para a sua instalação. Se não desapareceu totalmente, a corrupção foi combatida e hoje vivemos um ambiente muito diferente dos “loucos anos 90”, quando a impunidade reinava e tudo parecia permitido e em cima das mesas. Muitos dos que nessa altura vieram do “país da cunha”, por Macau reproduziram e exacerbaram os seus comportamentos. Quando o último governador civil de Macau foi acusado de corrupção em 1990, chegámos ao ponto extremo e estúpido de colocar militares no governo, talvez por se considerar ser o único modo de lidar com o assunto. Foi pior a emenda que o soneto. Entretanto, neste período de 25 anos da RAEM se a corrupção não foi extirpada, foi pelo menos combatida: foram presos e severamente punidos (28 e 18 anos, respectivamente) um Secretário das Obras Públicas e um Procurador, o que criou um ambiente de dissuasão e diminuiu o grau de corrupção existente. Também em termos securitários, a presença das tríades na cidade e em redor dos casinos recuou consideravelmente, tornando-se invisível, ao contrário do que acontecia dantes. Quando cheguei em 1990, avisaram-me que a vida humana aqui era barata, que não me devia sentar de costas para a porta nos restaurantes ou nos bares, para ter cuidado com os elementos das tríades que dominavam uma noite onde a prostituição era rex, etc… Talvez exagerassem… Mas hoje Macau é uma das cidades mais seguras do mundo. Também isso mudou. Em termos políticos, é preciso primeiro esclarecer um aspecto que muitos gostam de varrer para debaixo do tapete e que esclarece o que se entende por “um país, dois sistemas”. O que ficou acordado é que Macau manteria, em termos económicos, o mesmo regime “capitalista” durante 50 anos, e em termos políticos também o mesmo, com base na Lei Básica, a mini-Constituição da RAEM, na qual está consagrada a liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, etc. Então que regime político existia em Macau antes da transferência de soberania e que deveria manter-se pelo menos por mais 50 anos? Uma democracia liberal? Representantes eleitos pelo povo em maioria na Assembleia Legislativa? Havia eleições para escolher o governo? Havia liberdade económica, mas coexistiria esta com a liberdade política? Claro que não. Existia um regime colonial em que os membros do governo eram todos portugueses e designados pelo Presidente da República Portuguesa, completamente à revelia da população de Macau, que não era tida nem achada. Existia liberdade de expressão? Sim, porque a Constituição portuguesa de 1975 a garantia, mas quem a exercesse contra o governo ou qualquer dos seus elementos era na prática ferozmente perseguido e a sua vida tornava-se muito difícil para não dizer insuportável. Ocorreram numerosos despedimentos na comunicação social pública, isto é, na TDM, por motivos assumidamente políticos. Outros, simplesmente, por não caírem no goto dos detentores do poder, como acontece em sociedades pequenas, dirigidas por mentalidades diminutas. Curiosamente, foi esta semana lançado um livro sobre os 25 anos de Macau, coordenado pela então presidente da TDM, a mesma que despediu uma série de jornalistas incómodos e manifestou grande intolerância enquanto sentada esteve na cadeira do poder, funcionando como um apparatchik de um regime totalitário, na defesa cerrada e cega dos desmandos da administração lusitana, mostrando que, de facto, é difícil ultrapassar tiques herdados de 48 anos de fascismo. Se o governo chinês, em Pequim, quisesse reproduzir o regime político tal qual existia antes de 1999, teria enviado um Chefe do Executivo e Secretários directamente de Pequim. Contudo, a opção foi “Macau governado pelas suas gentes”, pela primeira vez na História. Imaginem como se terão sentido as pessoas locais que, pela primeira vez, tiveram nas mãos as rédeas da sua cidade. E isto nunca é sublinhado nas reportagens dos media portugueses, vá-se lá saber porquê… Contudo, em termos políticos, teremos que considerar duas fases nestes 25 anos. Durante a primeira, assistiu-se a uma maior representatividade popular nos órgãos de soberania, nomeadamente na Assembleia Legislativa, tendo aumentado o número de deputados eleitos directamente, incluindo elementos extremamente críticos, não apenas do governo local, mas também do Governo Central e das políticas nacionais chinesas. O Chefe do Executivo passou a ser eleito por uma comissão de 400 notáveis locais, com o óbvio assentimento de Pequim. Os membros do governo foram sempre pessoas de Macau, com laços fortíssimos na sociedade, ao contrário do que sucedia anteriormente. O crescimento do Jogo, com o fim do monopólio da STDM, enriqueceu definitivamente a cidade para além dos mais ousados sonhos e criou milhares de postos de trabalho bem remunerados, aumentando assim o nível de vida da população. A segunda fase é desencadeada pela agitação político-social que ocorreu em Hong Kong. Ali, na cidade fundada pelos ingleses, graças à vergonhosa Guerra do Ópio, as potências ocidentais, nomeadamente os EUA e a Inglaterra (cujos consulados albergavam mais de mil pessoas cada!), procuraram por todos os meios criar uma situação em que era entendido que o “segundo sistema” serviria para atacar o “primeiro”, ou seja, o país e o seu regime político. Hong Kong seria, para estas mentes neo-colonialistas e imperialistas, um ponta de lança, em pleno território chinês, para atacar a China. Estudantes manipulados, burgueses assanhados, manifestações bem orquestradas, bem financiadas e dotadas de todos os gadgets possíveis e imaginários, foram permitidas e toleradas meses a fio, um período de tempo insuportável para qualquer país (em Wall Street, os manifestantes pacíficos, ao contrário de Hong Kong, foram removidos após 28 dias!), até que a cidade se encontrou totalmente paralisada e dividida. Nas ruas, sugeria-se a independência e a intervenção de Donald Trump, até de tropas estrangeiras. Outros pugnavam, com bandeiras, pelo regresso dos colonizadores ingleses. Chegou-se ao ponto de dezenas de elementos estranhos ocuparem uma universidade e dela quererem fazer um castelo inexpugnável às autoridades. Enfim, tudo foi feito para provocar uma reacção violenta de Pequim, do género mandar entrar o exército para acabar de vez e com sangue com a balbúrdia. Contudo, os governantes chineses foram mais espertos que isso. Ao invés do exército, enviaram uma lei: a Lei da Segurança Nacional e a partir daí muito mudou em Hong Kong e por extensão em Macau. Para a China, era claro que não podia admitir que o “segundo sistema” fosse aproveitado para atacar o “primeiro”, e como tal passou a ser considerado traição à Pátria pugnar pela independência de qualquer das duas regiões especiais. Assim, os “independentistas”, os que pediam a intervenção de tropa estrangeira, foram presos, julgados e condenados. Com a Lei da Segurança Nacional, a balbúrdia acabou e Hong Kong regressou à normalidade, não sem ter sofrido importantes golpes no seu prestígio enquanto centro financeiro da Ásia, devido a anos de paralisia e insegurança, motivados pelos protestos. Uma importante mudança política também ocorreu quando se definiu “Hong Kong governado por patriotas”. Tal decisão excluiu imediatamente da vida política uma série de actores cujo desempenho passava basicamente por servir os interesses estrangeiros em Hong Kong, nomeadamente para atacar o governo do país. Infelizmente, na enxurrada terão ido outros cujos objectivos não eram esses, mas que se viram misturados no bolo, talvez por se terem, inocentemente ou não, prestado a um lamentável papel. E, também infelizmente, esta política estendeu-se a Macau, embora por aqui nunca tenha ocorrido nada de semelhante. Tal facto limitou a eleição para a Assembleia Legislativa de vozes incómodas, não porque, na maior parte dos casos, defendessem interesses estrangeiros ou atacassem o Governo Central, mas porque se referiam às políticas dos governos locais, que nem sempre corresponderam às aspirações populares. Ou seja, por causa do que se passou em Hong Kong, Macau levou por tabela, embora nunca na RAEM tenham acontecido desmandos como os da ex-colónia britânica. Assim, agora também a RAEM é “governada por patriotas” e, por causa da Lei de Segurança Nacional, está fora de questão assumir quaisquer veleidades separatistas. Aliás, Macau, ao contrário de Hong Kong, havia aprovado uma lei de segurança nacional em 2009, cumprindo assim o artigo 23º da Lei Básica. Curiosamente, ninguém foi até hoje acusado em Macau de ter violado essa lei de 2009, nem a lei que a substituiu. Ou seja, nunca foram detectados pelas autoridades em Macau crimes de traição, sedição, etc., contra o estado chinês, que tenham chegado a tribunal. E, no entanto, um caso concreto motivou muito barulho e uma série de reacções em cadeia, nomeadamente na área da comunicação social, com repercussões sobretudo na comunidade portuguesa: a mudança editorial na TDM. Convém, desde já, lembrar que a TDM pertence ao governo de Macau, que paga na totalidade as suas despesas. A TDM nunca deu qualquer lucro, sendo pelo contrário um sorvedouro de muitas dezenas de milhões anuais. Os seus jornalistas são, de longe, os mais bem pagos de Macau e desfrutam de regalias inexistentes para os seus colegas de profissão que trabalham na privada. Ora durante os protestos de Hong Kong, sobretudo na sua fase final, os telejornais da TDM estavam, claramente e sem pudor, do lado manifestantes, ignorando completamente as posições governamentais locais ou do país. Obnubilados e delambidos pela defesa da “liberdade”, repórteres enviados para Hong Kong cobriam unicamente um dos lados da questão, nunca se preocupando em ouvir a outra parte, fosse ela o governo ou a parte da população que não estava com os manifestantes. Depois, durante meia-hora, surgia sempre o mesmo comentador: um advogado português, cujo principal cliente era uma empresa de Taiwan com ligações ao exército, desbundava acusações feéricas, afirmando que em Hong Kong estávamos perante “a maior violação dos direitos humanos desde a II Guerra Mundial” (!). Isto entre numerosas tiradas contra o governo chinês, reproduzindo a mais banal e rasca propaganda anti-China, ao nível de uma qualquer Fox News, entrecortadas por expressões de ódio e esgares alucinados. Nisto se transformou, durante um ano ou mais, a informação que era debitada diariamente pelo telejornal da TDM, uma estação de televisão pública. Nas redes sociais, as mesmas criaturas insultavam ad hominem quem não seguia a sua cartilha, quem não rezava pelas contas do mesmo rosário. Eu nunca tinha ouvido falar de um órgão de comunicação estatal que ataca, em primeiro lugar e sem peias, o mesmo estado que o sustenta, na prática defendendo a subversão e a queda do regime. Durante a administração portuguesa, por exemplo, em muito menor grau, tal não foi tolerado, como já vimos. Mas é claro que isto não podia durar para sempre e o Conselho de Administração da TDM viu-se obrigado a intervir, estabelecendo uma nova política editorial. Ora isto foi mal recebido por alguns jornalistas portugueses da TDM (10, entre rádio e televisão, num total de 34) que, sem terem sido despedidos, recusaram aceitar as novas regras e abandonaram pelo seu pé a empresa, tendo na maior parte dos casos regressado a Portugal onde, com uma ou duas excepções, parece que se dedicam a fazer suplementos sobre empresas ou trabalham em OCS neo-liberais ou de extrema-direita, exercendo certamente assim, a seu ver, uma total liberdade jornalística e a sua sinofobia. Fizeram bem, pois não haviam reparado que estavam na China e trabalhavam para uma empresa estatal. Acontece… Quanto à comunicação social privada em língua portuguesa, nada de relevante se passou. Os donos dos jornais em língua portuguesa são jornalistas e não empresários, por isso estão dependentes unicamente das suas próprias linhas editoriais e nunca houve queixas de intervenção ou ameaças por parte do governo local. Enfim, pela pena pesada de alguns destes ressabiados, surgiu em Portugal uma maledicência constante contra os jornalistas que ficaram em Macau, o que se traduziu em reportagens ignóbeis, recheadas de segundos sentidos e mentiras óbvias sobre os seus colegas de profissão e o estado dos órgãos de comunicação social (OCS) em Macau. Algo muito raro no mundo do jornalismo e que só OCS sem dignidade, nem sentido de classe profissional, são capazes de publicar. Foi o caso do Expresso, por exemplo, que escancarou as pernas a esta ignomínia. Não faço ideia se este OCS terá sido bafejado com parte da verba que os EUA destinam à propaganda anti-China, talvez através da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), uma das máscaras da CIA em Portugal, mas ainda que seja esse o caso, nada justifica ataques soezes a colegas de profissão. Por Macau, os jornais em língua portuguesa, ao invés de desparecerem, não só continuam a existir, como surgiu, entretanto, um novo semanário bilingue. As suas linhas editoriais são distintas e, amiúde, críticas das acções do governo local, denunciando falta de transparência, carências e/ou arbitrariedades. Ouvi também numa reportagem recente da TVI que sobrevivemos à conta de subsídios do governo. De facto, é certo que a ignorância é atrevida e a mentira não custa bolçar, tem é perna curta, cujo passo apenas encontra eco na maledicência frustrada de café. Basta consultar o Diário do Governo para ficar com a noção de que o subsídio anual atribuído pelo governo aos OCS paga pouco mais que um mês de despesas e não é a sua existência que nos permite a sobrevivência. Este subsídio foi criado pela administração portuguesa, baseada no facto que o mercado é muito pequeno e tal dificulta obviamente a sobrevivência dos OCS. Chamavam-lhe o “subsídio do papel”, pois acreditava-se que pagaria a impressão dos jornais. Tinha direito a ele quem publicasse, pelo menos, durante cinco anos. De 2001 a 2006, o Hoje Macau não recebeu quaisquer subsídios governamentais e isso não impediu a nossa existência. Após 1999, a administração chinesa manteve-o e é isto. Mas isto parece que causa raiva a muita gente, inveja noutras, o que explica o fedor exalado dessas mentes pouco limpas. Basicamente, os jornais são sustentados, com grande esforço da nossa parte e rigor orçamental, pela publicidade e por edições especiais sobre diversos temas, consoante o OCS em questão. De uma vez por todas, perceberam? Ou será preciso fazer um desenho, a três dimensões e cores garridas, para perceberem melhor? A verdade é que a comunidade portuguesa é altamente apoiada e protegida em Macau. A nível de associativismo, a Casa de Portugal existe e funciona porque recebe um subsídio anual do governo de alguns milhões de patacas, o que lhe tem permitido desenvolver numerosas actividades educativas, artísticas e lúdicas, dispondo de excelentes instalações, em vários pontos da cidade, e de um restaurante. Isto além de fornecer empregos a muita gente. E, sendo a principal, não é a única associação de portugueses que desfruta de apoios governamentais. Entendamo-nos: nos últimos anos de administração portuguesa a palavra de ordem era “levar” e não “deixar”. Os nossos governantes estiveram preocupados em sacar o que puderam (o número de contentores foi astronómico) e não em deixar bases concretas para a permanência da comunidade portuguesa em Macau. Diziam-me: “isto agora é para os chineses”, não entendendo o que significava uma presença de cinco séculos e a existência da comunidade macaense, com raízes seculares nesta terra e que, naturalmente, não desejava abandonar. A propósito, uma última palavra: é graças à comunidade macaense que os portugueses puderam permanecer em Macau durante tanto tempo. Foi sempre essa comunidade que soube encontrar os equilíbrios necessários entre dois povos culturalmente tão diferentes, de modo a diminuir potenciais conflitos e servindo de intermediária na comunicação. Este foi um trabalho de séculos que hoje nos colocaria numa situação de vantagem em relação aos outros países europeus nas relações com a China, assim soubessem os nossos governantes respeitar e aproveitar a situação que a História nos outorgou. Portugal tem uma dívida enorme para com esta comunidade. São contas ainda por saldar.
Hoje Macau Grande PlanoMacau | Descodificar um milagre económico e social O sucesso da cidade está ligado à proximidade do continente e a uma forte integração económica Por WILLIAM XU, China Daily Foram necessários apenas 25 anos para Macau colocar o seu nome ao lado das cidades mais bem sucedidas do mundo. A Região Administrativa Especial de Macau, com uma área de 33,3 quilómetros quadrados, um pouco mais pequena do que o Aeroporto Internacional de Pequim, está orgulhosamente no topo do ranking mundial do produto interno bruto per capita, da esperança de vida dos seus residentes e da extensão do seu sistema de segurança social. Desde então, Macau tornou-se um destino turístico de classe mundial, com hotéis boutique, monumentos atractivos e uma grande variedade de gastronomia que apela a quase todos os gostos. Através da sua história e património, a cidade é o ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente, o que lançou as bases para o papel de Macau como plataforma de intercâmbio entre as culturas chinesa e ocidental. Num quarto de século, Macau transformou-se de um humilde porto num centro cultural e de lazer. Esta evolução é um testemunho do espírito diligente dos residentes de Macau e constitui um apoio convincente ao princípio “um país, dois sistemas”, que integra Macau no projeto de desenvolvimento da nação e garante um elevado grau de autonomia no seu território. Mais perto, mais forte A chave do sucesso de Macau começa com os seus laços estreitos com a China continental. Todos os dias, cerca de 320.000 passageiros entram ou saem da cidade através da Porta da Fronteira – uma passagem terrestre que liga Macau à cidade vizinha, Zhuhai, na província de Guangdong. Nos primeiros tempos do regresso de Macau, o posto de controlo era muito menos movimentado. Em 2003, o governo central introduziu o Programa de Visita Individual, que permitia aos residentes de determinadas cidades do continente visitarem Macau sem se juntarem a grupos turísticos. Esta política, associada à decisão da RAEM de abrir a sua indústria do jogo um ano antes, alterou o panorama económico da cidade. Entre 2003 e 2019, as chegadas anuais de turistas a Macau aumentaram de 11,9 milhões para 39,4 milhões. A percentagem de visitantes do continente em relação ao número total de turistas aumentou de 48,3 por cento para 70,9 por cento. O afluxo constante de turistas ajudou a criar uma indústria turística lucrativa, trazendo riqueza para restaurantes, lojas de retalho, farmácias, hotéis e casinos. Pressentindo uma oportunidade de negócio de ouro, Chan Kam-tat, na altura com 27 anos, e a sua mulher, abriram uma farmácia em 2011. Hoje, a Healthy Life transformou-se numa cadeia de seis pontos de venda a retalho e dois centros de distribuição. “Os primeiros tempos coincidiram com uma vaga de turistas do continente, pelo que o nosso negócio prosperou”, diz Chan. Ele também atribui à implementação da política de dois filhos em janeiro de 2016 o aumento das vendas de leite em pó nas suas farmácias. “O curso do crescimento do nosso negócio está intimamente ligado à pátria”, disse Chan. Para além do impulso dado pelo turismo, em outubro de 2003, a assinatura do Acordo de Parceria Económica Reforçada entre o Interior da China e Macau (CEPA) concedeu aos comerciantes de Macau um acesso preferencial ao vasto mercado do Interior da China e também facilitou o investimento transfronteiriço. Desde então, foram ratificados 10 suplementos e múltiplos acordos para reforçar o CEPA, aprofundando ainda mais a cooperação no domínio do comércio de bens e serviços e do investimento. Até setembro de 2023, o acordo tinha poupado mais de 90 milhões de patacas (11,3 milhões de dólares) em direitos aduaneiros para as empresas de Macau. O acordo facilita o acesso ao mercado, o investimento e o intercâmbio cultural entre Macau e o Interior da China e reforça a atração da cidade como centro internacional de negócios, disse Francisco Leandro, professor associado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Macau. “A estratégia também sublinha a importância de Macau para as iniciativas económicas mais amplas do país”, acrescentou Francisco Leandro. Transformação A apenas 10 minutos de carro das Portas do Cerco, encontra-se a colorida baixa da cidade, onde as linhas entre o charme mediterrânico e a cultura Lingnan da região se confundem. Centrada em torno da Avenida de Almeida Ribeiro, de 620 metros, ou “avenida nova”, os mercados e templos chineses, bem como as igrejas e edifícios residenciais de estilo europeu do sul, pontilham as ruas e colinas. Esta zona foi durante séculos o coração comercial de Macau. Adornada com calçadas pretas e brancas de estilo português e com edifícios residenciais e religiosos de baixa altura de design latino e chinês, a baixa de Macau está na lista de desejos da maioria dos turistas. Durante o dia, os visitantes podem provar as iguarias das bancas de comida que servem os favoritos locais, como o pão com porco frito e a carne seca. A próspera zona cultural e comercial, com 22 edifícios emblemáticos, foi inscrita como Património Mundial da UNESCO em 2005 e é conhecida como o “Centro Histórico de Macau”. Wu Zhiliang, presidente do conselho de administração da Fundação Macau, disse que a inscrição era a afirmação pela comunidade internacional das contribuições da cidade para o diálogo entre as culturas oriental e ocidental. A fundação de Wu – um organismo semi-oficial destinado a promover vários sectores da cidade – associou-se ao governo da RAEM para levar a cabo projectos educativos e de investigação no centro histórico. No extremo sul da baixa da cidade, situa-se o Templo A-Ma, um local sagrado dedicado à deusa do mar Mazu. Segundo a tradição local, acredita-se que o templo é a raiz etimológica do nome da cidade – Macau. Em 2023, foi inaugurada uma estação de metro ligeiro perto do templo, oferecendo serviços de trânsito que ligam a Península de Macau à Ilha da Taipa. Numa viagem de comboio de 13 minutos a partir da estação adjacente ao Templo de A-Ma, os passageiros podem ver hotéis opulentos e réplicas da Torre Eiffel e do Big Ben. Este é o novo coração da indústria de lazer de Macau – Cotai. Há vinte e cinco anos, a extensão de 6,1 quilómetros quadrados de terra recuperada estava vazia e aguardava aprovação de planeamento. Com os benefícios resultantes do programa de visitas individuais e da flexibilização das regras de funcionamento dos casinos, o Cotai transformou-se num conjunto de hotéis internacionais, centros comerciais, casinos, salas de espectáculos e instalações desportivas, proporcionando aos turistas novas e excitantes experiências. O Cotai é o lar de outro pilar da economia de Macau, a indústria do jogo. Antes da pandemia da COVID-19, as receitas do jogo representavam mais de 60% do PIB de Macau no seu auge e os operadores de casinos pagavam mais de 100 mil milhões de patacas em impostos todos os anos. O florescimento das indústrias do turismo e do jogo trouxe uma riqueza inimaginável a Macau e aos seus 700 000 habitantes. Esta riqueza permitiu ao governo da RAEM construir um sistema de proteção social abrangente, invejado por muitas outras cidades. Macau oferece serviços médicos gratuitos a todos os residentes com 65 anos ou mais. A cidade inaugurou um programa de educação gratuita de 15 anos no ano lectivo de 2007-2008, que abrange desde o jardim de infância até ao fim do ensino secundário, e subsidia as pessoas que prosseguem os estudos. Em 2008, foi iniciado o programa de comparticipação na riqueza, que consiste na distribuição de dinheiro a todos os residentes titulares de bilhetes de identidade permanentes ou não permanentes da RAEM. Em 2024, cada residente permanente recebeu 10 000 patacas, enquanto os residentes não permanentes receberam 6 000 patacas. Durante mais de duas décadas, Macau manteve uma taxa de desemprego global inferior a 2% e o rendimento médio mensal passou de 4.920 patacas em 1999 para 17.500 patacas em 2023. Economia em evolução No entanto, a riqueza substancial não cegou Macau para as potenciais armadilhas da dependência da indústria do jogo. Nos últimos anos, a cidade adoptou diferentes abordagens para diversificar a sua economia de uma forma saudável e sustentável. Em 2023, o sector não relacionado com o jogo contribuiu com mais de 60% do PIB da cidade, ultrapassando as proporções de há 20 anos. Os principais motores deste aumento foram os sectores imobiliário e dos serviços às empresas, bem como o sector bancário e dos seguros. Os empresários são pioneiros em modelos de negócio inovadores para se adaptarem à evolução da paisagem económica. Chan, o proprietário da cadeia de farmácias, reconheceu a crescente utilização das compras digitais por parte dos clientes do continente. Isto levou-o a aprender comércio electrónico com os seus pares do continente e a renovar os serviços que oferece. Em 2023, o governo da RAEM publicou um plano para a diversificação económica, que traçava roteiros para impulsionar quatro sectores emergentes: a grande saúde, os serviços financeiros, a alta tecnologia, bem como as indústrias de convenções, exposições, comércio, cultura e desporto. Sam Hou-fai, o novo chefe do executivo da cidade, fez da exploração de reformas inovadoras na estrutura económica da cidade uma pedra angular da sua agenda. Outros objectivos incluem a melhoria dos meios de subsistência da população, a integração no desenvolvimento nacional e o reforço da colaboração com os países de língua portuguesa. Entretanto, Macau intensificou os seus laços económicos e sociais com outras cidades da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, o que foi marcado pela inauguração da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau em 2018. Hengqin, uma zona de desenvolvimento sob a jurisdição de Zhuhai, localizada a apenas 4 quilómetros do distrito de Cotai, é uma nova chave para as ambições de transformação de Macau. Em 2021, o governo central publicou um plano abrangente para promover o desenvolvimento da Zona de Cooperação em Profundidade Guangdong-Macau em Hengqin, considerando a área de 106 quilómetros quadrados – três vezes o tamanho do território de Macau – uma base indispensável para a segunda transformação da RAEM de um centro de lazer para uma economia moderadamente diversificada. Incentivar as indústrias A zona, administrada conjuntamente pelas autoridades de Zhuhai e de Macau, dispõe de recursos fundiários e de políticas favoráveis para fomentar as principais indústrias emergentes, essenciais para a estratégia de diversificação económica de Macau. Estes sectores incluem a indústria transformadora de alta qualidade, a medicina tradicional chinesa e os serviços financeiros modernos. Em junho, a zona contava com mais de 17.000 empresas activas em sectores emergentes, um aumento de 20,1 por cento em comparação com o final de 2021, tendo estas empresas contribuído com 47,1 por cento para o PIB da zona. O Novo Bairro de Macau, uma comunidade de 190.000 metros quadrados que integra edifícios residenciais, escolas, instituições de saúde e centros de cuidados a idosos, foi construído na zona de cooperação para proporcionar espaços e serviços de qualidade aos residentes de Macau. Ao incorporar instalações e serviços padrão de Macau, o projeto cria uma transição perfeita para os residentes de Macau que se mudam para Hengqin, disse Duarte Alves, presidente da assembleia geral da Associação da Juventude Macaense. “O projecto, juntamente com os incentivos fiscais únicos de Hengqin e os procedimentos simplificados para negócios transfronteiriços, atrairá talentos e investimentos, criando comunidades vibrantes que apoiam os esforços de diversificação de Macau”, disse Alves. O desenvolvimento da zona de cooperação também beneficia o sólido sector do turismo de Macau. Desde 6 de maio, os viajantes do continente que se juntam a grupos turísticos podem fazer várias entradas entre a zona de cooperação e Macau durante um período de sete dias. Morlin Teng Fong, presidente da Associação de Cultura e Turismo da Área da Grande Baía de Macau, disse que cerca de 1.000 guias turísticos de Macau obtiveram autorizações de trabalho em Hengqin nos últimos anos, o que lhes permite atender mais eficazmente os turistas do continente. Teng disse que o sector do turismo de Macau vai intensificar a formação para aprofundar o conhecimento de toda a indústria sobre as oportunidades de Hengqin no futuro. Com os avanços dos últimos 25 anos firmemente estabelecidos, Macau olha para o próximo quarto de século com optimismo. Estão já em curso planos ambiciosos para aperfeiçoar a sua estrutura económica e solidificar as suas atracções turísticas e culturais, de modo a garantir a prosperidade e a estabilidade das gerações vindouras.
Hoje Macau Manchete PolíticaMacau 25 anos | Intérprete de Deng Xiaoping realça Macau como exemplo “Eu diria que, para o Governo Central e para as 1,4 mil milhões de pessoas no continente chinês, Macau tem sido um exemplo de grande sucesso da fórmula ‘Um País, Dois Sistemas'”, disse à agência Lusa Gao Zhikai, que serviu como intérprete do antigo líder chinês Deng Xiaoping e é actualmente um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa. Aquela fórmula, que permitiu definir para Macau e Hong Kong um elevado grau de autonomia a nível executivo, legislativo e judiciário, foi originalmente proposta por Deng, no final dos anos 1970, como solução para reunificar Taiwan. Em Macau, a “melhoria dos índices”, desde a transferência da administração de Portugal para a China, “falam por si”, destacou Gao. “Macau alcançou estabilidade, crescimento, paz e rápido desenvolvimento económico”, disse. A imprensa estatal chinesa enfatizou igualmente o desenvolvimento da região nos últimos 25 anos. Num artigo intitulado “A prosperidade de Macau dissipa as dúvidas sobre [o modelo] ‘Um País, Dois Sistemas’” a agência noticiosa oficial Xinhua escreveu que “outrora conhecida como a ‘cidade dos casinos’ e cenário frequente de filmes de ‘gangsters’, [Macau] transformou-se numa cidade dinâmica, celebrada pela sua vitalidade económica, baixas taxas de criminalidade e excepcional bem-estar público”. Da passagem da administração portuguesa ficou, entre outros, os edifícios coloniais, a calçada portuguesa, os azulejos, mas também património imaterial como a língua portuguesa, que continua a ser oficial nos serviços públicos e o Direito, que é de matriz portuguesa. Gao Zhikai disse que a China vê como “positiva” a manutenção dessa herança, e estabelece um contraste com a política da Índia para a região de Goa, “onde a influência portuguesa foi eliminada após a integração”. “A China e o seu povo não têm qualquer problema em manter a herança portuguesa em Macau”, sublinhou.
Andreia Sofia Silva EventosRAEM, 25 anos | Livro com testemunhos sobre transição lançado hoje Depois de um primeiro lançamento em Lisboa, “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos” será lançado hoje na Livraria Portuguesa a partir das 18h30. O livro editado pela Âncora Editora reúne testemunhos de personalidades como Rocha Vieira, ou o jornalista António Caeiro A Livraria Portuguesa acolhe hoje o lançamento, a partir das 18h30, do livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos”, com coordenação de Maria do Carmo Figueiredo, antiga jornalista da Teledifusão de Macau (TDM). Segundo a apresentação da Âncora Editora, a obra é um “dicionário de pessoas e factos com 25 testemunhos inéditos”. Na sessão de hoje estarão presentes alguns dos autores de testemunhos, nomeadamente Gilberto Lopes, jornalista; Carlos Cid Álvares, CEO do Banco Nacional Ultramarino; Rui Martins, vice-reitor da Universidade de Macau; e ainda Jorge Silva, jornalista da TDM. Pretende-se, assim, dar-se a conhecer “o encontro entre o Ocidente e o Oriente, as conversações e as negociações para a transferência de poderes, a gestão de Macau após o 25 de Abril e no período de transição, o impacto na educação, na cultura, na vida económica, financeira e social, na comunicação social em língua portuguesa, na ponte com Portugal-China-Países de língua oficial portuguesa, na preservação do legado luso em Macau, quando se aproxima a celebração dos 450 anos da Diocese em Macau, em 2026”. Destaque para os testemunhos de algumas figuras-chave do processo de transição de Macau, nomeadamente dos antigos Presidentes da República portuguesa António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva. A obra foi lançada no passado dia 10 de Dezembro, em Lisboa, tendo contado com apresentação de António Vitorino, figura histórica do Partido Socialista e antigo secretário-adjunto de Macau. Foi também uma figura ligada ao processo de transição. António Vitorino destacou, nessa sessão, que “não é possível congelar a história”, pelo que olha para o livro em questão com “nostalgia da Macau e da China que conheci”. Há 25 anos, “as tarefas que estavam à frente da Administração de Macau e de Portugal pareciam-me ciclópicas”, salientou, lembrando “uma história de sucesso com vicissitudes de ambos os lados”. A visão da China Um dos testemunhos do livro é de António Caeiro, jornalista que chegou a Pequim em 1991 para trabalhar na delegação da agência Lusa, e que por lá ficou muitos anos. Na obra é referida a visão da República Popular da China face a Macau, que na história ensinada no país é descrito desta forma: “Ao Men é o primeiro de muitos territórios chineses ocupados ilegalmente pelos colonialistas ocidentais”. No testemunho cedido ao HM por António Caeiro, lê-se ainda que, segundo o manual do ensino secundário na China, em 1553 “os portugueses usurparam o direito de residência em Macau” e quatro anos depois “começaram a sua longa ocupação” do território. “Através do suborno de funcionários locais – diz o compêndio de Bai Shouyi – os portugueses ocuparam parte de Macau alegando que tinham obtido um contrato de aluguer”, descreve Caeiro. Naquilo que descreve como “noite inesquecível”, o jornalista destaca que “nunca se falou tanto de Macau na China continental como nos dias que antecederam a transferência de poderes”. “Além de reportagens e documentários, a Televisão Central da China (CCTV) exibiu uma telenovela de 27 episódios intitulada ‘A História de Macau’, sobre a vida de uma ‘patriótica família chinesa’ do território. Os personagens portugueses da ficção pareciam simples figurantes, mais ou menos de passagem”, recorda.
Hoje Macau Manchete SociedadeRAEM 25 Anos | Comunidade olha para diferenças antes e depois da transferência Os portugueses Rui Furtado e Alexandra Veredas aterraram em Macau com três décadas de distância e olham para a cidade e as mudanças pós-transição de forma distinta A viver há mais de 30 anos em Macau, Rui Furtado, cirurgião, considera-se hoje tanto da região chinesa como de Portugal. Chegou no início dos anos 1990, entrava o território na última década sob domínio português. Para trás, ficou Lisboa e o Hospital de Santa Maria. “O salário e as condições de vida permitiam que as pessoas tivessem uma vida mais sossegada [em Macau]”, começa por dizer o médico à Lusa. Trabalhou no hospital público local mais de 20 anos, transitando, em 2013, para o sector privado. Mas de lá para cá, o que levava tantos clínicos a atravessarem mundo perdeu-se, na perspectiva deste açoriano, natural de Ponta Delgada. Se tivesse hoje os 46 anos que tinha quando aterrou em Macau, não faria a mesma escolha: “Não oferece garantias de estabilidade para quem começa uma vida aqui a trabalhar como médico”. Macau não aceita desde o ano passado novos pedidos de residência para portugueses, para o “exercício de funções técnicas especializadas”, permitindo apenas justificações de reunião familiar ou anterior ligação ao território. As orientações eliminam uma prática firmada após a transição de Macau, em 1999. A alternativa para um português garantir o bilhete de identidade de residente (BIR) passa por uma candidatura aos recentes programas de captação de quadros qualificados. Outra hipótese é a emissão de um ‘blue card’, autorização limitada ao vínculo laboral, sem os benefícios dos residentes, nomeadamente ao nível da saúde ou da educação. A um médico português que chegue hoje ao território é atribuído este estatuto, diz Furtado. “É discriminatória a maneira como são tratados os ‘blue cards’, quando ao fim e ao cabo são a base da vida em Macau”, declara. No final de Outubro, Macau contava com cerca de 182 mil trabalhadores não-residentes, num total de pouco mais de 686 mil habitantes na cidade (números de Setembro), indicam dados oficiais. Mais burocracia A académica da Universidade Politécnica de Macau (UPM) Vanessa Amaro, que se tem dedicado ao estudo da comunidade portuguesa em Macau , nota que quem chega ao território depara-se agora com um contexto socioeconómico e político diferente, “marcado por mais restrições e desafios burocráticos, como a dificuldade em obter residência e contratos de trabalho com menos regalias”. Esta limitação na residência “desmotiva muitos a considerar Macau como uma opção de longo prazo, limitando a estabilidade e o sentimento de pertença”, analisa. Outros factores pesam na altura de escolher esta cidade no sul da China, nomeadamente a “crescente reputação nos meios de comunicação portugueses como uma região” que “está a perder algumas das liberdades e características que anteriormente a distinguiam”, diz. Nos últimos anos, ecos das mudanças políticas em Hong Kong, em resposta às gigantes manifestações anti-governamentais, chegaram a Macau. A deterioração das liberdades tem sido abordada por várias instituições, incluindo UE e ONU, que expressaram preocupação com decisões como a desqualificação de candidatos pró-democracia às legislativas. Críticas repudiadas pelo Governo local. Aposta satisfatória Alexandra Veredas, professora de Matemática e Ciências, chegou a Macau em Agosto de 2023, tendo-lhe sido atribuído um ‘blue card’. Nada que tenha assustado esta natural de Moura, que, depois de leccionar em várias cidades portuguesas e diferentes países, assume viver “em constante descoberta”. “Vim, pelo menos, por um ano, depois vai-se ficando ou não. Para mim, nada é definitivo”, refere a professora da Escola Portuguesa de Macau. Para Alexandra Veredas, de 53 anos, segurança e finanças são vantagens: “é um sítio muitíssimo seguro, onde realmente o vencimento que temos é perfeitamente ajustável às necessidades e é possível fazer uma poupança, o que nos tempos actuais é difícil na Europa”. Os censos de 2021 indicam mais de 2.200 pessoas nascidas em Portugal a viver em Macau. A última estimativa dada à Lusa pelo Consulado-geral de Portugal apontava para mais de 100 mil portadores de passaporte português entre os residentes de Macau e Hong Kong. “Muitos dos novos residentes vêm com contratos de trabalho temporários ou como parte de missões específicas, enquanto a comunidade pré-transição era composta por indivíduos e famílias que geralmente tinham uma ligação mais permanente ao território, em parte devido às condições de estabilidade e maior abertura política e social da época”, avalia a professora. No entanto, salienta Amaro, muitos jovens que chegaram após a transição e com uma perspectiva temporária de Macau, acabaram por constituir família. Um fenómeno que “tem contribuído para a revitalização da comunidade”, com o nascimento de crianças portuguesas, “fortalecendo laços locais e ampliando a presença de uma nova geração luso-descendente”. À Lusa, a académica lembra outro episódio com impacto na presença portuguesa: as rigorosas restrições adoptadas durante a pandemia da covid-19. Apesar disso, observa que “muitas pessoas que partiram decidiram regressar”. “A experiência de viver num território com uma dinâmica multicultural única, combinada com a forte ligação emocional e social estabelecida ao longo dos anos, fez com que o regresso a Macau se tornasse uma escolha natural para aqueles que não se sentiram plenamente integrados no seu país de origem ou noutros destinos”, realça. No que diz respeito à relação com as autoridades, esta varia. A comunidade sente-se valorizada, especialmente no que diz respeito à preservação da língua portuguesa e papel de Macau como plataforma entre a China e os países lusófonos, diz. Mas salienta: existe uma “percepção crescente de perda de visibilidade e de apoio”, nomeadamente em relação à participação em decisões locais. “Tem a ver com o facto de cada vez haver menos portugueses em cargos de decisão e de chefia, por isso as opiniões dos portugueses são cada vez menos levadas em consideração”, explica.
Hoje Macau PolíticaRAEM 25 anos | John Lee vem a Macau na sexta-feira O Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, irá chefiar uma delegação de governantes que se desloca a Macau na sexta-feira por ocasião da cerimónia de celebração do 25º aniversário da RAEM e da tomada de posse do VI Governo da RAEM, liderado por Sam Hou Fai. Numa nota do Governo da região vizinha, foi referido que a delegação da RAEHK chega a Macau amanhã, partindo logo na sexta-feira. Além de John Lee, o Executivo de Hong Kong será representado pelo secretário das Finanças Paul Chan, o secretário da Justiça Paul Lam, o secretário para os Assuntos Constitucionais e do Interior Erick Tsang Kwok-wai e a directora do Gabinete do Chefe do Executivo Carol Yip. Na sua ausência, John Lee será substituído pelo Secretário-Chefe da Administração, Chan Kwok-ki. Na mesma nota, John Lee declarou que vem a Macau “felicitar Sam Hou Fai”, tendo descrito a relação de Macau e Hong Kong como “de irmãos, com um frequente intercâmbio” e prometido uma comunicação próxima nos próximos anos. John Lee disse ainda esperar dialogar com o novo Chefe do Executivo de Macau sobre as possibilidades de cooperação em várias áreas no futuro, tendo em conta que ambos os territórios fazem parte do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. A confirmação da vinda de uma delegação governamental de Hong Kong a Macau foi feita ontem numa sessão com jornalistas antes de uma reunião do Conselho Executivo.
Hoje Macau SociedadeRAEM, 25 anos | Lançada canção “Herança e Origem” Foi ontem lançada a canção temática em celebração do 25.º aniversário do estabelecimento da RAEM, intitulada “Herança e Origem”. Esta música foi produzida pela Associação de Indústria de Música de Macau, com composição de Pun Kuan Pou e letra de Rico Long. A interpretação ficou a cargo de vários cantores e bandas de Macau, incluindo Sean Pang, Ken Sou, Rico Long, KC Ao Ieong, Iron Ian, Winifai, Elisa Chan, Kylamary Ma, ALL IN e SCAMPER. A canção, produzida com o apoio do Governo, combina “melodias chinesas com as características de Macau, sublinhando a unidade e a coesão da nação chinesa”, descreve-se num comunicado. A canção já pode ser ouvida nas plataformas digitais.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaRAEM, 25 anos | António Vitorino destaca fracasso na diversificação O antigo secretário-adjunto do Governo de Macau entre 1986 e 1987, destacou esta segunda-feira os pontos mais difíceis na negociação da transição de Macau com a China. No que respeita à autonomia, “talvez o sector onde tal foi menos conseguido tenha sido o da economia”, defendeu António Vitorino na apresentação do livro que reúne 25 testemunhos sobre a transição António Vitorino, antigo secretário-adjunto do Governo de Macau nos anos de 1986 e 1987 e figura ligada ao processo de transição de Macau, defendeu esta segunda-feira, em Lisboa, no lançamento do livro “Macau entre Portugal e a China – 25 testemunhos”, que o ponto menos conseguido foi a garantia de autonomia económica do território. “Talvez o sector onde isso tenha sido menos conseguido tenha sido o da economia. Já se falava, na altura, na necessidade de diversificação, dada a extrema dependência da economia em relação ao jogo, um facto de força, mas também de vulnerabilidade. Hoje, em Macau, continua-se a debater a necessidade de diversificar a economia. Mas conseguimos salvaguardar o estatuto emissor do BNU [Banco Nacional Ultramarino] e a subsistência da pataca como moeda da RAEM”, apontou. António Vitorino, personalidade histórica do Partido Socialista (PS), referiu ainda o dossier em torno da nacionalidade dos residentes de Macau como um dos processos mais “difíceis”. “Verificou-se uma diferença substancial entre Macau e Hong Kong, que foi objecto de grande crítica por parte da opinião pública ao Governo de Hong Kong e inglês. Engendramos um sistema engenhoso da troca de memorandos, em que consideramos portugueses os cidadãos nascidos em Macau até 1981 e cuja nacionalidade era depois transmitida, mas foi uma negociação muito difícil.” Vitorino destacou também a necessidade de preservar “o património construído” de matriz portuguesa, pois “foi muito difícil fazer compreender à parte chinesa que havia esse património construído em Macau que tinha de ser preservado”. “Portugal queria ter garantias que não seria subvertido pela RAEM. O nosso grande argumento é que não podíamos ser punidos pelo facto de os ingleses não terem deixado património construído em Hong Kong”, lembrou. A manutenção do estatuto da Igreja Católica em Macau foi outro dos pontos sensíveis na discussão com os chineses. “Foi possível negociar com a China o estatuto da Igreja Católica em Macau que não era apenas ligado ao culto, mas tratava-se também de uma importante presença no ensino. Isso marca uma interessante diferença histórica em relação a Hong Kong, com um modelo inglês de matriz pública. Mas Macau sempre teve um ensino feito por instituições ligadas à Igreja, e o ensino público só surge depois de 1910.” Tarefas “ciclópicas” Vitorino, hoje um nome falado em Portugal como potencial candidato à Presidência da República, lembrou que “não é possível congelar a história”, pelo que olha para o livro editado pela Âncora Editora com “nostalgia da Macau e da China que conheci”. Há 25 anos, “as tarefas que estavam à frente da Administração de Macau e de Portugal pareciam-me ciclópicas”, salientou, lembrando “uma história de sucesso com vicissitudes de ambos os lados”. Do lado chinês, estas eram Tiananmen, cuja tensão em 1989 foi “um momento muito difícil e delicado deste percurso”. “Tivemos, nestes 25 anos, a afirmação da China como potência global, com tudo o que isso significa em termos de assertividade, afirmação, pujança económica e ambição política. Houve vicissitudes em Macau e Portugal, mas manda-me a prudência que não as especifique.” Acima de tudo, António Vitorino destacou que sempre se procurou “um bom entendimento entre Portugal e a China”, sendo que havia, para começar, “diferentes interpretações sobre as razões da nossa presença multisecular no território de Macau”. No tocante à transição de Hong Kong, o histórico socialista referiu que o Reino Unido “optou por uma estratégia mais adversária, de constante tensão”. “Achamos sempre que a estratégia a seguir devia ser o de procurar o melhor entendimento com a República Popular da China, porque era isso que iria garantir o melhor resultado para Macau e as suas populações. Seria interessante fazer o relato daquilo que o Reino Unido tentou criar de problemas ao nosso bom relacionamento entre Portugal e a China. A nossa estratégia provou funcionar e criou condições para que falemos de uma história de sucesso”, rematou.
Hoje Macau EventosRAEM, 25 anos | Lançado livro com testemunhos “incontornáveis e poderosos” Foi ontem lançado, em Lisboa, na Biblioteca das Galveias, o livro “Macau entre Portugal e a China – 25 testemunhos”, com coordenação de Maria do Carmo Figueiredo, antiga presidente da Teledifusão de Macau. Eis uma oportunidade para recordar palavras sobre Macau de personalidades como Ana Paula Laborinho, José Garcia Leandro, antigo governador, ou Carlos Monjardino A coordenadora do livro “Macau entre Portugal e a China – 25 testemunhos” disse à Lusa que a obra conta com testemunhos “incontornáveis e poderosos” sobre a transferência de administração portuguesa de Macau para a China. “Pensei que era importante ter um livro que falasse de Macau e procurei 25 testemunhos inéditos para assinalar a data”, refere Maria do Carmo Figueiredo, jurista, que relembra que dia 20 de Dezembro se assinalam os 25 anos da transferência da administração portuguesa de Macau para a República Popular da China, nos termos da Declaração Conjunta, assinada em Abril de 1987, em Pequim. A antiga presidente da TDM (Teledifusão de Macau), que escolheu as 25 personalidades que colaboram nesta obra, destaca os testemunhos de três protagonistas da história. São eles, os antigos Presidentes António Ramalho Eanes, Aníbal Cavaco e Silva e do último Governador de Macau, Vasco Rocha Vieira. “A forma como decorreram as negociações e o conteúdo do acordo foram um exemplo para a comunidade internacional”, escreve Aníbal Cavaco Silva, ex-Presidente português (2006-2016) e primeiro ministro, que assinou em Pequim a Declaração Conjunta entre Portugal e a China. No seu testemunho, Cavaco Silva, acrescenta, ainda, que “foi um bom acordo, que salvaguardou direitos políticos, económicos, religiosos, sociais e laborais dos habitantes de Macau”. Para António Ramalho Eanes, Presidente entre 1976 e 1986, “o acordo conseguido em conformidade com o princípio ‘Um país, dois sistemas’ honrou a República Popular da China, respeitou a dignidade de Portugal e salvaguardou os interesses de Macau.” Por outro lado, é destacado pelo General Vasco Rocha Vieira, último Governador de Macau, que ” a localização linguística e o trabalho desenvolvido no sentido de afirmar o bilinguismo em Macau esteve diretamente relacionado com a localização das leis” e, acrescenta, que “a preservação da identidade de Macau era um objetivo estratégico quando se refletia sobre o processo de transição a longo prazo”. Uma espécie de dicionário Neste livro, de 302 páginas, que constitui “um dicionário de pessoas e factos”, é possível o leitor ficar a conhecer “o encontro entre o Ocidente e o Oriente, as conversações e as negociações para a transferência de poderes, a gestão de Macau após o 25 de Abril e no período de transição, o impacto na educação, na cultura, na vida económica, financeira e social, na comunicação social em língua portuguesa, na ponte Portugal- China-Países de língua oficial portuguesa, na preservação do legado luso em Macau e do legado de Macau em Portugal e na permanência da Igreja Católica em Macau”. Sobre este último aspecto, escreve a coordenadora sobre “a importante” referência no testemunho de padre Peter Stilwell ao Presidente Mário Soares, “que sempre encorajou a Igreja Católica a retomar o ensino superior em Macau”. Maria do Carmo Figueiredo destaca, também, o testemunho “notável” do embaixador Pedro Catarino, representante da República há mais de dez anos na Região Autónoma dos Açores e o primeiro chefe da parte portuguesa no Grupo de Ligação Conjunto entre Portugal e a China. Por último, a coordenadora destacou o contributo de todos aqueles que tornaram possível esta obra, citando vários nomes, entre eles, os de jornalistas. Além dos cinco testemunhos referidos anteriormente, colaboraram nesta obra, Adriano Jordão, Ana Paula Laborinho, António Caeiro, António Noronha, Carlos Cid Álvares, Carlos Monjardino, Eduardo Marçal Grilo, Gilberto Lopes, João Charters de Almeida, Joaquim Chito Rodrigues, Jorge Rangel, Jorge Silva, José Avillez, José Garcia Leandro, José Rocha Dinis, José Rodrigues dos Santos, Maria Alexandra Costa Gomes, Maria Celeste Hagatong, Pedro Pauleta e Rui Martins. O livro tem a chancela da Âncora editora e foi apresentado por António Vitorino, figura histórica do Partido Socialista e ligado à última administração portuguesa de Macau.