RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 

 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.

“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.

João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.

“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”

O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”

Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.

“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.

“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”

Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”

Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”

Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.

Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.

“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”

 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.

Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”

Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.

Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.

“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.

Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.

Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”

Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.

“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”

Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.

“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.

 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.

Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.

O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”

Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”

Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 
 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.
João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.
“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.
João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.
“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”
O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”
Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.
“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.
“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”
Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”
Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”
Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.
Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.
“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”
 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.
Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”
Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.
Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.
“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.
Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.
Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”
Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.
“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”
Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.
“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.
 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.
Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.
O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”
Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”
Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

Garcia Leandro, ex-Governador de Macau (1974-1979): “Macau foi a antecipação do futuro”

A sua Administração criou as bases para muito do que Macau tem hoje, incluindo a composição da Assembleia Legislativa. O trabalho foi tanto, com a implementação do Estatuto Orgânico de Macau, que o General Garcia Leandro teve um esgotamento. Duas décadas depois da transição, o ex-Governador defende que houve um certo desconhecimento por parte de alguns negociadores chineses face às especificidades de Macau, enquanto que, da parte dos portugueses, houve falta de estabilidade política. Hoje é presidente da Fundação Jorge Álvares

 

 

[dropcap]O[/dropcap] início desta fundação ficou marcado por uma polémica, pois Jorge Sampaio não concordou com a sua criação. 20 anos depois, a fundação ainda vive à sombra disso?

Tenho muito pena que essa polémica tenha existido, principalmente por ter envolvido duas pessoas que trabalharam muito por Portugal: o último Governador, general Vasco Rocha Vieira, e o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio. Mas a fundação também sofreu com o que vinha detrás, ou seja, a polémica com a Fundação Oriente (FO). Mas não me incomodam nada essas coisas conjunturais de há 20 anos. O que me interessa são os objectivos da fundação e estes passaram por criar um conjunto, composto pela fundação e outras instituições, que permitisse reforçar as ligações com Macau e com a China para o futuro. Na perspectiva do último Governador de Macau, [a fundação olhava para] o trabalho que foi feito até ao dia 20 de Dezembro de 1999, mas também servia projectar o futuro. Até porque, de todos os antigos territórios ultramarinos, Macau foi aquele cuja saída foi feita da melhor forma e com mais dignidade, com uma relação óptima entre Portugal e a China que foi um exemplo para o mundo. Não tem comparação com o que se passou em Hong Kong. Criou-se uma uma instituição científica, histórica e académica aqui, [o Centro Cultural e Científico de Macau], o Instituto Internacional de Macau (IIM) e a fundação. Temos vindo a reforçar muito as relações com a China e Macau. Os chineses, na Administração da RAEM, têm estado todos connosco. A senhora O Tin Lin [chefe da delegação económica e comercial de Macau em Lisboa] trabalhou connosco, e agora vem o novo representante da RAEM em Lisboa, o doutor Alexis Tam, que tem uma influência local muito importante. Macau foi, ao longo da história, a antecipação do futuro, porque foi sempre uma mistura de toda a gente. Fazia parte do império comercial do Oriente, composto por Goa, Malaca, Macau, Cantão e o Japão. Durante muito tempo só se entrava na China através de Macau, e não se passava de Cantão. Isso só se perde quando os ingleses, depois da Guerra do Ópio, em 1841 ou 1842 ocupam Hong Kong e começa-se a perder a influência portuguesa, e Macau começou a perder importância. O que é espantoso é que volta a ganhar importância depois do 25 de Abril de 1974.

Como?

Foi o que eu vivi, numa época muito, muito difícil politicamente, financeiramente… tudo era difícil. Havia instabilidade, medo. O Estatuto Orgânico de Macau (EOM) de 1976 é o que dá a grande estabilidade porque deu autonomia administrativa, política, financeira e económica a Macau. Criaram-se condições para localmente se poder gerir os interesses de Macau sem ter de pedir tudo a Lisboa. Isso através do Governador e da Assembleia Legislativa (AL).

Isso fez de Macau um novo interposto comercial.

Sim. Por exemplo, as corridas de cavalos, a universidade, ambos na Taipa. Foram ambos contratos meus. Eu não tive de pedir a Lisboa, mas se tivesse de pedir nunca mais tínhamos cavalos nem a universidade. O EOM nunca foi alterado e teve sequência ao longo dos anos através dos governadores portugueses e muita coisa nunca foi alterada pelos chineses. O EOM trouxe uma AL semi-eleita, com o presidente eleito pelos seus pares. Fez-se a indexação da pataca ao dólar de Hong Kong e foi a questão da Autoridade Monetária e Cambial. E fiz uma reforma tributária, em 1977 e 1978, que não cheguei a acabar. Quando fui lá em 2011 ainda não tinham mudado. As forças de segurança também continuam com as mesmas bases. Mesmo a Lei Básica foi beber muito ao EOM, com as devidas actualizações. A grande alteração que o Governo da RAEM fez foi a liberalização do jogo. O Governo da RAEM não resolveu todos os problemas sociais, nomeadamente a habitação, que ainda é muito complicado, porque ou há um tecido urbano que está muito envelhecido ou há um tecido urbano mais moderno sujeito a uma grande especulação imobiliária.

Numa recente palestra em Lisboa, onde esteve presente, Jorge Rangel, presidente do IIM, falou da possibilidade de ocorrência de protestos em Macau caso não haja soluções para a habitação.

É. Ele aqui já tinha alertado para o facto de os problemas de Hong Kong serem, antes dos estudantes e da lei da extradição, a especulação imobiliária e o descontentamento daquelas pessoas perante a impossibilidade de pagar rendas. Esse problema pode surgir em Macau se não for resolvida a questão da habitação e julgo que o Governo de Macau já percebeu isso, tal como também não vai fazer uma proposta de lei da extradição. São coisas que perceberam que não podem fazer.

Voltando ao EOM. O deputado Sulu Sou chegou a defender o fim da composição do hemiciclo instituída com a sua Administração. Vinte anos depois haverá espaço para um aumento dos deputados eleitos pela via directa?

Não me quero meter em assuntos que são responsabilidade do Governo local. Mas posso explicar porque é que fiz daquela maneira. Quando se dá o 25 de Abril e depois se faz o EOM, há um grande choque, com a comunidade portuguesa e chinesa. Em primeiro lugar a comunidade chinesa não estava habituada a entrar na vida política activa.

Não havia votos, na altura?

Havia um partido único, a Acção Nacional Popular, e antes do 25 de Abril a União Nacional, e apenas os portugueses votavam. Quando disse “vamos votar”, consultei todos os que podia consultar e diziam-me que as pessoas não iam votar a sério se fosse pelo sufrágio directo, que tinha de se inventar outra maneira de levar os chineses para a política. Os chineses têm uma grande actividade associativa, e foi através das associações que se conseguiu trazer as pessoas para votar. Arranjaram-se então uns votos por sufrágio directo, outros votos pelas associações em representação de interesses económicos, culturais. Depois sou avisado de outra coisa, de que não iriam aparecer jovens, mulheres ou pessoas independentes em relação ao poder económico”. Para os lugares que ficaram para o Governador nomear, escolhi pessoas realmente independentes. Mas isso foi feito no tempo da Administração portuguesa quando aquela gente não estava habituada a votar e os portugueses estavam habituados a um partido único. Isso manteve-se até final da Administração portuguesa, e a diferença que fizeram foi aumentar o número de deputados. A estrutura é a mesma. Com a Administração chinesa é mais uma situação que ainda não mudaram. Porquê? Não vou comentar porque é estar a meter foice em seara alheia. Vamos esperar.

Muito se fala das diferenças em termos de civismo e cultura política entre Macau e Hong Kong. Essa ausência de eleições foi o grande contributo para esse alheamento existente em Macau?

Em Hong Kong era pior, não havia votos. Os membros dos Conselho Legislativo e Executivo eram todos nomeados por escolha do Governo ou por inerência, só havia dois lugares eleitos nas câmaras municipais. Fizemos o EOM em 1976 e quando Hong Kong tenta ter um parlamento eleito é 20 anos depois, quando os ingleses estão quase a sair de lá.

Então como explica estas diferenças?

Hong Kong tem uma maior massa crítica pois são sete milhões de pessoas. Além disso, Hong Kong tem uma grande presença de empresas estrangeiras e de turistas. A população jovem na China, Macau e Hong Kong está a ser cada vez mais educada. E os jovens são relativamente fáceis de mobilizar para ideais colectivos e sentem que querem ter alguma independência da China. Eles têm uma autonomia mas não deixam de ser parte da China. O acordo assinado entre o Reino Unido e a China, bem como entre Portugal e a China, determina que os territórios são China, com autonomia, mas isso não significa que não se devam ter boas relações com o país. A China evoluiu muito rapidamente e deu um salto muito grande com “Um País, Dois Sistemas”. Não só começa a afirmar-se como potência mundial, com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, como começa a ter inimigos e a China percebe isso.

Como deve ser a resposta a isso?

Nunca houve na história mundial um Governo a governar 1,4 milhões de habitantes. E como raciocinam? De uma maneira simples: a China pensa que ninguém vai atacar o país frontalmente, mas podem actuar nos pontos fracos, que são as economias mistas e autonomias mistas, e aí Macau e Hong Kong aparecem como áreas sensíveis. Os chineses estão extremamente preocupados com o que pode acontecer aí. Tudo estava bem até o Governo de Hong Kong decidir apresentar a proposta de lei da extradição. Querem eleger também o Chefe do Executivo pelo sufrágio directo e universal. Tudo bem, mas é um problema que não é nosso, nem temos de andar a fazer comparações ou a extrapolar.

Até porque a Lei Básica de Macau não prevê o sufrágio universal.

A de Hong Kong também não. Aliás, as negociações sobre o futuro de Macau começaram depois das de Hong Kong. Os chineses quiseram copiar muitas coisas do processo de Hong Kong e foi através de nós que as coisas foram corrigidas, mas aí não se deixou de manter o sistema de que não eram eleitos. [O Chefe do Executivo] pode vir a ser [eleito pelo sufrágio universal], mas dentro de regras que não sabemos quais são. Mas uma coisa é certa: a China vai-se enquadrando cada vez mais no mundo e adaptando-se.

No período de descolonização, em 1975, consta que elaborou um relatório sobre o facto de algumas forças partidárias em Portugal defenderem a entrega de Macau. Confirma isso?

Comigo não houve diálogo nenhum. Não produzi qualquer relatório sobre o assunto. Nunca o assunto foi falado comigo, nunca Macau entrou na comissão de descolonização da ONU, onde havia representantes para o antigo Ultramar. Há mais de 40 anos que ando a tentar saber quem é que teve essas conversas. Não sei, não encontro. Um dia falei com duas pessoas que estão citadas no meu livro, o professor Veiga Simão, embaixador da ONU em 1974-1975, e perguntei-lhe se tinha tratado de alguma coisa. Disse-me que não. Anos mais tarde, em 2009, apareceu um professor chinês do Canadá que me parecia ser um especialista sobre o assunto, e perguntei se existia alguma conversação. Ele disse-me que não sabia de nada. Se houve alguma coisa foi de modo informal na ONU. Até porque os representantes portugueses tinham bem a noção, quer Almeida Santos quer o General Costa Gomes do caso muito específico de Macau. E a China, em 1972, tinha dito que Macau e Hong Kong não eram assunto para o comité de descolonização, que eram um assunto para resolver com o tempo, através das relações bilaterais entre Portugal e a China. O dizer que não entrava para o comité de descolonização queria dizer: “isto [Macau e Hong Kong] não será independente, é nosso”. Os dois casos de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até na sua história.

Em que sentido?

Entrámos em Macau no século XVI, a maioria da população era chinesa, mas Hong Kong foi ocupada depois de uma guerra. Não existia nada em Macau, era terra de ninguém. Pagávamos renda e em 19877 deixámos de pagar e ficámos sem futuro definido. Quando é que aquilo acabava? Não estava escrito. Os ingleses conquistaram Hong Kong e depois Kowloon mas esse espaço era relativamente pequeno, então ocuparam os Novos Territórios. Mas deixaram no contrato com a China de que a sua permanência nos novos territórios só durava até 1 de Julho de 1997. A senhora Tatcher, em 1982, vai a Pequim pedir para continuar além deste período, mas Deng Xiaoping deu-lhe a resposta óbvia: “nem pense nisso”. As duas histórias de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até no relacionamento com a população, não tem nada a ver. Por isso é que as nossas negociações correram melhor, também porque nós Portugal não tínhamos grandes interesses económicos a defender em Macau. Não tínhamos grandes empresas portuguesas, apenas tínhamos o BNU. Mas os ingleses tinham muitos interesses económicos e por isso são mais difíceis as negociações.

A transição fez-se então no momento certo.

Os chineses estavam muito interessados em resolver o problema de Taiwan, Hong Kong e Macau. E por uma questão de respeito e consideração pelos mais pequenos, a vontade deles era resolver Taiwan primeiro, mas as coisas não correram bem porque foi muito apoiado pelos americanos, muito desenvolvido economicamente e armado e tornou-se muito autónomo da China. Com Hong Kong tinham o limite de 1997. Quando as negociações começam, o doutor Mário Soares, na altura Presidente da República, queria passar o final para o ano 2000. Os chineses disseram que tudo aquilo tinha de acabar antes do ano 2000. Foi na altura possível, dentro de uma lógica histórica que são as mudanças da história, que não é imutável.

Se tivesse de apontar erros de parte a parte, quais apontaria, no processo de transição?

Os erros que houve da nossa parte foi alguma instabilidade da governação. Alguns escândalos que houve.

O caso do fax de Macau, por exemplo.

Sim, mas antes disso. O Governador Almeida e Costa dissolveu a AL, Pinto Machado esteve lá pouco tempo. Houve vários problemas e houve sempre um certo rumor e desconfiança de escândalos financeiros, corrupção. Da parte da China houve estabilidade mas houve um erro de percepção, pois os negociadores queriam tratar do processo da mesma maneira que trataram em Hong Kong, mas foram corrigindo a pouco e pouco. Nós mantivemos, com os últimos governadores, começando por mim, uma sequência de governação. Depois com acidentes de percurso, as pessoas e os problemas mudam. A China tratou cuidadosamente de Portugal mas com algum desconhecimento de qual era a especificidade de Macau e dos portugueses e estavam a tentar copiar o modelo de Hong Kong.

Ficou sempre essa ideia de uma administração portuguesa corrupta em Macau?

Há muita coisa feita pela comunicação social. Pode-se ter 40 pessoas muito boas, mas se tiver duas ou três que falham são essas que aparecem nos jornais. Isso passou-se em Macau e em Portugal também. A imprensa é livre, e controlar a imprensa é das piores coisas que se pode fazer, porque acaba sempre mal.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência

Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses

[dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares.

A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio.

“O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.”

O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.”

“Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência.

“Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório.

Menos “intriga”

Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa.

“Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador.

O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”.

“Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório.

A justiça e as seitas

Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999.

Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”.

“Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório.

O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.”

No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”.

Uma questão de presidentes

No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se.

“[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.”

No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida  do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”.

As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”.

Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque.

Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”.

Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência

Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses

[dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares.
A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio.
“O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.”
O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.”
“Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência.
“Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório.

Menos “intriga”

Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa.
“Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador.
O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”.
“Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório.

A justiça e as seitas

Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999.
Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”.
“Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório.
O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.”
No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”.

Uma questão de presidentes

No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se.
“[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.”
No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida  do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”.
As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”.
Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque.
Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”.
Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”

20 Dez 2019

Carlos Gaspar: “Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’”

[dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território.

“Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar.

Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.”

“Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar.

Macau no conflito sino-soviético

No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético.

“Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.”

No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”.

“O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.

20 Dez 2019

Carlos Gaspar: "Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’”

[dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território.
“Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar.
Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.”
“Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar.

Macau no conflito sino-soviético

No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético.
“Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.”
No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”.
“O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Os grandes desafios para o novo Governo de Macau

[dropcap]M[/dropcap]acau inicia 2020 com um novo Governo que terá de estancar as perdas no jogo, a recessão económica e dotar efectivamente o território para a aventura da Grande Baía. Com o ano a acabar e depois de dois anos consecutivos de subida das receitas em mais de uma décima, as previsões apontam que a capital mundial do jogo, e único local na China onde os casinos são permitidos, registe perdas a rondar os 2,5%.

A diminuição do crescimento chinês, a guerra comercial travada entre China e Estados Unidos e a diminuição do investimento justificada pela incerteza do fim das licenças de jogo em 2022 contribuíram para que Macau registasse uma contração nos três primeiros trimestres do ano, entrando assim em recessão técnica.

A este quadro junta-se a recessão económica sentida no vizinho Hong Kong, um dos principais centros financeiros mundiais, provocados por mais de seis meses de protestos pró-democracia que desafiam diariamente Pequim e o Governo local.

É este o cenário que dá as boas-vindas ao novo executivo liderado por Ho Iat Seng, que toma possa no dia 20 de dezembro, o mesmo dia das celebrações dos 20 anos da passagem da administração do território de Portugal para a China.

Apesar destes números pouco animadores, Ho Iat Seng não vai receber ‘um presente envenenado’ do seu antecessor que esteve dez anos à frente do executivo, Chui Sai On: Macau tem significativas reservas orçamentais (suficientes para sustentar cerca de sete anos de despesa pública), uma taxa de desemprego de cerca de 1,8%, um PIB per capita de mais de 82.000 dólares (73.940 euros) em 2018, uma sociedade apolítica e genericamente satisfeita com estabilidade social, económica e segurança pública e, por isso, com um risco reduzido de ser contagiada com o ‘vírus pró-democracia’ da vizinha Hong Kong.

Licenças para jogar

Em relação ao jogo, a única indústria que faz mover a economia do território, Ho Iat Seng já se comprometeu a rever a legislação e a definir o número de licenças de concessão pós-2022, data em que terminam as actuais licenças (seis operadores exploram o jogo em Macau, três concessionárias e três subconcessionárias, metade chinesas e outra metade com maioria de capital norte-americano).

A obrigação de diversificar

Enquanto a indefinição sobre o futuro da indústria do jogo permanecer, a diversificação económica, um dos chavões dos anos recentes que na prática não saiu do papel, será uma figura importante na política do novo Governo.

O objectivo passa pela diversificação da estrutura industrial, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar a qualidade dos recursos humanos, fomentar indústrias de alta tecnologia e incentivar o regresso de talentos a Macau e reforçar a aposta do território como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa.

Para esta função, Ho nomeou um novo titular da pasta para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong.
Apesar de um dos objetivos passar por melhorar os indicadores das atividades não associadas ao jogo, Ho Iat Seng já assumiu a primazia aos ‘resorts’ integrados do território – apostando em gastronomia, entretenimento, festivais, conferências e exposições, de forma a tornar Macau num destino turístico mais alargado.

Uma tarefa que se avizinha difícil, já que o jogo representou em 2018 mais de 90% das receitas das concessionárias (37,44 mil milhões de euros) que controlam os ‘resorts’ integrados do território.

Baía da sorte

Para 2020, a Grande Baía deverá também ser uma das grandes apostas do elenco governativo para tomar as rédeas da diversificação económica. “Espero e acredito que o Executivo se unirá para liderar Macau e todos os sectores da sociedade a aproveitar as oportunidades trazidas pela construção da Grande Baía, visando acelerar o desenvolvimento diversificado de Macau”, afirmou o futuro líder do executivo, em Setembro, à saída de Pequim, depois ter sido nomeado chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang.

O projecto da Grande Baía, apresentado oficialmente nos primeiros meses de 2019, pretende criar uma metrópole mundial que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, numa região com cerca de 70 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) que ronda 1,2 biliões de euros, semelhante ao PIB de Austrália, Indonésia ou México, países que integram o G20.

Em paralelo, a tónica do discurso do próximo líder do executivo tem-se centrado no combate à corrupção, “na edificação de um Governo transparente” e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de abril de 2020, data do período espectável para que seja aprovado o Orçamento retificativo.

Segurança para que te quero

Por fim, o reforço da segurança, numa das cidades mais seguras do mundo, vai ter também um papel importante no novo Executivo, que mantém Wong Sio Chak como secretário para a Segurança.

Analistas apontam que Macau tem mostrado sinais de querer continuar a ser ‘o bom aluno’ do princípio “Um País, Dois Sistemas” e Ho Iat Seng já afirmou que não haverá qualquer desvio nas “linhas vermelhas” definidas por Pequim: desrespeito pela soberania nacional e pelos símbolos do país, pelo desafio à autoridade do Governo central e à lei fundamental do território.

As recentes proibições de entrada no território a políticos ligados ao movimento democrático em Hong Kong, a jornalistas e líderes da Câmara Americana de Comércio (Am Cham) de Hong Kong, a proibição de manifestações contra a brutalidade policial no território vizinho e a detenção de dois jovens que colavam cartazes de apoio aos protestos na ex-colónia britânica comprovam isso mesmo.

Para já, a partir do primeiro trimestre de 2020, mais 800 câmaras de videovigilância vão ser instaladas e será iniciado um teste com câmaras de videovigilância com reconhecimento facial.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Os grandes desafios para o novo Governo de Macau

[dropcap]M[/dropcap]acau inicia 2020 com um novo Governo que terá de estancar as perdas no jogo, a recessão económica e dotar efectivamente o território para a aventura da Grande Baía. Com o ano a acabar e depois de dois anos consecutivos de subida das receitas em mais de uma décima, as previsões apontam que a capital mundial do jogo, e único local na China onde os casinos são permitidos, registe perdas a rondar os 2,5%.
A diminuição do crescimento chinês, a guerra comercial travada entre China e Estados Unidos e a diminuição do investimento justificada pela incerteza do fim das licenças de jogo em 2022 contribuíram para que Macau registasse uma contração nos três primeiros trimestres do ano, entrando assim em recessão técnica.
A este quadro junta-se a recessão económica sentida no vizinho Hong Kong, um dos principais centros financeiros mundiais, provocados por mais de seis meses de protestos pró-democracia que desafiam diariamente Pequim e o Governo local.
É este o cenário que dá as boas-vindas ao novo executivo liderado por Ho Iat Seng, que toma possa no dia 20 de dezembro, o mesmo dia das celebrações dos 20 anos da passagem da administração do território de Portugal para a China.
Apesar destes números pouco animadores, Ho Iat Seng não vai receber ‘um presente envenenado’ do seu antecessor que esteve dez anos à frente do executivo, Chui Sai On: Macau tem significativas reservas orçamentais (suficientes para sustentar cerca de sete anos de despesa pública), uma taxa de desemprego de cerca de 1,8%, um PIB per capita de mais de 82.000 dólares (73.940 euros) em 2018, uma sociedade apolítica e genericamente satisfeita com estabilidade social, económica e segurança pública e, por isso, com um risco reduzido de ser contagiada com o ‘vírus pró-democracia’ da vizinha Hong Kong.

Licenças para jogar

Em relação ao jogo, a única indústria que faz mover a economia do território, Ho Iat Seng já se comprometeu a rever a legislação e a definir o número de licenças de concessão pós-2022, data em que terminam as actuais licenças (seis operadores exploram o jogo em Macau, três concessionárias e três subconcessionárias, metade chinesas e outra metade com maioria de capital norte-americano).

A obrigação de diversificar

Enquanto a indefinição sobre o futuro da indústria do jogo permanecer, a diversificação económica, um dos chavões dos anos recentes que na prática não saiu do papel, será uma figura importante na política do novo Governo.
O objectivo passa pela diversificação da estrutura industrial, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar a qualidade dos recursos humanos, fomentar indústrias de alta tecnologia e incentivar o regresso de talentos a Macau e reforçar a aposta do território como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa.
Para esta função, Ho nomeou um novo titular da pasta para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong.
Apesar de um dos objetivos passar por melhorar os indicadores das atividades não associadas ao jogo, Ho Iat Seng já assumiu a primazia aos ‘resorts’ integrados do território – apostando em gastronomia, entretenimento, festivais, conferências e exposições, de forma a tornar Macau num destino turístico mais alargado.
Uma tarefa que se avizinha difícil, já que o jogo representou em 2018 mais de 90% das receitas das concessionárias (37,44 mil milhões de euros) que controlam os ‘resorts’ integrados do território.

Baía da sorte

Para 2020, a Grande Baía deverá também ser uma das grandes apostas do elenco governativo para tomar as rédeas da diversificação económica. “Espero e acredito que o Executivo se unirá para liderar Macau e todos os sectores da sociedade a aproveitar as oportunidades trazidas pela construção da Grande Baía, visando acelerar o desenvolvimento diversificado de Macau”, afirmou o futuro líder do executivo, em Setembro, à saída de Pequim, depois ter sido nomeado chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang.
O projecto da Grande Baía, apresentado oficialmente nos primeiros meses de 2019, pretende criar uma metrópole mundial que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, numa região com cerca de 70 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) que ronda 1,2 biliões de euros, semelhante ao PIB de Austrália, Indonésia ou México, países que integram o G20.
Em paralelo, a tónica do discurso do próximo líder do executivo tem-se centrado no combate à corrupção, “na edificação de um Governo transparente” e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de abril de 2020, data do período espectável para que seja aprovado o Orçamento retificativo.

Segurança para que te quero

Por fim, o reforço da segurança, numa das cidades mais seguras do mundo, vai ter também um papel importante no novo Executivo, que mantém Wong Sio Chak como secretário para a Segurança.
Analistas apontam que Macau tem mostrado sinais de querer continuar a ser ‘o bom aluno’ do princípio “Um País, Dois Sistemas” e Ho Iat Seng já afirmou que não haverá qualquer desvio nas “linhas vermelhas” definidas por Pequim: desrespeito pela soberania nacional e pelos símbolos do país, pelo desafio à autoridade do Governo central e à lei fundamental do território.
As recentes proibições de entrada no território a políticos ligados ao movimento democrático em Hong Kong, a jornalistas e líderes da Câmara Americana de Comércio (Am Cham) de Hong Kong, a proibição de manifestações contra a brutalidade policial no território vizinho e a detenção de dois jovens que colavam cartazes de apoio aos protestos na ex-colónia britânica comprovam isso mesmo.
Para já, a partir do primeiro trimestre de 2020, mais 800 câmaras de videovigilância vão ser instaladas e será iniciado um teste com câmaras de videovigilância com reconhecimento facial.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Portugal e China deram “bom exemplo” à comunidade internacional

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas consideraram ontem que Portugal e China deram um “bom exemplo” à comunidade internacional na forma como resolveram “adequadamente” a questão de Macau, que celebra hoje 20 anos desde a transição para administração chinesa.

Em conferência de imprensa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Geng Shuang lembrou que as negociações sobre a transferência de Macau foram baseadas na “amizade e confiança mútua”. “Como um exemplo único de coexistência harmoniosa, Macau continuará a contribuir para o desenvolvimento de uma parceria estratégica global entre Portugal e China”, disse.

A transferência da administração de Macau de Lisboa para Pequim, em 1999, foi feita sob a fórmula ‘um país, dois sistemas’, que garante ao território um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário.

O porta-voz da diplomacia chinesa disse ainda aos jornalistas que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, expressaram “alta apreciação” pela prática “bem-sucedida” daquela fórmula no território, em cartas enviadas ao Presidente chinês, Xi Jinping, e em comentários à imprensa.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Portugal e China deram “bom exemplo” à comunidade internacional

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas consideraram ontem que Portugal e China deram um “bom exemplo” à comunidade internacional na forma como resolveram “adequadamente” a questão de Macau, que celebra hoje 20 anos desde a transição para administração chinesa.
Em conferência de imprensa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Geng Shuang lembrou que as negociações sobre a transferência de Macau foram baseadas na “amizade e confiança mútua”. “Como um exemplo único de coexistência harmoniosa, Macau continuará a contribuir para o desenvolvimento de uma parceria estratégica global entre Portugal e China”, disse.
A transferência da administração de Macau de Lisboa para Pequim, em 1999, foi feita sob a fórmula ‘um país, dois sistemas’, que garante ao território um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário.
O porta-voz da diplomacia chinesa disse ainda aos jornalistas que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, expressaram “alta apreciação” pela prática “bem-sucedida” daquela fórmula no território, em cartas enviadas ao Presidente chinês, Xi Jinping, e em comentários à imprensa.

20 Dez 2019

Presidente no novo centro de cooperação com a lusofonia

[dropcap]O[/dropcap] Presidente da China, Xi Jinping, visitou ontem, em Macau, a nova sede da cooperação comercial sino-lusófona, depois de ter assistido a uma aula patriótica e de ter entregado vários instrumentos musicais a uma escola secundária do território.

Xi Jinping, acompanhado pelo chefe do Executivo cessante, Chui Sai On, e pelo ainda titular da pasta de Economia e das Finanças, Lionel Leong, foi visitar o novo complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua (Fórum de Macau), segundo imagens difundidas pelo Governo de Macau.

Neste que é o segundo dia da sua visita ao território para as cerimónias de tomada de posse do novo Governo e celebração do 20.º aniversário da transferência de administração do território de Portugal para a China, o Presidente chinês visitou ainda o Centro de Exposição dos Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa e assistiu a uma apresentação sobre o desenvolvimento urbanístico e empreendimentos de Macau.

Antes, segundo as imagens que as autoridades deram a conhecer à comunicação social, Xi visitou de manhã a Escola de Talentos anexa à Escola Hou Kongna, na ilha da Taipa e assistiu a uma apresentação sobre a promoção da educação patriótica e os respectivos resultados em Macau. Na mesma ocasião, segundo as autoridades de Macau, o Presidente da China entregou “vários instrumentos musicais e livros” à escola.

O director do Departamento de Educação e Juventude de Macau, Lou Pak-sang, disse, segundo a emissora RTHK de Hong Kong, que o Presidente chinês lhe transmitiu que está satisfeito com o sistema educacional do antigo território administrado por Portugal. Xi, de acordo com o responsável local, pediu aos funcionários da escola para ensinarem os jovens sobre os 5000 anos de história chinesa. O conhecimento da história chinesa, enfatizou o Xi, ajudará a manter o povo e o país unidos.

No primeiro acto oficial de ontem, Xi Jinping foi ao “Centro de Serviços da Região Administrativa Especial de Macau para Serviços Internos prestados pelo Governo à população”, lê-se na descrição de uma fotografia divulgada pelas autoridades do território.

Festa suspende obras e transportes

A visita do Presidente chinês a Macau, para presidir ao 20.º aniversário da região e à posse do novo Governo local suspendeu obras e ‘apagou’ o serviço público de visualização do trânsito em tempo real.

Os trabalhos de construção, que decorrem na península de Macau e na ilha da Taipa, estão suspensos pelo menos até sábado e a Direção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego deixou de fornecer ao público as imagens em tempo real ou a emissão em directo da situação de tráfego em vários locais do território.

As autoridades isolaram também parques de estacionamento, uma situação que se arrasta desde 12 de Dezembro no aeroporto, onde também foi fechado o centro de operações da companhia aérea Air Macau. Pelo menos desde segunda-feira que os moradores de Hac Sa, na ilha de Coloane, estão proibidos de se deslocarem para Macau em viaturas próprias.

É visível o reforço policial nas ruas, nas pontes e nas rotundas, numa cidade habitualmente queixosa da pressão turística (cerca de três milhões de visitantes por mês) e do trânsito automóvel, que praticamente desapareceu desde terça-feira, véspera da chegada do líder chinês, Xi Jinping.

As medidas de segurança excepcionais prolongam-se pelo menos até sábado, dia seguinte à saída de Xi do território. Estas obrigaram também à suspensão da linha da Taipa do metro de superfície de Macau, recentemente inaugurado, mas igualmente a constrangimentos à circulação de veículos de transporte de materiais inflamáveis, situação que provocou uma ‘corrida’ aos postos de abastecimento de combustível na segunda e na terça-feira, com os residentes a recearem falhas no fornecimento.

O apertado e inédito controlo das fronteiras de Macau realizado pelas autoridades locais e também pelas chinesas (na ponte que liga a Hong Kong e a Zhuhai) já resultou em detenções e recusas de entrada no território a activistas ditos “pró-democracia” e a jornalistas.

Os casos conhecidos dizem respeito a pessoas provenientes de Hong Kong que, desde Junho, tem sido palco de protestos que têm desafiado o poder local e Pequim, com a China a tentar evitar que o antigo território administrado por Portugal seja ‘contaminado’ pela agitação civil que se vive na antiga colónia britânica ou que ensombre de alguma forma a visita do Presidente chinês.

20 Dez 2019

O coração dos homens

[dropcap]N[/dropcap]o final dos anos 90 do século passado, pouco antes da transferência de soberania de Macau, uma tese de doutoramento publicada em Lisboa previa que, não sem algum fundamento tendo em conta os dados presentes, depois de 1999, da imprensa em língua portuguesa apenas sobreviveria “O Clarim”, por ser um jornal sustentado pela Igreja Católica. Felizmente que, vinte anos depois, as previsões revelaram-se erradas, e o Hoje Macau aqui está e de boa saúde.

Não foram lineares estas duas décadas. Mas a mudança radical, para a nossa comunidade, aconteceu em 2003 com a criação do Fórum Macau e o objectivo assumido por Pequim de tornar Macau numa ponte para os Países Lusófonos. Deste modo, o Governo central indiciava-nos contar com a nossa presença e mesmo apreciá-la. A verdade é que nos anos que se seguiram não tivemos quaisquer razões de queixa.

Entretanto, o Hoje Macau cresceu e amadureceu. A nossa aposta passa, sobretudo, por sermos um jornal voltado, por um lado, para as notícias locais, e por outro, para o desenvolvimento de uma plataforma cultural/literária em língua portuguesa que torne Macau num lugar de referência das letras lusófonas. Isto sem esquecer as constantes traduções de clássicos chineses, nas áreas da poesia, filosofia e artes plásticas, que consideramos uma espécie de obrigação da nossa parte.

Para realizar estes dois objectivos, fizemos questão de manter uma redacção preenchida por profissionais proficientes em português e outros capazes de decifrar a escrita chinesa, para assim nos mantermos a par de dos acontecimentos nas várias comunidades que compõem Macau. Lutando muitas vezes contra a incompreensão dos poderes instituídos, que por vezes não compreendem na sua total extensão o papel fulcral da imprensa no âmbito do segundo sistema ou, pelo contrário, a compreendem muito bem, o Hoje Macau tem-se batido pelos interesses da população, pela transparência governativa e pelo aprofundamento racional do segundo sistema, no quadro definido pela Lei Básica.

Por outro lado, orgulhamo-nos de contar como nossos colaboradores alguns dos escritores e pensadores mais relevantes das letras em português. Escritores como António Cabrita, Paulo José Miranda, Gonçalo M. Tavares, Valério Romão, Gisela Casimiro, António de Castro Caeiro, Luís Carmelo, Paulo Maia e Carmo, Fernando Sobral, Rui Cascais, José Simões Morais, Rita Taborda Duarte, Amélia Vieira, Anabela Canas, João Paulo Cotrim, José Navarro de Andrade, Michel Reis e Nuno Miguel Guedes dão todos os dias às nossas páginas um brilho especial que nos projecta a um lugar ímpar no mundo da imprensa em português.

Em 2017, não quisemos deixar morrer o ano sem comemorarmos os 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha, poeta indissociável da identidade de Macau. Para o efeito, trouxemos até à RAEM alguns dos nossos colaboradores que, durante uma semana, participaram nas celebrações que de novo trouxeram à superfície a figura incomparável do bardo. Além disto, o Hoje Macau tem publicado suplementos junto de grandes festivais em Portugal, como é o caso do FOLIO, que se realiza anualmente em Óbidos, pequena vila onde Camilo Pessanha trabalhou como jurista antes da sua vinda para Macau e a quem dedica um famoso poema.

Contudo, como diria Mário Cesariny, “o mais importante não é a literatura”. Pois não: é a vida. É este desfilar quotidiano de alegrias, tristezas, euforias e chatices. De gentes de toda a espécie e feitio. De notícias de dentro e de fora desta pequena e pouco usual cidade. E, neste aquilatar dos dias, pensar sobretudo no futuro, como se fôra um vício, um destino ou mesmo uma obrigação.

Os anos da transição foram espectaculares e irrepetíveis. Mas, desde então, Macau melhorou a olhos vistos e, acima de tudo, tornou-se mais real. Não que tenha sido mau viver naquele sonho, extrair daquele momento único tudo aquilo que a imaginação eventualmente teria para nos dar. Contudo, desde a fundação da RAEM que a cidade se encontra dotada de uma energia dantes inexistente, na medida em que se olhava o horizonte de 1999 como se significasse o fim. Não foi. Foi um novo começo, um renascimento dentro de novas regras, com novos poderes e novas gentes.

A nós agradou sobremaneira o facto de não serem os portugueses os responsáveis pela administração deste território. Tal facto libertou-nos e libertou alguns dos nossos complexos. Paradoxalmente, como quase tudo nesta terra, deu-nos muito mais margem de manobra e tirou-nos dos ombros parte de uma responsabilidade imaginária. Hoje olhamos principalmente para o futuro e as nossas expectativas mantêm-se iguais. Acreditamos nas palavras dos governantes desta região e deste país. Não temos razão para delas duvidar. Antes pelo contrário.

Nestes 20 anos tudo correu para nós muito melhor do que se esperava. E é por isso que acreditamos piamente que estaremos aqui a comemorar com a população de Macau os 30, os 40, os 50 anos da RAEM. É esse o nosso destino, que não está escrito nas estrelas mas no coração dos homens, porque nele se inscreve com igual peso o desespero e a esperança.

20 Dez 2019

Xi Jinping sublinha “harmonia” em Macau num período de teste para “Um País, Dois Sistemas”

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês enalteceu hoje a “unidade” e “harmonia” em Macau, no aniversário dos 20 anos desde a transição da transferência do território para administração chinesa e numa altura de crise política em Hong Kong.

“O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da Região Administrativa Especial de Macau compreendem profundamente que a unidade faz prosperar a família e a harmonia traz boa sorte”, afirmou Xi Jinping, num banquete com as principais personalidades do território.

Xi referiu ainda a “valorização da consulta” na sociedade local, que não “provoca desavenças ou fricções internas”, e a resistência “consciente a todos os distúrbios que vêm do exterior”.

Macau celebra este mês 20 anos da aplicação no território da fórmula ‘um país, dois sistemas’, um modelo que confere autonomia administrativa, mas que foi originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.

19 Dez 2019

Xi Jinping sublinha "harmonia" em Macau num período de teste para "Um País, Dois Sistemas"

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês enalteceu hoje a “unidade” e “harmonia” em Macau, no aniversário dos 20 anos desde a transição da transferência do território para administração chinesa e numa altura de crise política em Hong Kong.
“O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da Região Administrativa Especial de Macau compreendem profundamente que a unidade faz prosperar a família e a harmonia traz boa sorte”, afirmou Xi Jinping, num banquete com as principais personalidades do território.
Xi referiu ainda a “valorização da consulta” na sociedade local, que não “provoca desavenças ou fricções internas”, e a resistência “consciente a todos os distúrbios que vêm do exterior”.
Macau celebra este mês 20 anos da aplicação no território da fórmula ‘um país, dois sistemas’, um modelo que confere autonomia administrativa, mas que foi originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.

19 Dez 2019

RAEM 20 anos | Carlos Fraga apresenta a Macau que continua desconhecida em Portugal

Macau é um território que continua desconhecido em Portugal, apesar de ter sido colónia portuguesa durante mais de quatro séculos e até há apenas duas décadas, afirmam os autores do filme documental “Macau – 20 anos depois”. O documentário estreia hoje na RTP

 

[dropcap]A[/dropcap] falta de informação dos portugueses e mesmo dos macaenses residentes em Portugal sobre Macau, foi o que Carlos Fraga, realizador, e Helena Madeira, produtora, detectaram durante os cinco anos que lhes levou a elaboração de seis documentários, a partir dos quais fizeram a longa-metragem “Macau – 20 anos depois”, que se estreia hoje na RTP.

“Foi o que detectámos, e foi unânime, todos são da opinião que Macau não é conhecido cá, apesar de todo o tempo que passou e da relação que houve, embora esteja muito longe. E é a isso que eles atribuem um pouco a coisa, a isso e a que politicamente Portugal esteve um pouco de costas para aquilo”, disse Carlos Fraga, em entrevista à Lusa.

Esse sentimento de que “Macau não é devidamente conhecido” reforça a utilidade deste trabalho, feito com rigor, com conteúdos e que demonstra uma abordagem possível, que é sociológica e antropológica, explica o realizador.

“Macau – 20 anos depois” é um apanhado do essencial sobre este período pós transmissão administrativa, retirado de seis documentários feitos anteriormente: “Macaenses em Lisboa – ilusão ou realidade”; “Portugueses em Macau – o outro lado da história”; “Dar e receber – a portugalidade em Macau”; “Interculturalidade – a lusofonia em Macau”; “Macaenses em Macau – renovando a identidade”; “Uns e outros – os chineses de Macau”.

“Este trabalho de seis documentários demorou cinco anos a fazer, começámos em 2014 a filmar cá os ‘Macaenses’ e já não parámos até terminar a série”, conta Carlos Fraga, revelando que para esta série foram entrevistadas ao todo 85 pessoas.

A necessidade de ilustrar o que os macaenses diziam quando falavam das suas recordações e saudades levou o realizador e a produtora Helena Madeira a Macau, e dessa experiência nasceu a ideia para os outros temas.

Dessa experiência resultou o conhecimento de que apesar de Macau não ser uma colónia como foram Angola ou Moçambique – porque foi administrada pelos portugueses com a autorização dos chineses e não em resultado de uma conquista -, a relação entre os portugueses e os chineses de Macau era peculiar: não era de colonizador e colonizado, mas também não era “de igual para igual”. “Nem podia ser. Agora, não era violenta a ponto de provocar depois uma reacção. Quando se deu a devolução à China, se isso tivesse sido assim, provavelmente estaria a acontecer o que está a acontecer em Hong Kong, portanto, não havia uma repressão”, afirmou Carlos Fraga.

No entanto, não tem dúvida de que, apesar de os portugueses não serem considerados colonizadores, “os chineses não tinham grande acesso, ou nenhum, a cargos oficiais e ao Estado que administrava, havia ali uma diferença sem ser hostil”.

Carlos Fraga destacou ainda que apesar de a comunidade portuguesa estar bem integrada na sociedade macaense, o que resulta dos depoimentos do filme é que os portugueses viviam muito fechados na sua comunidade, uma realidade que se mantém 20 anos depois da transmissão, com a diferença de que agora é mais estratificado, ou seja, os advogados dão-se com os advogados, os médicos dão-se com os médicos e por aí fora.

A prova de que os portugueses estavam fechados sobre si mesmos é que hoje, por exemplo, “é quando se tem a consciência de que deviam ter aprendido chinês, portanto se não aprenderam é porque a integração era relativa, de alguma maneira não havia essa comunicação da língua”.

“Hoje em dia já há o inglês, que facilita a comunicação, mas na altura o inglês não estava tão divulgado e não era tão assumido, hoje em dia as novas gerações falam inglês, e tudo bem, mas isso prova que realmente havia um fosso de comunicação entre os chineses e portugueses”, afirmou.

Vil metal

A série de documentários “Macau – 20 anos depois” teve o apoio, entre outros, do Instituto Português no Oriente, da Fundação Jorge Álvares, da Fundação Oriente e da Fundação Macau.

Apesar das queixas quanto a dificuldades técnicas por falta de apoios, o realizador mostra-se satisfeito com o resultado final, afirmando que nas condições em que foi feito, “muito poucas produtoras teriam continuado o trabalho”. “Em termos de apoios financeiros, foi muito escasso, trabalhámos no fio da navalha”, revelou Carlos Fraga, confessando tristeza com o facto de por vezes se pôr “o interesse comercial à frente das coisas”.

De acordo com cineasta, sempre que apresentava o seu projecto como uma série documental de abordagem antropológica, a maioria das entidades “servia-se do argumento de desinteresse por não ser um produto de massas”, justificação que “entristecia” o realizador, por vir de “entidades oficiais com alguma obrigação”.

Depois de pronta a série, a Universidade de Macau e o Politécnico de Macau compraram-na por entenderem ser um “produto muito interessante”, da mesma forma que a Universidade Católica também já demonstrou interesse, disse.

O Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, também comprou a série e vai exibir o documentário dois (“Portugueses em Macau – o outro lado da história”), hoje e no dia 21 de Dezembro.

Hoje o filme “Macau – 2º anos depois” estreia na RTP, enquanto na Cinemateca estreia o documentário seis (“Uns e outros – os chineses de Macau”).

Cova de Lai Chi Vun

Vinte anos após a transferência, Macau deixou de ser uma “vila pacata” para se transformar numa “Las Vegas com cheirinho a Cacilhas”, onde, apesar do crescimento exponencial, a cultura portuguesa se mantém.
Esta é uma das principais ideias que resultam da longa metragem documental.

Uma dessas intervenções resume a Macau dos dias de hoje como uma “Las Vegas ainda com um cheirinho a Cacilhas”, porque “apesar das grandes alterações, de ter havido um crescimento exponencial de população, e os casinos e tudo aquilo, e de os portugueses dizerem que já não podem sair, já não há aquele ambiente de cidade provinciana que havia anteriormente, mesmo assim, está ali lacrado, mantém-se essa forma de estar que é muito portuguesa”, afirma Helena Madeira.

“A zona histórica de Macau é um bocadinho de Portugal no Oriente”, afirma outro dos entrevistados em “Macau – 20 anos depois”, o que leva à questão de saber se é só isso que resta da presença portuguesa em Macau, e se tudo o resto tem desaparecido.

Na opinião de Carlos Fraga, a cultura portuguesa “não se tem esbatido demasiado”. “Eu acho que não, graças aos chineses também – há que dizer as coisas -, que eles realmente estão empenhados em manter a identidade de Macau com essa particularidade da presença portuguesa”.

E se o realizador não consegue ser perentório a afirmar essa manutenção pela parte cultural, pela parte monumental tem “a certeza”: “as coisas estão preservadas, eles investem nisso”. “Porque é o que todos dizem e é a verdade, diferencia das demais cidades. Esta realmente tem aquele cantinho ali muito português, muito europeu”.

Para Helena Madeira, “há mesmo uma simbiose que paira no ar, que não se vê mas sente-se”. “Macau é efectivamente uma simbiose de Oriente com Ocidente. Não há dúvida nenhuma, porque [uma pessoa] vai a Macau, anda a passear pelas ruas no meio de milhões de chineses, vê ali uma casinha do tempo da administração portuguesa, vê as ruas com o nome em português e chinês, os autocarros também têm o destino em chinês e português”, descreve a produtora, acrescentando: “há toda uma atmosfera, todo um ambiente, que nos faz sentir em casa”.

Helena Madeira considera que a portugalidade “está ali lacrada no ambiente” e isso percebe-se até nos depoimentos dos chineses de Macau – que entram no sexto documentário, que se estreia no dia 19 na Cinemateca -, que viveram em Macau no tempo da administração portuguesa e que conviveram com portugueses.

Exemplo disso é um jovem músico macaense que diz que a cultura portuguesa está já no seu ADN. “Os chineses de Macau, que lá viviam antes desta administração, que cresceram lá, sentem essa diferença enorme entre eles, os chineses do continente e os chineses de Hong Kong, que têm o selo do império britânico. Os nossos têm o selo do império lusitano”, brincou.

Uma outra ideia veiculada pelos intervenientes no documentário é a de que a presença de Portugal deu a Macau uma certa paz, alegria e um maior relacionamento humano. “Nós somos pacíficos, somos pouco conflituosos, sabemos receber bem as pessoas, convivemos bem com as pessoas, somos boas pessoas”, diz Helena Madeira.

Uma das entrevistadas no filme diz que o macaense é “híbrido, não é continental nem português” e que é possível distinguir na rua, apenas olhando, quem é chinês de Macau e quem é chinês do continente, uma ideia corroborada por Helena Madeira, que diz que a forma de uma pessoa estar numa fila de autocarros, por exemplo, é suficiente para fazer essa distinção, porque o comportamento do chinês de Macau é mais próximo do ocidental, é aquilo que os próprios classificam como “mais civilizado”.

19 Dez 2019

RAEM 20 anos | Carlos Fraga apresenta a Macau que continua desconhecida em Portugal

Macau é um território que continua desconhecido em Portugal, apesar de ter sido colónia portuguesa durante mais de quatro séculos e até há apenas duas décadas, afirmam os autores do filme documental “Macau – 20 anos depois”. O documentário estreia hoje na RTP

 
[dropcap]A[/dropcap] falta de informação dos portugueses e mesmo dos macaenses residentes em Portugal sobre Macau, foi o que Carlos Fraga, realizador, e Helena Madeira, produtora, detectaram durante os cinco anos que lhes levou a elaboração de seis documentários, a partir dos quais fizeram a longa-metragem “Macau – 20 anos depois”, que se estreia hoje na RTP.
“Foi o que detectámos, e foi unânime, todos são da opinião que Macau não é conhecido cá, apesar de todo o tempo que passou e da relação que houve, embora esteja muito longe. E é a isso que eles atribuem um pouco a coisa, a isso e a que politicamente Portugal esteve um pouco de costas para aquilo”, disse Carlos Fraga, em entrevista à Lusa.
Esse sentimento de que “Macau não é devidamente conhecido” reforça a utilidade deste trabalho, feito com rigor, com conteúdos e que demonstra uma abordagem possível, que é sociológica e antropológica, explica o realizador.
“Macau – 20 anos depois” é um apanhado do essencial sobre este período pós transmissão administrativa, retirado de seis documentários feitos anteriormente: “Macaenses em Lisboa – ilusão ou realidade”; “Portugueses em Macau – o outro lado da história”; “Dar e receber – a portugalidade em Macau”; “Interculturalidade – a lusofonia em Macau”; “Macaenses em Macau – renovando a identidade”; “Uns e outros – os chineses de Macau”.
“Este trabalho de seis documentários demorou cinco anos a fazer, começámos em 2014 a filmar cá os ‘Macaenses’ e já não parámos até terminar a série”, conta Carlos Fraga, revelando que para esta série foram entrevistadas ao todo 85 pessoas.
A necessidade de ilustrar o que os macaenses diziam quando falavam das suas recordações e saudades levou o realizador e a produtora Helena Madeira a Macau, e dessa experiência nasceu a ideia para os outros temas.
Dessa experiência resultou o conhecimento de que apesar de Macau não ser uma colónia como foram Angola ou Moçambique – porque foi administrada pelos portugueses com a autorização dos chineses e não em resultado de uma conquista -, a relação entre os portugueses e os chineses de Macau era peculiar: não era de colonizador e colonizado, mas também não era “de igual para igual”. “Nem podia ser. Agora, não era violenta a ponto de provocar depois uma reacção. Quando se deu a devolução à China, se isso tivesse sido assim, provavelmente estaria a acontecer o que está a acontecer em Hong Kong, portanto, não havia uma repressão”, afirmou Carlos Fraga.
No entanto, não tem dúvida de que, apesar de os portugueses não serem considerados colonizadores, “os chineses não tinham grande acesso, ou nenhum, a cargos oficiais e ao Estado que administrava, havia ali uma diferença sem ser hostil”.
Carlos Fraga destacou ainda que apesar de a comunidade portuguesa estar bem integrada na sociedade macaense, o que resulta dos depoimentos do filme é que os portugueses viviam muito fechados na sua comunidade, uma realidade que se mantém 20 anos depois da transmissão, com a diferença de que agora é mais estratificado, ou seja, os advogados dão-se com os advogados, os médicos dão-se com os médicos e por aí fora.
A prova de que os portugueses estavam fechados sobre si mesmos é que hoje, por exemplo, “é quando se tem a consciência de que deviam ter aprendido chinês, portanto se não aprenderam é porque a integração era relativa, de alguma maneira não havia essa comunicação da língua”.
“Hoje em dia já há o inglês, que facilita a comunicação, mas na altura o inglês não estava tão divulgado e não era tão assumido, hoje em dia as novas gerações falam inglês, e tudo bem, mas isso prova que realmente havia um fosso de comunicação entre os chineses e portugueses”, afirmou.

Vil metal

A série de documentários “Macau – 20 anos depois” teve o apoio, entre outros, do Instituto Português no Oriente, da Fundação Jorge Álvares, da Fundação Oriente e da Fundação Macau.
Apesar das queixas quanto a dificuldades técnicas por falta de apoios, o realizador mostra-se satisfeito com o resultado final, afirmando que nas condições em que foi feito, “muito poucas produtoras teriam continuado o trabalho”. “Em termos de apoios financeiros, foi muito escasso, trabalhámos no fio da navalha”, revelou Carlos Fraga, confessando tristeza com o facto de por vezes se pôr “o interesse comercial à frente das coisas”.
De acordo com cineasta, sempre que apresentava o seu projecto como uma série documental de abordagem antropológica, a maioria das entidades “servia-se do argumento de desinteresse por não ser um produto de massas”, justificação que “entristecia” o realizador, por vir de “entidades oficiais com alguma obrigação”.
Depois de pronta a série, a Universidade de Macau e o Politécnico de Macau compraram-na por entenderem ser um “produto muito interessante”, da mesma forma que a Universidade Católica também já demonstrou interesse, disse.
O Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, também comprou a série e vai exibir o documentário dois (“Portugueses em Macau – o outro lado da história”), hoje e no dia 21 de Dezembro.
Hoje o filme “Macau – 2º anos depois” estreia na RTP, enquanto na Cinemateca estreia o documentário seis (“Uns e outros – os chineses de Macau”).

Cova de Lai Chi Vun

Vinte anos após a transferência, Macau deixou de ser uma “vila pacata” para se transformar numa “Las Vegas com cheirinho a Cacilhas”, onde, apesar do crescimento exponencial, a cultura portuguesa se mantém.
Esta é uma das principais ideias que resultam da longa metragem documental.
Uma dessas intervenções resume a Macau dos dias de hoje como uma “Las Vegas ainda com um cheirinho a Cacilhas”, porque “apesar das grandes alterações, de ter havido um crescimento exponencial de população, e os casinos e tudo aquilo, e de os portugueses dizerem que já não podem sair, já não há aquele ambiente de cidade provinciana que havia anteriormente, mesmo assim, está ali lacrado, mantém-se essa forma de estar que é muito portuguesa”, afirma Helena Madeira.
“A zona histórica de Macau é um bocadinho de Portugal no Oriente”, afirma outro dos entrevistados em “Macau – 20 anos depois”, o que leva à questão de saber se é só isso que resta da presença portuguesa em Macau, e se tudo o resto tem desaparecido.
Na opinião de Carlos Fraga, a cultura portuguesa “não se tem esbatido demasiado”. “Eu acho que não, graças aos chineses também – há que dizer as coisas -, que eles realmente estão empenhados em manter a identidade de Macau com essa particularidade da presença portuguesa”.
E se o realizador não consegue ser perentório a afirmar essa manutenção pela parte cultural, pela parte monumental tem “a certeza”: “as coisas estão preservadas, eles investem nisso”. “Porque é o que todos dizem e é a verdade, diferencia das demais cidades. Esta realmente tem aquele cantinho ali muito português, muito europeu”.
Para Helena Madeira, “há mesmo uma simbiose que paira no ar, que não se vê mas sente-se”. “Macau é efectivamente uma simbiose de Oriente com Ocidente. Não há dúvida nenhuma, porque [uma pessoa] vai a Macau, anda a passear pelas ruas no meio de milhões de chineses, vê ali uma casinha do tempo da administração portuguesa, vê as ruas com o nome em português e chinês, os autocarros também têm o destino em chinês e português”, descreve a produtora, acrescentando: “há toda uma atmosfera, todo um ambiente, que nos faz sentir em casa”.
Helena Madeira considera que a portugalidade “está ali lacrada no ambiente” e isso percebe-se até nos depoimentos dos chineses de Macau – que entram no sexto documentário, que se estreia no dia 19 na Cinemateca -, que viveram em Macau no tempo da administração portuguesa e que conviveram com portugueses.
Exemplo disso é um jovem músico macaense que diz que a cultura portuguesa está já no seu ADN. “Os chineses de Macau, que lá viviam antes desta administração, que cresceram lá, sentem essa diferença enorme entre eles, os chineses do continente e os chineses de Hong Kong, que têm o selo do império britânico. Os nossos têm o selo do império lusitano”, brincou.
Uma outra ideia veiculada pelos intervenientes no documentário é a de que a presença de Portugal deu a Macau uma certa paz, alegria e um maior relacionamento humano. “Nós somos pacíficos, somos pouco conflituosos, sabemos receber bem as pessoas, convivemos bem com as pessoas, somos boas pessoas”, diz Helena Madeira.
Uma das entrevistadas no filme diz que o macaense é “híbrido, não é continental nem português” e que é possível distinguir na rua, apenas olhando, quem é chinês de Macau e quem é chinês do continente, uma ideia corroborada por Helena Madeira, que diz que a forma de uma pessoa estar numa fila de autocarros, por exemplo, é suficiente para fazer essa distinção, porque o comportamento do chinês de Macau é mais próximo do ocidental, é aquilo que os próprios classificam como “mais civilizado”.

19 Dez 2019

Celebrações do aniversário da RAEM não podem ser ensombradas por Hong Kong, diz embaixador em Pequim

O embaixador de Portugal na China disse ontem que o aniversário da transferência da administração de Macau “não merece” ficar na sombra da contestação em Hong Kong, salientando que o território tem uma “génese própria”

 

[dropcap]”A[/dropcap]s celebrações em Macau não merecem ficar na sombra da contestação em Hong Kong, nem na sombra de qualquer outro evento”, disse à agência Lusa José Augusto Duarte. “Se vamos celebrar algo que efectivamente deve orgulhar as equipas negociais de Portugal e da China (…) para depois, na prática, estarmos a falar de Hong Kong, então nem sequer vale a pena”, defendeu.

Augusto Duarte admitiu que “o contexto actual pode efectivamente levar a que alguns do lado da China tentem utilizar [o aniversário] para evocar que o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ continua vivo, independentemente dos problemas que existem em Hong Kong”.

“Para nós portugueses não é o contexto que conta, é a estrutura que conta: podemos ver que os problemas que existem em Hong Kong são sérios e devem ser levados a sério, como toda a gente já percebeu”, realçou.

Em entrevista à agência Lusa, o diplomata pediu que “não se confundam as coisas” e defendeu que só “numa visão muito superficial [Macau e Hong Kong] podem ser comparadas”, apesar da proximidade geográfica, passado comum enquanto possessões coloniais ou reunificação na China, mantendo um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário.

Diferenças especiais

José Augusto Duarte apontou a antiguidade e reduzida população de Macau, em comparação com Hong Kong, e a dependência face ao jogo, ao contrário da antiga colónia britânica, que tem uma “economia própria, que cria prosperidade e problemas próprios”.

E acrescentou: “Muitas das coisas que se estão a passar em Hong Kong têm a ver não apenas com o presente, mas também com o passado um bocado mais longínquo. A mesma coisa para Macau, só que de forma completamente diferente”.

“Macau é resultado de uma relação que foi sendo montada ao longo do tempo, baseada no diálogo: não houve conflito e foi sempre negociada entre portugueses e os mandarins de Cantão [capital da província vizinha de Guangdong] e mais tarde directamente até com as próprias casas imperiais e as dinastias que se sucederam na cidade proibida, em Pequim”, disse. “Hong Kong não. É uma coisa que aparece repentinamente, no século XIX, em resultado de um conflito militar, ganho por Inglaterra”, explicou.

Sobre a ausência de uma representação de alto nível portuguesa nas celebrações – Marcelo Rebelo de Sousa manifestou interesse em estar presente durante a visita de Estado que fez à China, em Maio passado – o embaixador esclareceu que não houve convite, mas disse compreender a posição de Pequim. “Não há ressentimento ou ofensa por não haver convite”, observou. “A tradição nestas celebrações é de ser sobretudo uma festa da reunificação do território chinês, uma festa interna chinesa, levada a cabo pelas autoridades de Macau e da República Popular da China, de forma conjunta”, disse.

19 Dez 2019

Xi Jinping em Macau | Visita do Presidente chinês divide opiniões de amigos portugueses

Diamantino e Miguel, dois amigos que se reencontraram em Macau 20 anos depois, não estão de acordo sobre a vinda do Presidente chinês: para o primeiro é um ditador, para o segundo, é ‘amigo’ de Portugal

 
[dropcap]“É[/dropcap] uma pessoa que não me diz absolutamente nada, acho que é um ditador”, diz à Lusa Diamantino Carvalho, sobre a chegada do Presidente chinês, Xi Jinping, a Macau para as cerimónias de tomada de posse do novo Governo e celebração do 20.º aniversário da transferência de administração do território de Portugal para a China.
Já Miguel Canuto é da opinião que Xi “está a fazer a China levantar a cabeça” e “investiu em Portugal, como nenhum país da União Europeia investiu”.
Sentado numa mesa da esplanada do Caravela, restaurante ‘bastião’ da comunidade portuguesa local, a tomar uma bica, a poucos metros da escola Portuguesa de Macau e do Clube Militar, Diamantino Carvalho não vinha a Macau há quase 20 anos.
Durante a gestão portuguesa, “vim para cá com uma determinada missão, quando ela terminou, regressei”, conta, explicando que agora regressou para visitar amigos. “Acho que lhes devia isso”, afirma o residente em Leiria, de 60 anos, agora reformado, que veio para Macau em 1998 para trabalhar na Polícia Judiciária. “Saí exactamente daqui no dia 21 de Dezembro de 1999”, precisa, acrescentando sorridente: “Ainda cá fiquei um dia sob administração chinesa”.
Foi precisamente no tempo que trabalhou no território, na altura administrado por Portugal, que conheceu o amigo Miguel Canuto, português de 55 anos nascido em Timor-Leste, que veio trabalhar para Macau em 1996 para a direcção de Serviços de Justiça e que por cá ficou até aos dias de hoje. Talvez por isso, os dois, que frequentaram o Colégio Militar em Lisboa, nutram sentimentos antagónicos sobre a vinda de Xi a Macau.

Duas vias

Para o leiriense a vinda passa-lhe “completamente” ao lado, já para Miguel, ‘o cidadão do mundo português’, o sentimento de pertença a Macau e à China é mais evidente: “óbvio que vou comemorar, vou comemorar com amigos e também tenho família chinesa”.
“Vi como foi a transição, o pós transição e o actual momento. A transição foi bem feita e a República Popular da China tratou muito bem Portugal, tratou-nos de igual para igual”, conta Miguel Canuto, admitindo que as coisas mudaram muito em Macau, durante o tempo em que Diamantino esteve ausente.
“As coisas mudaram com a liberalização do jogo, a economia está melhor”, afirma, referindo como o único factor negativo o elevado preço das rendas, numa cidade com pouco mais de 30 quilómetros quadrados e mais de 650 mil habitantes.
Momentos antes, Diamantino já tinha assumido que após 20 anos “as diferenças são abismais”. “Havia 11 casinos, agora já há quase quarenta”, sublinha o leiriense.
A chegada do Presidente da China a Macau está a ser marcada por fortes medidas de segurança, algo que Miguel Canuto compreende e aceita quase de forma plena.
“Um homem poderoso como é o senhor Presidente da China quando visita uma cidade, a segurança é igual como se fosse o senhor Putin, Presidente da Rússia, ou o senhor Trump, Presidente dos Estados Unidos.
Homens poderosos requerem muito mais segurança, portanto é normal o que está a acontecer”, afirmou.
Residente em Macau há mais de 23 anos, admite ainda que deseja ver com os próprios olhos “o senhor Presidente” da China, por quem nutre um grande respeito: “o Presidente da China é uma pessoa extremamente inteligente (…) preparou-se muito bem, não é apenas mais um Presidente da China, é o Presidente da China”, frisa, acentuado o artigo.
No programa da visita de Xi Jinping divulgado pelas autoridades ao início da noite de terça-feira, indica-se que para além da reunião com o actual chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Chui Sai On, o líder chinês recebe no dia seguinte os titulares dos principais cargos do Governo e individualidades de vários sectores da sociedade.
Esta é a terceira visita do Presidente chinês a Macau, para a qual estão registados mais de 650 profissionais da comunicação social, marcada por medidas de segurança excepcionais.

19 Dez 2019

Xi Jinping em Macau | Visita do Presidente chinês divide opiniões de amigos portugueses

Diamantino e Miguel, dois amigos que se reencontraram em Macau 20 anos depois, não estão de acordo sobre a vinda do Presidente chinês: para o primeiro é um ditador, para o segundo, é ‘amigo’ de Portugal

 

[dropcap]“É[/dropcap] uma pessoa que não me diz absolutamente nada, acho que é um ditador”, diz à Lusa Diamantino Carvalho, sobre a chegada do Presidente chinês, Xi Jinping, a Macau para as cerimónias de tomada de posse do novo Governo e celebração do 20.º aniversário da transferência de administração do território de Portugal para a China.

Já Miguel Canuto é da opinião que Xi “está a fazer a China levantar a cabeça” e “investiu em Portugal, como nenhum país da União Europeia investiu”.

Sentado numa mesa da esplanada do Caravela, restaurante ‘bastião’ da comunidade portuguesa local, a tomar uma bica, a poucos metros da escola Portuguesa de Macau e do Clube Militar, Diamantino Carvalho não vinha a Macau há quase 20 anos.

Durante a gestão portuguesa, “vim para cá com uma determinada missão, quando ela terminou, regressei”, conta, explicando que agora regressou para visitar amigos. “Acho que lhes devia isso”, afirma o residente em Leiria, de 60 anos, agora reformado, que veio para Macau em 1998 para trabalhar na Polícia Judiciária. “Saí exactamente daqui no dia 21 de Dezembro de 1999”, precisa, acrescentando sorridente: “Ainda cá fiquei um dia sob administração chinesa”.

Foi precisamente no tempo que trabalhou no território, na altura administrado por Portugal, que conheceu o amigo Miguel Canuto, português de 55 anos nascido em Timor-Leste, que veio trabalhar para Macau em 1996 para a direcção de Serviços de Justiça e que por cá ficou até aos dias de hoje. Talvez por isso, os dois, que frequentaram o Colégio Militar em Lisboa, nutram sentimentos antagónicos sobre a vinda de Xi a Macau.

Duas vias

Para o leiriense a vinda passa-lhe “completamente” ao lado, já para Miguel, ‘o cidadão do mundo português’, o sentimento de pertença a Macau e à China é mais evidente: “óbvio que vou comemorar, vou comemorar com amigos e também tenho família chinesa”.

“Vi como foi a transição, o pós transição e o actual momento. A transição foi bem feita e a República Popular da China tratou muito bem Portugal, tratou-nos de igual para igual”, conta Miguel Canuto, admitindo que as coisas mudaram muito em Macau, durante o tempo em que Diamantino esteve ausente.

“As coisas mudaram com a liberalização do jogo, a economia está melhor”, afirma, referindo como o único factor negativo o elevado preço das rendas, numa cidade com pouco mais de 30 quilómetros quadrados e mais de 650 mil habitantes.

Momentos antes, Diamantino já tinha assumido que após 20 anos “as diferenças são abismais”. “Havia 11 casinos, agora já há quase quarenta”, sublinha o leiriense.

A chegada do Presidente da China a Macau está a ser marcada por fortes medidas de segurança, algo que Miguel Canuto compreende e aceita quase de forma plena.

“Um homem poderoso como é o senhor Presidente da China quando visita uma cidade, a segurança é igual como se fosse o senhor Putin, Presidente da Rússia, ou o senhor Trump, Presidente dos Estados Unidos.

Homens poderosos requerem muito mais segurança, portanto é normal o que está a acontecer”, afirmou.
Residente em Macau há mais de 23 anos, admite ainda que deseja ver com os próprios olhos “o senhor Presidente” da China, por quem nutre um grande respeito: “o Presidente da China é uma pessoa extremamente inteligente (…) preparou-se muito bem, não é apenas mais um Presidente da China, é o Presidente da China”, frisa, acentuado o artigo.

No programa da visita de Xi Jinping divulgado pelas autoridades ao início da noite de terça-feira, indica-se que para além da reunião com o actual chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Chui Sai On, o líder chinês recebe no dia seguinte os titulares dos principais cargos do Governo e individualidades de vários sectores da sociedade.

Esta é a terceira visita do Presidente chinês a Macau, para a qual estão registados mais de 650 profissionais da comunicação social, marcada por medidas de segurança excepcionais.

19 Dez 2019

Porreiro, pá!

[dropcap]P[/dropcap]or ocasião dos 20 anos da RAEM e a visita de Xi Jinping, as forças de segurança têm apertado o cerco e, ao contrário do que por aqui costuma acontecer, aparecem com grande visibilidade, seja a proibir a entrada a jornalistas e activistas de Hong Kong, seja a revistar todos os que pretendem entrar em Macau, vindos da ex-colónia britânica. Todos os dias surgem notícias deste tipo, incluindo a seca que deram a uma equipa da RTP, na fronteira de Macau quando esta regressava depois de uma visita a Hong Kong.

Claro que estes factos não contribuem em nada para a boa imagem de Macau nos media internacionais, sobretudo numa altura em que decorre uma intensa campanha anti-China, suportada quer por factos e quer por invenções. Mas, ao que parece, valores mais altos se levantam e nada deve, no entender das autoridades, perturbar a festa e a visita do Presidente.

Na tentativa de estragar a dita festa, juntam-se artigos como o do Financial Times sobre os 20 anos da RAEM no qual debitam três portugueses. E, surpresa (?), todos grandes arautos da democracia eleitoral, com acintosas afirmações anti-China, já para não falar do perigo amarelo. Isto, lido em Pequim, dará uma imagem específica de uma comunidade portuguesa descontente, desconfiada, inimiga de quem lhe paga o pão e a cerveja.

Os outros que falaram, mas cujas afirmações não interessavam à jornalista do FT, simplesmente não aparecem na reportagem porque não se enquadravam no ataque cerrado a Pequim — a ideologia do artigo. É d’homem! Porreiro, pá!

18 Dez 2019

RAEM 20 Anos | Território ganhou 10 Km2 e vai continuar

[dropcap]M[/dropcap]acau conquistou, em 20 anos de administração chinesa, dez quilómetros quadrados ao mar e aumentou a população residente em 200 mil habitantes, uma expansão que vai continuar nos próximos anos.
O “plano urbanístico de novos aterros”, aprovado por Macau em 2008 e ratificado por Pequim em 2009, ainda em desenvolvimento, previa cinco novos terrenos para a região, num total de 350 hectares (ou 3,5 quilómetros quadrados).
Dados oficiais indicam que, actualmente, Macau soma 32,9 quilómetros quadrados e perto de 667.500 habitantes, quando em 1999, ano da transição da administração do território de Portugal para a China, a cidade tinha 23 quilómetros quadrados e cerca de 430 mil residentes.
De fora dos novos aterros ficam os casinos, de que depende a economia local e que fazem da cidade o maior centro de jogo do mundo. Os casinos ocuparam outros terrenos anteriormente conquistados ao mar, como o Cotai, uma linha nova de terra que uniu as ilhas da Taipa e Coloane.
“Prosseguindo as linhas fundamentais da política de diversificação económica, nos planos dos novos aterros serão reservados terrenos em quantidade adequada ao desenvolvimento de actividades propícias à diversificação económica, estando, desde logo, excluída a do jogo”, afirmou em 2010 o chefe do executivo de Macau, Fernando Chui Sai On, que cessa funções esta semana.
Na ocasião, Chui Sai On garantiu que “parte dos terrenos” será para construção de habitação pública, com rendas acessíveis, assim como para equipamentos culturais, sociais, de educação zonas verdes e de lazer.
Segundo as autoridades, os cinco novos aterros vão receber cerca de 162 mil pessoas. Para o maior deles (“Zona A”), uma ilha artificial de 138 hectares ligada ao terminal da ponte que liga Macau, o interior da China e Hong Kong desde o ano passado, foram já lançados concursos para construção de 3.000 fogos de habitação.
O maior desafio, disse o arquitecto Rui Leão, é transformar estes novos territórios em espaços integrados na cidade, evitando o que aconteceu com outros aterros, como o NAPE que “durante mais de dez anos não chegava bem a ser cidade”.
“As pessoas usavam porque viviam lá ou tinham lá o trabalho e eram obrigadas a ir. Era bastante desagradável, era uma cidade estranha”, realçou o presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP), explicando que só após a consolidação do jardim central do aterro e a progressiva ocupação dos espaços comerciais “o NAPE acabou por fazer parte da cidade, o que nem sempre é garantido”.

Sinal mais

Em termos de urbanismo, e perante “transformações tão grandes”, as “questões difíceis” são precisamente conseguir mobilizar uma população para os novos espaços “com um modelo de cidade que apesar de tudo seja possível, humano, vivenciável”, defendeu.
Para o arquitecto, há alguns sinais positivos em relação ao que está previsto para os novos aterros, em termos, por exemplo, de “mais valias de acessibilidade”, um aspecto vital quando existe “a intenção de aumentar a população para os 750 mil habitantes num prazo de cinco a dez anos”.
“Como estas coisas em Macau são muito rápidas”, com aumentos de população na ordem das dezenas de milhares em poucos anos, como se fosse “uma metralhadora”, têm “de ser pensadas de uma maneira diferente”, de forma a que não surjam “sítios que não foram feitos para as pessoas”.
Também vogal do Conselho do Planeamento Urbanístico de Macau, Rui Leão considerou que a população local acompanhou, apesar de tudo, “extraordinariamente bem” a expansão da cidade nos últimos 20 anos e destacou os “vários mecanismos de diálogo” que existem na cidade, que têm permitido, por exemplo, ajustar e modificar “planos drásticos” quando são pensados.

18 Dez 2019

RAEM 20 Anos | Território ganhou 10 Km2 e vai continuar

[dropcap]M[/dropcap]acau conquistou, em 20 anos de administração chinesa, dez quilómetros quadrados ao mar e aumentou a população residente em 200 mil habitantes, uma expansão que vai continuar nos próximos anos.

O “plano urbanístico de novos aterros”, aprovado por Macau em 2008 e ratificado por Pequim em 2009, ainda em desenvolvimento, previa cinco novos terrenos para a região, num total de 350 hectares (ou 3,5 quilómetros quadrados).

Dados oficiais indicam que, actualmente, Macau soma 32,9 quilómetros quadrados e perto de 667.500 habitantes, quando em 1999, ano da transição da administração do território de Portugal para a China, a cidade tinha 23 quilómetros quadrados e cerca de 430 mil residentes.

De fora dos novos aterros ficam os casinos, de que depende a economia local e que fazem da cidade o maior centro de jogo do mundo. Os casinos ocuparam outros terrenos anteriormente conquistados ao mar, como o Cotai, uma linha nova de terra que uniu as ilhas da Taipa e Coloane.

“Prosseguindo as linhas fundamentais da política de diversificação económica, nos planos dos novos aterros serão reservados terrenos em quantidade adequada ao desenvolvimento de actividades propícias à diversificação económica, estando, desde logo, excluída a do jogo”, afirmou em 2010 o chefe do executivo de Macau, Fernando Chui Sai On, que cessa funções esta semana.

Na ocasião, Chui Sai On garantiu que “parte dos terrenos” será para construção de habitação pública, com rendas acessíveis, assim como para equipamentos culturais, sociais, de educação zonas verdes e de lazer.

Segundo as autoridades, os cinco novos aterros vão receber cerca de 162 mil pessoas. Para o maior deles (“Zona A”), uma ilha artificial de 138 hectares ligada ao terminal da ponte que liga Macau, o interior da China e Hong Kong desde o ano passado, foram já lançados concursos para construção de 3.000 fogos de habitação.

O maior desafio, disse o arquitecto Rui Leão, é transformar estes novos territórios em espaços integrados na cidade, evitando o que aconteceu com outros aterros, como o NAPE que “durante mais de dez anos não chegava bem a ser cidade”.

“As pessoas usavam porque viviam lá ou tinham lá o trabalho e eram obrigadas a ir. Era bastante desagradável, era uma cidade estranha”, realçou o presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP), explicando que só após a consolidação do jardim central do aterro e a progressiva ocupação dos espaços comerciais “o NAPE acabou por fazer parte da cidade, o que nem sempre é garantido”.

Sinal mais

Em termos de urbanismo, e perante “transformações tão grandes”, as “questões difíceis” são precisamente conseguir mobilizar uma população para os novos espaços “com um modelo de cidade que apesar de tudo seja possível, humano, vivenciável”, defendeu.

Para o arquitecto, há alguns sinais positivos em relação ao que está previsto para os novos aterros, em termos, por exemplo, de “mais valias de acessibilidade”, um aspecto vital quando existe “a intenção de aumentar a população para os 750 mil habitantes num prazo de cinco a dez anos”.

“Como estas coisas em Macau são muito rápidas”, com aumentos de população na ordem das dezenas de milhares em poucos anos, como se fosse “uma metralhadora”, têm “de ser pensadas de uma maneira diferente”, de forma a que não surjam “sítios que não foram feitos para as pessoas”.

Também vogal do Conselho do Planeamento Urbanístico de Macau, Rui Leão considerou que a população local acompanhou, apesar de tudo, “extraordinariamente bem” a expansão da cidade nos últimos 20 anos e destacou os “vários mecanismos de diálogo” que existem na cidade, que têm permitido, por exemplo, ajustar e modificar “planos drásticos” quando são pensados.

18 Dez 2019

RAEM 20 anos| Garcia Leandro, ex-Governador, separa as águas entre Macau e Hong Kong

O actual presidente da Fundação Jorge Álvares e Governador no período entre 1974 e 1979, Garcia Leandro defende que que a crise política que se vive em Hong Kong não é “extrapolável” a Macau por estarmos perante dois territórios completamente diferentes. Para o ex-Governador, o Governo Central quer muito que Macau seja um caso de sucesso e defende uma “identidade própria” para as quatro comunidades que existem no território

[dropcap]O[/dropcap] primeiro governador de Macau em democracia defende que Pequim quer fazer da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) um caso de sucesso e considera que a crise em Hong Kong não é extrapolável para este território.
“Eu julgo que o regime chinês quer fazer de Macau um caso de sucesso”, declarou à agência Lusa o general Garcia Leandro, que governou Macau entre 1974 e 1979.
Questionado sobre se os protestos que há seis meses ocorrem em Hong Kong se podem estender à RAEM, Garcia Leandro começou por dizer que se tratam de duas realidades diferentes em termos históricos, de massa crítica e de população.
“A situação não é paralela, não se pode extrapolar de Hong Kong para Macau”, afirmou o general, presidente da Fundação Jorge Álvares, uma estrutura criada no quadro da transferência da administração que tem como objectivo promover o diálogo intercultural entre Lisboa e a RAEM.
Hong Kong é palco de manifestações desde Junho, em protesto contra uma proposta legislativa que permitiria a extradição de suspeitos para a China continental.
O Governo de Hong Kong acabou por retirar a proposta, cedendo a uma das exigências dos manifestantes, mas a decisão não foi suficiente para travar os protestos anti-governamentais em prol de reformas democráticas e contra a alegada crescente interferência de Pequim no território.
Face aos protestos em Hong Kong, “Pequim tem tido uma grande contenção”, para evitar tomar uma posição de força, considerou Garcia Leandro.
O general, apesar de não querer entrar em especulações, disse que “dá a sensação” que “há ali uma mãozinha do exterior a empurrar”.
“De onde é que essa mãozinha do exterior vem não sei nem quero especular (…), mas é evidente que pode haver ali Taiwan, pode haver ali os Estados Unidos [país em guerra comercial com a China]”, comentou.
Em declarações ao HM concedidas em Junho, relativas à implementação da política “Uma Faixa, Uma Rota”, Garcia Leandro comentou um possível impacto dos protestos de Hong Kong, uma vez que a independência do sistema jurídico e judicial das regiões administrativas especiais “envolve grandes empresas internacionais que necessitam de ter uma base fiscal e jurídica sólida e estável e não se podem arriscar a ter pessoas extraditadas para a China e a serem julgadas lá. É uma situação que espero que venha a ser bem resolvida, mas que demonstrou algumas fragilidades”, acrescentou.
Garcia Leandro defendeu também que há o risco de a China enfrentar resistências na hora de negociar de forma bilateral ou multilateral com os países, mas que o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, na sua essência, “não se vai alterar”.
No entanto, “é preciso ter cuidado com a situação e os estatutos, porque as pessoas e as empresas que estão nas regiões administrativas especiais têm estatutos registados para um período de 50 anos, com um quadro jurídico local e a independência dos tribunais. A reacção da população de Hong Kong, que foi muito grande, tem a ver com uma habituação da população a um determinado sistema que seria alterado (com a lei da extradição), criando uma perda de confiança de que a China não poderia beneficiar”.
Sobre as questões de cibersegurança na China, Garcia Leandro chegou a defender ao HM que “não [devem tirar o sono às pessoas]”, por serem “questões que resultam da ciberguerra e das necessidades cibersegurança, que actualmente acontecem em todo o lado”.
“A China percebe que não lhe vão fazer uma guerra, porque tem uma grande massa crítica para aguentar, mas pode ter intervenções do exterior através da via digital para tentaram destruir alguma coisa por dentro. É evidente que Hong Kong é um sítio fácil para essas pretensões e Macau acaba por ser arrastado”, acrescentou.

A herança portuguesa

Quanto à RAEM, Garcia Leandro referiu que “as autoridades chinesas de Macau têm demonstrado uma grande capacidade de compreensão na relação com a história portuguesa e a herança portuguesa, as associações e instituições portuguesas”.
Garcia Leandro fundamentou a sua opinião sobre a situação de Macau com o que viu em sucessivas visitas que fez à RAEM nos últimos anos (2011, 2018 e 2019).
“Visitei tudo e nunca vi aquelas associações, instituições tão bem tratadas como agora”, constatou.
“Interessa a Pequim que o caso de Macau seja um sucesso” e o novo Chefe do Executivo, que toma posse esta semana, Ho Iat Seng, e os membros do seu Governo são “um sinal de grande esperança na manutenção desta linha de comportamento”, considerou.
O general, de 79 anos, destacou ainda a visita do Presidente da China e líder do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, “a Macau para as comemorações” dos 20 anos da RAEM.
A agência noticiosa oficial Xinhua confirmou a visita de Xi Jinping a Macau entre 18 e 20 de Dezembro, para participar nas comemorações e na cerimónia de inauguração do quinto Governo da RAEM.

Integrar as comunidades

Na mesma entrevista, o general Garcia Leandro afirmou que o território “tem quatro comunidades etnicamente, socialmente e culturalmente diferentes”.
“São os macaenses, ou seja, os portugueses de Macau, são os portugueses da Europa, são os chineses de Macau e são os chineses do continente. O que interessava era criar uma identidade própria com esta gente toda”, declarou.
Segundo o general, já existe entendimento entre os chineses de Macau e os portugueses de Macau: “Existe entendimento, sempre viveram ali em conjunto”. Já quanto aos chineses que vêm do continente, “têm vivido num mundo fechado” e têm “alguma incompreensão” em perceber a realidade de Macau.
“Eles não têm, como os chineses de Macau, um conhecimento do passado histórico, da relação social que havia, porque há muitos casamentos mistos e muitas ligações, mesmo sem ser através do casamento, há muitas ligações mistas”, notou.
Relativamente a Portugal, o general destacou que a China tomou nos últimos tempos “atitudes muito significativas”.
Uma foi ter proposto em 2005 que o centro histórico de Macau fosse classificado património mundial da humanidade pela UNESCO, o que aconteceu em 2006. Outra, em 2003, foi a criação do Fórum Macau e, em 2005, a parceria estratégica com Portugal.
“O Fórum Macau é [no fundo] as relações da China com os países de língua portuguesa que têm como base Macau. E ali existe um representante de cada um dos países, tipo cônsul ou embaixador que está ali a trabalhar, além de fazer encontros de advogados, de empresários, de estudantes”, descreveu. Portanto, “esta relação com a China nunca deve ser desperdiçada”, defendeu.
“Deve ser aproveitada sabendo nós defender os nossos interesses, porque os chineses também defendem os seus interesses e a relação connosco é não só histórica, mas também é uma relação de interesses, também nos países de língua portuguesa como é evidente”, disse.

18 Dez 2019