O Brasil do nosso descontentamento

Quando a Filosofia Portuguesa de inspiração messiânica (muitos alegam que ela não existe, mas existe, seja lá em que contexto) se mantinha em modo de ideal pela perspectiva de um Quinto Império, tinha sem dúvida elementos promissores de inspiração humanista que não devemos esquecer. Falei de inspiração messiânica pois que esta Filosofia é muito especial e não se desenvolve propriamente em modelos helénicos, ou outros, e ainda Pinharanda Gomes nos fala de uma inovação quase psíquico – sincrética de uma Nação de nuvens e de vagas. «Desejado» eis o seu nome! Mas o nome de quem desejamos, atirámo-lo para o nevoeiro, e de tanto desejar, ganhámos tempo para aprender coisas do pensamento que certamente coroará a sua vinda. Tivemos todos estes sonhos e pensámos muitos mais na forma filosofante do corpo colectivo, e não obstante, a nossa Jerusalém Celeste, esse apregoado reino do Espírito Santo, entrelaçar de raças e de povos, é hoje uma incubadora de morte para o mundo em estado impróprio para reflectir um sonho que se tornou um estrondoso equívoco.

É deste Brasil que é preciso falar. O do berço dos fascistas que a Revolução amedrontou, o das cinturas militares, daqueles que vão literalmente “cantar para esta freguesia” que em busca de não se sabe bem de quê se sentem injustiçados por meros aspectos que não sabem verbalizar, da descarga incivilizada de uma sociedade onde a pobreza crassa e se estende ao martírio indígena que o decompõe, e dos muitos nazis fugidos à Europa e perdidos na mata Amazónica. Também é preciso falar da quietude dos que deviam falar e não o fazem, de uma massa de gentes que nós gostávamos, e que hoje, no meio da podridão, da morte e da mais perturbadora irracionalidade cívica, finalmente se calaram numa inércia que nos enche de espanto e de um memorável sentimento de traição. Este Brasil que está no mundo como um traficante de cadáveres e que nenhuma racionalidade se lhe chega, é sem dúvida o fim das ilusões de um princípio filosófico que fora nosso, e no qual mergulhámos como na morte de todas as ilusões.

Que um país de novecentos anos não deve por isso ser destituído da sua “arraia-miúda”- sabemo-lo bem – mas não é preciso o escrevinhar de prefácios com pretextos de comparação sem nexo pois que nada que nos define pode juntar-se a tais estatutos mesmo quando as coisas nos correm incompreensivelmente mal. Não há nenhuma semelhança entre aquilo que continuamos a ser e aquilo em que o Brasil se tornou, e os que carregam na tónica comparativa saberão certamente que nem toda a «Irmandade» funciona por reflexo, e que aqui não há mais «Festa» para os embustes. Nem tudo o que se vê e escuta na presente e convicta noção dos iniciados a pessoa tem alguma importância, são oportunidades a que responderam da pior maneira, mas Nós, temos importância. E não será desta maneira que crescerá mais proximidade, até por que já nos fizeram literalmente andar a reboque de um português que insistimos em não reconhecer com toda a justiça e mérito. Não ajustamos nada! Estamos há séculos ajustados às nossas contingências linguísticas e não a desejamos (a) cordar.

Nada se fundará de promissor que interesse referenciar se estas vozes de estadistas menores, ludibriados, consumidos e consumados na nossa consciência, insistirem em fazer-se ouvir. – Não, não somos irmãos! Já não somos sequer, família.

Um Padre António Vieira merece que contemplemos outras coisas e que solucionemos este presente, que para ambas as partes é de opróbrio e equívoco gigantesco. E se «brasileiro é ainda um português à solta», na bela expressão de Bandeira, sejamos dignos dos nossos melhores, que nós não vamos deixar que atraiçoem os seus sonhos que se revelaram a única solução.

Sentimo-nos, no entanto, tristes e incrédulos perante o ceifar de vidas quotidianas, aos milhares, num país que algures ousámos sonhar como uma perspectiva de redenção. Para eles, o mais profundo pesar. Ninguém merece o abandono a que foram votados.

18 Mai 2021