Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasA sinfonia “patética” [dropcap]U[/dropcap]ma das obras mais conhecidas do compositor russo do período romântico Pyotr Tchaikovsky é a Sinfonia no 6 em Si menor, Op. 74, a sua última sinfonia, composta entre Fevereiro e Agosto de 1893. Foi também a sua última obra publicada ainda em vida e a última que o compositor dirigiu. A estreia ocorreu em São Petersburgo, no dia 28 de Outubro de 1893, uns escassos dias antes da sua morte, de causas até hoje não comprovadas. A sinfonia é dedicada ao seu sobrinho Vladimir “Bob” Davydov. As circunstâncias que a envolvem e as próprias características da composição – quase sempre sombria com explosões de fúria e de grande lirismo, atribuem-lhe um significado quase autobiográfico. Os poucos factos que se conhecem e que podem ajudar na procura de uma verdade mais factual, ainda que porventura menos romântica, são relativamente escassos. Sabe-se que o compositor a intitulou “pathétique”, apesar de ter sido aparentemente sobre proposta do seu irmão Modest. Tchaikovsky queria dar com esta indicação a noção de que esta era uma obra para ser ouvida “com o coração”, uma obra que pretendia desencadear emoções fortes. O primeiro andamento (Adagio–Allegro non troppo), em Si Menor, começa com um adagio e é uma verdadeira montanha russa de emoções, cheia de tensão, com passagens sombrias lentas, outras igualmente sombrias mas rápidas que formam um conjunto notável com duas belíssimas melodias, sobretudo o segundo tema do desenvolvimento. O segundo andamento (Allegro com grazia), em Ré Maior, apresenta uma extraordinária melodia que contrasta com o primeiro andamento e que serve de contraponto à tensão exercida. É um andamento de tom relativamente alegre, mas que nunca deixa a sensação do destino que se pode abater a qualquer instante. Acalma mas não o suficiente para nos tranquilizar completamente. O terceiro andamento (Allegro molto vivace), em Sol Maior, é uma espécie de marcha, sem no entanto ser verdadeiramente triunfante, tal como o segundo andamento poderia ser uma alegre valsa sem nunca realmente o ser, nem pelo tempo, que não é exactamente o de uma valsa, nem pelo espírito. Dir-se-ia que Tchaikovsky, nestes dois andamentos, procura transmitir-nos metaforicamente a instabilidade, o frágil equilíbrio em que repousa a nossa felicidade e o todo poderoso destino ao qual nos abandonamos. Aliás, este andamento acaba de tal forma que faz parecer que a sinfonia terminou. O quarto andamento (Finale. Adagio lamentoso), em Si Menor, retoma assim, novamente, o tom lúgubre do primeiro, anunciando a vitória do implacável destino. É claramente uma sinfonia que admite múltiplas leituras. Uns autores estudam-na do ponto de vista de uma válvula de escape da homossexualidade reprimida de Tchaikovsky. Ao que parece, o compositor tinha uma relação platónica nada menos que com o seu sobrinho “Bob”, o dedicatário da sinfonia. A sensualidade que a sinfonia desprende é interpretada como uma sublimação desse amor proibido. A ninguém escapa que a sinfonia trata o tema do destino. A obra parece alimentar a ideia de que, de alguma maneira, quem sabe na nossa ingenuidade, podemos desafiar, até apostar, com o destino. Oscilamos entre uma compreensão clara do nosso destino, como nos temas do desespero do quarto andamento, até ao optimismo cego, como na marcha do terceiro andamento, passando por uma profunda compaixão pela nossa condição, como no tema da consolação do último andamento. Com a Sexta, Tchaikovsky cria uma nova forma para a sinfonia, numa das mais audaciosas e ousadas jogadas musicais do séc. XIX. O lento e lúgubre finale vira de pernas para o ar todo o paradigma sinfónico, e muda com uma penada a possibilidade do que uma sinfonia deveria ser: em vez de terminar num tom jubiloso e de alegria, a Sexta Sinfonia termina com uma dor pessoal, privada e íntima. Tchaikovsky estava mais que satisfeito e confiante com esta sinfonia – mas, como era tantas vezes e com tanta crueldade o caso, a recepção crítica que recebeu foi decididamente abafada. Descrita por alguns como a sua despedida da vida, na realidade nunca saberemos exactamente o que inspirou a obra. No entanto, podemos ter a certeza de que se trata de uma das criações mais adoradas do compositor, sem o exemplo da qual muitos compositores que se lhe seguiram, como Mahler, Shostakovich, Sibelius e muitos outros, não poderiam ter composto as sinfonias que compuseram. Sugestão de audição: Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Symphony No. 6 in B minor, Op. 74 Russian National Orchestra, Mikhail Pletnev – Virgin Classics, 1991