Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeOceanos | Pedida flexibilidade no financiamento David Gonçalves, director do Instituto para as Ciências e Ambiente da Universidade de São José, defende uma canalização em Macau do investimento para a investigação científica sobre os oceanos e biologia marinha, a fim de flexibilizar projectos entre a China e países de língua portuguesa O director do Instituto para as Ciências e Ambiente da Universidade de São José (USJ), David Gonçalves, considera que o investimento público em investigação académica na área da defesa dos oceanos deve estar centrada em Macau e não apenas em Pequim, a fim de melhor assegurar o funcionamento das equipas de investigação. A ideia foi deixada ao HM no contexto da realização, na USJ, desde ontem, da quinta edição da SINOPORT Ocean Conference – Simpósio Anual para o Centro de Investigação Conjunta em Biologia Marinha [International Joint Research Center of Marine Biology], um encontro organizado pela Universidade do Algarve e a Shanghai Ocean University. O evento, que reúne académicos de Macau e de outras regiões, termina hoje. “A questão que se coloca é se o Governo Central e local querem, de facto, atribuir o papel de plataforma na cooperação científica a Macau. Se sim, têm de surgir os mecanismos necessários, de natureza financeira, que neste momento não existem. O Governo de Macau deverá querer chamar a sim o papel de centralização nos mecanismos de financiamento. Penso que deveria haver um entendimento directo entre o Governo Central e Macau sobre o verdadeiro papel de plataforma e que mecanismos devem ser criados”, disse. A ideia surge porque, neste simpósio, irá ser discutido o trabalho desenvolvido por dois laboratórios de investigação que são financiados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e que reúnem académicos da China, Europa e Portugal. “Quando o financiamento é dado por parte da China, torna-se difícil que chegue a todos os parceiros [de um grupo de investigação], o que faz com que a cooperação não seja eficaz. Macau teria mais facilidades nesse campo, de poder canalizar financiamento para outros parceiros, e do ponto de vista prático seria mais fácil progredir se Macau fosse esse motor de arranque”, acrescentou. David Gonçalves espera ainda que esta questão seja discutida no simpósio. “Actor natural” O evento culminou, para já, na assinatura de um memorando de entendimento entre a USJ, Universidade do Porto e a Shanghai Ocean University. Hoje é a vez de Gui Menezes, da Okeanos e Universidade dos Açores, falar na sessão “Explorando o desconhecido: A evolução e o futuro da investigação marítima nos Açores”. Joel Reis, da Universidade de Macau, apresenta o projecto ORVIS, que se trata de um “veículo robótico oceânico para a intervenção em águas pouco profundas”. David Gonçalves referiu ao HM que a USJ foi convidada para acolher este simpósio, o que faz todo o sentido, pelo facto de Macau “ser um actor natural no entendimento entre a China e os países de língua portuguesa”. “A única coisa que falta é haver luz verde do Governo Central e do Governo local para pôr em prática esses mecanismos de cooperação”, salientou. O financiamento já atribuído por Pequim levou à formação de dois laboratórios conjuntos virados para a investigação sobre os oceanos e vida marinha, que junta a USJ, a Shanghai Ocean University, a Universidade do Algarve, o Instituto de Oceanografia da China e o Instituto Português do Mar e Atmosfera, entre outras entidades. No simpósio que hoje termina pretende-se “debater a cooperação que tem vindo a ser feita neste âmbito e perceber se as diferentes iniciativas se podem agregar para juntar esforços e aumentar a cooperação entre a China com os países de língua portuguesa na área dos oceanos, além de se perceber o papel que Macau pode desempenhar no futuro”, rematou David Gonçalves.
Hoje Macau China / ÁsiaOceanos | China pede mais conhecimento cientifico e parcerias globais O Governo chinês exortou ontem a comunidade internacional a aprofundar o conhecimento científico dos ecossistemas marinhos e costeiros para preservar os oceanos, mostrando-se pronto para construir parcerias com países de todo o mundo e para ações conjuntas. A agenda 2030 “caracteriza o mundo de hoje como interdependente e interligado como nunca antes. Só através do reforço da cooperação e da parceria globais é possível atingir os ODS” (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), defendeu o enviado especial do governo da China na Conferência da ONU sobre os Oceanos, que decorre em Lisboa. Nesse sentido, exortou a comunidade internacional a intensificar ações conjuntas e a assistência e cooperação, sobretudo com os países em desenvolvimento e especialmente os pequenos Estados insulares, “para reforçar a sua capacidade de desenvolvimento sustentável”. A China, anunciou, vai disponibilizar um pacote financeiro para pequenos projetos de tecnologias de informação nesta área e “promete continuar a contribuir para o cumprimento dos objetivos das Nações Unidas com ações e resultados concretos”. Como exemplo citou o Centro para a Cooperação e Deteção Remota por Satélite China e África e outros projetos através dos quais é dado apoio técnico ao ordenamento do território marítimo e assistência técnica, com acompanhamento, avaliação e o alerta precoce para responder às alterações climáticas e prevenir catástrofes marinhas. O representante do governo chinês aproveitou ainda a ocasião para reafirmar, perante os lideres de mais de 140 países, que “só há uma China” e afirmar que “Taiwan é parte integrante do seu território”. A segunda Conferência da ONU sobre os Oceanos, coorganizada por Portugal e pelo Quénia, começou na segunda-feira e decorre até sexta-feira em Lisboa. Espera-se que da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC na sigla em inglês) saia a Declaração de Lisboa, que ajude a concretizar o ODS 14, que acelere o combate à poluição e que aumente a preservação da biodiversidade e a sustentabilidade. Assim como que se generalize a noção da importância dos oceanos no combate às alterações climáticas.
luis-sa-cunha Ai Portugal VozesOs peixes já não respiram [dropcap]T[/dropcap]odos nós já ouvimos falar do que se está a passar nos oceanos. A falta de civismo dos homens, a falta de infra-estruturas, as fábricas que despejam produtos químicos para os rios, os piqueniques nas praias e nas margens dos rios, os navios que descarregam o lixo e lavam o seu interior deitando os detritos para o mar têm constituído as principais razões para que a poluição marítima comece a colocar a saúde dos humanos em perigo. Todos os que se dedicam ao mergulho sabem bem do que estamos a escrever. As águas dos rios e do mar estão a ficar um caos e têm sido inúmeras as vezes em que aparecem peixes mortos ao cimo das águas. Estamos perante um verdadeiro crime ecológico. Os peixes já se alimentam de plástico e de produtos tóxicos. Alguns já nem conseguem respirar e morrem. O tio Alfredo é um pescador que assiduamente levanta-se de madrugada para ir à pesca, conforme as horas das marés o permite. Levanta-se cedo, pega no seu material de pesca e aí vai ele para a beira do rio Tejo. – Então, tio Alfredo, isto está a dar ou não? – Viva, amigo! Isto já não é o que era… antes até o robalinho apanhava aqui, agora nem vê-los… – Mas tem visto aí uns golfinhos? Quer dizer que as águas estão mais limpas? – Não, amigo. Os golfinhos aparecem porque andam cheios de fome e vêm atrás dos cardumes e rapidamente se vão embora porque sentem que as águas estão cheias de porcaria que não “lhes cheira bem”… tá-me a perceber? – Parece que sim, tio Alfredo. Está a dizer-me que o que vem pelo rio abaixo chega aqui perto da foz e nota-se que os peixes não andam nada felizes… – É isso mesmo. O peixe já não tem a mesma qualidade e agora ainda pior com essa história dos “aviários” que têm feito por todo o lado… aquilo é só farinha e o peixe não vale nada… ainda vou preferindo estes que ficam aqui nos meus anzóis… O problema é grave e quem nos governa até tem ministros das Pescas. Que não servem para nada a não ser a preocupação dos licenciamentos de bons hotéis à beira da costa marítima… As organizações relacionadas com a defesa do ambiente tudo têm feito para que os rios e o mar possam ser alvo de uma acção musculada e efectiva. Normalmente falam para as paredes. Vamos ao rio Guadiana, ouvimos queixas. Vamos ao Mondego, as mesmas queixas. No Douro nem se fala. Num dos maiores rios navegáveis o factor ambiental está a tornar-se um crime. Como é possível que cada ano sejam licenciados mais barcos para navegar no Douro a fim de transportar turistas. E o ambiente marítimo? Nem se fala nisso. Os barcos são de os mais variados portes e até já existem navios-hotéis. Os motores das embarcações fazem uma barulheira que eles pensam que não incomoda os milhares de peixes que estão no fundo das águas. Os barcos a gasóleo largam resquícios de óleo e deitam uma fumarada que até o ambiente exterior fica conspurcado. No rio Douro é uma pena que a família piscícola não seja defendida. Peixes mortos aparecem todas as semanas de verão, altura em que os barcos são aos montes. Mas, não haverá alternativa para estas embarcações a gasóleo que navegam por todo o país? Felizmente existe, mas as autoridades governamentais e os empresários que deviam ser obrigados a mudar de paradigma assobiam para o lado. Portugal tem um dos melhores estaleiros do mundo, em Olhão no Algarve, onde são construídos navios de todas as dimensões e que são movidos com baterias eléctricas e à base da energia solar. Energia solar? É verdade, amigos, num país como o nosso cheio de sol, os barcos que saem daquele estaleiro têm sido a alegria dos seus compradores. Já vai havendo alguns a navegar, mas o rio Douro, o lago Alqueva, o rio Tejo e tantas barragens existentes por todo o país mereciam uma legislação oficial que fosse obrigatória na aquisição de navios a energia solar. Nada melhor para o ambiente. Silenciosos e nada poluentes. Quem está satisfeito é o governo da Madeira que encomendou uma embarcação para cerca de 400 pessoas e para realizar o trajecto Funchal-Porto Santo. E por que não, o governo nacional não obrigar os empresários do Douro, Tejo, Guadiana e barragens a adquirir barcos a energia solar? Por que razão o governo prepara-se para adquirir novas embarcações, no valor de milhões de euros, para a travessia Lisboa-Barreiro e vai escolher embarcações poluentes? Ainda por cima a Sun Concept, a empresa portuguesa que está a desenvolver embarcações electro-solares inovadoras e sustentáveis está a exportar para vários países, nomeadamente para a Alemanha. Por que não dar a ganhar dinheiro a uma empresa portuguesa e defender o ambiente onde vivemos e onde os peixes já nem conseguem respirar?… *Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA
João Luz InternacionalCiência | 300 milhões ameaçados por subida dos oceanos até 2050 A vida de 300 milhões de habitantes das zonas costeiras pode estar ameaçada pela subida do nível do mar até 2050, estima um estudo da Climate Central ontem divulgado, que aponta a Ásia como a região mais vulnerável. De acordo com o documento, publicado na revista científica Nature Communications, mais de 200 milhões de pessoas em risco vivem na China, no Bangladesh, na Índia, no Vietname, na Indonésia e na Tailândia [dropcap]A[/dropcap] subida do nível das águas do mar pode atingir níveis muito piores do que se poderia pensar, com consequências que vão exigir muito mais dinheiro, é apontado num novo estudo científico. A teoria avançada não se baseia numa reavaliação dos níveis das águas do mar, mas na revisão da estimativa do número de pessoas que vivem em zonas baixas. Um dos destaques do relatório aponta para um número a rondar as 110 milhões de pessoas que vivem abaixo do nível das águas do mar, incluindo algumas populações que residem em áreas protegidas por diques, paredões e outras infra-estruturas, como, por exemplo, acontece em Nova Orleães. Mesmo num cenário relativamente modesto de alterações climáticas, o número pode subir para entre 150 milhões de pessoas em 2050 e 190 milhões no ano 2100. Se as alterações climáticas e a subida das águas do mar seguirem as piores expectativas, cerca de 340 milhões de pessoas que vivem abaixo do nível da maré alta podem estar em perigo. Esta estimativa não tem em conta quantas pessoas podem ser afectadas por cheias e catástrofes naturais. As estimativas apresentadas são, pelo menos, três vezes piores em relação a estimativas anteriores. “Temos tido um enorme ângulo cego em relação ao grau de perigosidade, e é nesse aspecto que estamos a tentar melhorar”, refere Benjamin Strauss da Climate Central, autor do estudo publicado na Nature Communications em parceria com Scott Kulp. A razão para esta alteração significativa é que relatórios anteriores foram baseados em dados sobre elevação costeira apurados por medições de radar feitos em 2000 pela missão espacial da Endeavor. Porém, este conjunto de dados apresenta alguns problemas. O instrumento que detectou a altura das zonas costeiras não distinguiu apenas as elevações da orla, mas também casas e árvores. Como tal, foram introduzidos erros nas estimativas globais de elevação do terreno até quase a 20 metros, refere o estudo. “Todo o investimento que fizemos em recursos no sentido de melhorar as nossas projecções de nível do mar não foi suficiente para determinar a altura do chão que está debaixo dos nossos pés”, refere Strauss. Outras medições Alguns países com maior capacidade financeira, como os Estados Unidos, têm usado medições da orla costeira com base em tecnologia laser de forma a conseguir maior precisão, mas a maioria dos países não tem acesso a tecnologias tão dispendiosas. O documento publicado ontem usa medidas mais precisas, tendo como base os métodos de medição norte-americanos, que aplicam um algoritmo para fazer um ajustamento aos dados globais obtidos a partir do espaço pela Endeavor. É aqui que o cenário fica complicado para a Ásia, com números estimados de população exposta muito mais elevados do que em medições anteriores. “Em termos de estimativas globais, penso que a análise demonstra, de forma convincente, que a situação é provavelmente pior do que foi sugerido em estudos anteriores”, defende Stéphane Hallegatte, economista do Banco Mundial que estuda alterações climáticas e exposição a catástrofes naturais. “Estamos a falar de centenas de milhões de pessoas que vão ser directamente expostas”, acrescenta. As mudanças ocorrem numa escala de dimensões alarmantes. O estudo estima que 110 milhões de pessoas vivem abaixo do nível actual das marés mais altas, em comparação com 28 milhões de estimativas anteriores. Cerca de 250 milhões de pessoas podem ficar expostas abaixo do nível das piores cheias do ano, de acordo com o estudo, em comparação com 65 milhões de estimativas anteriores. Sapo na panela As projecções ilustram como as populações vão ser afectadas à medida que os níveis das águas do mar continuam a aumentar. Os resultados da pesquisa têm em conta um cenário que conduz a um aumento de temperatura de 2 graus Celsius de aquecimento global até 2100, a temperatura que os líderes mundiais estabeleceram como o limite absoluto. Com base nesse panorama, o estudo projecta que 150 milhões de pessoas vão viver abaixo do nível da maré alta até 2050 e 200 milhões até ao ano 2100. Em termos do número de pessoas expostas à pior cheia do ano, estima-se que possa atingir os 360 milhões. No entanto, a maioria dos estudos sobre o aquecimento global aponta para uma subida de temperatura consideravelmente acima dos 2 graus Celsius, o que pode levar a consequências ainda piores. Um dos aspectos chave para o agravamento das estimativas prende-se com o grau de instabilidade na Antártida, que pode levar à exposição em 2100 de cerca de 480 milhões de pessoas a um fenómeno descrito como a pior cheia do ano. Os resultados do estudo traçam um cenário particularmente negro para a Ásia, com destaque para a China, Bangladesh e Índia. Na pior das hipóteses, nestes países 87 milhões, 50 milhões e 38 milhões de pessoas, respectivamente, podem ficar abaixo do nível da maré alta em 2100. A situação pode ser ainda mais grave do que é sugerido no documento, de acordo com Stéphane Hallegatte, economista do Banco Mundial. Isto porque a juntar à maré alta e eventos de maior cheia, esta parte do globo está sujeita a catástrofes naturais. O impacto dos desastres naturais, como tufões, será mais grave, afectando uma camada ainda maior da população à medida que o nível do mar continua a subir. “A maioria dos diques e sistemas de protecção foram construídos para os níveis de mar estimados há 50 anos, ou mais. Ou seja, não vão conseguir proteger as populações contra cheias. Este fenómeno pode levar à rápida perda de costa face às cheias, se não se fizerem actualizações estruturais significativas”, refere o economista. “Este investimento vai sair muito caro, mas vai ser também indispensável para evitar inaceitáveis perdas económicas em algumas cidades de grande proporção”, acrescentou Hallegatte. Passo em frente O estudo publicado na Nature Communications foi considerado por muitos cientistas da área como um avanço apesar das críticas de que foi alvo. “Este estudo é um importante passo em frente em direcção a estimativas mais precisas das populações em risco face à subida global do nível das águas do mar”, considerou Pinki Mondal, um cientista da Universidade de Delaware que usa dados recolhidos por satélite e outros instrumentos com sensores remotos para estudar os riscos e efeitos das alterações climáticas. “Com o avanço da tecnologia, recursos de computação e aprendizagem automática, está a tornar-se possível conseguir níveis de precisão maiores de estimativas como, por exemplo, de elevação como este estudo demonstra”, completou o investigador em declarações ao Washington Post. O especialista em nível das águas do mar Athanasios Vafeidis, da Universidade de Kiel na Alemanha, concorda com os resultados apresentados no estudo em apreço. “A informação sobre a elevação costeira é nova e melhorada. Porém, as estimativas não consideram importantes factores como o desenvolvimento socioeconómico e a adaptação. Os processos físicos estão apresentados de uma forma algo simplista”, critica o especialista. Vafeidis acrescenta que não é bem claro como o algoritmo usado para medir a orla costeira dos Estados Unidos se adequa a outros países. Além disso, a forma como as populações normalmente crescem e se adaptam à subida das águas do mar é mais complexo do que o estudo prevê. Também os efeitos das cheias não dependem apenas da elevação da costa. Strauss, um dos autores do estudo, reconhece que não foram ditas “explícitas considerações” a medidas de adaptação, tais como barreiras, na estimativa da exposição da subida das águas, mas que o estudo assentou meramente na medida da elevação dos solos e na densidade populacional. Para Strauss, essa é a boa notícia. As pessoas adaptam-se de forma a contornar as adversidades. Ainda assim, independentemente da corrente científica seguida, uma coisa parece certa: as populações que já vivem abaixo do nível da maré alta vão passar por dificuldades crescentes nos anos que se avizinham. Com agências
João Luz InternacionalCiência | 300 milhões ameaçados por subida dos oceanos até 2050 A vida de 300 milhões de habitantes das zonas costeiras pode estar ameaçada pela subida do nível do mar até 2050, estima um estudo da Climate Central ontem divulgado, que aponta a Ásia como a região mais vulnerável. De acordo com o documento, publicado na revista científica Nature Communications, mais de 200 milhões de pessoas em risco vivem na China, no Bangladesh, na Índia, no Vietname, na Indonésia e na Tailândia [dropcap]A[/dropcap] subida do nível das águas do mar pode atingir níveis muito piores do que se poderia pensar, com consequências que vão exigir muito mais dinheiro, é apontado num novo estudo científico. A teoria avançada não se baseia numa reavaliação dos níveis das águas do mar, mas na revisão da estimativa do número de pessoas que vivem em zonas baixas. Um dos destaques do relatório aponta para um número a rondar as 110 milhões de pessoas que vivem abaixo do nível das águas do mar, incluindo algumas populações que residem em áreas protegidas por diques, paredões e outras infra-estruturas, como, por exemplo, acontece em Nova Orleães. Mesmo num cenário relativamente modesto de alterações climáticas, o número pode subir para entre 150 milhões de pessoas em 2050 e 190 milhões no ano 2100. Se as alterações climáticas e a subida das águas do mar seguirem as piores expectativas, cerca de 340 milhões de pessoas que vivem abaixo do nível da maré alta podem estar em perigo. Esta estimativa não tem em conta quantas pessoas podem ser afectadas por cheias e catástrofes naturais. As estimativas apresentadas são, pelo menos, três vezes piores em relação a estimativas anteriores. “Temos tido um enorme ângulo cego em relação ao grau de perigosidade, e é nesse aspecto que estamos a tentar melhorar”, refere Benjamin Strauss da Climate Central, autor do estudo publicado na Nature Communications em parceria com Scott Kulp. A razão para esta alteração significativa é que relatórios anteriores foram baseados em dados sobre elevação costeira apurados por medições de radar feitos em 2000 pela missão espacial da Endeavor. Porém, este conjunto de dados apresenta alguns problemas. O instrumento que detectou a altura das zonas costeiras não distinguiu apenas as elevações da orla, mas também casas e árvores. Como tal, foram introduzidos erros nas estimativas globais de elevação do terreno até quase a 20 metros, refere o estudo. “Todo o investimento que fizemos em recursos no sentido de melhorar as nossas projecções de nível do mar não foi suficiente para determinar a altura do chão que está debaixo dos nossos pés”, refere Strauss. Outras medições Alguns países com maior capacidade financeira, como os Estados Unidos, têm usado medições da orla costeira com base em tecnologia laser de forma a conseguir maior precisão, mas a maioria dos países não tem acesso a tecnologias tão dispendiosas. O documento publicado ontem usa medidas mais precisas, tendo como base os métodos de medição norte-americanos, que aplicam um algoritmo para fazer um ajustamento aos dados globais obtidos a partir do espaço pela Endeavor. É aqui que o cenário fica complicado para a Ásia, com números estimados de população exposta muito mais elevados do que em medições anteriores. “Em termos de estimativas globais, penso que a análise demonstra, de forma convincente, que a situação é provavelmente pior do que foi sugerido em estudos anteriores”, defende Stéphane Hallegatte, economista do Banco Mundial que estuda alterações climáticas e exposição a catástrofes naturais. “Estamos a falar de centenas de milhões de pessoas que vão ser directamente expostas”, acrescenta. As mudanças ocorrem numa escala de dimensões alarmantes. O estudo estima que 110 milhões de pessoas vivem abaixo do nível actual das marés mais altas, em comparação com 28 milhões de estimativas anteriores. Cerca de 250 milhões de pessoas podem ficar expostas abaixo do nível das piores cheias do ano, de acordo com o estudo, em comparação com 65 milhões de estimativas anteriores. Sapo na panela As projecções ilustram como as populações vão ser afectadas à medida que os níveis das águas do mar continuam a aumentar. Os resultados da pesquisa têm em conta um cenário que conduz a um aumento de temperatura de 2 graus Celsius de aquecimento global até 2100, a temperatura que os líderes mundiais estabeleceram como o limite absoluto. Com base nesse panorama, o estudo projecta que 150 milhões de pessoas vão viver abaixo do nível da maré alta até 2050 e 200 milhões até ao ano 2100. Em termos do número de pessoas expostas à pior cheia do ano, estima-se que possa atingir os 360 milhões. No entanto, a maioria dos estudos sobre o aquecimento global aponta para uma subida de temperatura consideravelmente acima dos 2 graus Celsius, o que pode levar a consequências ainda piores. Um dos aspectos chave para o agravamento das estimativas prende-se com o grau de instabilidade na Antártida, que pode levar à exposição em 2100 de cerca de 480 milhões de pessoas a um fenómeno descrito como a pior cheia do ano. Os resultados do estudo traçam um cenário particularmente negro para a Ásia, com destaque para a China, Bangladesh e Índia. Na pior das hipóteses, nestes países 87 milhões, 50 milhões e 38 milhões de pessoas, respectivamente, podem ficar abaixo do nível da maré alta em 2100. A situação pode ser ainda mais grave do que é sugerido no documento, de acordo com Stéphane Hallegatte, economista do Banco Mundial. Isto porque a juntar à maré alta e eventos de maior cheia, esta parte do globo está sujeita a catástrofes naturais. O impacto dos desastres naturais, como tufões, será mais grave, afectando uma camada ainda maior da população à medida que o nível do mar continua a subir. “A maioria dos diques e sistemas de protecção foram construídos para os níveis de mar estimados há 50 anos, ou mais. Ou seja, não vão conseguir proteger as populações contra cheias. Este fenómeno pode levar à rápida perda de costa face às cheias, se não se fizerem actualizações estruturais significativas”, refere o economista. “Este investimento vai sair muito caro, mas vai ser também indispensável para evitar inaceitáveis perdas económicas em algumas cidades de grande proporção”, acrescentou Hallegatte. Passo em frente O estudo publicado na Nature Communications foi considerado por muitos cientistas da área como um avanço apesar das críticas de que foi alvo. “Este estudo é um importante passo em frente em direcção a estimativas mais precisas das populações em risco face à subida global do nível das águas do mar”, considerou Pinki Mondal, um cientista da Universidade de Delaware que usa dados recolhidos por satélite e outros instrumentos com sensores remotos para estudar os riscos e efeitos das alterações climáticas. “Com o avanço da tecnologia, recursos de computação e aprendizagem automática, está a tornar-se possível conseguir níveis de precisão maiores de estimativas como, por exemplo, de elevação como este estudo demonstra”, completou o investigador em declarações ao Washington Post. O especialista em nível das águas do mar Athanasios Vafeidis, da Universidade de Kiel na Alemanha, concorda com os resultados apresentados no estudo em apreço. “A informação sobre a elevação costeira é nova e melhorada. Porém, as estimativas não consideram importantes factores como o desenvolvimento socioeconómico e a adaptação. Os processos físicos estão apresentados de uma forma algo simplista”, critica o especialista. Vafeidis acrescenta que não é bem claro como o algoritmo usado para medir a orla costeira dos Estados Unidos se adequa a outros países. Além disso, a forma como as populações normalmente crescem e se adaptam à subida das águas do mar é mais complexo do que o estudo prevê. Também os efeitos das cheias não dependem apenas da elevação da costa. Strauss, um dos autores do estudo, reconhece que não foram ditas “explícitas considerações” a medidas de adaptação, tais como barreiras, na estimativa da exposição da subida das águas, mas que o estudo assentou meramente na medida da elevação dos solos e na densidade populacional. Para Strauss, essa é a boa notícia. As pessoas adaptam-se de forma a contornar as adversidades. Ainda assim, independentemente da corrente científica seguida, uma coisa parece certa: as populações que já vivem abaixo do nível da maré alta vão passar por dificuldades crescentes nos anos que se avizinham. Com agências
Andreia Sofia Silva EventosRicardo Diniz, velejador e orador internacional: “Tenho sempre medo do mar” A primeira vez que Ricardo Diniz se fez ao mar sozinho numa vela fê-lo entre Lisboa e o Algarve. Anos depois, o velejador, que falou ontem na Universidade de Macau, já fez cerca de 100 milhas sozinho e gostaria de fazer a volta ao mundo em 2019, lembrando os 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, com quem partilha a data de nascimento [dropcap]O[/dropcap] amor pelos oceanos já o fez percorrer um total de 100 milhas. Fez Lisboa-Dakar à vela na mesma altura do famoso rali, e já levou uma garrafa de vinho de Porto à rainha Isabel II de Inglaterra, por ocasião do seu 80º aniversário, numa outra expedição. Em 1997, esteve 47 dias sozinho em alto mar. As suas viagens transformaram-no por acaso num orador internacional e num coach que ajuda a melhorar as vidas das pessoas. Ontem, Ricardo Diniz deu uma palestra na Universidade de Macau (UM) onde abordou também a necessidade de protecção dos oceanos da poluição. Antes, ao HM, contou que um dos desejos que pretende realizar no próximo ano é a realização de uma expedição pelo mundo, para recordar os 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães. “É provável que a minha primeira volta ao mundo tenha a ver, mais uma vez, com Portugal. Quando fizer a minha volta ao mundo de forma solitária será para mim, e não estou habituado a viver para mim. Penso que ainda tenho muitas coisas a fazer pelos outros”, contou. Contudo, “há um alinhamento interessante que está a surgir, que são os 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães, em 2019. Nasceu a 3 de Fevereiro, como eu, morreu com 41 anos, a minha idade”. “Numa fase em que sou capaz de fazer essa expedição há um alinhamento da minha idade e dos meus conhecimentos e a coincidência de termos nascido no mesmo dia. Estou muito atento a isto”, acrescentou Ricardo Diniz, que não tem dúvidas que, nos dias de hoje, o velejador português também olharia para questões como os refugiados na Europa e a importância da sustentabilidade. “Se Fernão de Magalhães fizesse hoje a sua volta ao mundo acredito que ele passaria por Macau e que a sua mensagem seria de sustentabilidade ambiental, e de nos entendermos todos como espécie humana. Como é que 30 anos depois do concerto Live Aid ainda há pessoas a morrer à fome? Que história é esta dos refugiados do Mediterrâneo? Isto não pode acontecer.” Ricardo Diniz é vegan, uma opção alimentar que transmitiu aos seus filhos. Para ele, a alimentação dos dias de hoje está a matar o planeta. Em 2007 foi nomeado pela Comissão Europeia Embaixador dos Oceanos, cargo que deixou, embora continue a transmitir mensagens de sustentabilidade. “Não podemos continuar a viver como vivemos actualmente. Temos de deixar de comer carne e deixar de pescar à escala em que pescamos. Temos de perceber de agricultura, e se calhar em vez de ensinar físico-química aos nossos filhos devíamos ensinar a fazer uma horta ou a construir uma casa sustentável”, apontou. Ricardo Diniz é, há dois anos, Embaixador Bandeira Azul em Portugal, um cargo que também lhe dá a oportunidade de falar sobre o ambiente. “Fico muito feliz por ver muitas acções a acontecer, as pessoas falam cada vez mais do mar, da questão do plástico, da reciclagem, e isso é fantástico, é o caminho e uma das soluções.” Coach por acaso Ricardo Diniz passou a contar as suas histórias no mar um pouco por acaso, pois nunca pensou ser orador, muito menos coach. Contudo, os pedidos de ajuda e convites levaram-no a aceitar o desafio. “Quando falamos para cerca de 30 mil pessoas por ano, em diferentes eventos e palestras, há sempre alguém que quer falar em privado. Através das minhas expedições surgiram convites para palestras por parte de empresas, e a partir daí surgiram contactos de pessoas que queriam falar comigo e que me apresentaram projectos.” Hoje Ricardo Diniz assume adorar trabalhar com pessoas, apesar de nunca ter estudado coaching nem lido livros de programação neurolinguística. “É uma coisa que me deixa muito realizado, ouvir diferentes projectos, porque todos temos motivações diferentes. E gosto de conseguir apresentar pequenas ideias. Comecei a ser coach de muitas pessoas acidentalmente, a ajudá-las a atingir os seus objectivos.” Ao contrário do que possa parecer, Ricardo Diniz não fala apenas das suas viagens, mas sobretudo da força interior que é necessária para atingir determinados objectivos. “É a responsabilidade que eu tenho de depositar ali uma semente que lhes pode mudar a vida, que lhes pode deixar algo que possa ser útil e relevante. Falo muito pouco de vela, não sou sequer da vela, sou do mar e de Portugal.” “Não escolhi ser coach, mas não tive outra escolha senão ajudar as pessoas. Não tenho jeito nenhum para espectáculos ao vivo, simplesmente chego a um palco e partilho a minha história para que seja útil e relevante. O facto de ser normal e simples faz com que as pessoas pensem que também conseguem lá chegar”, acrescentou. Encontro com Governo Convidado no âmbito do programa Jean Monnet da UM, Ricardo Diniz também reuniu ontem com Helena de Senna Fernandes, directora dos Serviços de Turismo, mas não quis levantar a ponta do véu quanto a futuros projectos. “É uma primeira conversa. Gosto sempre de explorar oportunidades e de conhecer pessoas, ouvi-las e perceber se posso ser útil. Não poderia vir a Macau sem ter essa conversa, quem sabe o que poderá surgir daí.” Apesar das inúmeras viagens que já fez, Ricardo Diniz assume que tem “sempre medo de ir para o mar”. “Há muito lixo no mar. Já tive muitos acidentes. O dia em que eu deixar de ter medo de ir para o mar é o dia em que não irei mais para o mar. Se eu deixar de ter medo do mar é porque nasceu em mim uma arrogância qualquer, e aí será a morte do artista. Tenho de estar sempre com atenção e com humildade”, apontou. Para o coach e orador os oceanos continuam a ensinar-lhe muita coisa sobre a vida em terra. “Já vivi tempestades muito fortes em que não tive nada a meu favor para sobreviver. Fiz o melhor que sabia, preparei o barco, mas há um momento no mar em que não sou nada, sou uma migalha. Nesse momento pensamos muito na vida. Assisto a espectáculos únicos da natureza, em exclusivo, na primeira fila. Não está lá mais ninguém a ver aquilo.”