Banido!

15616P17T1[dropcap style=´circle´]M[/dropcap]acau tem várias particularidades na sua forma de estar, ser e até de parecer. Já todos sabemos isso. Todavia, algumas delas, quando se nos esbarram nas ventas, não deixam de nos mostrar quão álacres são e, nesse seu garrido, o sinal que representam do que vai mal na terra.

Um desses pormenores é, claramente, a incapacidade quase geral de acolher críticas.

Em Macau, a regra para criticar é não o fazer, ou não o fazer em público, ou não o fazer de todo. As personalidades são frágeis, as capacidades, vulgarmente, ainda mais quebradiças e, portanto, alertar sobre a nudez do monarca é crime de lesa majestade.

Foi o que me aconteceu.

Desde há mais de uma dezena de anos que, regularmente, à excepção de um hiato ou outro, colaboro com a TDM nos relatos de futebol, especialmente em ocasiões como Euro ou o Mundial, ou mesmo noutras modalidades.

Recentemente, até me foi proposto informalmente tornar essas colaborações um pouco mais assíduas. Todavia, este ano não vou fazer qualquer relato do Euro e, pelo andar da carroça, e se a tracção não mudar, nunca mais irei fazer nada na TDM.

Questões pessoais não são chamadas para as páginas de um jornal. Nem numa coluna de opinião, dirá alguém e eu concordo. Mas isto não é pessoal. Para mim, é de interesse público.

O banimento, posso dizê-lo, pois que o poderia ter negado não o fez apesar de a isso instado, ficou a dever-se a um texto publicado nesta mesma página no passado dia 17 de Fevereiro deste ano, intitulado “Para que serve a TDM?”.

Caiu mal

Todavia, não deveria conter matéria suficiente para processo, caso contrário já teria sido notificado pelo tribunal. No texto, recordo, inquiria-me, de uma forma geral, sobre os propósitos da TDM, demonstrando a minha incompreensão pela total ausência da estação de Macau em apoiar de forma decisiva a produção local e por não ser sequer capaz de cumprir o desígnio de Macau de plataforma de contacto com os países de língua portuguesa exportando conteúdos para estes nem sequer de abrir portas à colaboração com estações do continente dada a exiguidade do mercado local para investidores. A crítica era mais dirigida à tutela do que propriamente à direcção executiva da estação.

Não foram feitas críticas pessoais mas sim institucionais. Todavia, foi o suficiente para ser considerado persona non grata na estação pública do território.

É absolutamente irrelevante para qualquer pessoa, comigo incluído, se colaboro ou não com a TDM, se faço ou não comentários, se produzo, ou não conteúdos para aquela estação. Mas não é irrelevante nem para mim, nem, julgo, para ninguém que se preocupe com uma sociedade livre, que se penitenciem pessoas por exercerem o seu direito à liberdade de expressão. Hoje sou eu, amanhã será outro.

A questão torna-se ainda mais caricata quando o responsável pela sanção assume cargos na Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau que, diz nos seus estatutos, tem por fim, entre outros, “defender e promover o livre exercício da profissão, a liberdade de imprensa e o acesso às fontes”.

Se calhar é excesso de zelo, se calhar ninguém lhe encomendou o serviço. Seja o que for, é tenebroso e não deixa de preocupar numa época em que cada vez mais se vêem atropelos à liberdade de expressão, aqui e noutras paragens, quando a sanção vem sub-reptícia e sem explicação formal, como quando se empurra o lixo para debaixo do tapete à espera que ninguém o levante.

Música da Semana

“Big Brother” (David Bowie – 1974)
I know you think you’re awful square
But you made everyone, and you’ve been anywhere
Lord, I’d take an overdose, if I knew what’s going down
(…)
Someone to lead us, someone to follow
Someone to fool us – some brave Apollo!
Someone to save us, someone like you

We want you Big Brother

15 Jun 2016

Revolução dos Cravos | Data é assinalada em Macau, mas deveria “ser feito mais”

A Revolução dos Cravos faz hoje 42 anos e deste lado do mundo a comunidade portuguesa brinda à liberdade. Quem por aqui está diz que a data não é esquecida, mas há quem assuma que muito mais se devia fazer

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong está fechado por ser feriado nacional, mas ainda assim, pela quarta vez consecutiva, o Cônsul-Geral, Vítor Sereno, irá discursar num jantar comemorativo do 25 de Abril, organizado pela Casa de Portugal. A data não é passada em branco. Mas, se há quem concorde que um jantar chega, outras opiniões mostram insatisfação.
“É uma data importante para a história de Portugal e, no caso concreto de Macau, até deveria ser mais comemorado do que aquilo que é. Porque aquilo que hoje é Macau, e a maneira como foi feita a transição da soberania, tem muito a ver com o 25 de Abril, com a democracia e com a abertura que houve aos ditos territórios ultramarinos de então”, começou por defender o historiador Fernando Sales Lopes.
No “suave acordo” durante a transição de soberania entre a China e Portugal, os feriados civis portugueses deixaram de existir em Macau, mas este, aponta ainda o também investigador, “deveria ter ficado”. “A transição não teria sido da maneira que foi se não fosse o 25 de Abril. Macau não seria o que é hoje, acho que este feriado deveria ter ficado”, acrescentou.

Celebração popular

Apesar das celebrações oficiais, representadas pela Casa de Portugal, o território conta ainda com outros momentos. “Todos os anos há um jantar com umas 20 ou 30 pessoas”, aponta Sales Lopes, que relembra “outros tempos em que se fazia mais”.
Um grupo, “dos anos 80”, que todos os anos não deixa passar a data em claro. “Antes, mesmo antes da Casa de Portugal assumir uma comemoração mais oficial, comemorava-se de outra maneira, mas a verdade é que não existiam as chamadas comemorações oficiais. Mas na altura fazíamos algumas coisas interessantes, superavam estes jantares típicos”, explica o historiador, contando que vários lançamentos de livros, peças de teatro, exposições de pintura e espectáculos de música, sem nunca esquecer a participação da Escola Portuguesa de Macau, marcavam o dia.
O grupo nunca deixava que a data passasse em branco, “mas a realidade é que as comemorações nunca foram muito activas ou oficiais”. Agora, diz, “as coisas mudaram”. Depois da transição as coisas “ficaram um bocado diferentes, mas as pessoas também são outras”, apontou.
Para Sales Lopes não há dúvidas: o 25 de Abril merece “sempre ser comemorado condignamente”. “Deve ser ensinado às crianças e jovens, deve também ser lembrado aos mais velhos”, sublinhou.

Lembrar, sempre

Mais importante que ser comemorado é ser um “direito assegurado”, diz Francisco Cordeiro. “Ignoro que alguma vez tenha existido entraves à comemoração da efeméride por qualquer parte, individual ou colectiva, vindos do Governo. Entendo que o importante é que esse direito seja assegurado”, explicou, assumindo que não vê “razão para que [o 25 de Abril] deva ser” feriado em Macau.
Da experiência de Francisco Cordeiro deveria falar-se e debater mais o que foi, na realidade, a Revolução dos Cravos, em vez de “abordar o feriado formalmente em exposições de pintura e jantares”. “Deveria haver mais debate, fomentado o sentido crítico relativamente ao que foi o 25 de Abril e não cair na ‘festivalização’ do dia com jantares e exposições. Sem cair no endoutrinamento também. É preciso falar do bom e do mau”, argumentou o português radicado em Macau.
Tiago Pereira, representante do Partido Socialista (PS) em Macau, considera que o que se faz por cá “é suficiente”. “Estamos num território estrangeiro e considero que as pessoas celebram o feriado com os jantares anuais e outras comemorações”, sublinhou. Também o PS “sempre celebrou a data em Macau” e irá continuar a fazê-lo, acrescentou.
O economista José Sales Marques não acredita que a data esteja, por cá, esquecida, mas acusa alguma inércia. “Não é celebrado com a importância que a data merece, por um lado por estarmos longe e, por isso, não há nenhuma celebração oficial do 25 de Abril e do seu significado, mas também porque as novas gerações não fazem a mínima ideia do que havia antes dessa data”, explicou.
Sales Marques considera existir um “défice quanto às celebrações do 25 de Abril”, mas, por outro lado, é “difícil de imaginar um cenário diferente na medida em que Macau, hoje, é uma Região Administrativa Especial da China e, naturalmente, as autoridades chinesas não dão, nem têm de dar, um significado a esta data”.

25 Abr 2016

Da China II

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hama-se a Revolução Sexual Chinesa e nasceu das especificidades da revolução cultural, da política do filho único, da aberta do país ao mundo e da internet.

Durante a revolução cultural, Mao foi o impulsionador de uma ideologia em que homens e mulheres seriam acima de tudo camaradas, vestidos de igual, com o mesmo corte de cabelo, com as mesmas atitudes e contribuições ao regime. Sexo era uma prática feudal depravada que deveria ser suprimida. Assim foi: mas já não o é. Pelo menos para quem acaba de chegar à China e tenta perceber em que moldes a sexualidade se forma, cedo percebe que não é no total conservadorismo que se vive. Pequim neste momento tem mais sex-shops do que Nova Iorque, homens e mulheres igualmente, tentam adornar-se e embelezar-se com os milhares de tratamentos disponíveis, há espaços para saídas nocturnas de loucura e já se começam a ver gestos de afecto em praça pública. Tudo isto, muito provavelmente, faria Mao corar de vergonha, ou arder de raiva.

Como não seria de surpreender, a política do filho único teve consequências para a sexualidade chinesa. Ter-se-ia pensado que o sexo seria visto como um objecto de controlo do governo e, por isso, estivesse mais reprimido ou fosse ignorado mas, pelo contrário, as mulheres rapidamente perceberam que não eram, única e exclusivamente, máquinas parideiras. Assim o sexo redescobriu a sua potencialidade recreativa, que fez com que muitas vozes se expressassem na sua curiosidade por uma sexualidade ainda divertida. Foram as mulheres em especial que começaram esta revolução, que com a ajuda dos meios de comunicação que já conhecemos, puseram dúvidas, contaram as suas histórias e procuraram uma nova identidade sexual. A mais conhecida de todas é uma de pseudónimo Mu Zimei (木子美) que começou um blog onde partilhava as suas aventuras sexuais, com detalhes tórridos das suas posições favoritas e avaliações quantitativas da performance do parceiro.

[quote_box_left]Como alguém dizia, são tempos extremamente divertidos na China. (…) Em 2009 tentaram criar um parque temático sobre o sexo em Chongqing mas foi ordenada a sua demolição antes de sequer abrir. A ‘Love Land’. Já se passaram seis anos, porque não tentar a sua abertura outra vez?[/quote_box_left]

Mas se a política do filho único trouxe vantagens ao sexo em si, trouxe o que já sabemos sobre a actual morfologia da população chinesa. A preferência por um filho homem criou uma grande impossibilidade da totalidade da presente geração de homens encontrar uma parceira e constituir família. E porque a concorrência é muita, os homens vêem-se agora obrigados a preencher requisitos financeiros como, por exemplo, possuir o ninho para viver o amor pós-conjugal, i.e. ter casa própria (normalmente comprada pelos pais do noivo). Percebe-se agora que ter uma filha até nem é mau de todo. Isto empoderou muitíssimo as mulheres da forma como se vêem no mercado do trabalho e em outras áreas das suas vidas, e que agora lutam pelas suas carreiras, pela sua liberdade e pela sua sexualidade. As que fazem uso deste empoderamento são muitas vezes referidas de ‘Sheng Nv’ (剩女), ‘as mulheres deixadas de lado’. Normalmente são mulheres com mais de vinte e sete anos e que ainda não se casaram e que são erroneamente referidas como ‘as rejeitadas’. Quando, na verdade, trata-se de pessoas com uma educação superior, inteligência, ambição e grande potencialidade para o progresso a que a China deveria aspirar. Como se havia de esperar, os homens deixados para trás não possuem tão óbvia alcunha, nem ninguém os chateia muito com isso. Tal “escassez de mulheres” que têm sido a desculpa para a ‘legitimidade’ do desenvolvimento da indústria sexual, mais especificamente, na proliferação de bordéis e de consultórios de massagens com ‘final feliz’. Lugares ilegais e operados em grande secretismo que têm contribuído para a contaminação crescente de jovens mulheres e homens com o HIV. A China tem tido pouco cuidado com isso.

A revolução sexual chinesa foi e é inevitável. Há forças de muitos lados que puxam para um explodir da sexualidade que se viu reprimida. A abertura, apesar de imperfeita, tem sido incrível, mas falta-lhe muito na divulgação e na informação bem cuidada em prol da saúde de toda a população, mental, física e sexual. No entanto, têm havido passos nessa direcção, com a criação de uma associação de sexologia chinesa ou na organização de exposições sobre sexo ( a que já assisti pessoalmente, com barraquinhas com os mais variados produtos sexuais, com desfiles de roupa kinky e com muitas palestras sobre os mais variados temas).

Como alguém dizia, são tempos extremamente divertidos na China, é uma redescoberta sexual, claro, com restrições políticas, mas que parecem ter alguma flexibilidade na forma como são vividas. Em 2009 tentaram criar um parque temático sobre o sexo em Chongqing mas foi ordenada a sua demolição antes de sequer abrir. A ‘Love Land’. Já se passaram seis anos, porque não tentar a sua abertura outra vez?

1 Dez 2015

Óbito | Maria Barroso faleceu ontem aos 90 anos. “Não era só a mulher de Mário Soares”

Depois de semanas em coma profundo, morreu a mulher do ex-presidente da República e primeiro-ministro português Mário Soares. Maria Barroso acompanhou o marido em várias viagens oficiais a Macau, sempre com uma personalidade própria. Fernando Sales Lopes, Arnaldo Gonçalves e o líder do PS em Macau lembram a mulher forte por detrás do presidente

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi mulher e primeira-dama, mas também mais do que isso. Ajudou a fundar o Partido Socialista (PS), dirigiu o Colégio Moderno durante a ditadura de Salazar, lidou com o exílio do marido, foi actriz. Todas as vidas couberam na vida de Maria Barroso, esposa do antigo presidente da República Portuguesa e primeiro-ministro Mário Soares.

Maria Barroso faleceu ontem aos 90 anos depois de ter estado em coma profundo durante várias semanas, após uma queda.

Em Macau, Maria Barroso esteve várias vezes, quer a acompanhar o marido quer como convidada do Festival Internacional de Música, onde falou publicamente sobre a importância de divulgação da Língua e cultura portuguesas. Mas nem por isso teve um papel secundário.

“Era uma pessoa discreta mas sempre presente, tinha uma personalidade tão forte que ela estava lá. Não veio só acompanhar o marido, ela também foi convidada muitas vezes para vir ao festival e depois fazia as suas visitas”, recorda ao HM o historiador Fernando Sales Lopes, que com ela travou conhecimento em Portugal.

Para Sales Lopes, Maria Barroso era uma pessoa culta e uma mulher que lutava na sua componente política e social contra a ditadura. “Mas a Maria Barroso é a mulher de Mário Soares mas não é a mulher do Mário Soares. Ela, por si, vale muito”, acrescenta. A personalidade vincada saltava à vista, tanto que um mestre chinês, aquando de uma das visitas de Soares a Macau, chegou a dizer-lhe, enquanto lhe lia a sina, que este só tinha chegado aos altos cargos políticos por ter uma forte mulher ao seu lado.

Carisma e cidadania

“A impressão pessoal que tinha dela é que era uma pessoa com uma presença pessoal muito forte, com um grande carisma, uma enorme capacidade do uso da palavra” – Arnaldo Gonçalves, académico

Arnaldo Gonçalves, académico, diz recordar-se mais de Maria Barroso na qualidade de estudante da Universidade Católica Portuguesa (UCP), onde foi aluno. Em Macau, das poucas visitas oficiais que acompanhou, recorda-se de uma mulher que “se apagava um bocado na presença (de Mário Soares)”. “Era a maneira de estar dela, porque o Dr. Mário Soares é aquela pessoa pró-activa que se conhece”, contou ao HM.

Maria Barroso passou a estar ligada à UCP depois do filho ter sobrevivido a um grave acidente em Angola. Foi então que se converteu ao catolicismo.

“A impressão pessoal que tinha dela é que era uma pessoa com uma presença pessoal muito forte, com um grande carisma, uma enorme capacidade do uso da palavra. Várias vezes a ouvi falar da importância de uma educação para a cidadania, que era uma coisa que ela dizia muito”, disse Arnaldo Gonçalves.

Para Fernando Sales Lopes, essa ligação à religião mostra bem como Maria Barroso nunca fugiu aos seus ideais. “A Maria Barroso foi uma pessoa íntegra, que defendeu sempre as suas ideias sem se curvar, uma lutadora em todos os aspectos. Toda a gente sabe que Mário Soares é ateu e quando o filho teve um acidente em Angola, ela converteu-se ao catolicismo. A partir daí passou a ser uma mulher crente, sem se afrontar com Mário Soares.”

À Rádio Macau, Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), recordou uma viagem oficial feita pelo casal a Macau, no final dos anos 70, inícios de 80. Neto Valente foi com Soares e a mulher até Cantão, de carro, em dia de tufão. “Mesmo assim houve aqui um encontro de pessoas que os estimavam”, lembra o advogado, recordando uma mulher “sempre muito coerente, sempre com muita dignidade”.

Tiago Bonucci Pereira, líder da secção do PS em Macau, frisou que “faleceu uma grande mulher que deixa um legado muito importante, com uma vida marcada pela democracia e causas sociais. Estará sempre ligada à luta contra o fascismo e a fundação do PS. É um exemplo de cidadania e humanismo”.

8 Jul 2015