Efeito retroactivo e consulta pública

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou, a 4 de Novembro último, uma resolução para integrar a Lei Chinesa do Hino Nacional no Anexo III da Lei de Bases de Hong Kong. De acordo com o Artigo 18 desta Lei Básica, a Lei do Hino Nacional será aplicável à Região Administrativa Especial de Hong (RAEHK). A RAEHK tem o dever estatutário de implementar a legislação local adequada, ou seja, uma versão local da Lei do Hino. Este dever está de acordo com a Constituição chinesa e com a legislação local.

Na mesma data, o Congresso Nacional aprovou a introdução de uma Emenda à Lei Criminal Chinesa no Artigo 299. Para além das estipulações originais relativas à utilização da bandeira e do hino nacionais, foram agora identificadas situações em que está interditada a transmissão do hino. A saber:

  1. Alteração maliciosa da música ou da letra
  2. Interpretação do hino de forma distorcida ou depreciativa
  3. Qualquer outra forma de insulto

Se alguma destas situações se verificar, o transgressor será condenado até três anos de prisão efectiva e fica sujeito a controlo ou privação dos seus direitos políticos.

O Gabinete para os Assuntos Constitucionais e do Continente do Governo da RAEHK declarou que durante o processo legislativo, o Governo iria tomar em linha de conta as opiniões dos legisladores e da população.

O projecto de lei é o primeiro passo a dar em qualquer processo legislativo. O projecto começa por ser debatido no Conselho Executivo e, se passar, subirá para discussão à Assembleia Legislativa. Cabe ao Departamento de Justiça a redacção do projecto de lei. O projecto para a criação da versão local da lei do Hino Nacional, deverá estar em consonância com a Lei Nacional.

Este assunto tem dado origem a muitos debates no seio da sociedade de Hong Kong. Um dos temas debatidos tem sido o “efeito retroactivo” desta lei. Se este efeito se verificar, as transgressões ocorridas no período anterior à implementação da lei ficam também sujeitas a sanção.

Por exemplo, toda a gente sabe que em Macau a Lei de protecção dos animais entrou em vigor a 1 de Setembro de 2016. O Artigo 25 estipula que, infligir sofrimento a animais pode implicar uma pena de prisão durante um ano. Esta lei só é aplicável a acções praticadas a partir da data da sua entrada em vigor. Não tem efeitos retroactivos. Desta forma, se alguém tiver incorrido num crime desta natureza, digamos, a 1 de Outubro de 2015, não poderá ser condenado, porque nessa data a lei ainda não existia. Por uma questão de justiça para todos, é habitual as leis não terem efeito retroactivo.

No passado dia 11 de Novembro, Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, declarou que, de acordo com a prática da RAEHK, as leis não têm por norma efeitos retroactivos, sobretudo no que à lei criminal diz respeito. Estas declarações parecem indicar que em Hong Kong a versão local da Lei do Hino não terá efeitos retroactivos. Espera-se pois que a lei só venha a ter efeito a partir da data da sua implementação.

Mas Carrie Lam também apelou ao respeito pelo hino nacional e condenou qualquer forma de insolência. As suas palavras foram obviamente razoáveis, justas e necessárias.

Outra polémica que envolve esta lei prende-se com a consulta pública. Rita Fan, antiga Presidente do Conselho Legislativo, afirmou que não haveria necessidade de consulta pública porque hoje em dia alguns legisladores discordam sempre dos projectos de lei apresentados pelo Governo. Mesmo que o Governo fizesse uma consulta pública, este tipo de legisladores ia manifestar-se contra a versão local da Lei do Hino.

Antes de um projecto de lei subir ao Conselho Legislativo dá-se conhecimento da sua natureza através de uma consulta pública. Este procedimento está intimamente ligado ao espírito do Estado de Direito. Tem como objectivo notificar a população sobre as matérias legislativas a discutir no plenário. O Hino Nacional é um assunto da maior importância para a sociedade de Hong Kong. Todos os residentes, sem excepção, terão de obedecer à versão local da lei que regula a sua utilização. Como os conteúdos da versão local ainda não foram definidos, a consulta pública chamaria a atenção das pessoas e permitiria que deixassem as suas sugestões. Quanto mais sugestões forem feitas, mais claros serão os conteúdos da lei. Se o primeiro passo da legislação for omitido, estar-se-á a dar uma boa desculpa a alguns legisladores para vetarem a proposta de lei ou para pedirem uma revisão judicial nos Tribunais, alegando procedimentos legislativos incorrectos. Quanto mais tempo demorar a elaboração da versão local da lei, maior será a polémica à sua volta.

A Chefe do Executivo afirmou que em Hong Kong as leis não têm por norma efeito retroactivo. Como tal, esperamos que a versão local desta lei não venha a ser excepção. A consulta pública poderá evitar uma revisão judicial nos Tribunais por procedimento legislativo inadequado.

 

12 Dez 2017

Lei do Hino Nacional vai ter penas adequadas ao território

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lei do hino nacional chinês, que será aplicada em Macau e em Hong Kong e prevê sanções para quem o desrespeite, será alvo de “adaptação local”, em particular no que toca às penas, disse o Governo.

“Temos de fazer uma adaptação local, fazer uma análise, ver o que é necessário”, disse a secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, questionada sobre se as penas para quem desrespeite o hino serão iguais às da China.

A lei do hino nacional entrou em vigor na China em Outubro e prevê sanções, incluindo a detenção por um máximo de 15 dias, mas a Assembleia Popular Nacional já recebeu uma proposta para agravar as penas de prisão até três anos.

“Vamos ter em consideração o nosso sistema legislativo, quais são as penas necessárias”, sublinhou, sem elaborar. A secretária não quis avançar com uma data para a adopção da lei em Macau, mas comprometeu-se a “acelerar” o processo.

Um território fácil

“Temos de seguir a lei que foi publicada na China (…) Acho que não vai haver grandes dificuldades”, disse à margem da cerimónia de tomada de posse de cinco novos delegados do Procurador.

Ao contrário de Hong Kong, onde recentemente o hino chinês foi vaiado em jogos de futebol, em Macau não há registo de manifestações públicas de desrespeito. No entanto, Sónia Chan considera que “é necessário precaver”.

No mesmo sentido falou o Procurador da Região Administrativa Especial de Macau, Ip Song Sang, que disse concordar que a lei seja adoptada no território, mas não quis comentar se a sua violação merece penas de prisão.

“Não posso dar uma resposta imediata porque temos de ponderar como (…) aplicar as leis”, disse.

As propostas para incluir esta lei chinesa nos anexos das Leis Básicas de Macau e Hong Kong, que regulam as leis nacionais a aplicar nas regiões administrativas especiais, foram submetidas na sessão legislativa bimensal do comité permanente da Assembleia Popular Nacional, que começou na segunda-feira.

5 Nov 2017