Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteContratação pública | Novo regime “está no bom caminho”, diz advogado Marco Caldeira, advogado e professor auxiliar convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defende que a proposta de lei de contratação pública, em análise na especialidade no hemiciclo, está “no bom caminho”, no que diz respeito à tentativa de “promover a transparência e concorrência e apostar na digitalização”. O tema foi discutido na última semana no Centro Científico e Cultural de Macau A proposta de lei de contratação pública, actualmente em análise na especialidade na primeira comissão permanente da Assembleia Legislativa (AL), foi um dos temas abordados nas “Conferências da Primavera”, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), na última semana. O autor da palestra, o advogado e docente Marco Caldeira, teceu elogios ao diploma pela sua tentativa de reforma e inovação em vários aspectos. “Embora não sendo perfeita, a proposta de lei em discussão justifica-se pela necessidade de actualizar legislação que foi aprovada há quatro décadas. Trata-se de uma proposta que parece apontar no bom caminho, havendo um esforço de codificar o regime, promover a transparência e a concorrência e apostar na digitalização”, defendeu o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) ao HM. Além disso, Marco Caldeira entende que o diploma, e o conteúdo proposto pelo Governo, visa “seguir aquilo que são as boas práticas adoptadas na Europa e no Ocidente, em geral”. “É também muito louvável o facto de a proposta ter sido elaborada na sequência de um procedimento sério e participado de consulta pública, que deu oportunidade aos operadores económicos e entidades contratantes de identificarem deficiências na legislação vigente e apresentarem sugestões”, acrescentou Marco Caldeira. Na sessão do CCCM, o docente da FDUL apontou ainda ser “louvável a preocupação [demonstrada, no diploma] com a concorrência e transparência dos procedimentos”, e também “o foco na formação na utilização de bases de dados, bem como a aposta na centralização”. O docente entendeu ainda que, nesta proposta de lei, o regime português “pode ajudar, pois a prática seguida em Portugal, e as evoluções legislativas, têm ensinamentos úteis que, com as devidas adaptações, podem ser transpostos para Macau”. Pontos positivos Na apresentação no CCCM, Marco Caldeira destacou vários aspectos positivos da actual proposta de lei, nomeadamente “a determinação expressa da inaplicabilidade a certos contratos”, ou o facto de estarem estabelecidos “princípios fundamentais da contratação pública”. Exige-se, ainda, com a nova lei, “qualificações aos candidatos e concorrentes” de concursos públicos, existindo também “a clarificação e uniformização dos tipos procedimentos de contratação pública”. Cria-se, assim, um “regime de contratação centralizada”, além de se regulamentarem “critérios de adjudicação” nos concursos, prevendo-se ainda a criação de um website exclusivo para a área da contratação pública. Marco Caldeira chamou ainda a atenção para a real necessidade deste diploma, pois a contratação pública estava legislada com diplomas variados, incluindo dois decretos-leis de 1984 e 1985, que estabeleciam, respectivamente, o regime de despesas com obras e aquisições de serviços, e o processo de aquisição de bens e serviços. Tais diplomas estavam “desfasados da realidade” de Macau, mesmo que o decreto-lei de 1984 tenha sido revisto em 2021, considerou o docente. Marco Caldeira considerou também que o processo de revisão deste diploma tem sido “moroso”, pois a consulta pública realizou-se entre 6 de Novembro de 2018 e 4 de Janeiro de 2019, tendo sido elaborado um relatório posterior, mas a verdade é que a proposta de lei está em análise na especialidade desde Dezembro de 2023, tendo sido votada na generalidade a 11 de Janeiro do ano passado. O que tem de mudar Na mesma sessão, o causídico e professor universitário realçou ainda os pontos já abordados pela primeira comissão permanente da AL quanto às mudanças necessárias para legislar na área da contratação pública. Impunha-se “consagrar expressamente os princípios jurídicos fundamentais, como a economia, eficiência e eficácia, bem como a publicidade e transparência”, existindo ainda “uma falta de regulação das políticas de contratação pública”. Havia ainda a “necessidade de promover a transparência nos procedimentos de contratação pública” e assegurar “uma maior protecção da concorrência leal”. Verificava-se também “a falta de regulamentação rigorosa e explícita sobre a composição e funcionamento das comissões de avaliação das propostas” submetidas a concurso público, além de haver “falta de exigências explícitas sobre as qualificações e capacidades dos candidatos e concorrentes nos procedimentos de contratação”. Outras lacunas apontam para a “insuficiência de regulamentação e transparência nos procedimentos de avaliação e adjudicação”, ou “falta de regulamentação explícita sobre situações de apresentação de propostas com um preço anormalmente baixo”. Era ainda necessário “aperfeiçoar o regime sancionatório e de fiscalização”, bem como apostar na “regulamentação que promova o desenvolvimento da contratação electrónica”. Diz o Executivo Olhando para a nota justificativa sobre a proposta de lei, submetida pelo Executivo à AL, lê-se que um dos grandes motivos para a sua apresentação foi mesmo a dispersão legislativa que se verificava e o desajustamento face à actual realidade. “A parte nuclear desses diplomas foi elaborada em meados dos anos 80 do século passado, encontrando-se em vigor há mais de 30 anos. Uma parte significativa do disposto nos outros diplomas legais já apresenta uma evidente divergência relativamente às necessidades do desenvolvimento socioeconómico actual de Macau, à eficiência da gestão da Administração pública e ao reforço da transparência e fiscalização”, lê-se. Segundo o Executivo, “dado que a contratação pública envolve a utilização do erário público, torna-se essencial rever esses regimes, a fim de ir ao encontro das necessidades da sociedade dos nossos dias”. Assim, nesta proposta de lei, “regulamenta-se, de forma integrada, o processo e regime de despesas com obras e aquisições de bens e serviços”, mantendo-se algumas disposições de uma lei de 1999, por se entender que “as disposições relativas ao regime de empreitadas de obras públicas têm um elevado grau de especialização e se apresentam ainda eficazes”. Pretende-se, com a nova lei da contratação pública, “garantir a justiça, imparcialidade na avaliação das propostas”, definindo-se “expressamente critérios de ajudicação e determinando-se de forma rigorosa as normas de conduta dos trabalhadores e membros das comissões de abertura e avaliação de propostas” submetidas a concurso, para que “excerçam as suas funções de forma imparcial e íntegra”. Prevê-se, assim, “que as entidades contratantes devem publicitar, de forma adequada, os elementos informativos relativos aos procedimentos de contratação pública”. São eles “os que estão relacionados com o concurso público, os esclarecimentos prestados, a rectificação de documentos, a prorrogação do prazo para a apresentação de propostas, as causas para a não adjudicação, a decisão de anulação do procedimento e a decisão de adjudicação”. A fim de garantir a concorrência leal, o Governo quer garantir que todas as entidades interessadas em participar num concurso tenham “o mais amplo acesso” a todos os procedimentos, proibindo “todos os actos, acordos ou práticas susceptíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência”. Além disso, existe o “princípio da imparcialidade”, que determina que “o programa de procedimentos, caderno de encargos ou outros documentos, elaborados pela parte contratante, não podem conter qualquer cláusula destinada a favorecer ou prejudicar um determinado interessado”.
Hoje Macau PolíticaLei da contratação pública | Dois deputados questionam diploma [dropcap]O[/dropcap]deputado Leong Sun Iok disse ao Jornal do Cidadão estar preocupado com a existência de zonas cinzentas na proposta de lei da contratação pública que o Governo apresentou esta semana, e que está actualmente em consulta pública. Ao jornal de língua chinesa, o deputado referiu que a proposta não abrange os projectos transfronteiriços, o que pode causar problemas na sequência do desenvolvimento do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e da cooperação regional. Nesse sentido, Leong Sun Iok teme que a fiscalização venha a ser contornada nesse tipo de projectos. Ao mesmo jornal, o deputado Au Kam San teme o possível agravamento de irregularidades na sequência do aumento dos valores praticados nos concursos públicos. O legislador entende que é compreensível elevar seis vezes os valores limite dos concursos públicos para obras, mas salientou que é importante travar irregularidades. Au Kam San lembrou que, no passado, houve casos em que se dividiam obras por forma a evitar a realização de concurso público. Nesse sentido, com o aumento dos valores, o deputado teme que essa situação possa continuar a existir. Lam U Tou, ex-candidato às eleições legislativas e presidente da Associação Sinergia Macau, referiu que é importante criar um mecanismo que garanta a transparência de informações, uma vez que este pode ser o fundamento necessário para aumentar os valores praticados nos concursos. A um outro jornal chinês, Lam U Tou defendeu que devem ser asseguradas questões como a eficiência, justiça e transparência nos processos de contratações, tendo pedido a publicação de todas as informações, incluindo documentos, valores das propostas e resultados dos concursos públicos.
Diana do Mar PolíticaAlterações ao regime da contratação pública sob consulta a partir de hoje A Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) apresentou ontem novas regras para a contratação de obras públicas, bens e serviços. Além da esperada actualização dos valores que exigem concurso público, há uma série de mexidas nos procedimentos, com destaque para a introdução da figura da negociação competitiva [dropcap]A[/dropcap]pós recorrentes chamadas de atenção nomeadamente por parte do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) para a urgência de actualização do regime de aquisição de bens e serviços públicos e depois de anos de estudos, a Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) deu ontem a conhecer os principais contornos das propostas de alteração que ficam sob consulta até 4 de Janeiro. Uma das mexidas esperadas prende-se com o aumento dos valores que obrigam a concurso público, fixados em diplomas que datam da década de 1980. Assim, no caso de locação ou aquisição de bens e serviços o tecto passa de 750 mil para 4,5 milhões de patacas; enquanto para empreitadas de obras públicas sobe seis vezes – de 2,5 milhões para 15 milhões. Negociação competitiva Definir de forma clara e uniformizar os tipos de procedimentos de contratação pública – tendo como referência nomeadamente a Lei Modelo sobre a Contratação Pública, aprovada pela Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional (2011) – constitui outra das propostas. Além do concurso público, do concurso limitado por prévia audiência, da consulta e do ajuste directo, uma das grandes novidades vai para a introdução da negociação competitiva. Trata-se de uma modalidade amplamente utilizada no mundo, dada como eficaz particularmente quando se afigura difícil determinar previamente o tempo de execução ou o valor estimado para a adjudicação ou as exigências concretas devido ao elevado grau de especialização ou à complexidade técnica das empreitadas de obras públicas, da locação ou aquisição de bens e de serviços. Assim, à luz da nova figura, a comissão de avaliação das propostas pode negociar com os concorrentes, seleccionados entre os candidatos (em regra não menos de três). A DSF propõe que fique estipulado que, se todos os preços das propostas excederem o valor limite do tipo de procedimento de contratação inicialmente seleccionado, a entidade adjudicante deve anulá-lo e iniciar um novo procedimento que corresponda ao valor limite do tipo de procedimento. O documento de consulta discrimina também as situações em que se aplica cada um dos cinco tipos de procedimento de contratação independentemente do valor previsível de adjudicação. No caso do ajuste directo, por exemplo, define-se que deve ser usado na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência resultante de casos de força maior, como inundações, quando não podem ser cumpridos os prazos ou formalidades que exigem a consulta ou o concurso público. Pode ser ainda a figura a utilizar por motivos de aptidão técnica ou de protecção de direitos de autor, mas também quando a segurança nacional ou interna assim o aconselhar, diz o texto. No ajuste directo, de modo a reduzir a burocracia e elevar a eficiência administrativa, sugere-se ainda a tramitação sumária do processo, que dispensa a existência de uma comissão de avaliação de propostas. Esta aplicar-se-á quando o valor previsível da adjudicação for inferior a 10 mil patacas no âmbito da locação ou aquisição de bens e serviços; e quando ficar abaixo de 100 mil patacas no caso de empreitadas de obras públicas. Mecanismos de contratação Outro dos destaques vai para a intenção de criar um mecanismo para a contratação centralizada de locações ou aquisições de bens, particularmente os de consumo, com vista nomeadamente a racionalizar os recursos públicos; bem como para a contratação electrónica, sugerindo-se que seja permitida a entrega e abertura de propostas por essa via. Já no plano da transparência, o Governo pretende lançar um portal com informações relacionadas com a contratação pública, com o documento a propor que o diploma introduza uma norma que defina expressamente a realização de uma audiência prévia dos concorrentes antes de ser tomada a decisão da adjudicação, um mecanismo previsto no Código de Procedimento Administrativo. O regime sancionatório também é alvo de mexidas, considerando-se que, além da multa por violação dos prazos contratuais, falta outro tipo de sanções. Neste sentido, define-se a possibilidade de ser aplicada uma sanção acessória consoante a gravidade da infracção e o grau de culpa do infractor. Falsas declarações em candidatura ou propostas, por exemplo, pode fazer com que as empresas fiquem impedidas de participar, durante dois anos, em futuros procedimentos de contratação. Já do lado da responsabilização do Governo, propõe-se nomeadamente que se determine explicitamente que o pessoal de direcção e chefia e demais trabalhadores dos serviços e organismos públicos estão sujeitos à responsabilidade criminal, civil e disciplinar. A contratação pública assenta essencialmente em três decretos-leis, mas um vai continuar a ser aplicado por um determinado período de tempo, como legislação complementar, por manter ainda “oportunidade e validade de eficácia”. Em causa, o diploma que regula o regime jurídico de empreitadas de obras públicas e a execução dos respectivos contratos. À luz do documento de consulta, o âmbito da aplicação do actual regime jurídico vai ser alargado, sugerindo-se que as sociedades comerciais, directa ou indirectamente, detidas por entidades públicas estejam sujeitas, “de modo adequado”, a parte das normas, como as relativas à escolha dos tipos de procedimento de contratação. Contratos excluídos À luz do documento de consulta há cinco tipos de contratos que ficam de fora do âmbito de aplicação, como os que caem na esfera da cooperação regional. Além desses contratos celebrados entre entidades públicas da RAEM e de Hong Kong e da China, encontram-se também excluídos os contratos celebrados entre entidades públicas da RAEM e os firmados “por força de lei especial”, como os de trabalho dos serviços e organismos públicos, bem como aqueles assinados por força de regras específicas de uma organização internacional a que a RAEM pertença. A última excepção diz respeito a contratos cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais, designadamente de segurança nacional ou interna, ou quando a protecção de interesses particulares da RAEM o exija, mediante despacho indelegável do Chefe do Executivo.