André Namora Ai Portugal VozesPor favor Por favor, amigos leitores, regozijem-se por ler este diário dirigido pelo jornalista e escritor de excelência Carlos Morais José. Recebo diariamente o jornal em PDF e posso dizer-vos, sem sombra de dúvidas, que é o melhor jornal em língua portuguesa. Graficamente não conheço melhor no panorama nacional e internacional em língua portuguesa. Um jornal com o conteúdo literário e de uma paginação muito apelativa. Escrevo estas linhas porque em Portugal a imprensa escrita, e mesmo a comunicação em geral, está pelas ruas da amargura. Temos diários, semanários e revistas. Todos essas publicações têm vindo a degradar o seu conteúdo e aspecto gráfico. O jornalismo tem de ser uma profissão nobre, de liberdade, de competência e transparência. No nosso país temos vindo a assistir a um negativismo jornalístico em todos os aspectos. Os jornalistas jovens acabam os cursos de duvidosa qualidade e aceitam as condições mais que precárias para ingressarem nos jornais, nas televisões e nas rádios. Na imprensa o visionamento é cada vez mais desinteressante. Os jovens jornalistas não têm um conhecimento profundo do que aconteceu desde o 25 de Abril de 1974, não têm um acervo da história sobre os acontecimentos decorridos ao longo de 50 anos de democracia nem sabem o que de bom deixaram a Portugal diversas personalidades como Palma Carlos, António Spínola, Costa Gomes, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Ramalho Eanes, Mário Soares ou Álvaro Cunhal. Quando precisam, abrem a wikipédia e lêem o que por vezes é absolutamente deturpado e insuficiente, para se poder escrever com conhecimento de profundidade. O semanário Expresso tem vindo a perder leitores, ano após ano, e algumas vezes a própria manchete é um tema que já é do conhecimento de todos. O Diário de Notícias vive momentos de interrogação sobre o seu futuro, tal como os órgãos de comunicação social do grupo económico que nem paga os salários a tempo e horas. O Público foi o diário de referência, hoje é uma banalidade de mau jornalismo. O Jornal de Notícias era o menino querido do norte do país, e nos dias de hoje as gentes do norte compram o Correio da Manhã. Correio da Manhã que é um chorrilho de páginas dedicadas ao crime, aos casos passionais, à vida dos pimbas e, pelos vistos, os potenciais compradores é disso que gostam porque o jornalismo português global baixou muito de qualidade e nunca se preocupou em diminuir o número de analfabetos em política, em história e em cultura. O semanário Tal&Qual reapareceu, mas apresenta um populismo de bradar aos céus, sem o mínimo de credibilidade noticiosa. O i era o diário com mais impacto gráfico e com qualidade jornalística, não aguentou e hoje apenas se publica às terças-feiras. O Sol é um porta-voz do Governo, vale pela qualidade de alguns cronistas. No aspecto político toda a imprensa gere-se pela mesma batuta: há que agradar ao Governo. Estamos certos que Luís Montenegro, chefe do Executivo, espalha a sua propaganda política por todos os jornais a troco de financiamento aos patrões dos grupos de comunicação social. Um facto, que demonstra bem que a linha editorial das publicações é mera apoiante de quem está no poder. E já não falamos dos jornais e rádios regionais, que sem dinheiro, apresentam uma falta de qualidade jornalística impressionante e uma musicalidade quase total de timbre pimba. Os jornalistas com quem temos contactado trabalham frustrados. Chegam ao ponto de investigar e escreverem textos de grande interesse e deparam-se com a “ordem” das chefias de que esses trabalhos não podem ser publicados porque vão colidir com os interesses de quem financia os jornais. O jornalismo tem acima de tudo de ser regido sobre o símbolo da liberdade de expressão. Sem liberdade não existe jornalismo sério e apelativo. Por favor, amigos leitores, apreciem bem este diário e vejam a diversidade de temas, os colaboradores de enorme qualidade que deixam a sua sapiência nas páginas do jornal nos mais variados temas, como história portuguesa, história chinesa, política local, nacional chinesa, nacional portuguesa e internacional, sexologia, mudanças climáticas, obras literárias e outros temas de grande interesse. Sobre a cultura chinesa não existem páginas centrais, a cores, como as do HOJE MACAU e os leitores que em Macau e no estrangeiro leem o que é publicado, admiram-se como é que um diário de Macau consegue apresentar uma literatura cultural chinesa de tão grande envergadura. Estas minhas palavras não se devem ao convite que me fez o ilustre director para vos enviar semanalmente umas linhas sobre o que se passa em Portugal. Não, com toda a sinceridade vos informo que estas linhas se devem apenas ao facto da tristeza que os portugueses que compravam jornais constatam que nos dias de hoje não vale a pena. As vendas, na verdade, têm diminuído assustadoramente. Há mesmo quem pense que daqui a poucos anos apenas haverá um diário e um semanário. É triste. Para onde vão os jornalistas que sonharam com a sua nobre profissão? Obviamente para o desemprego, para um qualquer escritório de advogados, para uma agência de comunicação, para um gabinete de imprensa de uma empresa poderosa ou para assessor de um ministro, de um secretário de Estado ou de qualquer grupo parlamentar da Assembleia da República. Um dos piores exemplos da derrota da imprensa e televisões portuguesas foi a última campanha eleitoral americana onde apresentaram até à exaustão Trump com o seu discurso de ódio e a desinformação em vez de fornecer ao público factos e rigor jornalístico. Por favor, amigos leitores que possuem em Macau empresas, escritórios de advocacia, cargos de direcção na função pública, por favor, acreditem que devem dar todo o seu apoio em anúncios, a um diário como este de grande qualidade e que não pode deixar de estar na nossa companhia, para gáudio da língua e dos valores culturais portugueses em terras do oriente.
Hoje Macau China / ÁsiaHK | UE critica condenação de dois jornalistas A União Europeia (UE) criticou ontem a condenação de dois jornalistas independentes em Hong Kong, considerando que é “mais um sinal do enfraquecimento da liberdade da imprensa” no território administrativo chinês. Em comunicado, a porta-voz do Serviço de Ação Externa da UE Nabila Massarali condenou a decisão judicial aplicada a Chung Pui-kuen e Lam Shiu-tung, dois antigos editores do agora encerrado Stand News, um órgão de comunicação social independente que pertencia ao grupo Best Pencil (Hong Kong) Limited, também encerrado. Os dois jornalistas foram considerados culpados dos crimes de conspiração para produzir e publicar material que incita à sedição. Nabila Massarali também criticou o processo que conduziu à condenação, já que o julgamento durou 57 dias, em vez dos habituais 20.
admin h | Artes, Letras e IdeiasA verdade superior [dropcap]Q[/dropcap]uando regressei ao jornal depois de umas semanas afastado, sem dar qualquer tipo de explicação aos leitores ou aos colegas, tinha bem visível na minha secretária uma indicação para ir falar com o chefe. Já sabia o que me esperava. Começou por dizer que apreciava muito o meu trabalho, que sempre acreditara em mim e no que era capaz de provocar, tanto na ira como na exaltação do público leitor. Mas não conseguia gerir as minhas ausências, desaparecia por semanas sem dizer água vai, e isso irritava-o sobremaneira, não podia controlar o exaspero que se assolava dele, por vezes, capaz de esmurrar alguém. Logo agora que ele tentava adoptar uma filosofia ancestral de bem-estar, incentivando a arte da quietude. Para além disso, dava erros, deixava frases incompletas, ideias difusas difíceis de compreender, uma engarrafamento com a pontuação, metia os pés pelas mãos e escrevia com as unhas ainda por cortar, como as garras de um animal faminto. E a seguir, o inevitável. O usual. Sim, já não era a primeira vez, mais cedo ou mais tarde acontecia: “Está despedido!” E eu: “Espere”, nestas alturas formais não havia a camaradagem do trato por tu, “isto é capaz de dar uma boa história”, e fui buscar um caderninho para tomar notas, na esperança de que ele dissesse algo surpreendente. Mas não disse. Notificou-me, apenas. “Arrume as suas coisas, pode ir embora, não precisamos mais de si.” Mas ainda assim, apontei o que lhe saiu da boca, palavra por palavra, sem deixar nada de fora. “O que está para aí a escrever, não disse para se ir embora?” E quando redigi o último ponto de exclamação passei-lhe o bloco para a mão. Quando o leu, olhou para mim de relance, já com qualquer coisa a querer sair-lhe do nariz. Mas antes que isso acontecesse a curiosidade levou-o de novo para o que tinha entre as mãos, e tomou a atenção nos seus dedos que começavam a dedilhar as folhas cosidas e encadernadas entre uma capa grossa e negra. Fez uma pausa para respirar, como se os ensinamentos que tinha vindo a aplicar o tivessem alertado de que era necessário estancar o veneno que se soltava dentro dele, levando-o à meditação e à perscrutação do seu eu a qualquer momento do dia. Indagava e seguia o âmago do seu lado primata, sem sensação exterior e só consciência. À minha frente, via-o cerrar os olhos suavemente, inspirando o ar congestionado que nos rodeava e exalando-o ainda mais devagar, refeito. Fez isto uma ou duas vezes, como se estivesse sozinho e rodeado de floresta densa, onde o pipilar de aves exóticas e o doce escorrer da chuva tropical fizessem parte do cenário. As pálpebras que caiam sem pressa e o levavam para a frondosa natureza que desabrochava dentro de si. Já nas nuvens espessas do seu ser, recitava naquele instante o título do Sutra do Lótus em sânscrito, a língua sagrada, fazia-o de modo continuado para eliminar as energias negativas acumuladas. Seguia os ensinamentos do monge budista Nichiren, que no 28.º dia do quarto mês lunar de 1253 elaborara esse mantra, o Daimoku. Deixava entrar o místico da inimaginável profundidade da vida que transcende a compreensão humana. Idealizava a flor de lótus, a flor e a semente que germinam ao mesmo tempo. A causa e efeito em simultâneo, numa só vereda, a abreviarem-lhe o entendimento. Sem dar por mim ou pelo caderno. Ou pelo facto de me ter despedido segundos antes. Desde que entrara nesta completude de espírito, sentia um fascínio pleno pelo conceito de Dharma, um termo que encerra toda a compreensão do universo num grão de areia. Sentia-se glorificado por tê-lo descoberto. A Lei, era assim que o considerava quando a ele se referia. O fio por onde tudo se delineava e seguia de modo ajustado. Como se todos os remoinhos do cosmos se tivessem integrado numa plena gota de água e daí irrigassem toda a criação em redor, gerando rios, mares e a essência da vida. Tanto que escutava essa harmonia e tão grato estava por ter encontrado essa verdade superior. Sentia-se elevado. Em tudo isto, no ir e vir, consegui ainda abrir e fechar os olhos e acalmar-me também. Dando azo às sensações auditivas, não entrando dentro de mim, mas fora, encostando-me ao que poderia estar a passar-se do outro lado da parede quando pegasse nas minhas coisas e saísse dali. Para todo o sempre, estava em crer. Não que sentisse o desapego dos meus colegas ou a troça a afunilar-se. Embora não privasse muito com eles, eram cúmplices de instâncias e vontades comuns. Estávamos no mesmo comprimento de onda. Em suma, iríamos ficar tristes e, possivelmente, com saudades. Mas nada que o tempo não curasse. Não, apesar da sintonia, não existia ali grande afecto. Naquela altura só desejava ir-me embora. Já estava com os olhos lá fora, no futuro. Na mesa que ia abandonar, no computador que me feria a vista e deixaria de me apoquentar. O caderno estava cheio de rabiscos e ideias avulso. Pensamentos tresmalhados que me saltavam da tampa e que tinha de apontar, como fiz com o encanto daquela hora de despedida. Depois perguntou-me o que era aquilo. E eu disse-lhe: “Nada!” Sim, não era nada, eram apenas fantasmas soltos que me davam insónias e que passava para o papel durante as madrugadas. Mas era realmente mato denso e havia ali muita coisa que nem eu sabia e que nunca pegara com o intuito de ler com a atenção de um averiguador. Já não me lembrava o que lá estava, e estava agora a observar a primeira pessoa a entrar naquele pipilar de pássaros. As gotas a escorrer nas folhas densas de amazónia milenar. A torrente feita nascente. O desdito nexo. E o autoclismo do espírito a fazer-se soar. Página atrás de página. Estancou particularmente na personagem do irmão do Governador, que tinha sido inspirada no degredo que eu era, e que de tempos a tempos ia desenvolvendo. “Que é isto?”, e leu em voz alta: “Há medos, quase certezas do desfecho. O diário completa. O irmão que lhe veste a pele e prossegue.” E eu respondi que eram ideias para um romance que queria escrever sobre o território. “Agora que vou ficar sem trabalho talvez tenha tempo para o desenvolver”, como se aquilo fosse uma frase feita que me acompanhava a vida inteira, e o tempo perdido não fosse uma constante da minha existência, e fiz tensões de me levantar para me ir embora, esticando o braço para ele me devolver o caderno e um aperto de mão. Mas ele, pelo contrário, não correspondeu aos meus ensejos. “Espera”, disse finalmente, aquilo surgia quase como uma ordem e para quem tinha acabado de ser despedido não soava nada bem. Para além disso, voltáramos a tratar-nos por tu. “Tens aqui coisas muito boas.” Mas não queria saber, naquela altura só desejava ir-me embora. Já estava com os olhos lá fora, no futuro. Na mesa que ia abandonar, no computador que me feria a vista e deixaria de me apoquentar. Os calções de banho que já tinha por baixo, a pensar onde tinha ficado a toalha. O guarda-sol, os chinelos. O comboio a gasóleo que tinha de apanhar, que me daria muito tempo para pensar, e o encontro com o que tinha ficado à minha espera, estendido ao sol. O meu Dharma. “Fique com ele”, disse-lhe, já estava cansado de pensar na história do Governador e aquilo não ia dar em nada, “talvez tenha sido escrito por um monge budista.” E quando deu por isso, já os meus ex-colegas estavam com um aperto no coração.
Hoje Macau SociedadeHong Kong | Xinhua arrasa dono do Apple Daily [dropcap]C[/dropcap]ão e escumalha nacional. Foi assim que a agência oficial chinesa Xinhua descreveu Jimmy Lai, dono da empresa que detém o Apple Daily, num editorial. O jornal de Hong Kong, publicou na passada sexta-feira um anúncio de uma página onde, supostamente, quatro companhias internacionais demonstravam apoio aos protestos que têm invadido as ruas da região vizinha. As empresas em questão, PwC, Deloitte, KPMG e Ernst & Young, distanciaram-se da mensagem publicada, apesar do anúncio estar assinado por “um grupo de empregados anónimos”. No editorial da Xinhua pode ler-se que Jimmy Lai ficará para a história como uma vergonha nacional e o homem que conduziu Hong Kong para o caos. Além disso, a agência oficial chinesa descreve o empresário como um fantoche ao serviço dos Estados Unidos.
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasDos jornais [dropcap]T[/dropcap]omé não planeou enfiar-se no chapa e raspar-se com a viatura quando a viu estacionar à frente da barraca Trinitá e topou o motorista a esgueirar-se – torcido pelo gotejar de uma mija – para as traseiras. O apagão que logo a seguir, com artes de cleptómano, fez desaparecer a cidade é que lhe ondulou na cabeça e aí limitou-se a obedecer ao impulso. Entrou na cabina, rodou a chave na ignição. A carrinha deslizou suavemente por entre os volumes enegrecidos (experimentou os óculos Ray-Ban que se encontravam no tablier), e só no fim da rua acelerou. Estava no papo. Não havia mais que quatro ou cinco passageiros mergulhados no breu, mansas criaturas amodorradas, e ninguém dera pela troca do motorista. Deixou-se seguir sem acender as luzes interiores, sem o tinir duma sílaba – gado bom de ordenhar. Era estranha a música que o leitor de dvds emitia, uma toada electrónica que parecia velha como o mundo. Ouvia-a e vinha-lhe à cabeça um refrão: há quantos anos deixei de usar ganga? Vacilava, se achava mais bizarro o gosto musical daquele motorista se o modo como as frases lhe despontavam na mente, cometas chegados de nenhures para um destino inadivinhável. Há quantos anos deixara de usar ganga? Deixou a música fluir, a ver onde aquilo ia. Conhecia a rota como a palma da mão e levou a viatura sem custo até ao seu término. Aí encheu o carro de people, botões que se acotovelavam na gana de aninharem em casa. Aproveitou para descobrir que música era aquela. Neu! Hallogallo. Quase gala-gala, mas não conhecia. Voltou a pisar o play. Algas com ferrugem num mar electrónico – como vira uma vez na Costa do Sol. Já apinhado o carro, deu conta que aquele chapa andava sem cobrador – melhor, cobrou ele logo à cabeça. Era vinte e duas horas em ponto e o apagão alastrara a sua tinta de polvo por toda a cidade. Ladeava o muro da lixeira do Zimpeto quando sacou da pistola com silenciador que havia comprado ao china e, sem se virar, atirou ao acaso por detrás do pescoço, visando duas vezes à esquerda e três à direita. O silenciador funcionava, não fazia mais ruído que um peido de formiga. O escuro, a surpresa, a sua rapidez – ajudaram. O alarido só rebentou quando numa guinada parou o chapa à beira do muro e, gozando o prato, acendeu as luzes virando-se para trás, de pistola em riste. Os passageiros, no calado de um navio de muitos quilates, miravam as vítimas de cabeça pendida. Atingira um olho, um coração, uma testa, um cotovelo que guinchava e um pescoço gorgolejante. Uma mulher gritou, pela última vez na sua vida. Remédio santo para os demais. Disse-lhes: – Bradas, passem tudo o que têm nos bolsos. Depositaram tudo no lugar do morto. Moedas, notas, telemóveis, porta-chaves. Até camisinhas. Encheu os bolsos. Depois fechou as luzes do chapa e articulou, pausadamente: – Zuca lá para fora mas easy, relax, vamos pôr os mortos onde devem estar… Aos ouvidos dos seus acagaçados passageiros a sua voz soava metálica, não se apercebia. Desceram do chapa retardando o passo, mais enfiados que o esterco no rabo do cabrito. Veio-lhe ao nariz a certeza de que um gordo se borrara. Depois do gordo desceu um madala com umas calças de ganga. Há quantos anos deixara de usar ganga? Desligou a música. Alinhou-os contra o muro. Aproveitando-lhes o estupor, na rapidez que lhe dera o treino de comandos, mudou o carregador da arma. Contou-os, eram treze. Abateu o gordo: – Crazy, não gosto do treze e o camone fedia… Uma mulher soluçou. Baixinho. Grossas bátegas de calafrio entrechocavam-se como seixos na testa dos homens. Ao redor, os grilos faziam de segundos violinos. Vivalma. Noite de trevas, muito ao longe acenava o farol dum carro, mais solitário que o lenço de mulher esquecido. O gordo gemia. Um balázio na cabeça serenou-o. Tomé suspirou, entediado e observou: – Black é assim mesmo, vive da bacela do medo. Vamos ao que interessa. Quatro a quatro, peguem nos corpos e atirem-nos por cima do muro. Sempre que falharem abato um dos quatro… Os homens superam-se. Os cadáveres rebolavam sobre si mesmo, impulsionados à justa. O quarto corpo elevou-se um pouco mais, somou uma reviravolta ao trajecto e pairou no ar antes do ombro esquerdo ir embater no topo do muro fazendo-o girar para o outro lado. Suspiros. Não ficaria mal aqui a ratonice dum corvo, se um corvo fosse capaz de se interrogar, Há quantos anos deixei eu de usar ganga. Porém, Tomé congelara a música dos alemães Neu! Ao baque do último corpo no outro lado do muro, Tomé gabou: – Somos melhores que os mambas… os moçambicanos só precisam de uma motivação… – e atirou para o ar – Alguém guia? Um rapaz novo, receoso, levantou a mão. Tomé – deu-lhe um súbito cansaço – deixou cair a arma, olhou para ele e sugeriu, atencioso: – Leva-os daqui… – após o que sorriu, antegozando a ideia – Para os jornais digam que foi um comando da Renamo, e largou uma gargalhada. Num ápice, desapareceram. Foram no encalço de um velho Mercedes que passou, tossicando. Tudo correra pelo melhor. O apagão, a hora, a pouca afluência de carros, não ter havido um passageiro que se julgasse com estofo de herói… até a piada final lhe saíra a primor. Além disso, Tomé que, como o seu xará bíblico, gostava de ver para crer, era obrigado a reconhecer que os chineses, afinal, não têm à venda só a fancaria das lojas de trezentos, tinham do bom. Encaminhou-se para casa, ali perto. A mulher esperava-o. No dia seguinte podia comprar-lhe um micro-ondas, tão prático para durante a noite se aquecer o biberão do bebé. Os óculos Ray-Ban ficavam-lhe a matar. Glossário: madala, cinquentão; bacela, brinde; mambas, equipa moçambicana de futebol
João Luz SociedadeJornalistas | Aprovado debate sobre atribuição da carteira profissional em Macau [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi aprovada para debate a proposta da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, que pretende a atribuição da carteira profissional para os jornalistas que trabalham no território. Porém, ainda há um longo caminho a percorrer. Há 19 anos que não se realizava um congresso de jornalistas em Portugal, apesar de há muito se falar no assunto, nomeadamente para a criação de uma ordem profissional. Segundo João Francisco Pinto, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), os trabalhos foram “muito focados em questões que nos passam ao lado, como a precariedade profissional dos jornalistas, os baixos salários, a instabilidade laboral”. O problema de Macau prende-se com a certificação profissional de quem trabalha em órgãos de comunicação social locais. Em primeiro lugar, porque não existe um organismo que emita o título. Em segundo, porque os regulamentos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não permitem a emissão de títulos para fora do território português. Além da falta de certificação, acrescenta-se que na RAEM não existe código deontológico que regule a profissão, assim como não estão aprovados quaisquer estatutos de jornalistas que, de acordo com a associação, são mais de cem. “A moção que a AIPIM levou ao congresso para que a comissão da carteira profissional reconhecesse a situação dos jornalistas portugueses de Macau teve votos contra”, relata João Francisco Pinto, que ainda não tem dados concretos sobre o número de votos negativos que a moção recebeu. Ainda assim, a proposta segue para debate. Muito além de um mero capricho de reconhecimento burocrático, a carteira certifica o profissional enquanto jornalista. Ou seja, quem começou a profissão em Macau, se quiser regressar a Portugal, ficará na posição de estagiário e terá um escalão salarial mais baixo, por muitos anos que tenha de jornalismo. Situação similar aplica-se para quem vem de Portugal com o título, uma vez que, chegado ao território, deixará de o poder revalidar. Outro aspecto que deve ser tido em conta é o reconhecimento da profissão. Hoje em dia, em Macau, qualquer pessoa pode apresentar-se numa conferência de imprensa identificando-se como jornalista. Curiosamente, de acordo com João Francisco Pinto, “a maioria dos jornalistas chineses representados pelas suas associações opõe-se à criação de um título profissional”. Como tal, nunca foram conseguidos pontos de consenso com as associações chinesas para a criação de um organismo que regule a profissão. Sem instituição em Macau que certifique os jornalistas, e com os estatutos da CCPJ a não permitirem a emissão de títulos fora de Portugal, os profissionais que exercem no território vivem num limbo. Para o presidente da AIPIM, esta é uma situação que deve ser resolvida, para bem da dignificação do jornalismo em Macau.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemImprensa | Bancas em risco de extinção. Títulos exclusivamente online daqui a dez anos Macau corre o risco de se tornar num dos poucos territórios do mundo sem venda de jornais e revistas nas bancas tradicionais daqui a um punhado de anos. A era digital e os conteúdos online gratuitos ditam esse fim. Os velhos comerciantes mantêm as bancas que herdaram da família, com lucros magros [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ada banca tem o nome de família que vem dos tempos em que ainda não havia Internet e os jornalistas escreviam à máquina as notícias que seriam impressas. Já são raras mas persistem, sobretudo no Leal Senado. O negócio é fraco e quase não dá lucro, dizem os comerciantes com quem o HM falou. A existência de uma política de subsídios à imprensa portuguesa e chinesa permite que todos os conteúdos dos jornais estejam disponíveis online na íntegra, sem que o leitor tenha de fazer subscrições. Sem um mercado publicitário forte que sustente a imprensa, a era digital promete chegar ainda mais depressa do que o próprio futuro. Apesar de as bibliotecas públicas estarem cheias de idosos a ler jornais, a verdade é que são poucos os que vão comprar o jornal diário à banca do costume, logo pela manhã. Chan Lam Kei, proprietário da banca “Chan Lam”, situada no Leal Senado, diz que as condições de negócio mudaram muito. “A banca tem 60 anos de história e tem o nome do meu avô. A venda de jornais caiu duas vezes, com a consulta na Internet e a televisão com noticiários durante todo o dia. Só a geração mais velha é que tem o hábito de ler jornais com um copo de chá na mão, nos restaurantes de yum cha”, conta. “Deixei de fazer entregas de jornais porque não há subscrições e não há praticamente jovens a comprar jornais, só o fazem para realizar os trabalhos de casa. Trabalhar neste sector é difícil, o horário de trabalho é longo. Não vão haver jovens a quererem fazer este trabalho”, acrescenta. Na zona do Leal Senado persistem quatro bancas de jornais, mas outras quatro fecharam nos últimos anos, recorda Chan Lam Kei. Além da banca localizada na zona da Praia Grande, começa a ser raro encontrar um sítio que venda jornais. Yan Kuanzhi, com quase 80 anos, é o dono da banca Wa Kei, na Almeida Ribeiro. Também para ele os tempos têm sido difíceis. “A banca era propriedade dos meus pais. O volume de negócios caiu cerca de 80 por cento.” A chegada das lojas de conveniência, que também vendem jornais em chinês e inglês, “afectaram o negócio”, aponta o comerciante. As novas medidas de controlo do tabaco também. “A proibição de fumar fez com que a venda tenha caído 90 por cento. Ganho umas dezenas de patacas por dia. Não temos dinheiro e dependemos do que recebemos do Governo para sobreviver”, frisa Yan Kuanzhi. Os livros da China Uns passos mais acima, bem perto da Livraria Portuguesa, está Chong, proprietário da banca “Kuong Kei”, um negócio que começou nos anos 60. Chong não paga impostos pelo seu negócio porque o Governo resolveu isentar as bancas desse pagamento, mas antes pagava duas mil patacas por ano. Apesar do panorama negro das bancas de jornais, Chong ainda tem um laivo de optimismo. “A Internet não afectou muito porque há sempre conteúdos que não se conseguem ler online, como os artigos de opinião ou os contos. Mas também é verdade que os jovens raramente lêem jornais.” Chong revela que os turistas, ao invés dos jornais, preferem comprar livros de teor político que fazem algumas críticas ao Partido Comunista Chinês e que não se vendem no interior da China. O jornal com maior número de circulação é o jornal Ou Mun, existindo outros títulos de língua chinesa como o Jornal do Cidadão ou o Jornal Va Kio. São ainda vendidos, com uma menor tiragem, jornais em língua portuguesa e inglesa, bem como alguns títulos de Hong Kong. Até ao fecho desta edição não foi possível obter reacções das direcções dos jornais de língua chinesa sobre o esperado fim das tradicionais vendas em banca, e de como isso poderá afectar a fatia da população que ainda não consegue ler as notícias à distância de um clique. Títulos exclusivamente online daqui a dez anos O analista Larry So apresenta um futuro algo dramático para os jornais impressos, sejam eles chineses, portugueses ou ingleses: daqui a dez anos restará nas bancas um ou dois títulos, sendo que todos os outros passarão a estar disponíveis apenas online. “Essa é uma tendência inevitável, e acredito que nem mesmo a política dos subsídios do Governo consiga evitar isso. Apenas um ou dois jornais irão sobreviver no seio da comunidade. E o resto dos jornais serão online. Isso irá acontecer dentro de dez anos”, disse ao HM. O panorama não deverá ser diferente para o nicho luso. “Os jornais portugueses enfrentam o mesmo problema que os jornais chineses. Talvez daqui a uns anos haja apenas um jornal português e um inglês à venda. A circulação dos jornais ingleses e portugueses é muito baixa. Os jornais chineses de pequena dimensão são subsidiados, mas não é suficiente para a sua sobrevivência.” O fim das bancas tradicionais de venda de imprensa poderá representar um problema para uma velha geração que não se soube adaptar ao computador. “Estamos a entrar na era digital e há muitos media que começaram a mudar para o online. Essa é uma das razões para o decréscimo da imprensa. A segunda razão é que temos jornais em formato papel mas têm distribuição gratuita. Com todos estes novos formatos temos uma queda. A geração mais velha está habituada a ler as notícias em papel e necessita de ter este meio para se informar. Isso poderá trazer alguns problemas à geração mais velha, que costuma ir às bibliotecas ler os jornais”, referiu Larry So. O académico considera que o fim das bancas não trará um decréscimo da liberdade de informação e de expressão. “Isso não significa que os media online não irão manter essa liberdade de expressão e de publicação. É algo que não depende do formato de publicação. Haverá algumas limitações junto da sociedade. Tudo dependerá das políticas e da atitude do Governo em querer que se mantenha a democracia e a liberdade de expressão.” Dez por cento de leitores Agnes Lam, docente da Universidade de Macau (UM), realizou um inquérito em 2002 que dava conta de 60 por cento de leitores diários de jornais impressos. Anos depois, esse número baixou para dez por cento. A académica e ex-jornalista fala de uma baixa circulação da imprensa. “Os valores de circulação dos jornais não ajudam à maioria dos títulos, e não geram lucros directos, são muito baixos. A importância de um jornal vai tornar-se menor e penso que poucos jornais hoje em dia têm verdadeiros lucros. Talvez o Ou Mun ou um título português.” Ainda assim, Agnes Lam acredita que “há características importantes nos media tradicionais. “Prestam mais atenção aos factos, ajudam a criar uma agenda junto da sociedade. Isso é importante para a sociedade. Este é um factor fundamental para a democracia.” Em Hong Kong, território com mais títulos e um forte mercado publicitário, onde não há subsídios públicos atribuídos aos media, o panorama é bem diferente, apontou Agnes Lam. A aquisição do South China Morning Post pelo milionário chinês Jack Ma fez dele um título gratuito online, mas nem por isso deixou de ser publicado em papel. “A situação em Macau é diferente. Temos mais jornais chineses, mas penso que esta indústria não é muito normal, pois um proprietário de um jornal tem também alguma influência política. Muitos dos proprietários não se preocupam com a leitura que os jornais irão ter”, concluiu Agnes Lam.
Filipa Araújo SociedadeAIPIM quer menos “complicações” para BIR de profissionais de imprensa [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) entregou, ontem, uma moção às autoridades da RAEM, onde “se apela à aceleração dos processos de situação de residência ou autorização de trabalho, e suas renovações, para os profissionais dos órgãos de comunicação social”. Pela mão de João Francisco Pinto, presidente da AIPIM, e dos membros da direcção, a moção surge na sequência da Assembleia Geral que a Associação organizou no passado dia 3 de Março. O presidente caracteriza o actual processo para a obtenção de residência e autorização de trabalho como “demorado” e “complicado”. “Estamos a falar de casos gerais e não só de portugueses. Estamos a falar de profissionais de comunicação social para os órgãos de comunicação social, sejam portugueses ou não”, esclareceu. “Considerando a inexistência de Macau de instituições de ensino superior que façam formação suficiente de jornalistas para os meios de comunicação em língua Portuguesa e Inglesa, considerando a escassez de quadros profissionais em Macau, considerando que os órgãos de comunicação social (…) têm de recorrer à contratação de profissionais do exterior (…), considerando as dificuldades (…) em contratar profissionais em virtude dos obstáculos que lhes são colocados pelas autoridades (…)”, a AIPIM apela a que o Governo considere “o tratamento célere dos processos”, pode ler-se na moção. Foi Victor Chan, director do Gabinete de Comunicação Social (GCS), que recebeu a moção, responsabilizando-se pela entrega da mesma ao seus superiores. Código em debate No próximo dia 9 de Abril, pelas 10h00, na Fundação Rui Cunha irá realizar-se uma reunião geral de jornalistas que pretende debater e aprovar o Código Deontológico e Estatuto de Jornalistas. “Isto não tem que ver com a Associação, é de facto a Associação que pega nisto mas não é uma reunião que não é só para os sócios. É para todos os jornalistas de Macau e vamos debater os dois documentos com vista à sua aprovação e adopção”, rematou João Francisco Pinto.