Com “Hotel Império” Ivo M. Ferreira fez um filme distópico sobre Macau

[dropcap]O[/dropcap] filme “Hotel Império”, de Ivo M. Ferreira, que se estreia a 9 de Maio em Lisboa, é uma obra distópica dedicada a Macau, onde o realizador tem vivido desde 1994, numa visão entre o passado e o presente.

“Quis fazer um filme distópico, no sentido que podia atravessar vários períodos da vida de Macau. Há cenas que não são credíveis agora, mas eram há dez ou vinte anos, mas, por outro lado, quis agarrá-lo muito ao presente”, contou Ivo M. Ferreira à agência Lusa.

“Hotel Império”, que será exibido no festival IndieLisboa, antes de chegar a 15 salas do circuito comercial, é protagonizado pela atriz portuguesa Margarida Vila-Nova e pelo actor anglo-taiwanês Rhydian Vaughan e foi integralmente rodado em Macau, o terceiro protagonista do filme.

O filme “vai buscar as minhas memórias e a curiosidade quando cheguei, quando ouvia mahjong numa janela e não percebia o que era, quando ouvia uma rapariga e entrava num sítio e não percebia onde ia”, explicou.

Esta é a história de uma portuguesa que vive num velho hotel situado nos bairros tradicionais de Macau, que é cobiçado por especuladores imobiliários para ser demolido. Maria canta num casino e acaba por ceder à prostituição de luxo para conseguir manter o hotel de pé.

Ivo M. Ferreira recorda que quis pegar em lugares-comuns associados a Macau – jogo e prostituição -, sem esquecer o problema da mudança agressiva do espaço urbano e, nesse aspecto, remete para uma realidade que é também portuguesa, pela especulação imobiliária.

“Há um lado identitário que me interessa imenso. O facto de o espaço urbano estar em erosão muito rápida também espoleta uma série de coisas que está a acontecer em Lisboa. (…) Não é nada um filme de despedida, mas um filme que viesse procurar coisas que eu tinha sentido na minha primeira chegada em 1994”, explicou.

Vinte anos depois da transferência administrativa de Macau de Portugal para a China, Ivo M. Ferreira fala de “uma cidade muito viva”, com património recuperado, mas com uma narrativa que não corresponde à realidade.

“‘Ah, os portugueses cuidaram disto muito bem e depois vieram os chineses e destruíram tudo’. É o contrário!”, disse. O realizador português, de 43 anos, estreia “Hotel Império” em Portugal, terminou uma série televisiva, “Sul”, para a RTP e prepara aquele que considera o primeiro projecto de vida, enquanto realizador.

“É talvez o meu primeiro desejo de filmar, com oito ou dez anos. Chama-se ‘Projecto Global’ e é muito inspirado nas FP25, que abalaram muito Portugal nos anos 1980”, disse o realizador, sobre o projecto que está ainda na fase de escrita do argumento.

Ivo M. Ferreira é autor de curtas como “O Homem da Bicicleta” (1997) e “Na Escama do Dragão” (2002) e das longas “Águas Mil” (2009) e “Cartas da Guerra” (2016).

1 Mai 2019

Carlos Ramos, programador do IndieLisboa: “Macau está mais sólida”

Os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China celebram-se este ano na tela graças ao festival de cinema IndieLisboa, que tem início no próximo dia 2 de Maio. Carlos Ramos destaca a contemporaneidade dos filmes escolhidos e a evolução do cinema de Macau, sem esquecer a busca pela diversidade daquilo que se vai filmando na Ásia

[dropcap]O[/dropcap] que levou o Festival a homenagear os 20 anos da transição de Macau?
Este é o terceiro ano consecutivo em que trabalhamos com o Turismo de Macau, devido às várias ligações que existem entre o IndieLisboa e Macau, não só ao nível de alguns programadores do festival que viveram em Macau, mas também devido a um conjunto de filmes que passamos do Ivo Ferreira ou do Guerra da Mata, por exemplo. Com essa colaboração mostramos uma nova cinematografia de Macau, algo que tem funcionado ao nível de sessões de cinema, com conjuntos de curtas e longas metragens que seleccionamos da produção anual de Macau. Já o ano passado queríamos fazer um programa que juntasse o novo filme do Ivo Ferreira, mas houve agora oportunidade de o fazer, dado o mote da transferência de soberania e dos 20 anos. O Ivo também vai estar no júri. Temos a oportunidade de mostrar o foco de alguém que viveu em Macau, e o filme fala um pouco sobre isso, dessa passagem de Macau de Portugal para a China. Por outro lado, queremos mostrar o que se está a fazer de novo em Macau. Estas sessões têm sido muito bem recebidas no Indie.

Todos os filmes que vão estar em exibição foram feitos em 2018. Como chegaram a estes realizadores?
Recebemos anualmente um conjunto de filmes desenvolvidos pelos vários apoios que existem em Macau para a produção cinematográfica. Um dos critérios é a diversidade do que é feito, porque o Indie é um festival generalista e isso tem eco na programação de Macau. A ideia é ir do documentário à ficção e animação. Temos algumas animações que funcionam por desenho e formato digital, mas depois temos o documentário “The Cricket Dinasty” que fala da luta de grilos que ainda se faz em Macau e na China e que é uma tradição que se tem vindo a perder. O programa complementa-se depois com duas ficções. Uma delas é bastante divertida e fala de um grupo de avós que se juntam, embora o que está por detrás disso seja sempre uma coisa universal, um capitalismo algo latente, pois estas avós não têm meios e juntam-se para assaltar um banco. Depois há outro filme que fala de jovens que trabalham em entregas e que têm de recorrer a outros meios para sobreviver. Há uma linha que mostra a nova cinematografia de Macau, mas que endereça também questões sociais globais.

São filmes que mostram uma Macau contemporânea.
O filme do Ivo fala-nos deste hotel Império que existia ainda no tempo português, e que depois resistiu e se mantém, e fala também um bocadinho destes fantasmas e de como os vestígios da presença portuguesa vão desaparecendo. Por outro lado, faz-se um contraponto com umas curtas que mostram Macau hoje em dia.

A cinematografia de Macau está pouco desenvolvida se compararmos com o que se faz na China e em Hong Kong. Nota, ainda assim, alguma evolução? Macau já tem uma cinemateca, por exemplo.
Nota-se alguma evolução. Consegue notar-se alguma evolução nestes filmes em relação aos primeiros, e acho que isso é fruto, por um lado, dos apoios que estão a existir, e por outro do trabalho da Cinemateca Paixão, com quem nós também colaboramos e que é um dos pontos de ligação do Indie com Macau. Trazemos a Lisboa os realizadores macaenses, mas depois levamos umas curtas portuguesas para Macau para mostrar um pouco a contemporaneidade do cinema português. Esse trabalho da cinemateca tem sido muito importante para desenvolver o cinema em Macau e também a forma como ele é feito. Lembro-me que, da primeira vez que vimos algumas películas para programar para o festival, havia alguma dificuldade na obtenção dos filmes e que também não havia muitos disponíveis. Este ano foi completamente diferente. Macau ainda está longe dessas cinematografias de que falou e tem algumas fragilidades, mas está mais sólida.

FOTO: IndieLisboa

Que realizadores são mais representativos do cinema de Macau dos dias de hoje?
Ivo Ferreira e Tracy Choi são fundamentais. Mostrámos a longa da Tracy Choi na primeira edição e ela veio ao IndieLisboa. Queremos promover o contacto profissional entre os realizadores de Macau e os meios dos festivais europeus. E a Tracy é uma das pontas de lança do cinema em Macau. Na altura, os contactos que se fizeram foram muito importantes.

O que é que o público pode esperar dos restantes filmes asiáticos?
O festival tem sempre um maior pendor europeu mas procuramos sempre ter uma diversidade regional. Este ano destacaria alguns filmes, como por exemplo uma longa-metragem na secção de competição internacional que estreou na Holanda este ano, intitulada “Present Perfect”, e que é um documentário muito contemporâneo que retrata seis ou sete pessoas que vivem nas suas casas e nos seus quartos e transmitem toda a sua vida pela Internet. É uma reflexão sobre os dias de hoje, mas também sobre a solidão que a tecnologia pode trazer à vida das pessoas. Destacaria também três curtas metragens. Uma delas é uma animação delirante, com personagens que andam num autocarro e galinhas que gostariam de ir para o exército. É uma coisa muito surreal. Temos um filme do Camboja que tem uma ligação com os filmes de Macau, porque também fala de uma transição e de uma região que existia e que deixa de existir para se tornar num campo de golfe. O filme vive no presente, passado e futuro. A curta-metragem “A Fly in the Restaurant” é também um conto de animação, mas o mais interessante neste filme é mesmo a parte formal, porque funciona como se fosse uma câmara que roda à volta de si própria e as histórias vão acontecendo de forma circular.

Como descreve o cinema do sudeste asiático, por comparação com o cinema chinês? Este já é mais conhecido na Europa, o que se faz no sudeste asiático começa a despertar mais interesse?
Sempre despertou interesse. A questão é que num festival como o Indie vamos sempre à procura de novas cinematografias em todo o mundo. A China, também por causa da sua dimensão e por estar mais cimentada no cinema internacional, tem uma maior oferta. Mas não olhamos para a China como algo diferente do sudeste asiático, vamos é à procura de novas vozes e gerações de realizadores.


No cartaz

Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local. O IndieLisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com as curtas-metragens chinesas “A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, será também exibida. O IndieLisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.

29 Abr 2019

Cinema | Cartaz do Índie Lisboa celebra os 20 anos de transferência de soberania de Macau

[dropcap]F[/dropcap]oi hoje apresentado em Lisboa o cartaz da edição deste ano do festival de cinema Índie Lisboa. Além da antestreia de “Hotel Império”, filme de Ivo Ferreira, bem como de três episódios da sua nova série, intitulada “Sul”, serão exibidos alguns filmes que visam celebrar o aniversário dos 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China.

Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local.

O Índie Lisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com a curtas-metragen chinesa“A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, também será exibida.

No painel das longas metragens há também lugar para “Present.Perfect.”, de Shengze Zhu, um documentário que nasce de uma produção conjunta entre os EUA e Hong Kong, realizada este ano.

O Índie Lisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.

2 Abr 2019

Cinemateca Paixão | Primeiro filme de Ivo Ferreira exibido este fim-de-semana

No próximo sábado e domingo, “O Homem da Bicicleta, Diário de Macau”, o primeiro filme de Ivo Ferreira, volta ao ecrã da Cinemateca Paixão, 22 anos depois da estreia

[dropcap]M[/dropcap]acau foi a primeira musa e o cenário que marcou o início da carreira de Ivo Ferreira. Em 1997, o realizador estreava o filme que lançaria a sua carreira, “O Homem da Bicicleta, Diário de Macau”, que viria a vencer o Prémio do Público do VII Encontros Internacionais de Cinema Documental da Malaposta e o Prémio de Documentário Caminhos do Cinema Português.

A obra cinematográfica será exibida na Cinemateca Paixão no sábado e domingo, depois de ter sido exibida também no fim-de-semana passado. As sessões estão marcadas para as 13h.

O filme inaugural do realizador português é um ensaio sobre diversas formas de viver em Macau, formando um mosaico de diversas cenas e pequenas histórias que se interligam entre si de forma harmoniosa. A lente de Ivo Ferreira segue um idoso que para vender jornais tem de percorrer a cidade de bicicleta. Seguindo o quotidiano do protagonista, ao longo de 24 horas, a narrativa fica algures no limbo entre a ficção e o documentário, perfumada pelo exotismo oriental.

O protagonista do filme é um vendedor de jornais e a sua vida mistura-se com a vida de Macau. Ao longo do dia, o quotidiano real do velhote cruza-se com cinco pequenas cenas ficcionadas, com que se depara por acaso.

Gente comum

Em comunicado que apresenta o filme de Ivo Ferreira, a Cinemateca Paixão refere que “O Homem da Bicicleta, Diário de Macau” parte de uma “perspectiva e sensibilidade únicas de um estrangeiro” e da vida de “um homem de idade avançada percorrendo as ruas e ruelas de Macau” onde se cruza com gente comum como “vendedores de rua, vendedores de peixe nos mercados e prostitutas nas discotecas”.

Além da possibilidade de assistir ao filme de estreia de Ivo Ferreira, “O Homem da Bicicleta, Diário de Macau” é uma forma de revisitação da paisagem urbana da Macau de há 20 anos, algo que constitui uma extraordinária experiência visual.

24 Jan 2019

“Hotel Império” | A cidade imaginária de Ivo Ferreira em destaque no MIFF

“Hotel Império” não é um filme sobre uma Macau real, mas sim o resultado da percepção do realizador, Ivo Ferreira, acerca da cidade onde vive há mais de 20 anos. Esta é premissa deixada pelo cineasta ao HM acerca da película que está entre os dez filmes recomendados pela 3a edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. “Hotel Império” é apresentado dia 11 de Dezembro, às 21h30 na Torre de Macau

[dropcap]D[/dropcap]epois da estreia mundial no Festival de Cinema de Pingyao, em Outubro, e de ter sido apontado como um filme “excepcional que dá uma visão única de Macau” pelo director artístico do Festival Internacional de Cinema de Macau, Mike Goodridge, “Hotel Império” de Ivo Ferreira está em destaque no programa da 3.ª edição do maior evento local dedicado à sétima arte a decorrer a partir de amanhã, até dia 14, e que tem projecção marcada para a próxima terça-feira, na Torre de Macau, pelas 21h30.

O filme é uma produção portuguesa e chinesa que traz ao grande ecrã “a cidade e as relações que nela se estabelecem”, começa por dizer Ivo Ferreira ao HM.

Mas não se trata de uma Macau comum e capaz de ser identificada por todos, é antes um território que aparece como resultado de uma interpretação imaginária que o realizador foi construindo. “É uma visão, uma espécie de ideia possível de Macau. Eu não sei o que é Macau, não sei quem são as pessoas. Tenho apenas ideias sobre isso”, aponta.

Em “Hotel Império”, a cidade é “uma espécie de colecção destas ideias que tenho desde os 18 anos, altura em que cheguei cá pela primeira vez”, refere. Duas décadas a viver em Macau permitiram a Ivo Ferreira assistir às transformações do território, e como tal, o filme apresenta também “a forma como o olhar foi mudando ao longo dos anos. É um mundo inventado, uma Macau fora do tempo ancorada em ideias dos anos 90 e em ideias de futuro”.

“[Macau] Tem uma atmosfera muito especial e apesar de tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços.”

IVO FERREIRA REALIZADOR

IDENTIFICAÇÕES DE LADO

O objectivo do realizador em “Hotel Império” não é uma aproximação do real até porque as pessoas que vivem em Macau não vão, na sua grande parte, identificar-se com o que poderão ver, considera. O que Ivo Ferreira pretende é que o público se “entretenha, em vez de ir à pro- cura dos pontos de contacto com a realidade, ou que tente procurar uma pureza dessa Macau que cada um pensa que conhece”, aponta.

De acordo com o realizador português, o cinema não é para ser feito como retrato da verdade, “e mal do cinema se fosse”, até porque “para esse efeito existem géneros muito específicos como o documentário ou determinadas ficções”, aponta.

“‘Hotel Império’ retrata uma Macau que se desenha muito na possibilidade ou da impossibilidade das personagens que habitam aquele espaço e das suas relações”, sublinha Ivo Ferreira.

PALCO DE POUCO CINEMA

Imaginado ou real, o território é um espaço apelativo para fazer cinema. “Tem uma atmosfera muito especial e apesar e tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços”, diz o realizador.

No entanto, não é fácil fazer filmes por cá, e talvez por isso as películas que têm o território como pano de fundo ainda sejam poucas. “A quantidade de vezes que Macau aparece em filmes é irrisória se com- pararmos com outras cidades como Hong Kong, com Lisboa ou com Pequim”, sendo que esta ausência da sétima arte “não é por acaso, com certeza”, aponta.

As dificuldades em produzir cinema no território sentem-se em vários aspectos, e reflectem que Macau é “uma cidade pouco habituada a ser filmada”, o que se vê “nas questões ligadas a autorizações de filmagens com as questões que têm que ver com o próprio tráfego da cidade, por exemplo”, lamenta o realizador.

Mas as circunstâncias podem mudar e o Festival Internacional de Cinema, que teve início em 2016, pode representar uma alavanca nesse sentido. “Aliás, Macau começa a ser falada por causa do festival a já está no mapa da sétima arte. Trata-se de um marco importantíssimo para a imagem do território no exterior e para os realizadores locais”, sublinha.

Por outro lado, a promoção do cinema feito localmente “é uma forma de dar uma imagem da cida- de que vai para além do jogo e dos casinos. Uma imagem que esteja mais ligada à identidade do lugar e que passa pela cultura”, acrescenta Ivo Ferreira.

Não menos importante é o contributo que este tipo de eventos pode trazer para a formação dos próprios residentes, sendo que “contribui para a sua formação intelectual e estabelece um maior contacto com o que se passa no resto do mundo e até dentro do próprio território”, remata.

10 Dez 2018

“Hotel Império” de Ivo M. Ferreira estreia em Portugal a 18 de Abril

[dropcap]O[/dropcap] filme “Hotel Império”, de Ivo M. Ferreira, rodado em Macau, onde o realizador português vive há vários anos, estreia-se nas salas de cinema portuguesas a 18 de Abril, anunciou ontem a produtora O Som e a Fúria.
O filme conta a história de uma portuguesa nascida na cidade – interpretada por Margarida Vila-Nova – que, juntamente com outras pessoas, habita um antigo hotel em vias de ser destruído para dar lugar a um edifício moderno.

“Hotel Império” teve estreia mundial em Outubro, no Festival de Cinema de Pingyao, na China, tendo sido também exibido na Mostra Internacional de São Paulo.

Em 2016, quando apresentou o projecto do filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, Ivo M. Ferreira explicou que a longa-metragem tem como pano de fundo um tema recorrente e muito presente na vida da cidade: a mudança acelerada do espaço, impulsionada pelo desenvolvimento económico.

“O hotel, evidentemente, que tem uma carga simbólica sobre Macau, vai ser destruído para ser construído um hotel-casino. Tem que ver com (…) a erosão da cidade [que] poderá criar uma identidade, a erosão poderá unir-nos, unir vizinhos que não se falavam. Acho que o filme gravita muito à volta desse ambiente, de que a destruição pode unir para proteger a cidade”, explicou na altura o realizador.

Além de Margarida Vila-Nova, o filme conta com a participação de Rhydian Vaughan, um actor taiwanês de ascendência britânica, e vários actores de Macau.

21 Nov 2018

Cinema | 25 de Abril, um dos epicentros de inspiração para Ivo Ferreira

O 25 de Abril é daqueles marcos históricos que pode ser visto sob várias perspectivas. O realizador local, Ivo Ferreira, tem abordado, espontaneamente, o período antes, durante e após a revolução. De momento, o cineasta está a começar a trabalhar em “Projecto Global” que vai tratar do período quente do PREC, mais precisamente os episódios que tiveram as FP-25 como protagonistas

[dropcap style =’circle’]”S[/dropcap]im, sou fascinado por estes desastres melancólicos” começa por dizer o realizador Ivo Ferreira ao HM, quando se fala da sua abordagem aos períodos pré, durante e pós 25 de Abril.

No filme premiado “Cartas de Guerra”, Ivo Ferreira trouxe para o ecrã os tempos coloniais do Estado Novo, enquanto que em “Águas Mil” deu a sua visão da revolução dos cravos. O realizador local está agora a trabalhar num projecto que pretende ver nas salas de cinema em 2020. É o filme “Projecto Global” que trata o período pós revolução dos cravos e depois a ressaca violenta do PREC, tendo como protagonistas as Forças Populares 25 de Abril (FP-25).

De acordo com Ivo Ferreira o filme, que ainda está em esboço, pode ser a concretização do seu primeiro projecto cinematográfico. “Quando era miúdo assisti a algumas prisões de pessoas que conhecia, assisti a pessoas a saírem das cadeias e foi daqui que surgiu a ideia. A primeira vez que pensei em cinema, ainda muito miúdo, a ideia era lidar com este assunto”, contou ao HM.

A película não pretende tratar de uma posição política ou ideológica passada para a tela. “O filme não tem nada que ver com nenhum tipo de apologia de alguma coisa”, esclarece. A obra pretende abordar a luta armada que se seguiu ao 25 de Abril, um tema que sempre disse bastante ao realizador local. “Sempre quis saber porque é que as pessoas, de repente, mudam completamente a sua vida dando uma ideia de reacção”, diz ao HM.

Com a película, o realizador pretende chamar para a discussão o aparecimento destas forças armadas clandestinas. “As FP-25 aparecem numa altura, após o 25 de Novembro, em que à partida estavam todos convencidos que poderia existir um golpe de direita capaz de repor o regime fascista anterior”, contextualiza. Pensando desta forma, considera que até é fácil perceber o aparecimento do grupo terrorista, sendo que o filme “é uma forma de pensar a sociedade portuguesa pós 25 de Abril”, refere.

Loucos 80’s

Por outro lado, Ivo Ferreira afirma que “Portugal era um país cansado de uma ditadura de quase 50 anos e de uma revolução à qual se seguiu um PREC. Chegámos a uma altura em que as pessoas queriam era um micro-ondas e ter a possibilidade de fazer uma viagem ao Brasil” aponta em tom de metáfora para descanso.

Portugal estava nos anos 80 e a “contra-ritmo, numa altura em que já não havia sonhos dado o cansaço do fascismo, do PREC, de tudo”. Mais do que uma desilusão com a revolução, para Ivo Ferreira estava em causa, “sobretudo, o cansaço”. “As pessoas queriam era descanso e uma casa no Algarve”, aponta.

A década dos anos 80 também é muito cara ao realizador. “É uma época de hedonismo, que também aparece em reacção, em que as pessoas só queriam estar bem. É o fim de um processo revolucionário e o aparecimento de uma Lisboa a sair para a rua”, diz.

Com a abordagem das FP-25 Ivo Ferreira quer, acima de tudo, lançar a discussão “sobre o que são as construções de um futuro, o que são as ideologias, até onde vão e que sentido fazem”, aponta.

“Projecto Global” gira em torno de um triângulo amoroso, em que há um grupo de pessoas que não estava contente com a situação e queria mudá-la, apesar de querem fazer já fora do tempo. “É um filme que se centra numa das células da organização armada e que aborda a existência de quem optou por existir na clandestinidade envolta de não verdades de identidades, nos nomes, nas vidas”, revela.

Antes de Abril

Se o pós revolução ainda está para vir, o pré revolução de Ivo Ferreira foi um sucesso.

“Cartas de guerra” inspirou-se no livro “D’este viver aqui neste papel descripto – Cartas de guerra”, que inclui as cartas que o escritor António Lobo Antunes escreveu à primeira mulher, de 1971 a 1973, durante o tempo em que esteve em Angola, a servir o exército, na guerra colonial.

“É, sobretudo, uma história de amor e isolamento e de como um Estado pode privar mais de um décimo da população das suas vidas, contaminando um país inteiro. É uma declaração de amor e uma questão de sobrevivência”, explicou o realizador à agência Lusa quando o filme esteve em Berlim.

O cineasta referiu ainda que, apesar de se focar num tema importante da História de Portugal, como é o caso da Guerra do Ultramar, o filme não deve ser entendido como uma lição de história.

“Não é um filme didáctico, mas o facto de tratar os assuntos e tirá-los das prateleiras é positivo para gerar conversas à sua volta, que ainda é tabu. Depois do 25 de Abril, foi atirado para o caixote das histórias más. Em 1971, no período em que o filme se passa, já toda a gente tinha consciência política de que aquilo era um disparate e uma agonia”, declarou o cineasta em Berlim.

Os dias de 1974

Em contraciclo cronológico, antes de “Cartas de Guerra”, o cineasta focou-se na revolução. “Águas mil” é a segunda longa-metragem de Ivo Ferreira e foi exibido em estreia nacional a 25 de Abril de 2009 no Festival IndieLisboa.

No filme, Ivo Ferreira conta a história de Pedro, que revolve o passado à procura do pai, desaparecido quando ele era criança.

Ao volante de uma velha caravana, Pedro faz o mesmo percurso que o pai fez até Espanha, encontrando dois camaradas de Eduardo dos tempos em que faziam parte de uma organização armada, nos anos seguintes ao 25 de Abril.

Em entrevista à Lusa, Ivo Ferreira referiu que à medida que acompanha a história de Pedro, o filme procura desvendar alguns “silêncios e segredos” do período pós-revolução em Portugal.

“Essa fatia da história foi eclipsada. A Revolução dos Cravos foi uma grande festa que deu uma grande ressaca, e eu queria saber o que se construiu depois disso”, explicou o realizador.

O filme é um olhar, com “alguma mágoa, mas também com grande ternura”, para a geração que fez a revolução de Abril.

Nos filmes de Ivo Ferreira, e nestes três em particular, ressoam as histórias que não se aprendem na escola. “Sou fascinado pelos episódios que estão obscuros na nossa história”, refere ao HM. “Na escola aprendemos a segunda guerra mundial, depois passamos de uns senhores nuns tanques com cravos na boca para uma página com doze estrelas amarelas. Não estou dizer que trato de territórios novos mas interesso-me por esses assuntos que não são talvez tão explorados”. E é com este mote que se serve da sétima arte. “O cinema é uma forma de pensar e propor assuntos na mesa para que estejam disponíveis para discussão”, remata.

25 Abr 2018