Caso Ho Chio Meng | Actual procurador descarta teoria da perseguição

Ip Song Sang, actual procurador do Ministério Público, disse ontem que a sentença de prisão decretada a Ho Chio Meng foi justa e que não houve qualquer perseguição. Ip Song Sang deixou claro que a lei está a ser cumprida no que diz respeito à aquisição de bens e serviços

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] segundo grande caso de corrupção que abalou a RAEM esteve ontem em destaque no discurso do procurador do Ministério Público (MP) na abertura de mais um ano judiciário.

Declarada a pena de 21 anos de prisão a Ho Chio Meng, Ip Song Sang falou abertamente sobre o assunto, tendo referido que não houve qualquer perseguição e que a justiça funcionou.

“O facto do MP ter remetido, nos termos da lei, o auto do Tribunal de Última Instância (TUI) para o julgamento público tornou insustentável a alegação do arguido de que foi perseguido”, apontou.

Isto porque “sendo sólidos os alicerces do Estado de Direito da RAEM, os órgãos judiciários, persistindo na independência judicial, têm apurado a responsabilidade criminal dos infractores, independentemente do cargo que ocupam”.

Ip Song Sang lembrou ainda algumas críticas que foram feitas quando se soube de que crimes estava acusado o ex-procurador da RAEM, após o processo de investigação levado a cabo pelo MP.

“Da investigação até ao julgamento surgiram algumas dúvidas e desentendimentos de algumas pessoas, incluindo profissionais, sobre o número de mais de 1600 acusações deduzidas contra o arguido por parte do MP. No entanto, o MP tem insistido no respeito pelos princípios da legalidade, da objectividade e da igualdade de todos perante a lei, só deduziu a acusação contra o arguido com base nos factos apurados.”

O actual procurador do MP considerou, portanto, que o TUI “acabou por proferir uma sentença justa”, uma vez que este tribunal “confirmou a existência da maior parte dos factores constantes das acusações deduzidas pelo MP”.

Contas certinhas

No seu discurso, Ip Song Seng deu ainda explicações sobre o actual processo de aquisição de bens e serviços por parte do MP. Recorde-se que esta foi a área onde Ho Chio Meng praticou os crimes de burla qualificada, branqueamento de capitais agravado e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria.

“Foi estabelecido um mecanismo rigoroso de fiscalização interna e definidos os critérios de trabalho que devem ser seguidos pelos departamentos responsáveis pela aquisição de bens e serviços, medida essa que visa fiscalizar a legalidade e racionalidade das despesas públicas”, explicou Ip Song Sang.

Além disso, “o regime de administração financeira deste gabinete tem sido aprimorado de acordo com os requisitos exigidos nos regimes jurídicos referentes à concessão de obras públicas e à aquisição de bens e serviços”.

“Tal assegura a legalidade e a transparência do procedimento de concessão de obras e da aquisição de bens e serviços do MP”, acrescentou o procurador.

Ip Song Sang disse ainda acreditar que “depois de estabelecidos os mecanismos jurídico e institucional, o sistema de funcionamento financeiro do MP encontra-se totalmente conforme as exigências previstas na lei”.

19 Out 2017

Ano Judiciário | Funcionamento do MP normal após detenção de Ho Chio Meng, diz procurador

 

O actual procurador da RAEM garante que está tudo bem no funcionamento do órgão judicial, após a detenção de Ho Chio Meng. Já Neto Valente criticou o facto de ainda não ser conhecida a acusação

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] caso de corrupção mais mediático a seguir a Ao Man Long foi ontem citado na abertura de mais um ano judiciário. Ip Son Sang, actual procurador da RAEM, usou o discurso para dizer que a prisão do seu antecessor, Ho Chio Meng, não trouxe alterações na forma de funcionamento da justiça e do órgão judicial.

“O funcionamento do Ministério Público (MP) decorreu com normalidade no exercício das suas funções jurisdicionais. À luz da exigência do regime jurídico relativamente à aquisição de bens e serviços, e concessão de obras públicas vêm aperfeiçoando [o procurador e funcionários administrativos] o nosso sistema financeiro e de contabilidade, a fim de ver garantida a legalidade e transparência desses procedimentos dentro da nossa instituição. Estamos confiantes de que o funcionamento do sistema financeiro do MP não merece reparo de fiscalização e vigilância dos mecanismos existentes, bem como de toda a sociedade”, defendeu Ip Son Sang.

O procurador referiu que a prisão de Ho Chio Meng espelha dois lados da mesma moeda. “Esta ocorrência pode levar a que a sociedade ponha em causa o bom funcionamento do MP. Mas, se virmos noutra perspectiva, o apuramento dos factos no respectivo inquérito e subsequentes trâmites processuais revelam justamente que a RAEM concretiza escrupulosamente o princípio do primado da lei que vem consignado na Lei Básica, e cumpre firmemente as exigências da actuação em estrita conformidade com a lei e a sua execução rigorosa.”

Demorada acusação

A prisão de Ho Chio Meng aconteceu em Fevereiro deste ano, mas as razões que levaram à sua detenção ainda não são conhecidas do grande público. Só no passado dia 19 de Setembro se confirmou que já havia uma acusação formal apontada ao ex-procurador. Essa demora foi ontem criticada por Jorge Neto Valente à saída da cerimónia de abertura do ano judiciário.

“Até agora ainda não foram tornados públicos os motivos pelos quais o ex-procurador foi detido, num processo que começou há longos meses. Isso também é triste para mim, o facto de constatar [a demora] de um processo, da detenção de um altíssimo responsável da estrutura da RAEM. Diziam que já tinham as provas todas e, afinal, fica detido longos meses e só ao fim de muitos meses é que sabe do que é acusado. Não é só o caso dele – é apenas mais mediático. Há muitas pessoas que são detidas com o anúncio de que já estão reunidas todas as provas e depois passam longos meses presas à espera que seja deduzida acusação”, rematou.

Neto Valente disse ainda concordar com Ip Son Sang em relação ao facto da prisão de Ho Chio Meng ter duas leituras diferentes. “Há duas faces nesta moeda. A primeira é que, afinal, as instituições funcionam, e até os ricos e poderosos podem ser presos. Mas quando se detém um funcionário de um alto cargo isso também significa que afinal o sistema não é grande coisa, porque permite a essas pessoas que alcancem grandes lugares. Ainda para mais houve indicações de que ele iria concorrer ao cargo de Chefe do Executivo”, lembrou o presidente da Associação dos Advogados de Macau.

 

Melhorias no MP em 2017

Ip Son Sang garantiu ainda no seu discurso que o funcionamento do Ministério Público vai passar por melhorias. “Levando em consideração a tomada de posse de novos magistrados, a concretização da actualização do sistema de gestão de processos do MP, o suprimento adequado de mais oficiais de justiça e o arranque de obras do edifício provisório, tudo a ter lugar no próximo ano, há razões para crer que no MP ocorrerá, gradualmente, uma melhoria no ambiente de trabalho.”

 

Presidente do TUI alerta para aumento dos processos ligados ao jogo

Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), confirmou ontem uma tendência de aumento de processos judiciais ligados ao jogo e à “imigração clandestina”. “O número de processos relativos ao jogo ilícito e ao sequestro fixou-se em 697, mais 193 processos e um acréscimo de 38,29 por cento face ao ano judiciário antecedente. Ocorreram ainda vários casos em que o sequestro resultou na morte do sequestrado, o que merece a nossa especial atenção, e indicia que os conflitos ou crimes relativos à dívida de jogo já se projectaram para fora do casino. Se não forem reprimidos oportunamente, trarão certas influências negativas para o jogo, a indústria pilar de Macau”, apontou. Além disso, Sam Hou Fai alertou para uma “subida surpreendente do número de processos cíveis laborais e de processos contravencionais laborais”, algo que “deve despertar a nossa atenção”.

20 Out 2016

Justiça | Advogados concordam com Ip Son Sang sobre penas pesadas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] novo Procurador do Ministério Público (MP), Ip Son Sang, abriu o presente ano judiciário com um discurso que abre os horizontes sobre a aplicação de penas pesadas. E há quem concorde com ele.
“A aplicação de penas pesadas não resolve o problema da insegurança e do crime”, disse. Ip Son Sang não se fica por aqui: o Procurador considera que há que encontrar “equilíbrio entre o combate à criminalidade e a protecção dos direitos humanos”.
A que crimes se referia, não se sabe, mas a situação traz à tona críticas tecidas por vários deputados e associações locais, que pedem penas mais pesadas, principalmente em casos relacionados com droga. Exemplo disso é a opinião da Associação das Mulheres e do Grupo de Trabalho Especializado para a Revisão da Lei de Combate à Droga. Contudo, os advogados de Macau parecem assinar por baixo das declarações de Ip.
Contactado pelo HM, o advogado João Miguel Barros lembra que Ip Son Sang não se referiu a um crime específico, mas reconhece que há mudanças que podiam ser feitas. “Depende de caso para caso e do tipo de crime”, sublinha.
No entanto, está ao lado de Ana Fonseca quando se fala em consumo de droga. João Miguel Barros é peremptório: há crimes que não justificam penas pesadas de prisão, como consumo de estupefacientes ou crimes económicos. A título de exemplo traz a lume um caso por si defendido ainda durante a Administração portuguesa.
“O juiz português [à frente do caso] percebeu o enquadramento em que o problema se colocava (…) O jovem tinha sido apanhado com várias dezenas de gramas de marijuana e com a lei de Macau isso implicaria vários anos de prisão, mas o juiz deu uma sentença de censura muito grande ao consumo, mas em pena suspensa com proibição de entrar em casas de jogos e obrigação de estudar ou trabalhar”, contou o advogado. Foi graças a esta decisão, explica, que o então jovem “teve oportunidade de começar a trabalhar, constituir família e tem tido uma vida completamente limpa”.
Este é, para João Miguel Barros, um bom exemplo de como se pode punir alguém por um crime, sem estragar uma vida. “Não é colocando o consumidor [de droga] na prisão que se vai resolver o problema”.

Maturidade e bom senso

“Tudo tem que ver com a forma como a sociedade olha para os problemas”, acrescentou João Miguel Barros. Em declarações ao HM, fala da necessidade de contextualizar os tipos de crime e julgá-los tendo em conta outras variantes. “Se pensarmos que uma pessoa que comete um crime tem que ficar encarcerada a vida toda, sem sequer ter a oportunidade de reinserção social, a sociedade de Macau é um bom exemplo disso”, considera.
Barros considera que o problema das penas pesadas está relacionado com a própria estrutura social de Macau e alerta para a falta de políticas de reinserção social que possam suportar um sistema judicial diferente.
Para Ana Fonseca, o problema reside no factor das penas mínimas serem logo “muito altas”, acreditando a advogada que a moldura penal devia sofrer uma reestruturação.
“O mínimo e o máximo [de penas previstas na lei] deviam ser alargados. O mínimo está logo muito alto e o juiz não tem liberdade nenhuma”, disse ao HM. O que o Procurador fez no seu discurso foi, para Ana Fonseca, apelar “ao bom senso dos juízes” por ser um profissional “experiente e com maturidade”.
Já Mário Paz é claro: “qualquer pessoa inteligente concordaria com essa afirmação [do Procurador]”. Antes de mais, congratulou Ip pela coragem de, “num contexto em que se erguem vozes a pugnar pelo aumento das penas”, ser capaz de “dizer não” à implementação desta medida. O advogado preferiu não comentar sobre que crimes considera que devia ter penas menos acrescidas, pois diz ser “um assunto muito controverso”.

Duras críticas

Questionado sobre o actual sistema judicial, Ana Fonseca alerta para uma série de problemas.
“(…) Invertem-se alguns dos princípios fundamentais do Direito Penal, onde em vez de haver presunção de inocência, há presunção de culpabilidade e tem que ser o próprio incriminado a provar que é inocente”, critica a jurista.
Também para Ana Fonseca o pensamento e cultura locais pesam naquilo que é decidido nos tribunais. Tem-se assistido, para a advogada, a “um movimento social de tentar criminalizar tudo”. A jurista ilustra também com o caso de crimes relacionados com a droga, nomeadamente consumo.
“Agora já estamos muito melhor, porque antes os juízes eram obrigados a aplicar oito anos”, afirma. No entanto, acredita que há ainda muito a fazer nesta matéria, justamente apelando ao alargamento da moldura penal. Tal daria mais opções aos juízes.
Questionado sobre os problemas na base desta tendência, João Miguel Barros fala de uma visão “muito limitada” da sociedade e da forma “preguiçosa” que os juízes têm de aplicar a lei. “Devia ser repensado este mecanismo de censura social”, declarou.

Burla para pesar mais

Os advogados contactados pelo HM consideram que também os crimes económicos têm, regra geral, penas demasiado pesadas. “Claro que temos que pensar nisto nas suas diversas escalas, mas na área do crime económico vejo que se devia ponderar outro tipo de situações, porque não é a prisão pura e dura que resolve”, considera João Miguel Barros.
O jurista fala da hipótese de decretar o pagamento obrigatório de uma coima, por exemplo. Ana Fonseca insiste num maior respeito pelos princípios fundamentais do Direito, sem margem para manipulação do Direito Penal. “Às vezes até pode tratar-se de um crime menor, mas põem-se logo a julgar como burla para dar uma pena maior”, ilustrou.

16 Out 2015