Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasVladimir Maiakovski Seria então cometer duplo suicídio colectivo se neste instante – Hora do Mundo – deixássemos de lembrar o que define a qualidade dos povos, os poetas que lhes nascem. Este é um Vladimir para a eternidade (se a houver) e alguém de uma exasperante beleza. Nasceu na Geórgia, como Estaline, parecendo-nos duro, grave e cheio de magia- é Maiakovski- o agente da transformação poética do século XX; revolucionário, futurista, coração gigante e tudo o mais que o melhor englobou; é o rosto de um século espectacularmente fecundo, logo a abrir num arrebatamento que transfiguraria para sempre as sociedades, essas imponderáveis organizações que podem capitular repetidamente o seu pior, esquecendo o quanto de bom lhes assiste. O Futurismo russo separa-se do italiano por vertentes bem mais refinadas e labirínticas, pois que nele o fascismo não entrou, como foi o caso do primeiro, e foi todo ele feito numa utópica capacidade de mudança sem mencionar os dotes tecnológicos de impactante frieza logo a abrir e, por isso, o grito Maiakovski ” exigimos respeito pelo direito dos poetas (…) a uma raiva irreprimível existente antes deles; a arrancar com horror da fronte orgulhosa a Coroa, feita por vós duma vassoura de ramos e duma glória de dois patacos”, estando destruídas as conveniências de qualquer composição idólatra face aos regimes que sobre eles e pelas suas lutas avançariam. Escandaloso! E pode ser a expressão exacta para definir tal comportamento em rota de colisão com a floresta de dogmas e tradições paradas mas, no caso do nosso Vladimir, tudo se tornaria bem mais exigente findo o arrebatamento deste primeiro embate. E ei-lo avançando com o rigor poético de sentido de missão, levando esta experiência da sua escrita a patamares de comoção e qualidade, quase insuperáveis. Tem a alma do Império Russo estampado na fronte, este ser que ajudará a quebrar uma primeira etapa de um ângulo que nos parece lendário, e todos os regimes serão nesta perspectiva tão necessários quanto medonhos, disso temos experiências e certezas e, via Molotov, ver-se-ia pressionado por todo um dirigismo em matéria literária saído paradoxalmente da utopia que na sua paixão ajudara a edificar. Não irá permitir que o domem, ser preso uma vez mais e suicida-se. A construção do Homem Novo sofre revezes que os sonhadores desconhecem. Transbordamos de manifestações políticas e pode ser este o momento da manifesta noção exacta da nossa pequenez, do nosso transtorno, do nosso atavismo, mas também isso nada quererá dizer face a monumentos como o poeta Maiakovski, que os povos devem ser lembrados e julgados pela qualidade dos poetas que lhes nascem e nada mais. Reflectir o que nos trouxe a Hora amarga e não sublevar as conspiratórias doutrinas de uns e de outros, dado que as coisas grandes como bem disse Holderlin “os poetas o fundam”. Se os lêssemos, as guerras não seriam possíveis. Se com eles nos familiarizássemos, as agruras dos dizeres acabariam por ser esquecidas, mas o tempo ímpio devolve uma natureza imprópria para a paz. Que a guerra, pode ser feia, mas mais terrível é o nosso estranho estado de párias de uma dimensão desconhecida. Um dia, quem sabe, ela, que também gostava de bichos, apareça numa alameda do zôo, sorridente. Ela é tão bela, que por certo, hão-de ressuscitá-la. Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas, […] Ressuscita-me, nem que seja só porque te esperava como um poeta