Hoje Macau SociedadeDSAL | Seis infracções detectadas em estaleiros Uma campanha de fiscalização à segurança no trabalho promovida pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) resultou na identificação de seis infracções, de acordo com um comunicado publicado ontem. A campanha foi realizada entre 17 e 28 de Outubro e o pessoal da DSAL foi enviado para fazer vistorias em 498 estaleiros de construção civil e locais de obras. As infracções detectadas estavam relacionadas com “deficiência nas medidas de protecção para o trabalho em altura” e “a insegurança no uso da electricidade”, além de outras razões que não especificadas. Das acções de fiscalização resultaram igualmente, indicou a DSAL, “42 sugestões de aperfeiçoamento”. No comunicado publicado ontem, a DSAL considerou também que a “realização contínua de vistorias de inspecção do trabalho” levou a uma diminuição “dos conflitos laborais”. Entre Janeiro e Outubro foram assim realizadas 145 vistorias aos 67 estaleiros de construção civil existentes em Macau. A DSAL indicou que os problemas laborais emergentes “foram acompanhado de imediato”. Porém, apesar de ter defendido as inspecções têm combatido os problemas, não indicou qualquer dado oficial para sustentar estas afirmações. Também nos primeiros dez meses do ano foram realizadas acções de promoção e formação jurídica em 230 estabelecimentos comerciais para divulgação da legislação laboral.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeLai Chi Vun | Maioria das opiniões na consulta pública quer estaleiros classificados O relatório sobre a consulta pública relativa ao procedimento de classificação dos estaleiros navais de Lai Chi Vun mostra que mais de 80 por cento das opiniões recolhidas são a favor da protecção daquela área. Há ainda quem se queixe da ambiguidade das questões e da má redacção do documento de consulta capaz de induzir em erro [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de 80 por cento das opiniões recolhidas em consulta pública mostraram-se a favor da classificação dos estaleiros de Lai Chi Vun. O número consta do relatório divulgado no passado sábado pelo Instituto cultural. (IC). “Após a análise das opiniões recolhidas, há 90 por cento que concorda com a valorização dos Estaleiros de Lai Chi Vun, em que 82 por cento concorda que devem ser classificados”, lê-se no documento. Durante a auscultação pública, que decorreu entre Janeiro e Março foram recebidos um total de 308 formulários de recolha de opinião, aos quais acresceram 163 nas três sessões realizadas. De acordo com o IC, “esta consulta pública reflecte a preocupação do público quanto ao restauro e revitalização dos estaleiros navais de Lai Chi Vun, incluindo formas de preservação dos estaleiros, as técnicas de restauro a utilizar, a segurança estrutural dos estaleiros e a sua utilização, o modo como serão realizados os trabalhos de revitalização e planeamento para preservação das características e do valor dos estaleiros, como será preservado o modo de vida dos residentes da zona de Lai Chi Vun e o rumo de planos futuros, entre outros aspectos”. Entendimento duvidoso No relatório divulgado pelo IC há também referência a alguma incompreensão do documento de consulta. “Coisas totalmente diferentes e até opostas numa mesma pergunta”, “concordo sobretudo que se escreva em português legível e entendível, o que não é o caso. Documento pessimamente redigido não se percebendo claramente sequer qual é a resposta” e ”consulta de opiniões bastante mal redigida/traduzida. Perguntas cuja resposta pode suscitar uma interpretação dúbia e incoerente”, são algumas das opiniões manifestadas por quem participou no processo. A consulta pública integra o procedimento de classificação dos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun que teve início a 15 de Dezembro do ano passado e que terá de ser concluido num prazo máximo de um ano, sendo que só após a sua conclusão é que poderá tirar uma conclusão sobre a classificação ou não daquela área. Conselho contra No início deste mês, o Conselho do Património Cultural de Macau voltou atrás e manifestou-se contra a classificação dos estaleiros navais de Lai Chi Vun, numa reunião que decorreu à porta fechada. Participaram na referida reunião 17 membros, dos quais 14 se mostraram contra o avanço da classificação dos estaleiros como património cultural e apenas três se pronunciaram a favor. As razões apontadas pelo Conselho prenderam-se com aspectos ligados a despesas financeiras e limitações no que respeita às obras a efectuar. Para o conselho, a reconstrução conforme o projecto original, “sai muito caro ao Governo”, disse na altura a presidente do IC, Mok Ian Ian. Aos gastos elevados junta-se a possibilidade de modificar as estruturas no processo de reconstrução. “Alguns membros consideram que se pode fazer um processo e revitalização e de reconstrução sem os limites impostos pela classificação, que é legislada pela Lei da Salvaguarda do Património”, apontou Mok. Em Abril do ano passado, o mesmo conselho mostrou-se a favor da classificação. Porém, todos os membros concordam que a zona dos estaleiros precisa de ser objecto de revitalização “de modo a concretizar o valor da paisagem e da história da construção naval em Macau, sendo que o objectivo é ainda obter um maior benefício para a população”, acrescentou Mok Ian Ian.
Victor Ng PolíticaTrabalho | Ng Kuok Cheong exige menos TNR nos estaleiros [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado pró-democrata Ng Kuok Cheong pede ao Governo que limite o número de TNR a trabalhar no sector da construção civil. De acordo com a interpelação escrita que o tribuno dirigiu ao Executivo, segundo as estatísticas no primeiro trimestre do corrente ano registou-se uma redução de 9 por cento no salário real dos trabalhadores locais da construção em relação ao período homólogo do ano anterior. Para Ng Kuok Cheong, ao longo dos anos o emprego dos trabalhadores locais no sector da construção tem sido afectado pelas contratações de não residentes, nomeadamente no reflexo verificado ao nível de salários. Com o fim de algumas das grandes obras do território e de forma a proteger os trabalhadores locais, o deputado pede que o Governo diminua o número dos TNR nos estaleiros.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaLAG 2018 | Estaleiros de Coloane não vão ser substituídos por prédios de luxo De acordo com o deputado Sulu Sou, correm boatos de que a zona dos estaleiros de Lai Chi Vun está destinada à construção e edifícios de luxo. O Governo garante que não e que os estaleiros vão ser protegidos. A compra por parte do Executivo de edifícios classificados para preservação é também uma hipótese a ponderar de modo a garantir a protecção do património [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] zona dos estaleiros de Lai Chi Vun não vai ser substituída por prédios de luxo. A garantia foi dada pelo secretário para os assuntos sociais e cultura, no segundo dia de debate das Linhas de Acção Governativa (LAG) da sua tutela. A informação foi dada em resposta à questão do deputado pró-democrata, Sulu Sou, que interrogava o Governo acerca do incumprimento dos regulamentos relativos à altura dos edifícios da zona histórica de Macau, e concretamente, ao destino da zona dos antigos estaleiros do território situada em Coloane. “Os regulamentos de altura dos prédios não estão a ser cumpridos” começou por dizer Sou. “Quanto a Lai Chi Vun, já foram demolidos dois dos estaleiros daquela zona e correm rumores que, com a destruição causada pela passagem do tufão Hato, os que restam possam vir a dar lugar a prédios de luxo”, referiu o deputado. Alexis Tam colocou completamente de parte esta possibilidade. “Temos limites de altura, cumprimos essas legislações e regulamentos. Por isso, estejam descansados. Quanto ao planeamento de Lai Chi Vun, disse que ouviu que iria ser demolido para a construção de um arranha-céus. Eu não concordo com isso, pelo que esteja descansado também”, sublinhou. Com a passagem do Hato por Macau, ficou destruído mais um dos estaleiros de Lai Chi Vun, mas o objectivo do Governo é o mesmo. Está a decorrer o processo de classificação de Lai Chi Vun e o Executivo vai “reconstruir a estrutura demolida e os outros nove que ainda se mantêm vão ser reforçados”. A conservação e renovação do património estiveram na ordem do dia no debate das LAG de sexta-feira. Comprar para cuidar Também Mak Soi Kun se mostrou preocupado com a capacidade do Governo em ajudar na reconstrução de edifícios classificados, nomeadamente quando se trata de privados. “Como é que salvaguardamos os edifícios de valor histórico e que pertencem a privados? O Governo vai adquirir os imóveis?”, perguntou o deputado. O secretário fez notar que a tutela tem feito investimentos nesse sentido e deu exemplos: “Já estamos a gastar erário público nisso. Na Rua da Palha, por exemplo, com a farmácia Sun Yat Sen. Depois da classificação, adquirimos o edifício para fazer a revitalização e podemos fazer a mesma coisa em situações idênticas e adquirir os imóveis”, esclareceu. Por outro lado, Alexis Tam já reuniu, também na semana passada, com o ministro da cultura chinês num encontro em que foi assinado um acordo com a administração do património na China que diz respeito a acções de formação sobre salvaguarda de património. Relativamente à falta de quadros no território neste sector, Tam admite que há necessidade de formar mais quadros “além destes 24 voluntários em que 12 se dedicam a recuperação de monumentos”. A ideia é ainda sensibilizar a população em geral e dotá-la de conhecimentos práticos no que respeita à preservação ao património. “Temos também de sensibilizar a população acerca desta salvaguarda do património em várias áreas como a caligrafia, pinturas, mobília, etc. Os idosos e outros cidadãos também podem estar interessados em frequentar estes cursos”, frisou Alexis Tam.
Hoje Macau SociedadeDSAL | Estaleiros fechados até terem condições de segurança [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estaleiros responsáveis pela construção do novo edifício do Ministério Público e do Grand Lisboa Palace estão paralisados. A ordem veio da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) após as três mortes por acidente de trabalho que ocorreram, no mês passado, nestes locais. “Acredito que as obras suspensas serão o melhor castigo que as entidades em causa podem ter” , disse o subdirector da DSAL, Chan Un Tong, ao Jornal do Cidadão. Chan sublinhou ainda que os acidentes registados não são devido a negligência por parte do Executivo, visto que, considera, o Governo tem executados as devidas inspeções. No entanto, não deixa de admitir que há margem para melhorias. “O Governo tem inspeccionado e caso haja espaço para melhoras, assim o fará”, disse. O responsável explicou ainda que antes da retoma dos trabalhos, os estaleiros vão ter de garantir que têm as condições de segurança previstas legalmente, sendo que, após as modificações que fizerem, serão alvo de um fiscalização por parte do Executivo. O objetivo, afirmou Chan, é a garantia de que os estaleiros têm condições de segurança. Relativamente ao estaleiro que tem a seu cargo a construção do edifício do Ministério Público, o subdirector da DSAL referiu que o processo, além de estar a ser tratado pela DSAL, está em análise em vários de paratamentos públicos.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeLai Chi Vun | IC vai classificar estaleiros. Demolição fica suspensa O Instituto Cultural vai iniciar no próximo mês o processo de classificação dos estaleiros, para que sejam considerados património. Esse trabalho deverá demorar cerca de um ano a ser concluído, sendo que as demolições ficam, para já, suspensas [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi necessária a demolição de dois estaleiros na povoação de Lai Chi Vun, em Coloane, bem como a apresentação de uma petição por parte de associações locais, para o Governo dar ouvidos às vozes críticas. O presidente do Instituto Cultural (IC), Leung Hio Ming, anunciou ontem o que muitos desejavam: o Executivo vai mesmo proteger os estaleiros e classificá-los como património. “Na semana passada, fizemos estudos e análises sobre os estaleiros. O IC está a preparar a abertura do procedimento de classificação desta área, que será feita de acordo com a lei de salvaguarda do património cultural”, adiantou. O processo de classificação deverá demorar um ano a ser concretizado e arranca já no próximo mês. Será necessário cumprir várias fases, que incluem a informação aos interessados e concessionários dos estaleiros, sem esquecer a organização de sessões de esclarecimento e recolha de opiniões. A decisão de classificação dos estaleiros trava, assim, a continuação das demolições em Lai Chi Vun. “No período de abertura do procedimento de classificação, nenhuma obra pode ser realizada. Estamos a preparar a abertura de classificação de toda a área dos estaleiros e, neste momento, não podem ser feitas quaisquer demolições”, explicou Leung Hio Ming. Museus e outras histórias O presidente do IC disse ainda em conferência de imprensa de que a posição do organismo não mudou em relação a um parecer emitido em 2012. Desde então, e até às primeiras demolições decretadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA), em conjunto com a Direcção dos Serviços para os Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, houve apenas silêncio. “Em 2012, já tínhamos dado a nossa opinião e não mudámos [de posição]. Queríamos manter o padrão da povoação e mostrar a história da construção naval. O tempo passou e vamos agora ver como será feita a avaliação.” Leung Hio Ming assegura que “o Governo é apenas um e o secretário Alexis Tam comunica bastante com Raimundo do Rosário”. “Acho que todos concordam com a abertura da classificação, este é um acto positivo”, disse ainda. Questionado sobre se os projectos privados para a requalificação de Lai Chi Vun vão ser tidos em conta pelo Governo, Leung Hio Ming referiu apenas que “o plano não está só relacionado com o IC”. “Quando fizermos o estudo desse planeamento pensamos construir um museu para mostrar a arte da construção naval. Estamos a falar de uma zona localizada junto da montanha e queremos que o público aproveite esse espaço”, concluiu. Recorde-se que a DSAMA, nas várias informações que foi divulgando sobre a matéria, insistiu na questão da segurança para justificar a demolição dos estaleiros, alegando que constituem um perigo para quem vive nas imediações. CCAC | IC abre investigação interna após relatório O presidente do IC explicou ontem que o último relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) “foi um choque grande”, estando a ser levada a cabo uma investigação interna sobre alguns pontos mencionados no documento. “Estamos a fazer reuniões sobre a situação. Até 2016 tínhamos mais de 90 trabalhadores em regime de contrato de aquisição de serviços e vamos estudar a forma do IC trabalhar com poucas pessoas”, disse. “Vamos fazer uma apresentação dos rendimentos dos trabalhadores no IC e vamos investigar os trabalhadores que conseguiram chegar ao concurso de acesso do IC. O principal problema apontado no relatório é o recrutamento ilegal feito no âmbito do regime de aquisição de serviços, e vamos ver como podemos resolver este problema.” Fica a promessa da elaboração de um relatório a apresentar no prazo de 30 dias ao secretário da tutela, por exigência de Alexis Tam. Novo Macau pede mais pressão social Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, esteve ontem à porta das instalações do IC com cartazes a apelar à preservação de Lai Chi Vun. Ao HM, o activista mostrou-se satisfeito com a decisão anunciada, mas pediu mais pressão para que os membros do Conselho do Património Cultural aceitem a classificação dos estaleiros. “Queremos que a sociedade se mobilize e pressione os membros do conselho, para que não desistam do processo tão facilmente.” Scott Chiang não entende a falta de acções desde 2012, ano em que o IC já defendia a preservação dos estaleiros. “É um alívio que finalmente tenham iniciado este procedimento. Contudo, esta decisão já vem tarde, porque já foram demolidos dois estaleiros. Quais as razões para que tenham demorado tanto tempo a fazer esta preservação?”, questionou. David Marques, porta-voz dos moradores de Lai Chi Vun, também esteve presente. “Houve verdadeiramente uma pressão social que resultou nesta decisão. Quando ficar garantida a segurança e tudo estiver acertado, é um grande passo para a preservação dos estaleiros, desde que se mantenha o lado tradicional da povoação”, disse ao HM. David Marques entregou ontem no IC uma proposta para que artistas tenham permissão para fazer espectáculos na povoação.
Sofia Margarida Mota SociedadeLai Chi Vun | Residentes exigem classificação dos estaleiros [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão 670 as assinaturas que constam da petição entregue ontem junto do Instituto Cultural (IC) contra a demolição dos estaleiros de Lai Chi Vun, em Coloane. A iniciativa, organizada por um grupo de residentes, tem como objectivo “a suspensão da demolição de estaleiros e iniciar, desde já, o seu processo de classificação de bens imóveis”. De acordo com Tam Chon Ip, representante do grupo, Lai Chi Vun reúne características particulares que exigem a classificação dos estaleiros. O responsável exemplifica com “o estilo próprio da arquitectura que, segundo especialistas, tem um grande valor artístico, e a integração dos espaços enquanto parte importante da ecologia de Coloane”. Tam Chon Ip espera que o Executivo interrompa o processo de demolição que se encontra em curso e que proteja os estaleiros dando, de imediato, início ao processo de avaliação das estruturas como património cultural imóvel. “A recolha de assinaturas teve início antes de serem iniciadas as demolições e pedimos que o IC pare já [com o processo] e que proceda a um planeamento claro para Lai Chi Vun”, diz. O responsável aponta ainda que a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) foi negligente nas suas responsabilidades, sendo que deveria ter tido em consideração o estudo e a protecção do património marítimo. Leong Kam Hon, representante dos moradores de Coloane, manifesta-se preocupado com o destino daquela povoação. “Já vivo aqui há meio século, testemunhei o desenvolvimento desta área e agora estou a assistir à sua queda e destruição”, afirmou. Resposta Em resposta à petição, o IC afirma que “irá analisar os materiais relevantes e irá seguir rigidamente os termos da Lei de Salvaguarda do Património Cultural”, lê-se num comunicado emitido. O Instituto salienta que “levará a cabo uma rigorosa avaliação e uma análise das informações recebidas”. Para o efeito, o IC aponta que vai continuar a “recolher dados e a executar o trabalho de mapeamento ambiental na área dos estaleiros de Lai Chi Vun”. A demolição dos estaleiros na zona de Coloane teve início no passado dia 8. Tem sido alvo de vários protestos e manifestações por parte de residentes que não concordam com a intervenção.
Hoje Macau Manchete SociedadeLai Chi Vun | Demolição dos estaleiros origina protesto junto do Instituto Cultural Duas associações protestaram ontem junto ao Instituto Cultural para exigir que o Governo avalie os estaleiros de Lai Chi Vun do ponto de vista histórico e para que mantenha as estruturas que ainda não foram abaixo. É ainda exigida a intervenção do CCAC [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de uma semana depois da demolição de dois estaleiros em Lai Chi Vun, duas associações resolveram adoptar outro método de contestação e resolveram protestar junto das instalações do Instituto Cultural (IC). Na praça do Tap Seac estiveram representadas a Nova Associação dos Trabalhadores da Indústria de Jogo de Macau, presidida por Cheng Lok Sun, e a Associação Sonho Macau. O ambientalista Joe Chan também se juntou à iniciativa. O objectivo do protesto foi solicitar às autoridades a preservação dos estaleiros de Lai Chi Vun, tendo sido pedido que comecem os trabalhos de avaliação do local como património cultural imóvel. Foi ainda exigido que os responsáveis do Governo divulguem o resultado da avaliação e o futuro planeamento dos estaleiros. Em comunicado, as associações apontam que os estaleiros de Lai Chi Vun são um sinal de que existiu em Macau uma indústria naval, devendo, por essa razão, ser considerado património. Os responsáveis lembram ainda que a concepção dos estaleiros nunca foi feita por arquitectos profissionais, por isso são peças únicas em Macau e possuem um valor importante. Há uma saída Para Cheng Lok Sun, existem alternativas para os estaleiros que não passam pela sua demolição, discordando da opção do Executivo. A recuperação pode ser feita com recurso à tecnologia existente, acredita. Citando a Lei de Salvaguarda do Património Cultural, o presidente da associação defende que o IC deve ser responsável pelo processo de Lai Chi Vun, pois cabe a esta entidade olhar para os lugares com maior necessidade de preservação. No entanto, o responsável pela Nova Associação dos Trabalhadores da Indústria de Jogo de Macau critica o facto de o IC ter permitido que a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes tenha começado a demolir o que resta dos antigos estaleiros. “As autoridades deveriam ter iniciado o processo de avaliação há muito tempo. Se isso tivesse acontecido, os estaleiros não teriam sido demolidos”, apontou. CCAC para que te quero Cheng Lok Sun defende ainda que o Comissariado Contra a Corrupção deve iniciar uma investigação sobre o caso. “Criticamos o Governo por causa dos actos de corrupção e benefícios que possam ocorrer no caso de Lai Chi Vun e, por isso, achamos que o processo deve ser investigado.” O presidente da associação espera ainda que haja mais deputados que possam representar as vozes dos cidadãos nas próximas eleições, o que poderia contribuir para uma preservação da povoação e dos estaleiros. Mais de 130 dizem não Ia ontem com 134 assinaturas a petição “Não à Demolição dos Estaleiros de Lai Chi Vun”, uma iniciativa que está a decorrer através de uma plataforma online que pretende travar a destruição das estruturas em Coloane. Os mentores do abaixo-assinado defendem que os estaleiros “representam a memória de uma indústria naval que em Macau teve grande importância, sobretudo numa época em que o território dependia quase exclusivamente das vias marítimas”. Este conjunto construído “constitui uma forma de património arquitectónico que, sendo construído pelos próprios carpinteiros, valida uma identidade cultural própria”, refere-se ainda. Os subscritores propõem a manutenção das estruturas de madeira dos estaleiros e a sua recuperação para instalação de actividades ligadas à cultura, de áreas museológicas a artesanato, passando por ateliers artístico-pedagógicos e zonas lúdicas.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemLai Chi Vun | Os projectos e as ideias antes das demolições Muito antes de o Governo decidir deitar abaixo os estaleiros, a povoação de Lai Chi Vun foi alvo de vários projectos vindos do sector privado. A muitos deles, o Governo nunca deu uma resposta, chegando a rejeitar outros. O HM revela três projectos propostos por dois amantes da indústria naval, sem esquecer as ideias de estudantes de Arquitectura [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]ouve uma altura em que se pensou além do vazio virado para o mar. Sobre Lai Chi Vun já muito se criou antes de se decretar a demolição dos velhos estaleiros. Alunos de Arquitectura e amantes de barcos feitos com madeira dedicaram tempo pessoal a estudar e a apresentar sugestões para revitalizar a povoação. Muitas propostas foram entregues ao Governo, explicadas ao detalhe, ou então foram discutidas em debates públicos nos quais membros do Executivo estiveram presentes. Para Lai Chi Vun pensaram-se edifícios multiusos, ligações ao Cotai ou ao campus da Universidade de Macau, museus, um parque temático ligado à indústria naval, pequenas moradias. Muitos destes projectos acabaram por ficar na gaveta, pendentes, à espera de uma resposta que nunca chegou. Noutros casos, houve recusas. Um dos projectos partiu de Henrique Silva. O seu amor pelos barcos levou-o a preparar um projecto conceptual em parceria com uma empresa que se dedica à construção de empreendimentos navais virados para o turismo. A proposta foi apresentada ao Governo no ano passado. “Este projecto contemplava a existência de oficinas, que é uma coisa que não existe em Macau para quem precisa de manutenção de barcos, um museu e um clube para iates. E ainda uma escola de vela”, explicou ao HM. Além disso, “na zona onde ficaria a marina colocar-se-iam vivendas”, para dar uma oportunidade de investimento ao sector imobiliário. “Criava-se ali uma zona privilegiada, porque o turista que chega de barco não é propriamente uma pessoa pobre, e ficaria ainda com acesso privilegiado ao Cotai. Todos ganhavam, porque o projecto também ajudaria a desenvolver a economia tradicional de Coloane, sem ter de a destruir. Desenvolvia-se um núcleo diferente, com outro tipo de animações”, apontou Henrique Silva. A ideia era, assim, criar um complexo náutico “de nível internacional”, uma vez que a Doca de Lam Mau, localizada na zona do Fai Chi Kei, é de mais difícil e longínquo acesso. “Mantinha-se a memória do espaço e depois poderiam ser incorporados mais pormenores”, disse ainda. Parque temático à beira-mar Tam Chon Ip estudou arqueologia, é freelancer e um apaixonado pela cultura de um território que o viu nascer. Também ele teve ideias que gostaria de ver implementadas em Lai Chi Vun. A abertura de uma espécie de parque temático foi uma delas. “O nosso plano visava a preservação dos estaleiros para serem mostrados ao público, com a implementação de uma zona de teatro, um espaço público e outro tipo de infra-estruturas. Teríamos elementos não comerciais, com a conservação da arte e cultura. A parte mais importante seria um parque temático com workshops sobre a construção de barcos. Os participantes poderiam vivenciar a experiência da cultura tradicional de Macau”, resumiu ao HM. Um dos pontos centrais do projecto seria o estaleiro Liuhe, onde foi construída a Lorcha Macau. “Sempre pensei que indústria de construção de barcos se poderia transformar em algo cultural e criativo, em que o lado tradicional e inovador poderiam combinar. É possível optimizar a povoação para os turistas, moradores e residentes. A própria povoação de Lai Chi Vun é um museu ao ar livre.” Apesar do esforço, Tam Chon Ip acabou por ver algumas das suas ideias recusadas, ao nível de pedido para financiamento. “Temos vindo a promover o projecto e também nos candidatámos a vários apoios, mas alguns projectos não foram aceites, o que criou dificuldades.” Este amante da história e da cultura chegou a promover uma pequena exposição sobre os estaleiros em Lai Chi Vun, “mas não houve qualquer novidade depois da visita das autoridades”. Ligação a Hengqin Em 2013, a povoação de Lai Chi Vun obteve projecção internacional ao ter sido alvo de um projecto desenvolvido por alunos de Arquitectura do Instituto Politécnico de Milão, no âmbito do Prémio Compasso Volante. José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), presidiu ao júri, que contou também com a presença do arquitecto Carlos Marreiros. “Foi feito um concurso aberto a estudantes de pós-graduação de várias universidades, nomeadamente o Politécnico de Milão, a Universidade de Palermo, uma universidade de Singapura e outra do Japão. Nesse concurso os alunos vieram a Macau, estiveram alguns dias cá e fizeram vários levantamentos sobre a zona de Lai Chi Vun e a história de Macau”, contextualizou. Os estudantes foram orientados pelos professores, fizeram os projectos e apresentaram-nos primeiro em Palermo, e depois em Milão. “Foi uma oportunidade para expor questões importantes do ponto de vista de reabilitação urbana, e procurar soluções arquitectónicas para problemas que existiam e continuam a existir na cidade”, indicou José Luís Sales Marques. O presidente do IEEM recorda que foram apresentadas “várias soluções”, incluindo a possibilidade de construir uma ligação entre Lai Chi Vun e a Ilha da Montanha, no pedaço de terreno onde funciona o campus da Universidade de Macau. “Foi um exercício muito válido e interessante, que envolveu muita gente, uma comunidade internacional bem informada. Os trabalhos estão bem fundamentados, há pormenores, e descrição do ambiente e do local. As soluções apresentadas eram destinadas sobretudo ao lazer, que é muito aquilo que o Governo pretende para aquela zona.” A importância das técnicas Numa entrevista concedida o ano passado ao HM, Carlos Marreiros revelou alguns detalhes sobre as propostas que o Governo viu, mas sobre as quais nunca reagiu. Foi pensada “a construção de residências de luxo, com apenas três andares, integradas na colina”, sem esquecer a edificação de “uma pequena marina e um museu, incluindo uma super cobertura integrada com a actual estrutura dos estaleiros. A iniciativa privada fazia as suas contas, o Governo adquiria isto e geria-o”. À data, Marreiros confessou que sobre Lai Chi Vun não havia nada de concreto. “Fizemos estudos, propusemos ao Governo, não há resposta. Havia uma parte para viabilizar a construção, para construir e ganhar dinheiro”, apontou. Sales Marques entende que já não é possível deixar os estaleiros como eles estão, mas fala sobretudo da necessidade de manter vivas as técnicas de outrora. “São construções lacustres, que têm uma grande beleza. São estruturas industriais mas feitas com grande plasticidade, e isso também é importante, porque pode servir de inspiração para outras coisas. Os alunos que vieram de Milão ficaram maravilhados com aquela plasticidade, as soluções, o tipo de construção, como se resolviam problemas de arquitectura, com recurso a meios bastante simples.” As exposições do Prémio Compasso Volante levaram à organização de um debate no Albergue SCM, mas poucas respostas foram obtidas. “A nossa ideia era fazer uma exposição com a associação de moradores da zona, mas não conseguimos encontrar um local para isso [em Lai Chi Vun]. Fizemos então um debate ao ar livre nas instalações do Albergue, em que estiveram responsáveis do Instituto Cultural. Apresentamos as ideias todas na altura”, concluiu Sales Marques. O presidente do IEEM frisou que “a questão que se coloca é que não há qualquer resposta”. “É importante perceber o que existe na cabeça de quem manda nestas coisas.” Sales Marques, que se debruçou sobre o estudo de uma importante indústria naval, recorda que nos idos anos 50 e 60 chegaram a morar cerca de 50 mil pessoas na zona do Porto Interior, nas chamadas aldeias flutuantes. Nos dias de hoje parece não haver vontade de preservar essas memórias. “O que é triste em Macau é que as pessoas não dão valor a essas coisas, ao simbolismo, às coisas que nós fazemos. É pena que, por inacção, tenhamos de chegar ao ponto em que parece que não há alternativa se não a demolição. Aquele deve ser um espaço público, e não deve ser privatizado para a construção de luxo”, defendeu Sales Marques.
Isabel Castro VozesA história não morde [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão quero saber de quem é a culpa. Não me interessa se foram os concessionários que não fizeram o que deviam. Não me interessa se o Governo deixou um ultimato, dois ou três, se avisou ou não. Nem sequer dou qualquer valor ao facto de, em rigor, não estar a ser violada qualquer lei ou regulamento administrativo. Também não importa o argumento da segurança, porque existem sempre opções para que não nos caia o tecto em cima. Não quero saber. Quem destrói tem capacidade para construir, para reconstruir. Quem pode deitar abaixo pode evitar que vá ao chão. Pode segurar, pode manter, pode preservar. Pode dar uma nova vida ou então, apenas e só, pode deixar estar a vida que já existe, mas mais composta e digna. Lai Chi Vun começou a ir abaixo esta semana, apesar de tudo. Aparentemente, quem vive lá não queria que Lai Chi Vun fosse abaixo. Apesar de tudo, os estaleiros começaram a ser destruídos. Entra uma máquina e desaparece tudo. E tudo passa a ser lixo e pó e passado e não interessa, o Governo avisou. Não quero saber de quem é a culpa. A história é complicada. Por isso, agora, também não interessa. O que me preocupa são os olhos vazios de quem manda deitar abaixo, argumentando que o que vai restar chega para que o pitoresco se mantenha. É a lógica do very typical, indeed, very typical. Lai Chi Vun é um corpo. Vale pelo conjunto que permitiu que ali se criasse uma vida, muitas vidas, uma povoação. Lai Chi Vun tem passado, tem histórias para contar, tem um ambiente que é só dali. Lai Chi Vun deixa de fazer sentido se for apenas uma amostra de Lai Chi Vun. Todos os que deixaram que Lai Chi Vun se degradasse têm culpa, mas eu não quero saber de quem ela é. Prefiro pensar que, há um mês ou dois, ainda se ia a tempo de se pensar de novo. Às tantas ainda se vai a tempo – foram dois estaleiros abaixo, quem destrói pode construir, pode reconstruir o que está em risco de desaparecer. O problema é que as reconstruções, em Macau, têm sempre objectivos muito específicos, demasiado economicistas. Reconstrói-se para um museu, refaz-se para chamar gente de fora, põe-se tudo direitinho para ter quilómetros de turistas empacotados, a acotovelarem-se de sacos de bolachas nas mãos. Lai Chi Vun não serve para isso, como não servem os pátios do bazar chinês que são esqueletos com árvores lá dentro. Lai Chi Vun não serve, nem pode servir. Os estaleiros deveriam ser mantidos só porque sim, porque são o último lado físico de um passado cada vez mais distante. Lai Chi Vun deveria ter uma nova oportunidade sobretudo porque tem vida ali. Há gente que dorme naquele sítio, que cria ali os filhos e que deveria ter o direito a continuar a acordar com o som da água na madeira. Numa madeira reconstruída, limpa, segura. Quem pode destruir pode preservar, só porque sim, só porque é importante manter a memória colectiva, sem lojas de tralha inútil disfarçada de produto criativo, sem visitantes com malas cheias de leite em pó para crianças, sem gente a fotografar as casas e as caras e as mãos como se fizéssemos todos parte de um jardim zoológico, very typical, indeed, very typical. Quem pode destruir tem de ter a capacidade de ouvir. Nestes anos que levo e Macau, raras vezes vi a imprensa de língua chinesa tão envolvida na manutenção do passado como agora. A população já percebeu que a história não volta. Resta ao Governo entender que a história não morde. O passado não tem sete cabeças.
Andreia Sofia Silva Manchete Reportagem SociedadeLai Chi Vun | As histórias de uma indústria que morreu Na pequena povoação de Lai Chi Vun, em Coloane, vivem-se dias de incerteza. Os rumores são muitos e a única certeza é a de que os estaleiros não podem ser deitados abaixo de um momento para o outro. Com a primeira fase da demolição prestes a arrancar, os moradores questionam a ausência de concurso público para esse processo e garantem que, sem os estaleiros, Lai Chi Vun perde a sua alma [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara chegarmos ao lugar onde ainda cheira a mar é preciso descer umas escadas e andar no meio de casas construídas com folhas de zinco, onde os mais velhos descansam. Em Lai Chi Vun a história teima em manter-se viva através de velhas estruturas onde, outrora, foram construídas centenas de barcos por ano. Numa altura em que a primeira fase das demolições dos estaleiros de construção naval se prepara para arrancar, o HM foi conhecer as histórias de quem não quer apagar o passado. Há, pelo contrário, uma vontade de reconstruir um novo presente e futuro, com outras soluções. Para Lei Kam Seng, não resta hoje mais nada para fazer a não ser garantir a segurança dos estaleiros. Vai a casa num instante para mostrar, orgulhoso, a licença, encadernada a vermelho, que obteve para trabalhar na área. Era um adolescente quando começou uma vida de trabalho árduo. “Tenho 67 anos, mas ainda tenho o meu certificado. Já não se fazem licenças destas”, conta ao HM, enquanto mostra a sua juventude a preto e branco. O estaleiro onde trabalhou tantos anos é um dos que será demolido pelo Governo, situado logo no inicio da rua. “Há mais de 20 anos que não construo barcos, trabalhei durante 40 nesta indústria. Quando era jovem eram tempos muito bons, agora é mais duro. Estava a trabalhar, toda a minha família estava ligada a este negócio. Éramos quatro filhos e, graças à indústria da construção de barcos, conseguimos aguentar-nos.” Numa altura em que o jogo não dominava a economia, construir barcos era uma opção para muitas famílias. “Na altura esta era a indústria com melhor desenvolvimento. Quando era aprendiz, quando os barcos chegavam tínhamos de os pintar e reconstruir e pô-los de regresso ao mar. E podíamos fazer também barcos muito grandes. Só havia um casino nessa altura”, recorda Lei Kam Seng. Na pequena povoação, a agitação do dia-a-dia era muita. “A povoação foi criada para a construção dos barcos de pesca e para trazer os barcos do mar para terra [para reparações]. Cortavam-se grandes pedaços de madeira que depois eram trazidos para aqui. No tempo em que fui patrão havia muita gente a trabalhar aqui, e havia sempre alguém a fazer comida para nós”, contou Lei Kam Seng. João Pedro Ho, que mora uns metros mais à frente com a sua mulher, nunca construiu barcos mas, durante anos, esteve numa fábrica de materiais e produtos para este tipo de embarcações. Com oito ou nove anos lembra-se de ir com o pai para a vizinha aldeia de Ka-Ho, onde se faziam trabalhos de carpintaria. Desse tempo, só restam memórias. “Fazia tudo o que era necessário para os barcos. Agora estou reformado. Quando deixou de haver trabalho, reformámo-nos. Antes vivia em Macau. Comecei com 14 anos, até que tudo isto acabou”, disse. Durante a entrevista com o HM bebemos um chá verde enquanto olhamos para a frágil estrutura que permanece bem ao lado da sua casa. A mulher mostra-nos as cordas que eles próprios colocaram para segurar algumas estacas de madeira. “Há cerca de três ou quatro anos fiz queixa sobre a falta de segurança da estrutura, mas como ninguém se preocupou, decidimos colocar estas cordas como suporte.” Apesar da insegurança, João Pedro Ho não quer deixar o cantinho de uma vida. A mulher acrescenta de imediato que uma operação recente à perna, feita em Hong Kong, não o vai permitir mudar-se para outro lugar. “Disseram-nos para sair daqui, porque é perigoso [a demolição], mas se eu me mudar onde vou viver? Na rua? Não vou sair e vou ficar aqui a olhar para o que vão fazer. Vou prestar atenção.” Demolição por convite As notícias sobre o futuro da povoação e dos estaleiros chegam a Coloane a conta-gotas. Os jornais e as televisões ajudam a transmitir informações, mas muitos moradores assumem não fazer a mínima ideia do que se está a passar e do que está para vir. “A povoação foi criada para a construção dos barcos de pesca e para trazer os barcos do mar para terra [para reparações]. Cortavam-se grandes pedaços de madeira que depois eram trazidos para aqui.” LEI KAM SENG, ANTIGO CONSTRUTOR DE BARCOS Um dia, João Pedro Ho viu responsáveis de vários departamentos do Governo, como da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e da Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA), a inspeccionarem o estaleiro ao lado da sua casa. Como tinha dúvidas, resolveu intervir. “A maior parte das pessoas que vieram aqui não nos disse nada. Vinham aqui olhar para os estaleiros, então fui eu lá falar com eles. Não estão a ser transparentes. Naquele dia calhou eu estar aqui na rua e fui directamente falar com eles. Se não estivesse aqui a prestar atenção ninguém sabia o que se estava a passar”, explicou. Foi aí que João Pedro Ho soube que as demolições serão feitas através de um convite a uma empresa e não por concurso público. “Eles estavam a ver como iriam demolir a estrutura, e aí eu perguntei: ‘Vai haver concurso público?’ Disseram-me que não, que iria ser por convite directo, porque são necessários pelo menos três meses para preparar um concurso público, e os trabalhos têm de ser feitos antes que chegue a época dos tufões. Disseram-me que o processo seria assim para garantir a nossa segurança.” O HM tentou confirmar esta informação junto da DSAMA, bem como o nome da empresa que irá fazer a demolição, mas o organismo apenas referiu que todas as informações disponíveis constam nos comunicados de imprensa já divulgados, que não fazem nenhuma referência às informações pedidas. João Pedro Ho tirou fotografias aos rostos, guardou recortes de jornais. As dúvidas são partilhadas pela esposa e pela vizinha, que entretanto se junta à conversa. “É evidente que alguém vai fazer dinheiro com estas demolições. Se não fosse para fazer dinheiro, porque o fariam? Não há sequer concurso público para isto. Vai ser um construtor privado”, aponta. Também o antigo construtor de barcos Lei Kam Seng tem as suas queixas, que não são apenas dirigidas ao Governo. “Há muitas pessoas na associação [Associação dos Construtores de Barcos de Macau-Coloane-Taipa], mas esta deveria ser mais activa.” “A associação nunca falou connosco. Nunca foi feita uma consulta pública, nunca falaram com quem mora aqui. Não sabemos absolutamente nada. Vivemos aqui e continuamos a não saber nada”, acrescenta Lei Kam Seng. Nos diversos comunicados emitidos, a DSAMA afirma que muitos dos estaleiros não foram mantidos pelos próprios construtores dos barcos, declaração rejeitada por Lei Kam Seng. “Isso não é verdade. Deveriam deixar as pessoas investir e dar diferentes utilizações aos espaços. Se o Governo permitisse às pessoas investirem, então as pessoas iriam fazê-lo.” Este antigo construtor afirma que muitos dos que têm falado à comunicação social sobre este assunto já não fazem parte das primeiras gerações de construtores navais e que, por isso, não percebem a essência de Lai Chi Vun. “Só há uma ou outra pessoa que originalmente fez parte desta indústria, mas todos os outros são só empresários que não compreendem este lugar.” A China ganhou barcos Para João Pedro Ho, não foi só o jogo que arrastou consigo todas as outras indústrias. Os estaleiros localizados em Zhuhai, China, começaram a fabricar mais barato e com menos burocracias. “É uma pena que tudo isto tenha acabado. A partir de uma certa altura a China continuou com a sua indústria de construção de barcos. Não havia trabalho aqui, então muitos foram para a China para continuarem a sua carreira. Além de ser mais barato construir lá, o Governo de Macau manteve uma série de procedimentos que dificultavam a vinda dos barcos para aqui. Deixaram de aparecer, então não havia mais nada para fazer.” “Queria trazer os estudantes aqui para tirarem fotos e preservarem esta memória. Porque depois já não haverá nada, serão apenas terrenos.” KOU, PROFESSOR DE HISTÓRIA João Pedro Ho sabe que, actualmente, há pelo menos um estaleiro em Zhuhai onde ainda se constroem juncos de madeira. “Continuam a construir barcos em Zhuhai e há uma lista de espera. O Governo de Macau não ajuda nesse aspecto e também começou a aparecer muita sujidade no rio, muita areia. Antes o Governo não deu apoio, e antes de tantas mudanças ao nível dos solos, com as obras, era fácil mover os barcos aqui nesta zona.” O HM chegou a contactar uma das fábricas de construção de barcos na cidade chinesa, mas a promessa de retorno do contacto, com mais detalhes sobre a construção naval do lado de lá da fronteira, não chegou a concretizar-se. Por estes dias muitos têm aproveitado para visitar o local para verem de perto algo que, em breve, já não deverá existir. Foi o caso de um professor de História, de apelido Kou, que levou a sua turma a conhecer o lugar onde um dia se construíram barcos de madeira. “Este é um sítio com história e os estaleiros vão ser demolidos, então decidi vir aqui com os meus alunos”, contou ao HM, enquanto segurava um mapa que ele próprio fez da zona. “Queria trazer os estudantes aqui para tirarem fotos e preservarem esta memória. Porque depois já não haverá nada, serão apenas terrenos.” Kou é mais uma voz que está contra a decisão da Administração. “Gostava que os estaleiros fossem preservados para as próximas gerações. O Governo desenvolveu Macau e a Taipa, então poderia garantir a preservação de Coloane para as próximas gerações, mantendo um espaço verde.” João Pedro Ho não tem dúvidas. “Estas coisas devem ser mostradas às pessoas”. “A indústria de construção naval em Macau tem uma longa história, e se tudo for demolido vão destruir tudo e já não haverá mais nada”, frisa. O HM quis confirmar com a DSAMA a data certa para o arranque das primeiras demolições mas, até ao fecho desta edição, não foi obtida uma resposta. O porta-voz dos moradores de Lai Chi Vun, David Marques, acredita que os trabalhos poderão começar entre hoje ou amanhã, mas ontem à noite nenhum sinal de demolição pairava sobre a povoação. Lai Chi Vun | A história e as razões do fim da indústria Muito antes de haver jogo e ópio, houve juncos de madeira e um intenso comércio de pescas interno e além-mar. Houve cordoarias que chegaram até à Almeida Ribeiro. Hoje só resta o estaleiro de Lai Chi Vun para contar um pedaço da história da indústria naval em Macau, mas tudo começou há vários séculos. Para o investigador Luís Sá Cunha, a construção naval e as pescas constituíram um ponto fulcral da sociedade e da economia do território. “O jogo não faz parte do genoma de Macau, só a partir de certa altura. Em 2005 li uma notícia no jornal de que o último barco a ser construído nos estaleiros tinha sido lançado ao mar. Isso foi há pouco tempo! No final dos anos 90 estava tudo a funcionar”, contou ao HM. Para o investigador, o aparecimento dos casinos está longe de ser a única razão a apontar para o fim da indústria. “Não se conseguiram adaptar às inovações tecnológicas, e aí a culpa foi dos estaleiros. Porque toda a tradição chinesa vive de memória e de tradição de pai para filho, ou de mestre para discípulo. Todas as técnicas e sabedoria eram baseadas na madeira.” “Não estão a ser transparentes. Naquele dia calhou eu estar aqui na rua e fui directamente falar com eles. Se não estivesse aqui a prestar atenção ninguém sabia o que se estava a passar.” JOÃO PEDRO HO, MORADOR Luís Sá Cunha explica também que “a construção naval não tinha planos, era feita com uma grande improvisação”. “Poucos estaleiros conseguiram fazer a implementação dos motores nos barcos. Faziam tudo aqui e os motores eram montados em Hong Kong. Muitos estaleiros na Taipa e Coloane começaram a viver das reparações.” Depois de um período áureo da indústria, a partir dos finais da década de 90 tudo começa a acabar. Nessa altura havia 19 estaleiros em Macau que faziam 94 barcos por ano, sendo que nas ilhas existiam 16 estaleiros [os que ainda persistem], que faziam 150 barcos por ano. “Um número notável”, considera Luís Sá Cunha. Além do “conservadorismo” das técnicas, na zona de Lai Chi Vun começou a existir uma grande distância entre a terra e a água, o que dificultou o transporte e recolha de barcos. Mas o fim do comércio ultramarino também trouxe a crise a Lai Chi Vun. “A partir de certa altura, depois da II Guerra, houve a cessação da emigração chinesa, e já não havia exportações para os chineses ultramarinos. Houve a concorrência do comércio de Cantão. O comércio de Hong Kong, a seguir à II Guerra Mundial, teve uma emergência enorme, e começaram também eles a fabricar barcos, mais modernos.” Houve depois uma mudança da indústria para Zhuhai. “Os preços começaram a aumentar nesta zona e por isso é que foram todos para lá.” Uma construção “misteriosa” Os primeiros estaleiros começaram por aparecer na península e não nas ilhas, e já no século XVIII os mapas faziam essa referência. Os chamados “mandarins”, olheiros da China, chegaram a decretar que não se podia fazer barcos para estrangeiros. Ainda assim, “havia estaleiros que os mandarins não viam”. Por essa razão, Luís Sá Cunha defende que a “construção naval em Macau é um bocado misteriosa”. “Não houve durante a história muitos registos escritos sobre isso, mas também havia uma certa clandestinidade dos estaleiros. Estes sempre tiveram um estatuto e uma consciência de grande autonomia.” Isso acontecia pelo facto de os construtores navais dominarem uma técnica que, à época, era bastante desenvolvida. “Eram importantes, mas muitos dos serviços eram clandestinos.” A partir da década 60 do século XIX os estaleiros começam a desaparecer da península e a ir para as ilhas, devido aos planos de urbanização do governador Ferreira do Amaral. “Criou-se uma zona de epidemias, porque as aldeias não tinham qualquer higiene, as casas eram improvisadas, e as pessoas viviam em barcos que estavam sempre encostados uns aos outros. Albergava também ilegais e piratas, porque a polícia não ia lá. [Até que] entraram em vigor as novas políticas de urbanização de Macau, a partir dos anos 60 do século XIX até ao final do século.” Permaneceram as estâncias de madeira e alguns estaleiros na península, e quando Ferreira do Amaral mandou construir uma fortaleza e levar a polícia para Coloane, “os estaleiros começam a ser desviados” para as ilhas. Anos 30, época dourada Luís Sá Cunha não consegue apontar uma data concreta sobre o arranque da indústria de Lai Chi Vun, que já tinha alguns habitantes e piratas. Na década de 30 do século XX, começa a “época áurea” da indústria. “Dá-se um grande surto da construção naval em Taipa e Coloane, e um desenvolvimento da principal indústria extractiva de Macau, que era a pesca.” As emigrações dos chineses para países como a Austrália ou Estados Unidos dinamizaram o comércio e as exportações. “O peixe fresco não era o produto mais procurado, mas sim o peixe seco e as conservas.” Em 1937, “dá-se algo ainda mais importante, que dá mais força a Taipa e Coloane: passam a fazer-se ligações diárias de barcos a motor a óleo, e instala-se o telefone”. É então que, segundo o investigador, as ilhas se tornam ponto atractivo de turismo para as famílias de Macau. Nos anos 60, a península voltou a ter estaleiros junto à zona do Patane, “com melhores condições”, tendo chegado a existir um total de 40, fora dez cordoarias que se espalhavam pelas ruas. Preservar é preciso Para Luís Sá Cunha, a preservação dos estaleiros é importante para lembrar que, um dia, Macau teve uma vida socioeconómica intimamente ligada ao mar, que se traduz até pela toponímia das ruas. O investigador defende que poderia “haver um estaleiro a construir miniaturas que as pessoas poderiam comprar”. “E porque não estar lá a construir um barco, um junco pequeno, para andar nas águas com os turistas? Havia a necessidade de juntar isto tudo, a toponímia, fazer um percurso marítimo, um itinerário, com todos estes elementos e explicações”, conclui.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEm defesa dos Estaleiros de Lai Chi Vun [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas por causa de um comunicado sobre o potencial perigo para a segurança pública dos Estaleiros de Lai Chi, o Governo da RAEM pretende proceder à sua demolição sem apresentar um relatório de riscos, sem avançar com uma explicação à população, sem consultar outros departamentos públicos, ignorando as directrizes do próximo plano quinquenal de desenvolvimento da região e desobedecendo ao “13º Plano Quinquenal Nacional” apresentado pelo Governo Central. Como é possível continuar a considerar o Governo da RAEM uma entidade “ao serviço do interesse público, transparente e fiável” se permite que o Departamento de Obras Públicas ordene arbitrariamente a demolição dos estaleiros da zona portuária de Lai Chi Vun, em vez de preservar este marco da indústria naval de Macau? O “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” é elaborado pelo Grupo de Trabalho Interdepartamental, uma plataforma formada por representantes da DSSOPT, da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e do Instituto Cultural. Mas, ao longo dos anos, não se registaram progressos significativos e o plano não foi implementado. No entanto, foi dito publicamente que seria criado um departamento especial, encarregue de assessorar a preservação dos estaleiros e de delinear estratégias para a sua conservação e restauro. Agora as autoridades vêm dizer que os estaleiros estão em ruínas e que representam um perigo para a segurança. Perante estes desenvolvimentos, os responsáveis dos departamentos a quem foi atribuída inicialmente a responsabilidade deste Estudo deveriam demitir-se por incompetência. O comunicado de imprensa da DSSOPT afirmava que a “licença” de 11 estaleiros de Lai Chi Vun tinha expirado a 31 de Dezembro de 2015 e que não tinha sido renovada. Então nesse caso, porque é que neste ano e tal a DSSOPT não uniu esforços com o Instituto Cultural, a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água e a Direcção dos Serviços de Turismo para garantir a preservação e a revitalização dos 11 estaleiros e levar a cabo o “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane” de forma responsável? E o que sabemos sobre as quatro zonas propostas para urbanização no local dos estaleiros, a Praça Portal, a Zona de Restauração, a Zona de Lazer e a Zona de Exposição Geral de Construção de Juncos? Até agora, apenas é certo que os 11 estaleiros estiveram ao abandono por mais de um ano! Bom, e se estão em ruínas e podem causar perigo, só podemos culpar estes departamentos. Mas ainda resta saber se estão verdadeiramente “em ruínas e podem causar perigo” ou não. Alguns engenheiros e académicos pagaram uma inspecção ao local. Chegaram à conclusão que a reparação dos 11 estaleiros não era difícil, requeria apenas apoio financeiro e técnico por parte do Governo. Até mesmo o Presidente do Instituto Cultural, que vai deixar o cargo brevemente, afirmou pessoalmente aos jornalistas que a preservação da totalidade da zona dos estaleiros era possível com tecnologias modernas. Mas a DSSOPT não consultou o Instituto Cultural antes de ordenar a demolição. “Iremos impulsionar a governação pública, aperfeiçoar o mecanismo de consulta, estimular a participação do público; persistiremos no cumprimento do princípio da racionalização de quadros e simplificação administrativa, para a subida da qualidade e o aumento da eficácia, elevar a qualidade de serviços em todos os aspectos dos trabalhadores de serviços públicos, construir plenamente um Governo e uma sociedade baseados no Estado de Direito, e impulsionar o progresso ordenado e gradual da política democrática” – este é um dos sete maiores objectivos do “Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Região Administrativa Especial de Macau (2016-2020)”. Mas o que se está a passar não parece coincidir com este objectivo! O que Macau precisa é de um Governo responsável, não de um Governo que aja de forma arbitrária. Talvez alguns dos leitores possam pensar, “ah, mas mesmo que toda a zona dos Estaleiros de Lai Chi Vun fosse recuperada, a indústria naval de Macau não seria revitalizada”. A atitude mais pragmática seria, depois de demolir os estaleiros, construir edifícios habitacionais ou leiloar os terrenos para construção de propriedades de luxo”. Apesar deste ponto de vista, Zhu Rong, professor universitário do Continente, da Escola de Design da Universidade de Jiangnan referiu-se ao assunto na sua publicação “Conservação e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun de Macau numa perspectiva cultural e turística” datada de 2015. Zhu Rong afirmava nesta publicação. “Os singulares traços históricos de Macau, moldados por características culturais únicas, apresentam grande potencial para o desenvolvimento. E já que a herança industrial é componente importante da herança cultural, existe uma larga margem para a reutilização e para projectos futuros. Quando falamos da protecção e reutilização dos Estaleiros de Lai Chi Vun em Coloane não estamos simplesmente a defender a conservação de ruínas materiais, estamos a defender a protecção de valores humanitários”. Quando fui à Alemanha no ano passado, reparei que bastantes edifícios eram muito antigos o que seria de estranhar num país que foi devastado pela II Guerra Mundial. Vim a saber mais tarde pelo guia que, durante a reconstrução do país, os alemães fizeram um enorme esforço para recuperar as alvenarias originais dos edifícios destruídos e reconstruíram-nos de maneira a assemelharem-se o mais possível à forma original. Moveu-os a vontade de preservar o espírito germânico através destes edifícios, como legado às novas gerações. Por enquanto, o Governo da RAEM ainda tem um parque industrial histórico intacto. Demoli-lo será uma lástima! É responsabilidade do Governo e das gentes de Macau fazer todo o possível para o conservar!
Isabel Castro SociedadeLai Chi Vun | Zona dos estaleiros não vai ser comercial, garante IC O Instituto Cultural ainda não tem um plano definitivo para as estruturas de Lai Chi Vun que vai recuperar, mas promete, desde já, que a zona não vai ser transformada numa “rua de lembranças”. Ung Vai Meng garante que os sectores interessados vão ser ouvidos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] último parecer pedido pelas Obras Públicas ao Instituto Cultural (IC) acerca dos estaleiros de Lai Chi Vun já tem quatro anos. Mas, se for necessário mais conselhos e apoio técnico sobre o local, a entidade ainda presidida por Guilherme Ung Vai está disponível para dar a ajuda necessária. A ideia foi deixada pelo presidente do IC num encontro com a imprensa, em que a área de estaleiros em Coloane foi o assunto principal. Há alguns dias, o HM deu conta do descontentamento da população do local em relação à demolição projectada de 11 estaleiros, num total de 18 estruturas. Os moradores não se opõem à destruição dos dois imóveis em piores condições, mas gostariam de ver os restantes edifícios preservados. Alguns deputados subscrevem esta posição. A Administração já reiterou, entretanto, a ideia de que os estaleiros são mesmo para ir abaixo. Guilherme Ung Vai Meng não se pronunciou directamente sobre os edifícios que deverão desaparecer em breve, tendo apenas garantido que, nos últimos tempos, o IC não foi chamado a pronunciar-se sobre a matéria. O presidente do Instituto Cultural – que deixa o cargo na próxima sexta-feira – fez, no entanto, um ponto da situação em relação aos imóveis que vão ser preservados pelo Governo. “Têm um certo valor histórico e patrimonial. Estamos basicamente de acordo com as Obras Públicas, não queremos transformar aquela zona numa rua de lembranças”, sublinhou. Neste momento, o IC está “à espera de mais perguntas das Obras Públicas”. “Vamos fazer o nosso trabalho muito bem”, prometeu, adiantando que, por enquanto, ainda não foi possível visitar os estaleiros porque as chaves ainda não foram entregues. A Administração vai recuperar um estaleiro e duas casas da povoação de Lai Chi Vun. Já existe um plano geral para os trabalhos, que começa com o reforço das estruturas, em estado de degradação. Quando os edifícios reunirem condições de segurança, o IC pretende chamar ao local os sectores envolvidos no assunto, para ouvir opiniões sobre o aproveitamento futuro dos espaços. Mas Guilherme Ung Vai Meng adianta que o objectivo é fazer uma reconstrução que aproxime os estaleiros do seu aspecto original. Biblioteca quanto antes No último encontro com os jornalistas antes de deixar o cargo, o presidente do IC deixou ainda uma mensagem: a equipa do instituto “está pronta” para avançar com a nova biblioteca central. Quando Guilherme Ung Vai Meng assumiu a liderança da entidade, em 2010, o projecto da biblioteca estava em águas de bacalhau, depois de terem sido anulados os resultados de um atribulado concurso de ideias para a reconversão do edifício do antigo Tribunal Judicial de Base. Com a chegada de Ung Vai Meng ao IC, abriram-se as portas do tribunal a exposições de arte e outros eventos de índole cultural, tendo o actual secretário para os Assuntos Sociais e Cultura recuperado a intenção da criação de uma nova biblioteca. A localização tem sido, no entanto, contestada. Na próxima quarta-feira há um debate na Assembleia Legislativa sobre a matéria, impulsionado pela deputada Song Pek Kei. O presidente do IC explicou que, no ano passado, foram recebidas muitas sugestões sobre a biblioteca central. “São opiniões basicamente positivas. Esperamos que as obras sejam iniciadas o mais brevemente possível”, concluiu.
Hoje Macau SociedadeGoverno reitera que estaleiros de Lai Chi Vun vão abaixo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s moradores estão contra a demolição de todos os estaleiros, alguns deputados também. Ainda assim, o Governo deixa claro, num comunicado oficial, que a demolição dos estaleiros da povoação de Lai Chi Vun, em Coloane, vai mesmo avançar. Quanto ao estudo feito em 2012, intitulado “Estudo do Planeamento da Povoação de Lai Chi Vun da Vila de Coloane”, será utilizado, embora não seja avançado qualquer calendário mais concreto. “O estudo está concluído e futuramente servirá de referência interna aos serviços responsáveis pela execução dos respectivos trabalhos”, aponta apenas o Executivo. Em Setembro do ano passado, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, referiu apenas que “o futuro projecto de Lai Chi Vun deve ponderar essencialmente a elevação da qualidade da vida da população”. Nesta fase, a demolição parece ser mesmo necessária. “De acordo com a avaliação mais recente, os estaleiros situados nos referidos 11 lotes ficaram gravemente deteriorados devido à falta de manutenção e correm riscos de queda da sua estrutura a qualquer momento.” Nos “últimos anos”, a DSAMA afirma ter recuperado os estaleiros e instalações localizados em três lotes. Quanto à demolição dos 16 estaleiros, localizados em 11 lotes de terreno, a DSAMA garante que a culpa da destruição se deve, em parte, aos concessionários. “Os referidos ocupantes não assumiram a responsabilidade de manutenção de instalações e não utilizaram os respectivos lotes conforme as finalidades definidas na licença de ocupação a título precário. Como consequência, as respectivas licenças expiraram em 31 de Dezembro de 2015 e as suas renovações não foram autorizadas.” Ainda assim, “os pedidos de renovação das licenças de quatro lotes encontram-se em processamento”, confirma a DSAMA.
Tomás Chio SociedadeGoverno não vai renovar licenças de ocupação [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA) não vai prolongar as licenças de ocupação a título precário de 11 dos estaleiros de Lai Chi Vun, em Coloane, ainda que alguns responsáveis pelos espaços já tenham apresentado ideias de reparação e mudança de finalidade dos estaleiros. Segundo o Jornal Ou Mun, a DSAMA anunciou o bloqueio para onze estaleiros no último mês e referiu que, como já pediu várias vezes aos responsáveis para os reparar e garantir a segurança e estes não o fizeram, então a DSAMA não planeia prolongar as licenças de ocupação. O organismo também sublinhou que não vai terminar o bloqueio até à eliminação do problema de segurança destes estaleiros. Para Tam, responsável de um estaleiro que se chama “San Lei”, o bloqueio é injusto e, afirma, não percebe por que é que não tem direito à licença se o seu espaço está a ser utilizado para “fazer modelos de barcos” e estão a ser “cumpridas as exigências do Governo”. “Sempre fiz um prolongamento de licença a cada ano e o Governo verifica anualmente a segurança do meu estaleiro, tal como fez este ano, portanto, não sei porque bloqueou o meu estaleiro. Caso o Governo não prolongue a licença, vou lutar por isso” disse o responsável.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeLai Chi Vun | Moradores querem plano de recuperação este ano David Marques, porta-voz dos moradores da povoação de Lai Chi Vun, diz que a reconstrução do estaleiro em ruína pela DSAMA é apenas um trabalho preventivo e pede um plano concreto até chegarem os tufões. Marques pede ainda a união das várias povoações de Coloane para que a ilha continue a ser o que é e fala em problemas de propriedade com os terrenos [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á mais de 20 anos o pai de David Marques, macaense, decidiu juntar esforços e construir uma casa na povoação de Lai Chi Vun. Ajudou também a criar a Associação dos Moradores da Povoação de Lai Chi Vun para recuperar uma zona histórica onde um dia existiu uma indústria naval de construção de juncos. Hoje é o jovem David Marques quem dá a cara pelos cerca de 30 moradores que não querem deixar as suas casas e a sua própria cultura. Em entrevista ao HM, David Marques pede um plano de recuperação concreto para os estaleiros de Lai Chi Vun que seja posto em prática ainda este ano. Os Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA) prometeram reconstruir um estaleiro em ruína no prazo de 20 dias, mas o porta-voz exige algo mais. “O Governo apenas está a reagir ao inevitável. Estão a tentar garantir a segurança no local por enquanto, mas assim que houver uma chuva mais forte ou um tufão aquilo vai cair. O que eles estão a fazer é pôr um penso numa ferida que está a sangrar. É certo que estão a evitar a queda da estrutura, mas isso não vai resolver o problema”, disse David Marques, que agradece o trabalho de comunicação entre os moradores e os departamentos do Executivo. David Marques considera que não há uma ideia geral para a reconstrução dos estaleiros. “Aquilo pode colapsar de outra forma”, reiterou. E é por isso que o porta-voz quer que algo seja feito até ao Verão. “Quero que algo seja feito até Junho, porque a época dos tufões vem aí e não sei o que vai acontecer. Estamos habituados a inundações, sei o que fazer para lidar com isso, mas há coisas a cair em cima da minha casa”, ironizou. O porta-voz garantiu que já há propostas à espera de aprovação governamental. “O Governo enviou trabalhadores para resolverem a queda da estrutura apenas num estaleiro. Um proprietário de outro estaleiro já enviou uma proposta de reparação mas tem de passar por outros departamentos do Governo, como a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT). Este caso acabou por se tornar numa emergência e foi por isso que os Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA) tiveram de intervir”, explicou David Marques. Problemas de propriedade Actualmente em Lai Chi Vun existem cerca de 16 estaleiros mas não é clara a propriedade de todos eles e por isso é que o Executivo apenas interveio em três. David Marques fala de uma situação que vem desde os idos tempos de 1999. “Em primeiro lugar não há documentos. O Governo disse que poderia recuperar três estaleiros a partir dos proprietários e, segundo os contratos, estão apenas como gestores dos estaleiros e esse contrato está assinado com apenas uma pessoa que tem o direito de usar o terreno com aquela finalidade. Mas com a transferência de soberania essa pessoa decidiu vender o terreno a outra para receber dinheiro. O dono vendeu ao cliente A. Esse cliente acreditou que o terreno lhe pertencia e vendeu ao cliente B, que depois vendeu ao cliente C. O cliente C ainda está vivo. Este vai ao Governo porque quer reabilitar a zona, mas o Governo pergunta: ‘quem é o senhor?’” O porta-voz dos moradores traça dois cenários possíveis. “Ou se espera pela morte dos proprietários ou os estaleiros ficam completamente destruídos com um tufão e aí o Governo pode recuperar os terrenos. O Governo legalmente não pode fazer nada enquanto os estaleiros tiverem a cobertura e a estrutura, por causa dos contratos, mas pode reaver os terrenos. Assim que toda a estrutura cair, os terrenos vão para as mãos do Governo. Por isso é que este caso está a gerar tanta tensão. Nós queixamo-nos porque a nossa vida está em perigo e alguém tem de fazer alguma coisa.” Apenas cinco anos Em 2012 o Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos, já extinto, chegou a apresentar um plano para o desenvolvimento de Lai Chi Vun, mas nada mais foi feito. David Marques prevê que daqui a cinco anos os estaleiros possam vir a desaparecer por completo. “Os estaleiros estão construídos como se fossem um dominó, então a ruína do primeiro causou estragos aos restantes. Esses estaleiros foram bem construídos e por isso têm durado tanto tempo. Penso que talvez daqui a cinco anos vão acabar por cair todos, devido às condições climatéricas. Para haver preservação dos estaleiros já deveria ter sido feita, agora estamos numa fase em que não conseguimos preservar nada. Podemos preservar a memória, há poucos homens que ainda sabem como fazer barcos e trabalhar a madeira, mas não ensinam mais ninguém e já têm cerca de 60 anos”, acrescentou. O estudo do conselho consultivo propunha dar ênfase à cultura de construção de juncos, tendo como destinatário a população local, preservando-se assim a atmosfera cultural e costumes locais da Vila de Coloane. Esse plano teria “como destinatário principal a população e os turistas”, olhando para a “manutenção das mesmas instalações, ambiente de construção, estrutura de textura da beira-mar, sistema rodoviário, características da antiga zona da indústria, condições turísticas e os usos e costumes locais”, aponta um comunicado publicado em 2012. O planeamento seria feito por quatro zonas. “A Zona A como praça portal que é o acesso e o nó de trânsito da povoação de Lai Chi Vun, e com uma galeria de exposição do estaleiro naval; Zona B como zona de restauração de lazer e galeria de exposição da fábrica de cal; Zona C como zona de lazer em que os estaleiros de juncos e a fábrica de serralharia servem de locais de exposição dos artifícios com dispositivos de interacção, uma zona cultural e criativa animada; Zona D como zona de exposição geral de construção de juncos”, lê-se. Seria ainda “reservado espaço para realizar acções de formação e workshops”. Saída dará origem a protestos A petição assinada por 30 moradores levou o Executivo a agir e a reunir, após vários gritos de alerta. O Instituto da Habitação (IH) chegou a disponibilizar casas sociais na Ilha Verde, mas a proposta foi recusada. O futuro da zona é uma incógnita. A povoação de Lai Chi Vun é, segundo David Marques, “uma zona muito atraente, em frente ao mar” e estamos perante um “mercado livre”. Poucos sabem o que poderá nascer ali e o Governo até deu mostras de querer preservar os estaleiros e ali construir um museu, mas David Marques pede a união das várias povoações da ilha. “Há muitas coisas a serem construídas em Coloane e queremos fazer parte de uma espécie de fórum ou grupo. Fala-se muito nos problemas de Coloane, mas apenas na vila de Coloane, não se fala da vila de Lai Chi Vun ou de Ká Ho. São áreas diferentes e há grupos diferentes.” Enquanto os trabalhos de reconstrução do estaleiro não chegam ao fim, há cinco famílias que não podem estar em Lai Chi Vun. David Marques garante que vai haver um protesto caso os moradores tenham um dia de deixar a povoação. “Eu gosto de lá viver, todos gostam. A questão que se coloca é onde é que os moradores vão ser colocados. Como é que vão olhar para nós? Estamos a falar de uma vila de pescadores com muitos anos, com a sua própria cultura. A minha mãe fala uma língua diferente, fala o dialecto dos pescadores. Claro que vai haver um protesto se um dia os moradores forem obrigados a deixar Lai Chi Vun. Eu vou fazer para que isso aconteça”, rematou.