Turquia/Eleições: Pequim felicita Erdogan pela sua reeleição

A China felicitou hoje Recep Tayyip Erdogan pela vitória na eleição presidencial da Turquia, no domingo, e o seu novo mandato de cinco anos como chefe de Estado do país.

“A China felicita o presidente Erdogan pela sua reeleição”, disse a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning.

“Encorajamos a Turquia a seguir o caminho de desenvolvimento que se adapte às suas circunstâncias nacionais e esperamos que a Turquia continue a avançar no seu desenvolvimento sob a liderança do presidente Erdogan”, acrescentou a porta-voz.

Mao Ning acrescentou que Pequim “atribui grande importância às suas relações com a Turquia”. “Nos últimos anos, sob a liderança dos dois chefes de Estado, os dois países desenvolveram uma cooperação que tem dado frutos em várias áreas, em benefício dos nossos dois povos”, continuou.

“A China está disposta a trabalhar com a Turquia para elevar o relacionamento estratégico para novos patamares”, acrescentou o porta-voz.

29 Mai 2023

A vida tem destas coisas

[dropcap]«A[/dropcap] vida tem destas coisas» é a frase com que a turca Ülker Uçum começa o seu romance «A Queda de Istambul». Esta indeterminação com que a vida é acusada, logo na primeira frase, rapidamente se desvanece para dar lugar à realidade política da perda de direitos por parte dos cidadãos em geral e das mulheres em particular. À segunda página do livro aquela frase dá lugar ao discurso do presidente da Turquia, Erdoğan, dirigindo-se a uma multidão: «Uma mulher pode ter muito sucesso no seu trabalho, mas se não for mãe não realiza a sua essência.» A vida tem destas coisas é, no fundo, o futuro a abrir clareiras que nunca pensámos existir, clareiras que são prisões, mutilações. A vida pode voltar para trás, podemos perder direitos que tínhamos conseguido, a vida tem destas coisas. E o mundo hoje em dia, um pouco por todo o lado, tem destas coisas. Infelizmente, Istambul é mais do que uma cidade e a Turquia mais do que um país, são metáforas do mundo que está a voltar para trás. A vida tem destas coisas.

Estamos diante de um romance político, evidentemente, que nos mostra a decisão de Lale, em deixar a Turquia, depois desse discurso do Presidente. Lale é cardiologista no Hospital Americano, em Istambul, e decide mudar-se para o Canadá, pela vida da sua filha, Esra, que acabara de fazer 13 anos. Não queria que ela crescesse num país onde a mulher não tinha direitos iguais. No romance torna-se claro, que esse discurso do Presidente foi a gota de água que levou à decisão. Ao longo de muitas páginas – o romance tem 324 –, damo-nos conta da mudança da cidade de Istambul, e com ela o país, em constantes e eficazes analepses. Num dos diálogos com a amiga Perizad, outra das personagens fortes do livro, Lale diz: «Se quando for mulher, a minha filha não puder vestir-se ou agir como quiser, nunca será livre. Poderia arriscar a minha vida, Peri, mas não posso arriscar a da minha filha.»

Esta amiga de Lale, Perizad, que não abandona o país, apesar de estar contra tudo o que se passa, vai entristecendo ao longo do livro. Se Lale luta para salvar a sua filha das garras de um fundamentalismo religioso que se vai instalando na Turquia, a sua amiga luta para não morrer de tristeza, para não perder a esperança de que a Turquia volte um dia a ser uma república. A tristeza de Perizad não é apenas individual, é a tristeza de um país a acabar. Não tem filhos nem marido e filma documentários sobre as pessoas de Istambul. Tenta preservar em imagens uma Istambul republicana, a Turquia de Ataturk. São memoráveis as páginas em que descreve um encontro de velhos poetas numa taberna de Beyoğlu, comendo mezês e bebendo Raki, como símbolo de uma Turquia que Perizad tenta preservar e que hoje se está a perder para a religião com a mesma velocidade com que Lisboa se perde para um cosmopolitismo para o qual a cidade não tem tamanho. Perizad lembra-nos Xerazade e leva-nos a «As Mil e Uma Noites». O paralelismo é estabelecido. Os seus pequenos documentários de «A Queda de Istambul» é uma espécie de adiamento da morte da cidade, tal como as estórias da primeira Perizad da história da literatura.

Há uma passagem do livro que se tornou macabro, pela premonição do que aconteceria à própria escritora, Ülker Uçum, depois do romance ser editado. Lale, de mão dada com a filha, Esra, quando esta ainda tem 6 anos, vê a polícia prender uma mulher na rua, perante gritos e tentativas de impedimento por parte de algumas pessoas, e começa a chorar. A filha pergunta por que está a mãe a chorar e abraça-a com força, dizendo que não deixa que ninguém a leve. A polícia acabava de prender uma escritora, por causa de um artigo escrito contra o regime, no Cumhurriet. Aconteceria o mesmo com Ülker Uçum, que ainda se encontra detida por subversão, assim como vários outros escritores e jornalistas.

Talvez «A Queda de Istambul» não tenha a dimensão reflexiva do grande romance de Ülker Uçum, «A Vida de Orhan Veli» (1999), que partindo da biografia do grande poeta turco (1914-1950) – que morre aos 35 anos, ao cair bêbado num buraco, no regressa a casa depois de uma longa noite de Raki – traça uma reflexão acerca da arte em geral e da poesia em particular, mas é um livro que nos mostra com muita clareza situação política da nova Turquia, através de uma escrita que recupera a diversidade de Istambul antes do regime de Erdoğan. Numa entrevista dada ao Cumhurriet, ainda antes da publicação de «A Queda de Istambul», Uçum dizia que não seria possível escrever «A Vida de Orhan Veli» hoje. A Turquia exige acção e não reflexão, mesmo na escrita, e isso é visível neste romance. Mesmo quem nunca tenha vivido em Istambul percebe a diferença entre a cidade antes e a cidade depois das medidas de Erdoğan. Ao ler-se o romance, em Portugal, é-se tentado a comparar com a diferença entre a Lisboa – ou do Porto – de antes e de agora, mas o turismo não é um regime religioso, não nos impõe comportamentos, não destrói por decreto os sonhos de metade dos cidadãos.

O romance não se limita, contudo, ao tom político e à clave de melancolia. À página 146, Perizad diz à amiga: «Pudéssemos ser novamente o queríamos ser e não perderia o tempo que perdi. Nunca se sabe quando vamos deixar de poder ver ou ler o que queremos. Estamos presas num país enorme e lindo.» Podemos estender este «nunca se sabe» para além dos condicionalismos políticos. Nunca se sabe nada. Caminhamos às apalpadelas por entre o nevoeiro, tentando não nos acidentarmos. Como uma pequena embarcação em alto mar, a existência está sempre em tempo de naufragar. Aquelas mulheres, tornaram-se prisioneiras no próprio país aos 40 anos, sentindo com isso que também estavam presas na própria vida, com dificuldade em começar de novo e impotentes para corrigir o que se tornou errado no mundo. Em verdade, não é preciso um regime político autoritário para que uma mulher ou um homem se sintam assim aos 40 anos, seja em que parte do mundo for, mas por imposição política talvez seja pior, pois a existência acontece em todo o lado e, felizmente, regimes autoritários ainda não despontam em todo o lado. Para mal daquelas mulheres, a vida tem destas coisas.

24 Mar 2020

Os outros valores

[dropcap]Q[/dropcap]uando valem os valores? Não falo de capital, de cartas hidrográficas de rios de dinheiro, de ábacos de contas recheadas. Falo de princípios, das fundações, dos parâmetros éticos que balizam acção e consciência, coração moral que não deveria ter preço de mercado, mas que é vendido às peças.

Hoje em dia assistimos à falência das entidades supra-estatais que nasceram da evolução dos nossos melhores instintos enquanto espécie que tenta ao máximo sacudir os ares de barbárie. As Nações Unidas atribuíram, há uns anos, um papel importante à Arábia Saudita no Conselho dos Direitos Humanos, um país que manda assassinar jornalistas em embaixadas e que tem nos seus quadros operacionais especializados em amputar corpos com motosserra.

Erdogan, depois de assinar acordos comerciais com a China, mostrou-se agradado com a “abertura” de Pequim ao permitir a entrada de observadores turcos nos campos de concentração onde uma parte significativa dos uigures estão a ser “reeducados” a serem algo que nunca foram.

A Europa deixa morrer às suas portas centenas de pessoas desesperadas por um porto seguro, enquanto o Parlamento Europeu discute quem odeia mais Bruxelas ao som do Hino da Alegria. É sabido que a moral social evolui com oscilações, a ética não ascende a um ritmo estável em direcção a um mundo mais decente. Pelo caminho, outros valores se levantam e as mais bem-intencionadas vozes são abafadas pelo ensurdecedor volume do dinheiro.

9 Jul 2019

Erdogan reivindica vitória nas eleições presidenciais e legislativas turcas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reivindicou ontem a vitória numas eleições presidenciais e legislativas renhidas, perante uma oposição determinada a impedi-lo de obter um novo mandato de cinco anos com poderes consideravelmente reforçados.

“Os resultados não-oficiais das eleições são claros. Segundo eles, a nossa nação confiou-me a responsabilidade de ser Presidente da República”, disse Erdogan, numa declaração a partir da sua residência, em Istambul, antes de a contagem dos votos estar concluída, reivindicando também a maioria parlamentar para a aliança dominada pelo seu partido, o AKP.

Segundo a agência de imprensa estatal Anadolu, Erdogan obteve 52,8% dos votos, quando estão contados quase 95% dos votos, e a aliança do AKP recolheu 53,82%.

A declaração de vitória de Erdogan surgiu depois do principal partido da oposição, o CHP (social-democrata), ter afirmado que a sua própria contagem dos resultados parciais indica que é inevitável uma segunda volta das presidenciais.

Mesmo antes da proclamação do chefe de Estado, os apoiantes já tinham começado a celebrar a vitória agitando bandeiras turcas nas ruas de Istambul e, após as suas declarações, eram audíveis buzinas de automóveis, segundo a agência francesa AFP no local.

“A Turquia, com uma taxa de participação de perto de 90%, deu uma lição de democracia ao mundo inteiro”, afirmou Erdogan.

O Presidente turco convocou em abril estas eleições presidenciais e legislativas antecipadas inicialmente previstas para novembro de 2019.

O duplo escrutínio é particularmente importante, porque assinala a passagem do sistema parlamentar em vigor para um sistema presidencial em que o chefe de Estado concentra a totalidade do poder executivo.

Erdogan defende a necessidade de tal medida para garantir a estabilidade na cúpula do Estado, mas os seus opositores acusam-no de querer monopolizar o poder com esta transformação.

Oposição da Turquia divulga tentativas de fraude nas eleições

O principal partido da oposição turco divulgou tentativas de fraude durante as eleições legislativas e presidenciais antecipadas a decorrer no país.

“Chegaram-nos numerosas queixas”, sobretudo da província de Sanliurfa (sudeste), declarou o porta-voz do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata), Bulent Tezcan, durante uma conferência de imprensa na sede da formação em Ancara.

Tezcan enumerou vários exemplos de tentativas de introduzir votos falsos nas urnas, evocando uma urna com mais de uma centena de votos, todos pela aliança dominada pelo partido no poder, Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), mesmo antes da abertura das assembleias de voto.

Também divulgou um vídeo, que afirmou ter autenticado, de um homem afirmando que existiam mais boletins que votantes numa assembleia de voto em Suruç.

O procurador de Sanliurfa, à qual pretende Suruç, afirmou ter aberto um inquérito após aquelas alegações e já foram detidas quatro pessoas, segundo a agência estatal Anadolu.

Temendo fraudes, em particular no sudeste de maioria curda, opositores e organizações não-governamentais mobilizaram várias centenas de milhares de observadores.

“Na região houve ataques, ameaças para deter os nossos observadores”, afirmou Tezcan.

Lamentou igualmente a presença de “pessoas armadas nas ruas”, que tentam criar, segundo ele, “um ambiente de terror para os eleitores”.

O Partido Democrático dos Povos (HDP, principal formação pró-curda e de esquerda) também divulgou nas redes sociais tentativas de fraude e de intimidação no sudeste.

25 Jun 2018

Porta fechada

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] recente aumento de tensão entre a União Europeia e a Turquia, a propósito de acções de campanha que alguns ministros de Erdogan queriam efectuar junto de comunidades turcas na Alemanha, Áustria e Holanda, e que foram travadas pelos governos europeus, veio pôr em evidência a impossibilidade de um acordo de adesão da Turquia à União Europeia. Isso ficou ainda mais acentuado, quando, neste fim-de-semana, o governo alemão autorizou uma manifestação de curdos anti-Erdogan em Frankfurt.

O tom da retaliação de Ancara, que acusou os governos de Berlim, Haia e Viena de nazismo, é um sinal de que, nem no curto nem no médio prazos, o processo negocial sofrerá avanços. Desde que a Turquia requereu formalmente a entrada na União Europeia, em 1987, e a União Europeia lhe permitiu adquirir o estatuto de país-candidato, pouco ou nada tem avançado. É um facto que a União e Ancara estabeleceram um acordo aduaneiro, que está em vigor desde 1995. Mas dos 16 dossiers abertos (de um total de 33!) sobre as matérias respeitantes ao processo de adesão, as áreas de trabalho nas quais a Turquia teria de se aproximar aos padrões europeus para ser aceite no clube dos 28, apenas um chegou a bom porto. A questão dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da qualidade da democracia, sofreram um enorme revés com o golpe de estado do ano passado.

A tentativa de golpe de 15 de Julho de 2016, abortada no dia seguinte, fez 241 mortos e perto de 2200 feridos, segundo os dados oficiais, e foi atribuída pelas autoridades ao movimento Fethullah Gülen. Gülen é um antigo imã, que se encontra radicado nos Estados Unidos, e que preside a uma rede global de escolas turcas. É considerado por alguns como “um dos rostos mais encorajadores do Islão hoje em dia” – escreveu-o, por exemplo, no Huffington Post, Graham Fuller, um destacado dirigente do National Intelligence Council norte-americano, um think tank que apoia as agências de informação americanas, com análise e tendências.

É evidente que esta visão das coisas olha para o Islão como algo que deve ser dividido entre o radical e o moderado. A tentativa de golpe de estado e tudo o que se seguiu seriam episódios de um conflito interno turco, de uma aparente divisão transversal da sociedade entre duas forças antagónicas: de um lado, encontrar-se-ia uma visão mais liberal do Estado e, do outro, estaria uma visão mais autoritária da causa pública.

Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis – a Freedom House coloca a democracia turca no grupo de países “parcialmente livres”, que tem, no entanto, uma imprensa “não livre” –, Güllen, sob protecção norte-americana (assim decreta a narrativa turca oficial), estaria a travar uma luta com Erdogan. Segundo alguns autores, acima de tudo, isto seria um ataque ao chamado “modelo de governo turco”, que combina o Islão com democracia e economia de mercado (um modelo que estaria na base das genericamente falhadas primaveras árabes).

A resposta de Erdogan aos eventos do ano passado não deixa, de facto, dúvidas sobre o caminho que quer trilhar o presidente turco: a União Europeia, no seu relatório anual sobre a Turquia, publicado no final de Setembro, indica que a purga conduzida pelo presidente turco levou à detenção de cerca de 40 mil pessoas, 31 mil das quais permanecerão presas, incluindo 81 jornalistas. Na administração do Estado, 66 mil funcionários públicos continuavam suspensos e 63 mil tinham sido despedidos. Mais de 4.000 instituições e empresas foram encerradas e os seus bens apreendidos ou transferidos para instituições públicas. A tentativa de purga chegou mesmo à Europa, com Ancara a pedir a vários Estados-membros da União Europeia o encerramento de escolas ou instituições alegadamente ligadas ao movimento Gülen. Neste contexto, há relatos de que membros da diáspora turca que vivem na Europa estão sob pressão para relatar outros membros destas comunidades.

Tal como Putin, Erdogan tem demonstrado um certo apego ao poder. Está na chefia do Estado turco há apenas três anos, mas serviu como primeiro-ministro de 2003 a 2014, após três rotundas vitórias eleitorais à frente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que criou em 2001. Mais do que a comparação em termos de estilo, deve salientar-se a aproximação entre os dois líderes políticos. Depois de a Turquia ter pedido desculpas por ter abatido um caça russo no âmbito do conflito sírio, as relações Ancara-Moscovo foram normalizadas um mês antes do golpe de estado; numa altura, em que os turcos criticavam fortemente os Estados Unidos, seu aliado da NATO, pela falta de assistência na luta contra as forças curdas na Síria.

Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis, consubstanciados pela consulta popular de 16 de Abril, não espanta que outros Estados-membros venham, nesta Europa de 2017, das posições extremadas e da cedência fácil ao populismo, juntar a sua à voz da Áustria, que, que na sequência da purga de Erdogan requereu o fim do processo de adesão da Turquia à União Europeia. Mesmo com a União Europeia a pagar à Turquia para manter nas suas fronteiras cerca de 3 milhões refugiados sírios nas suas fronteiras.

20 Mar 2017

Turquia | Erdogan retoma controlo e aproveita para “limpar” Exército

Talvez tenha sido a tentativa de golpe de estado mais curta que alguma vez aconteceu: de sexta-feira para sábado, e em menos de 14 horas, militares do Exército turco anunciaram a tomada do poder na Turquia, para na manhã seguinte se renderem. Mas, a tentativa de golpe de Estado não foi uma brincadeira: deixou centenas de mortos e feridos, a suspeita de ter sido um ataque orquestrado e o agradecimento de um presidente a Alá

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ra noite quando forças do Exército turco entraram por estações de televisão e rádio adentro. Através dos canais nacionais, o “Conselho para a Paz na Nação” – como se auto-intitulavam – anunciava a tomada do poder na Turquia. Bombardeamentos e tiroteios ao lado dos edifícios do parlamento e do palácio presidencial em Ancara faziam ouvir-se. Ancara e Istambul ardiam aparentemente rendidas às investidas de soldados que se revoltaram contra o governo.
Mas, na manhã seguinte, a história tinha dado uma reviravolta. Aquilo que foi uma tentativa de golpe de Estado na sexta-feira passou a ser a perseguição a militares e juízes no dia de sábado. A revolta durou menos de 24 horas, mas deixou 265 mortos (161 civis) e 1500 feridos, permitindo a Recep Tayyip Erdogan, Presidente do país, iniciar uma campanha anti-opositores.
Erdogan estava de férias, quando, na sexta-feira ao final da tarde, os militares do seu Exército anunciavam ter controlado o país com o objectivo de “reinstalar a ordem constitucional, a democracia, os direitos humanos e a liberdade, de forma a assegurar que a lei e a ordem pudessem ser restauradas”. Imagens da CNN turca mostram dezenas de soldados a entrar pela sede da estação dentro.
No céu, jactos do Exército sobrevoavam o parlamento, local onde um helicóptero militar deixou muitos estragos com tiros que se podem ver e ouvir em gravações vídeo. Os soldados percorriam as ruas de tanque, tendo até bloqueado duas das principais pontes e vias que davam acesso ao aeroporto de Istambul.

Missão: Vingança

A Turquia parecia, de facto, rendida aos militares. Mas Erdogan estava atento, apesar de se encontrar de férias. O presidente turco conseguiu voar até ao aeroporto de Atartuk, o principal de Istambul e que, curiosamente, os soldados não tomaram. E foi aqui, de telemóvel em punho, que o governante fez um apelo surpreendente ao país: pediu aos cidadãos que saíssem à rua e defendessem o governo. E muitos, de bandeira às costas, fizeram-no.
Os manifestantes passaram a cercar tanques, de onde arrancavam à força soldados. Os protestos saíram à rua contra o golpe de Estado. Na manhã de sábado, os militares acabam por se render: de mãos no ar, sem armas, caminham na direcção da oposição, na Ponte de Bosphorus. Imagens mostram civis contra militares – os primeiros a bater nos segundos, acobardados no chão, com bastões e pontapés. turquia
Os símbolos que podiam relembrar o país de mais uma tentativa frustrada de golpe de Estado tinham desaparecido sábado de manhã. As forças fiéis ao regime tinham conseguido pôr fim à ocupação. Libertaram o chefe militar turco, sequestrado pelos revoltosos, enquanto o Primeiro-Ministro Binaldi Yildirim anunciava o fracasso da tentativa. Yildirim falava numa “acção que manchou a democracia” e, a par de Erdogan, propõe a restauração da pena de morte para os golpistas.
É aqui que começa a caça ao homem: cerca de três mil militares são presos, entre eles dois generais e o comandante da Força Aérea, 2745 juízes e procuradores também se viram perseguidos até agora. E o presidente turco não é meigo nas declarações que faz.
“Vão pagar por isto. Esta rebelião foi um presente de Alá, porque dá-nos uma razão para limpar o nosso Exército”, disse, logo após a rendição. Traidores e “uma minoria” foi como o responsável apelidou os envolvidos na revolta.

[quote_box_left]“Vão pagar por isto. Esta rebelião foi um presente de Alá, porque dá-nos uma razão para limpar o nosso Exército”
Recep Tayyip Erdogan, Presidente turco[/quote_box—left]

Gulen, o inimigo

Para Erdogan, o golpe militar tem um líder por trás: Fethullah Gulen, seu antigo aliado, agora exilado nos EUA. O Primeiro-Ministro do país, que já pediu a entrega de Gulen pelos norte-americanos, disse mesmo que quem apoiasse Gulen estaria a declarar guerra à Turquia.
O clérigo, muçulmano, assegurou que nada teve a ver com o golpe e condenou o ataque. O mesmo fizeram os quatro principais partidos políticos da Turquia numa cena rara, quando se uniram para condenar o golpe numa sessão de emergência do Parlamento.
Gulen é há anos acusado por Erdogan de estar a tentar um golpe de Estado para o deitar abaixo. Mas com militares. Era sabido que Gulen teria apoiantes nas autoridades policiais da Turquia, mas não no Exército. Outros dos seus apoiantes são, precisamente, juízes e magistrados.
“Sendo alguém que já sofreu múltiplas tentativas de golpes de estado nos últimos cinco anos, é especialmente insultuoso ser acusado de estar ligado ao ataque”, disse Gulen, citado pela CNN.
Com Erdogan, pequenos empresários, comerciantes e uma burguesia moderna subiram de estrato social. Foram esses, juntamente com os cidadãos turcos que não querem o regresso ao tempo dos golpes militares, que ajudaram o presidente a repor a ordem. Mas, se para uns Erdogan ajuda à manutenção da democracia, para outros é apenas um ditador que viu, agora, o seu poder reforçado. Gulen foi um dos que se juntou aos muitos analistas turcos que consideram que o golpe foi “orquestrado” por Erdogan.

Macau com um pedido de ajuda

Também o Gabinete de Gestão de Crises do Turismo de Macau emitiu um comunicado onde apelam aos cidadãos para se manterem em segurança. “A situação da Turquia tem-se agitado nos últimos tempos. O Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Embaixada da China na Turquia avisam aos cidadãos chineses para não se deslocarem neste período à Turquia. Os cidadãos chineses e instituições que se encontram na Turquia devem manter em alerta máxima, ter em conta as devidas precauções de segurança, estar preparados para emergências, bem como evitar a saída das suas residências e deslocações a locais de grande concentração de pessoas”, pode ler-se no comunicado, onde admite ter recebido dois pedidos de informação e um pedido de assistência de cidadãos de Macau. O pedido de assistência refere-se a uma residente de Macau que se encontrava a aguardar em segurança na área restrita do aeroporto de Istambul para o voo de regresso a Hong Kong. Foi-lhe fornecida alimentação pela companhia aérea e a mulher deveria regressar assim que possível.

Património em suspenso

A UNESCO suspendeu a reunião do Comité do Património Mundial em Istambul, na sequência da tentativa de golpe militar na Turquia. “A 40ª sessão do Comité do Património Mundial está suspensa até novo aviso”, disse o organismo, com sede em Paris, num comunicado divulgado no seu site. A reunião arrancou no passado domingo e deveria terminar na quarta-feira.

Pedida extradição de oito militares

Entretanto, a Turquia já pediu à Grécia a extradição dos oito militares revoltosos que fugiram num helicóptero para o país. “Pedimos à Grécia para extraditar os oito traidores o mais rápido possível”, disse o Ministro dos Negícios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, à estação televisiva HaberTurk. Os oito homens aterraram num helicóptero militar turco na Grécia, pedindo asilo, segundo já tinha revelado a polícia grega anteriormente. O helicóptero Black Hawk pousou depois de enviar um sinal de socorro às autoridades no aeroporto de Alexandroupolis, no norte da Grécia. Sete das pessoas a bordo estavam vestidas com uniforme militar e todos são suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe de Estado.

Portugueses a salvo

O Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, afirmou ontem que não existem pedidos de ajuda urgentes de portugueses na Turquia. “Não temos notícias preocupantes no que diz respeito a portugueses”, disse o chefe da diplomacia portuguesa à agência Lusa, numa declaração ao telefone a partir de Ulan Bator, capital da Mongólia, onde participou na Cimeira do Encontro Ásia-Europa (ASEM). “Estamos a acompanhar o mais de perto possível” a situação na Turquia”, afirmou Augusto Santos Silva, indicando que a embaixada de Portugal em Ancara “está a trabalhar activamente” e que houve “contactos” por parte de portugueses com a representação diplomática na capital turca, “o que é natural”.
Augusto Santos Silva condenou o ataque. “Em primeiro lugar, condenamos a violência contra as instituições democráticas na Turquia e, portanto, apoiamos as instituições democráticas, isto quer dizer, a presidência, o parlamento e o governo turcos; em segundo, apelamos contra qualquer escalada de violência para evitar que os acontecimentos evoluíssem no sentido absolutamente indesejável e, em terceiro, apelamos a que fosse evitada qualquer tipo de violência contra civis”, disse Augusto Santos Silva.

EUA | Kerry reage a alegações de envolvimento

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse ao ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Mevlut Cavusoglu, que as acusações públicas sugerindo que oficiais americanos teriam planeado a tentativa de golpe militar na Turquia eram categoricamente falsas e prejudiciais às relações entre os países.
Kerry pediu cautela à Turquia após a tentativa de golpe e sugeriu que o país respeitasse a lei na sua investigação sobre a conspiração, disse o porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby. “Ele deixou claro que os EUA estariam dispostos a dar assistência às autoridades turcas conduzindo essa investigação, mas que insinuações públicas ou alegações sobre qualquer papel americano no golpe que falhou são inteiramente falsas e prejudiciais às nossas relações bilaterais”, disse Kirby, de acordo com Reuters.
Foi o Ministro do Trabalho da Turquia, Suleyman Soylu, que afirmou que Washington estaria por trás da tentativa de golpe militar na Turquia. “Os EUA estão por trás da tentativa de golpe. Alguns jornais publicados [nos EUA] vêm conduzindo actividades por vários meses. Há muitos meses enviamos pedidos aos EUA sobre Fethullah Gulen. Os EUA precisam de extraditá-lo”, disse Soylu.
O governo turco também acusou os soldados da base aérea de Incirlik de estarem envolvidos no golpe frustrado. A base é usada pelos Estados Unidos em ataques contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.


Sabia que…

A Turquia já teve, pelo menos, quatro tentativas de golpes de Estado? A primeira aconteceu em 1960, seguindo-se uma em 1971. A terceira tem lugar em 1980 e a outra 13 anos depois.

18 Jul 2016