Qu Yuan e os Poetas da Última China: Entre Dragões, Jarros de Vinho e Pavilhões Enevoados

Qu Yuan e o Êxtase do Exílio

Há viagens que só a poesia permite, deslocações interiores que atravessam o tempo e o espaço e que iluminam zonas da nossa própria memória. Quando evocamos Qu Yuan (屈原), ministro e poeta do antigo estado de Chu, no século IV a.C., a imagem que se ergue diante de nós é a de um homem solitário caminhando à beira do rio Miluo, declamando versos impregnados de dor e inquietação, numa sucessão de passos que o conduziria inevitavelmente ao gesto extremo de se lançar às águas. A lenda atravessou mais de dois milénios, mas foi a palavra que lhe garantiu a imortalidade, inscrevendo a sua voz na textura mais profunda da literatura chinesa.

A história da poesia chinesa é, em grande medida, a história da sua resposta ao mundo em crise. De Qu Yuan, que canta o exílio como gesto ético e se lança ao rio, aos poetas Ming e Qing, que procuram reencontro com a tradição numa paisagem em ruínas, a poesia emerge como refúgio, resistência e reinvenção. Este ensaio percorre essa travessia — entre dragões e jarros de vinho — para mostrar como a linguagem literária permanece, mesmo nas épocas mais sombrias, um gesto de resgate da dignidade e da beleza.

Ilustrações de “Li Sao”

Em “Li Sao” (離騷, Encontro com o Sofrimento), a experiência de exílio e de abandono político transforma-se numa das mais intensas viagens espirituais da história literária mundial, onde a topografia interior do poeta se confunde com a geografia mítica do texto. O seu lamento não é apenas pessoal: nele ecoa a tensão entre a ética individual e a decadência coletiva, a tentativa de salvar uma pátria pela pureza da linguagem. O poema, longo e metamórfico, faz da imaginação um território de resistência: Qu Yuan veste orquídeas como se fossem armaduras, colhe plantas sagradas para ler nelas o destino, monta dragões e convoca fénixes para o acompanharem. Ler Li Sao significa aceitar o convite para habitar um espaço liminar onde mito e memória se refletem mutuamente, um território onde o íntimo e o cósmico se confundem. As antigas ilustrações do “Li Sao Tu” (離騷圖), gravadas por Xiao Yuncong no início da dinastia Qing, prolongam uma conhecida travessia da poesia chinesa, entre a palavra e a imagem. Nelas, o poeta aparece imerso em paisagens enevoadas, rodeado de rios, montanhas, espíritos, dragões e flores; cada traço de tinta parece responder ao ritmo da respiração do poema, não como simples complemento visual, mas como extensão da própria experiência poética. A gravura confere corpo ao indizível, cristalizando em matéria visível a errância do espírito que o texto convoca.
Talvez seja essa a razão pela qual, mais de dois mil anos depois, o nome de Qu Yuan continua a ser invocado todos os anos no Festival do Barco-Dragão (Duanwu Jie 端午節). Nos rios da China, milhares de barcos cruzam as águas, os zòngzi são preparados e partilhados, as famílias reúnem-se para lembrar o poeta que escolheu a palavra antes do silêncio. O rito perpetua a memória, o gesto converte-se em linguagem, e a poesia continua a atravessar o tempo, convocando-nos para uma viagem onde o humano se reconhece no universal, onde a ferida da perda se transforma na beleza da permanência.

駕八龍之婉婉兮,載雲旗之委蛇。
忽臨睨夫舊鄉兮,僕夫悲余馬懷。

“Conduzo os oito dragões com suave elegância,
As bandeiras de nuvem ondulam como serpentes em dança.
Subitamente vislumbro a minha terra ao longe,
E o cocheiro entristece, e o cavalo suspira saudade.” (tradução minha)

Este excerto da extensa obra, constitui um momento de inflexão no percurso visionário do eu poético, momento esse em que, no decurso de uma ascensão guiada por forças celestes e envolta numa imagética de natureza intensamente mítica, o olhar se volta — de forma súbita — para o passado, ou melhor, para a terra de origem, a pátria perdida, lugar simultaneamente concreto e simbólico, que serve de ancoradouro à identidade do sujeito lírico mesmo no seio de uma viagem que, de tão elevada, ameaça romper os laços com o mundo dos homens. A abertura da passagem — 駕八龍之婉婉兮 — onde se afirma a condução de oito dragões com gestualidade elegante, não deve ser lida apenas como uma representação da elevação física ou espiritual do poeta, mas antes como a inscrição do sujeito numa matriz simbólica que remete para práticas xamânicas de travessia entre mundos, muito características da tradição do Estado de Chu e das suas práticas rituais arcaicas, onde o número oito, associado às direcções cardeais e ao equilíbrio cósmico, e a figura do dragão, criatura liminar por excelência, projectam o eu poético para uma dimensão outra, situada para além da realidade empírica e submetida a regras e formas de percepção distintas da lógica ordinária.
Ao conectar esta deslocação com o verso seguinte — 載雲旗之委蛇 — onde as “bandeiras de nuvem” se movem em ondulação serpenteante, o texto acentua o carácter cerimonial e quase processional da travessia, acrescentando-lhe um elemento de movimento não-linear, onde a fluidez e a ausência de rigidez direccional sugerem que o percurso do poeta não se rege por uma teleologia fechada, mas antes por uma forma de deslocamento intuitivo, análogo à dança ritual ou ao desdobramento interno de uma consciência em estado de revelação, em que os elementos materiais — a carruagem, os dragões, as bandeiras — deixam de funcionar como meros instrumentos e se tornam em símbolos plenos, dotados de agência poética e densidade metafórica.

É precisamente no seio dessa coreografia cósmica, onde o movimento parece absoluto e o desprendimento da matéria quase consumado, que ocorre a ruptura descrita pelo terceiro verso — 忽臨睨夫舊鄉兮 — no qual o verbo “olhar” (睨), modificado pelo advérbio “subitamente” (忽), devolve ao poema uma dimensão de interioridade que até então se encontrava dissolvida no ambiente grandioso da travessia. Ao voltar o olhar para a “terra natal” (舊鄉), o sujeito lírico interrompe, ainda que momentaneamente, a sua progressão ascendente, reintegrando no espaço visionário a memória de uma origem que é, ao mesmo tempo, geográfica, afectiva e política. Esse gesto de retorno do olhar não deve ser interpretado como nostalgia sentimentalizante, mas como afirmação da impossibilidade de uma separação total entre a trajetória espiritual do poeta e o mundo concreto onde a sua integridade moral foi ferida, sendo esse mesmo mundo — degradado, corrupto, mas irrenunciável — que estrutura a tensão central de Li Sao.

O quarto e último verso — 僕夫悲余馬懷 — em que se descreve a comoção do cocheiro e a saudade do cavalo, completa o quadro ao inscrever no acompanhamento do poeta uma dimensão de eco emocional, na qual as figuras auxiliares, tradicionalmente desprovidas de agência interior, se vêem afectadas pela inflexão melancólica do sujeito principal, como se a sua emoção transbordasse para o mundo que o rodeia, contaminando a própria matéria do percurso. Esta projecção da interioridade sobre os elementos do entorno não constitui um mero recurso poético de dramatização, mas antes uma estratégia profundamente enraizada na concepção cosmológica subjacente ao Chuci, segundo a qual o microcosmo emocional do indivíduo se encontra em permanente correspondência com a ordem do universo, e onde não há verdadeira separação entre sujeito e ambiente, entre intenção e manifestação.

A obra Li Sao é considerada tão central que, até hoje, é recitada no Festival do Barco-Dragão (端午節, Duanwu Jie), em memória do trágico desfecho da vida de Qu Yuan, cuja morte lendária está na origem do Festival do Barco-Dragão. O gesto de lançar bolinhos de arroz ao rio, segundo a tradição, terá surgido como forma de alimentar o espírito do poeta — ou de distrair os peixes para que não devorassem o seu corpo.

粽子 (zòngzi) é um bolinho tradicional de arroz glutinoso, geralmente envolto em folhas de bambu, típico do Festival do Barco-Dragão (Duanwu Jie 端午节).

Dois mil anos mais tarde, o tom da poesia chinesa sofre uma transformação profunda, embora a memória de Qu Yuan continue a ecoar no subtexto de cada verso. A travessia dos séculos conduz-nos à era das dinastias Ming (1368–1644) e Qing (1644–1911), um tempo em que a poesia abandona o lamento cósmico e visionário de Chu para se tornar, cada vez mais, um território de debates estéticos e de exercícios de filiação literária.

Ming e Qing: A Poesia como Reflexão

Se em Qu Yuan a poesia é uma fuga visionária perante a corrupção política, nos poetas da era Ming o gesto criativo volta-se para dentro: a crise já não é apenas moral, mas literária. O desafio agora é outro — reinventar a linguagem sem trair a herança.

Em Li Sao, o poeta convocava dragões e fénixes para narrar a impossibilidade de viver entre homens corruptos. No entanto, os poetas da China tardia encontravam-se diante de outro dilema: como sustentar uma tradição de mais de mil anos sem resvalar para a repetição, como reinventar a voz poética num universo já saturado de símbolos, formas e cânones? O gesto criativo, então, volta-se para dentro e a poesia torna-se consciente de si mesma, atravessada por um diálogo constante com o passado, como se cada novo verso nascesse à sombra de todos os que o precederam.

Nesse cenário emerge a figura de Li Panlong (李攀龙, 1514–1570), cuja escrita se constrói entre o peso da herança e a necessidade de renovação. Conhecido pelo nome de cortesia (zi) Yulín (于鱗) e pelo nome literário (hào) Cāngmíng (滄溟), nasceu em Lìchéng (歷城), na província de Shandong, e pertenceu a um grupo de intelectuais que procuravam restaurar a grandeza perdida dos Tang.

No centro da poesia Ming, um dos debates mais intensos da história literária chinesa ganha forma: de um lado, os “Sete Mestres Anteriores” (Qián Qīzi 前七子), grupo de poetas liderado por Li Mengyang e He Jingming, que defendia um regresso deliberado aos modelos da dinastia Tang; do outro, os “Sete Mestres Posteriores” (Hòu Qīzi 後七子), representados por Li Panlong e Wang Shizhen, que, embora igualmente devotos da tradição, procuravam uma abordagem mais livre e criativa, onde a imitação não fosse simples cópia, mas transformação. Este confronto não se resume a escolas rivais; nele desenha-se um dilema maior, partilhado por todos os poetas da Última China: como escrever sob a sombra de um cânone monumental sem se perder nele, como fazer renascer uma voz autêntica num território saturado de vozes.
Os Sete Mestres Anteriores viam na poesia Tang, sobretudo na obra de Du Fu, o modelo supremo de perfeição formal e moral. Acreditavam que a revitalização da cultura passava pelo retorno ao “espírito antigo” (fugu 复古), uma tentativa de recuperar a força ética e estética que os Tang haviam cristalizado. A palavra era concebida como herança, e o poeta, como guardião desse templo. Nos versos de Li Mengyang, por exemplo, a ambição épica de Du Fu reaparece, mas num tom já atravessado por um pressentimento de perda, como se a grandeza evocada estivesse sempre um pouco fora do alcance, mergulhada na bruma da memória coletiva.
Os Sete Mestres Posteriores, entre os quais Li Panlong se distingue, não rejeitavam esse diálogo com o passado, mas procuravam na repetição um gesto criativo, como quem raspa uma camada antiga de tinta para descobrir o brilho escondido do traço original. Na sua leitura, imitar os clássicos não significava repetir-lhes a forma, mas prolongar-lhes a energia vital. Essa tensão entre reverência e invenção produz uma poesia de grande consciência histórica, na qual cada palavra parece pesar com a memória de séculos e, ao mesmo tempo, abrir-se à possibilidade de um outro futuro.
Esta viragem estética traduz também uma transformação mais profunda na relação da poesia com o mundo. Se em Qu Yuan o gesto poético coincidia com o gesto existencial — vestir orquídeas, montar dragões, enfrentar deuses e monstros, até encontrar no rio Miluo a última resposta — , nos poetas Ming a poesia torna-se, pela primeira vez, um ato autorreflexivo. Já não é apenas o espelho da paisagem ou da política, mas uma meditação sobre si mesma: o poema escreve-se enquanto pensa o próprio ato de escrever, como se, ao olhar para trás, cada poeta descobrisse não apenas a grandeza dos antigos, mas também a consciência de que a linguagem nunca pode regressar incólume ao ponto de origem.

Com o colapso dinástico e a invasão estrangeira, a melancolia da poesia Qing não é apenas uma nostalgia estética, mas uma resposta ao deslocamento histórico. A tradição poética torna-se um espelho enevoado onde se busca, uma vez mais, sentido no meio da perda.

É neste espaço de deslocação que se inscrevem também os poetas Qing, herdeiros e, de certo modo, críticos de todo o projeto Ming. Sob o peso do colapso dinástico e da invasão manchu, a poesia Qing carrega um tom de melancolia ainda mais acentuado, como se o passado fosse uma paisagem enevoada vista de longe, intocável e ao mesmo tempo imprescindível. Os pavilhões enevoados do título tornam-se, aqui, símbolo de uma estética do intervalo: o que se vê é sempre filtrado pela distância, pela perda e pela consciência da fragilidade histórica.

黃河水繞漢邊牆,
河上秋風雁幾行。
黃塵古渡迷飛輓,
白月橫空冷戰場。

“O Rio Amarelo serpenteia pelas muralhas da fronteira Han,
Sobre o rio, voam gansos outonais em fileiras vãs.
No vau antigo, a poeira dourada turva as carroças em fuga / Enquanto a lua paira pálida no céu frio como um campo de batalha.”

(tradução minha)

Aqui já não há dragões nem fénixes, mas poeira e lua fria. O épico converte-se em paisagem histórica, como se o tempo tivesse ensinado o poeta a olhar não para os céus, mas para as ruínas no solo.

Entre os seus contemporâneos estava Li Mengyang (李夢陽), um dos célebres “Sete Mestres Anteriores” (Qián Qīzi 前七子), que defendia um regresso deliberado aos modelos clássicos, vendo em Du Fu uma fonte inesgotável de inspiração. No seu poema “O olhar do outono” (秋望), a melancolia projeta-se nos sinais da passagem do tempo e da decadência histórica. Sentem-se ainda os ecos da grandiosidade épica que animavam os antigos; contudo, essa ressonância chega já filtrada por uma sensibilidade diferente, mais consciente da fragilidade humana e da precariedade do presente. Ao contrário de Qu Yuan, cuja rebeldia culminava no mergulho absoluto, os poetas dos Ming e Qing parecem escrever a partir de um equilíbrio mais subtil entre reverência e desencanto, um lugar onde a nostalgia se converte em forma e a própria poesia se transforma num diálogo com a sua própria memória:

一瓶一笠一條蓑,
善操吳音與楚歌。
野鶴神清因骨老,
鴛鴦頭白為情多。

“Um jarro de vinho, um chapéu de bambu, uma capa de palha,
Domino as melodias de Wu e os cantos de Chu.
As garças selvagens mantêm o espírito límpido, pois os ossos envelheceram,
Os patos-mandarins embranqueceram juntos, de tanto amor vivido.”

(tradução minha)

Aqui a poesia já não é exílio, mas prazer quotidiano. Qu Yuan partia para os confins do mundo em busca de justiça, Yuan Hongdao, por sua vez, encontra na leveza do instante e no canto dos pássaros a verdade poética.

Não podemos esquecer Yuan Mei (袁枚), do século XVIII, que defendia a espontaneidade e a sensibilidade pessoal contra o formalismo excessivo. Para ele, a poesia deveria nascer da emoção genuína e não da obediência cega à tradição. Há quem veja nele um espírito moderno, quase romântico, avant la lettre.

O contraste é claro: Qu Yuan é a poesia como viagem visionária, enquanto os poetas Ming-Qing são a poesia como reflexão estilística. Um foge porque não há lugar para ele; os outros encontram lugar na própria tradição e nela jogam, reinventando-a. Ambos, no fundo, lidam com a mesma inquietação: o que fazer quando o mundo não basta?

Para Qu Yuan, a resposta foi o voo mítico. Para Yuan Hongdao, foi o vinho, o canto, a ironia. Para Li Mengyang, foi olhar as ruínas da guerra com olhos de outono. A poesia, em todos os casos, é o espaço onde o humano se mede com o tempo, seja subindo ao céu, seja bebendo junto ao rio Qinhuai.

Hoje, ao lermos estes versos, sentimos tanto a vertigem do céu de Qu Yuan como a melancolia dos pavilhões enevoados dos Ming e Qing. Tal como num mundo que também se sente em crise — política, climática, existencial — , precisemos de ambas as respostas: a fuga visionária que nos lembra que ainda podemos sonhar dragões, e a leveza quotidiana que nos lembra que também basta um jarro de vinho e uma canção para resistir.

Notas

O Festival do Barco-Dragão (端午節, Duanwujie)

Celebrado no quinto dia do quinto mês lunar, este festival lembra a morte de Qu Yuan. Segundo a lenda, o povo da região lançou bolinhos de arroz (粽子, zongzi) ao rio para alimentar o espírito do poeta ou distrair os peixes do seu corpo. Hoje, além dos bolinhos, a corrida de barcos em forma de dragão mantém viva a memória do poeta-exilado que se tornou herói cultural.

Shenyun (神韻) — A “Ressonância Espiritual”

Durante os Ming e Qing, críticos como Wang Shizhen defenderam que um bom poema devia ter shenyun, uma qualidade imaterial difícil de definir: algo como o “sopro espiritual” ou a “atmosfera da alma” que ressoa para além das palavras. Não era apenas técnica ou estilo, mas uma vibração que fazia o poema transcender. Poderíamos chamar-lhe, numa tradução livre, a música invisível da poesia.

A Escola de Gong’an (公安派)

Fundada pelos irmãos Yuan (Yuan Hongdao, Yuan Zongdao e Yuan Zhongdao), a Escola de Gong’an reagiu contra o formalismo clássico e defendeu a expressão individual, a linguagem simples e a experiência pessoal como fonte da poesia. Yuan Hongdao, com os seus versos sobre vinho, chapéus de palha e aves selvagens, é talvez o melhor exemplo dessa busca de autenticidade.

A Lua de Outono e o Coração da China

Em inúmeros poemas chineses — como os de Li Mengyang — a lua de outono surge como símbolo de melancolia, nostalgia e contemplação. Não é apenas luz, mas memória: a lua cheia de outono coincide com o Festival do Meio-Outono (中秋節), quando famílias separadas olham o mesmo luar e sentem-se reunidas à distância. Ler estes versos é perceber como a poesia se entrelaça com rituais que ainda hoje sobrevivem.

A Longevidade de Qu Yuan

Curiosidade: embora Qu Yuan tenha vivido no século IV a.C., a sua fama nunca diminuiu. No século XX, o poeta foi recuperado como símbolo nacionalista na China moderna, e hoje é celebrado como o primeiro grande poeta chinês “da consciência individual”. O seu Li Sao é, em certo sentido, um dos mais antigos poemas autobiográficos do mundo.

Entre dragões e jarros de vinho, Qu Yuan e os poetas dos Ming e Qing oferecem-nos duas faces de uma mesma verdade: a poesia é refúgio e resistência, exílio e reencontro, fuga visionária e melancolia serena. Lida hoje, a sua força não se esgota em curiosidade histórica: continua a interpelar-nos, a lembrar que escrever poesia é sempre tentar transformar a insuficiência do mundo em beleza duradoura.

Referências

Guo, M. (1936). 楚辞简注 [Anotações breves sobre o “Chuci”]. Pequim: Renmin Wenxue Chubanshe.

Hu, S. (1932). 明代文学史 [História da literatura da dinastia Ming]. Xangai: Shangwu Yinshuguan.

Li, S. (Ed.). (2002). 中国古典文学理论丛稿·诗论卷 [Ensaios sobre a teoria da literatura clássica chinesa: volume da poesia]. Pequim: Peking University Press.

Wang, S. (s.d.). 诗馀山房集 [Colecção da Residência Montanhosa da Poesia]. Edição não datada, diversas editoras.

Wang, L. (Ed.). (2005). 袁宏道诗选(明代文学丛书) [Poemas escolhidos de Yuan Hongdao (Colecção de Literatura Ming)]. Pequim: Shangwu Yinshuguan.

Yuan, H. (s.d.). 云间供况集 [Colecção das obras completas de Yuan Hongdao]. Pequim: Zhonghua Shuju.

27 Ago 2025

Dragão

Havia um adágio oriental que dizia: «se é Rato, nunca deixe fugir um Dragão» queria então tal máxima referir-se à grande complementaridade existente entre o roedor e a fera alada de grande ignição. Ora, deixar fugir um dragão, é aspecto de grande monta, sobretudo por um roedor pequenino, todo enervado, e creiam-me, em posse mesmo assim de ilimitados recursos. Mas, vamos a ele! Dragão abre o Ano Lunar Chinês no dia 4 de Fevereiro deste 2024, geralmente é no primeiro dia da Lua-Nova, que o calendário é lunar, nesse arranque marcado por um Bestiário formidável onde as festividades abundam. Buda não convoca os animais para nada, dá-lhes tarefas, impõe-lhes registos, coordena tempos e ainda características, o que é ligeiramente diferente de um Francisco que a todos atende com a mesma benevolência.

A China tremeu há quatro anos no início do Ano do Rato, que sendo como já disse de carácter lunar, se deu por isso um pouco mais cedo, 25 de em Janeiro de 2020, e todos arredaram pé da festa que estava a começar concomitante ao alarme público, daí o trauma ” Ratatouille” que justamente lhes advém, pois não sendo povo de espectro visionário tremia já pela má qualificação das lembranças de anteriores outros anos. Podemos dizer que se perdeu um dos festejos mais bonitos do mundo tendo por epicentro do mal o seu próprio território. Ninguém pensava muito bem na pandemia, mas de como deixar de festejar uma data quase sagrada. Bom, o ano passou, mais tarde outros vieram, como o do Gato que agora se despede (que Gato com Rato pode dar barafunda, mas nada que não se possa solucionar). E agora? Agora, como dizemos em bom (mau) português, é que vão ser elas! Estamos no Ano do Dragão.

Este nosso Dragão é de polaridade Yang, ou seja, imponente, varonil, dogmático, e porque não, na sua extrema composição, titânico. O facto de ser Dragão de Madeira (vários elementos distributivos na mandala) dá-lhe um duplo sentido de ignição, o que pode antever uma labareda que desnorteará ainda mais o mundo, se não tanto, pelo menos tórrido será. E estaremos atentos, que muita coisa vai arder de modo metafórico ou literal, pois que somos chegados ao instante inflamatório mais impactante na rede global. Os pequenos prazeres podem definitivamente estar em causa, pois que, ou serão grandes deleites, ou derrotas totais. Há este afã de totalidade que não nos deixará prosseguir na moleza sedentária, o que pode indicar que estaremos cilindrados em nossos espaços interiores, e nos exteriores, pulverizados. Das coisas boas, é que será certamente um Ano magnânimo. Mas, para onde corremos nesta fogueira acelerativa que troca deuses por escravos, e esquece a benigna capacidade de acender fogueiras?!

Em termos geopolíticos a China enceta a sua inusitada marcha expansionista, a Europa no seu derradeiro emblema, a mudança que é por demais evidente num acelerativo e confuso instante diante de todos a acontecer, que o fogo frio da Rússia ditará ainda um código onde nos precipitaremos como reféns, para que no fim das ilusões nos reste sobreviver da melhor maneira, que o nosso Dragão do ano que inicia trará a borrasca aos enfatuados desperdícios fátuos diante daqueles cuja ilusão só produziu “néons” e clarões artificiais. Estamos agora no sul europeu e as temperaturas são demasiado altas, o que faz prever um Estio quentíssimo por um Dragão cuspindo fogo em nossos flancos, que a energia mantida para aquecimento se fez divisiva na busca de tórridos tormentos e já não aguentaremos o que virá seguido do ardil mucoso deste ser mitológico.

A Oriente há uma encantada festa a ser vivida, e nós seguiremos a flama já um pouco entorpecidos, mas ainda não vencidos. O que virá por aí será de grande monta e de complexas lutas, Putin estará em pleno no seu Ano, e é só levá-lo a respirar no outeiro dos emergentes. Poder-se-ia dizer: cheira a esturro! Mas já estava assim. Por exemplo, em Lisboa cheira a azeitonas. – É o que todos dizem, mas eu, odorífica extremosa, nunca inalei o cheiro de uma azeitona. Se o ridículo matasse nestas latitudes prestes a sucumbirem, há muito que estaríamos todos mortos.

Também vou engalanar-me para o festivo instante, que o Carnaval me derruba, e a torpeza da sua modalidade me é ainda estranha. – Bem-vindo, Dragão. Afinal é o Ano anunciado para todos aqueles que não desejam morrer de tédio, que esta agitação não passa de um aglomerado de espectros em luta contra uma liquidadora mudança que a todos liberte. Piromania à parte, que se dê já por extinta tal doença humana, que vem aí a grande Labareda.

8 Fev 2024

A Simbologia do Dragão na Cultura Chinesa

I – A Simbologia do Dragão

O Ano do Dragão inaugura a 10 de fevereiro. Será de Madeira Yang.
Traz prosperidade, sucesso, poder e felicidade.
Serão privilegiadas a imaginação, a criatividade e a responsabilidade.
A cor da sorte será o verde e o elemento a Madeira, que expandirá a energia e o poder criativo do dragão.
Serão privilegiados artistas e profissionais independentes e criativos.
Onde encontrar então a génese da leitura simbólica do Dragão na cultura chinesa? Por um lado, nos mitos, por outro, na caligrafia.
O dragão tem uma existência lógica, que desagua num longo caminho ontológico, já que a sua descrição física conjuga o melhor de todos os animais existentes, como nos revelam as representações da dinastia Tang, nas quais surge com cabeça de camelo, uma pérola mágica na boca, donde se solta por vezes uma nuvem que se transforma em água, outras em fogo, para mostrar que ele controla os poderosos reinos do céu e da água. Tem olhos de coelho, orelhas de vaca, corpo de cobra, patas de tigre, barriga de sapo, escamas de carpa, garras de falcão, e assim por diante. Ele é a máxima potência natural, já que reúne o que há de melhor no reino animal, sendo ainda a máxima entidade sobrenatural, ao apresentar-se como comandante supremo das águas do céu, dos mares, dos rios e até das que correm subterrâneas na terra.
O dragão chinês não se limita a possuir o poder supremo natural e sobrenatural, ele é ainda a máxima entidade humana, o rei-sacerdote, que governa a terra, porque foi investido para tal pelo céu, como nos indica a leitura realizada pelo Dr. Ong Hean- Tatt (1996), a partir do caracter 龍 (Lóng):

No lado esquerdo do carácter observa-se a forma de um guardião humano, que encarna o poder divino e protege as coisas sagradas, ao passo que o lado direito não surgia nas escritas mais antigas como a Oracular (1400-1100 a. C) ou a de Bronze (1100-300 a.C), tendo sido acrescentado no período do Pequeno Selo (300 a. C) à figura humana . Este ostenta em ambas as mãos algo de sagrado. À direita vemos uma longa linha, simbolizando a veste santificada do sacerdote, onde figuram os três traços característicos da água, porque o dragão é a divindade das chuvas e dos rios.
Nos mitos chineses, o dragão surge associado ao primeiro imperador mítico chinês, Fuxi (伏羲) e a sua irmã ou consorte, conforme as versões. Fuxi é considerado o pai de todos os chineses, o Dragão Azul, como lhe chamam. Simboliza o maior dos homens, o patriarca da grande nação espiritual chinesa, o dominador do Cavalo-Dragão (龍馬 lóng-Mǎ), que emergiu das águas do Rio Amarelo (黃河 Huáng Hé) , tendo-lhe concedido a possibilidade de decifrar os oito trigramas fundamentais da cultura chinesa, que formam a base do Clássico das Muações ( 《易經》 Yìjīng), por entre o emaranhado da sua crina.
Fuxi e Nüwa (女媧) eram metade humanos, metade dragões, como se pode verificar pelas representações deles. Por isso, foram os criadores supremos: Fuxi da cultura chinesa e Nüwa dos seres humanos (女媧造人Nǚwā zào rén) .

II – O Dragão no Clássico das Mutações

Entre os oito trigramas que são o fundamento do Clássico das Mutações, e condição de possibilidade dos 64 hexagramas, o mais importante é o do Céu ( 乾 Qián), composto pela força conjugada dos dois trigramas do Céu. Vale a pena seguir a apresentação e desenvolvimento deste hexagrama, tal como nos é oferecido por John Blofeld . O Céu surge como o princípio criativo, cujas principais características são ser masculino e ativo. Este princípio é personificado pelo dragão, o sacerdote-rei, que une o céu e terra, por via da participação em ambos os princípios.
O primeiro hexagrama simboliza as forças celestiais em ação e o labor da pessoa superior sobre si própria. Aqui refere-se, numa leitura taoista, a pessoa superior, porque para os confucionistas e para a tradição chinesa, se menciona claramente um homem superior, representado por um dragão que voa nos céus. Eis então o texto de Qian (乾):

O Princípio Criativo. Sucesso Sublime! A persistência na causa certa traz recompensa. 9 para o lugar do fundo: o dragão escondido evita a ação. 9 para o segundo lugar: o dragão é visto a céu aberto; é vantajoso visitar um grande homem. 9 para o terceiro lugar: o Homem Superior ocupa-se o dia inteiro e a noite encontra-o completamente alerta. A desgraça ameaça – sem erro. 9 para o quarto lugar: é preciso saltar nas profundezas, sem erro! 9 para o quinto lugar: o dragão voa nos céus; é vantajoso visitar um grande homem. 9 para o lugar de topo. Um dragão voluntarioso – que desgraça! 9 para os seis lugares – Um bando de dragões sem cabeça – felicidade.
(乾卦《初九:元亨利貞/潛龍無用; 九二:見龍在田,利見大人; 九三:君子終日乾乾,夕惕苦厲,無咎; 九四或躍在淵,無咎;九五飛龍在天,利見大人。上九:亢龍有悔;見君龍無首,吉》)

A análise das linhas em consonância com a interpretação de Blofeld e com a tradição chinesa, mostra-nos o que se espera do dragão chinês quando este se identifica com o rei e/ou o homem superior. Ele é o governante por excelência: no céu, enquanto princípio divino; na terra por incorporação do mesmo. Há, porém, um trabalho de construção ética que deve ser realizado para que o dragão terreno, o governante sábio e santo, possa atuar. Assim, e como indica a primeira linha, o dragão está a construir o seu ser, trabalha sobre si próprio, oculto dos seus eventuais pares humanos. O diálogo é interior e as pontes para o exterior são feitas por meio da captação das suas raízes e cruzamento com as energias universais do céu e da terra. Após este trabalho a solo, o dragão na segunda linha, sai para o mundo dos seus pares, procurando a orientação daqueles cuja sabedoria é capaz de o iluminar. Depois regressa a si mesmo na terceira linha, de forma a realizar os princípios e ensinamentos recebidos do que escolheu para mestre.
Na quarta linha o dragão que almeja chegar a rei-sábio deve saltar nas profundezas. Este salto é importantíssimo. Através dele, separa-se do pior de si mesmo e, por isso, também se pode afirmar que se ultrapassa, salta sobre si e, simultaneamente, salta em si, conseguindo alcançar o mais profundo da sua natureza, o que lhe permitirá a fusão com a verdadeira realidade. A partir do momento em que dá o salto, a que no Ocidente chamaríamos de fé, libertou-se. No entanto, nesta altura volta a correr grandes riscos, porque uma iluminação à solta é, na tradição filosófica chinesa, algo de muito perigoso, por isso o dragão é aconselhado na quinta linha a procurar outra vez a orientação daqueles que escolheu para seus mestres, já que a finalidade não é expressar a sua criatividade e estilo próprios, mas integrar-se numa comunidade, a que deve servir de exemplo, sem se impor.
Na linha do topo adverte-se que um dragão voluntarioso pode provocar grandes dissabores a si e aos outros. Esta leitura política do primeiro hexagrama não é abusiva, sendo confirmada pela interpretação conjunta das seis linhas, onde somos informados que a felicidade é obtida quando um conjunto de dragões voa sem cabeça, ou melhor, sem cabecilha. Do ponto de vista político, a ditadura de um iluminado (usual na China antiga) é, no maior dos Clássicos da Filosofia Chinesa, fortemente desaconselhada. Nenhum sábio deve cultivar-se apenas para si próprio, nem acreditar que é dono absoluto da verdade. O que foi e o caminho que conseguiu percorrer até à sua libertação ética, política e espiritual ganha pleno sentido quando é conciliado e harmonizado com o conjunto de dragões nos quais se deve incluir. Este bando de seres superiores, chamemos-lhes assim, não tem líder, sendo essa a condição para haver boa sorte, já que segundo o conjunto das linhas um cabecilha traz má sorte.
Pode concluir-se nesta interpretação do Princípio Criativo, título para o primeiro hexagrama, que a nação espiritual chinesa, embora dependa de um primeiro dragão mítico azul, Fuxi, se constitui e desenvolve quando um conjunto de seres, que se trabalha eticamente para fins políticos, se reúne. Após o que se erguem nos céus espirituais em conjunto, contribuindo com o que de absolutamente próprio conseguiram alcançar, a fim de atingir uma postura equilibrada e exemplar. Esta deve servir de exemplo a todos os seres que os observam da terra e lhes contemplam o voo.
O conjunto de dragões «sem cabeça» pode ser visto como a primeira exigência ético-política do Clássico das Mutações para que se dê a transformação certa aos níveis social e político. Os governantes-sábios devem, por isso, empenhar-se no desenvolvimento das suas virtudes, entre as quais constam as quatro essenciais do governante: a bondade ou Humanidade (仁 Rén), a conduta perfeita, que depende da obediência aos Ritos (禮Lǐ ), a Justiça (義 Yì) e a Sabedoria (智Zhì).

III – O Dragão Alquímico e a Geomância

Onde ir procurar a raiz da leitura alquímica do dragão chinês? Há que regressar ao Clássico das Mutações para o fazer. Simplesmente não é possível recorrer ao apoio da linha confucionista, que nos transmite sobretudo uma leitura ético-política dos hexagramas, tal como a explorada no ponto anterior, encontrada em grandes sinólogos como Richard Wilhelm.
O dragão alquímico revela-se nos comentários da linha taoista ao Clássico das Mutações, por exemplo o de Thomas Cleary.
O dragão celestial é apresentado na explicação do autor como o representante do Céu criativo, que desenvolve e dá fruição. Ele é o princípio divino que na terra age através do sábio. É divino sem deixar de ser natural, é o poder máximo de transformação e criatividade. É a primavera celestial que comanda a telúrica. A título de criador, atua, iniciando e consumando os processos, sempre em ligação com a natureza exterior, representada pelas quatro estações; mas também com a nossa natureza interior e energia que nos percorre: esta energia enraizada no primordial permanece oculta no temporal. Não pertence mais aos sábios, nem menos às pessoas comuns (…) Fundamentalmente cria, desenvolve e traz fruição e consumação espontaneamente .
A energia alquímica surge logo na primeira linha yang (阳) do hexagrama celestial : Dragão escondido: não se usar .
O nosso dragão interior prepare-se em estado de retiro para o casamento com o tigre, porque nós, tal como a terra, possuímos duas energias, figuradas no tigre e no dragão. O tigre é o representante da energia feminina, telúrica e escura, pesada e opaca, e o dragão, o representante da energia masculina, celestial, leve e clara.
Ora o dragão não pode prescindir do tigre. Do ponto de vista geomântico e alquímico precisa absolutamente dele para complementar as paisagens exterior e interior. Na segunda linha, quando o dragão sai de si para o exterior, digamos para um passeio na campo ou na natureza, ele vai à procura de uma pessoa grande, um (a) mestre que o possa orientar para a criação do seu embrião espiritual, por meio de um trabalho realizado em conjunto sobre a sua força celestial, a fim de libertar o halo espiritual que o conduzirá à longevidade e à imortalidade. Por isso labora empenhadamente na terceira linha para a realização da união de forças feminina e masculina ao nível telúrico, isto é, abdominal. A fim de o casamento entre o tigre e o dragão seja bem-sucedido, nenhuma das forças pode prevalecer. Elas devem encontrar-se em perfeito equilíbrio, para que seja realizado novo encontro de forças no coração, situado na quarta linha, após o dragão ter saltado sobre o abismo em si mesmo . A partir daqui o dragão está na zona do espírito. Para realizar o salto, teve de espiritualizar o tigre, que o vai auxiliar a voar em céu aberto. Ele sente-se, na quinta linha bem, livre e planando totalmente iluminado. Na tradução de Cleary (1986:42) O dragão está no céu: é benéfico ver uma grande pessoa , que lhe facultará a continuação do trabalho sobre as energias e mais uma transmutação espiritual do yin em yang, um terceiro casamento espiritual, ao nível da mente, criador do corpo fora do corpo.
Sem orientação espiritual, o dragão corre o risco de se desequilibrar e cair na tentação mortal (porque o reconduzirá à terra), exposta na sexta linha, que é a da arrogância .
Se vencer esta última tentação, consegue conjugar, como nos indica a leitura conjunta do hexagrama, a sua imagem espiritual com muitas outras, inserindo-se harmoniosamente num conjunto de dragões que voa sem cabeça.

Bibliografia

Alves, Ana Cristina. 2022. Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coord. Carmen Amado Mendes Coimbra: Almedina e CCCM.
___________. 2004 Representações do Feminino na Cultura Chinesa. A Mulher nos Discursos Filosófico, Religioso e Sociopolítico (tese policopiada).
___________. 2004.Uma Viagem de Muitos Quilómetros Começa por um Passo. Macau: Cod.
Blofeld. 1965. The Book of Change. A New Translation of the Ancient Chinese I Ching (Yi King), with detailed Instruction for its Practical Use in Divination. London: Georg Allen & Unwin LTD.
Cleary, Thomas (trad.).1986. The Taoist I Ching. Boston & London: Shambala.
Legge, James (trad). 1990. The I Ching. The Book of China. Singapore: Graham Brash.
羅慷烈 (Luo Kanglie) 2005.«易經詳解與應用》香港三聯畫店.
Shi Zhengyu.1997. Picture Within a Picture. An Illustrated Guide to the Origins of Chinese Characters. Beijng: New World Press.
Tan Huay Peng. 1980. Fun with Chinese Characters. Singapore, Kuala Lumpur, Hong Kong: Federal Publications.
Wang Suoying, Ana Cristina Alves. 2009. Mitos e Lendas da Terra do Dragão. Lisboa: Caminho.
Wilhelm, Richard. 1989. I Ching or Book of Changes. Prefácio de C. G. Jung. London: Penguin Group.
張中鐸(ed) 1995《易經提要白話解》台南市:大孚.

11 Jan 2024

Maqueta de “Dragão” de João Cutileiro exposta em Évora

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s maquetas de esculturas públicas de João Cutileiro vão estar expostas em Évora até ao dia 15 de Outubro. Uma delas pertence ao projecto “Dragão”, criado em 1999 a pedido do arquitecto Francisco Caldeira Cabral para uma iniciativa no Canal dos Patos.

No total, mais de 60 maquetas, sobretudo em mármore, produzidas pelo escultor para obras destinadas ao espaço público estão reunidas no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo. A mostra resulta do projecto “Pedras na Praça”, promovido pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCAlen), que conta com o apoio de fundos comunitários, para dar a conhecer a obra para o espaço público “assinada” por João Cutileiro, de 81 anos.

Intitulada “A Pedra Não Espera – Maquetas e escultura para espaço urbano”, a exposição inclui, além das maquetas, fotografias de grandes dimensões das esculturas finais de Cutileiro e o documentário “A Pedra Não Espera”, da realizadora Graça Castanheira, sobre o mesmo tema, explicou ontem a DRCAlen.

A Direcção Regional de Cultura adiantou à Lusa que estão reunidas “63 maquetas do escultor, a maioria pertencente à sua colecção”, que foram criadas “entre 1968 e 2017”.

As peças, “cujo material predominantemente utilizado é o mármore”, foram concebidas pelo escultor no âmbito do processo de desenvolvimento de obras suas “destinadas a diversos espaços públicos, a nível nacional e internacional”, acrescentou a DRCAlen.

Em Outubro do ano passado, quando revelou à Lusa a intenção de expor as maquetas de Cutileiro, a directora regional de Cultura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira, realçou que este método de trabalho do escultor “não é vulgar” entre “outros artistas”.

“Mas o João [Cutileiro] tem o hábito de fazer maquetas reais, em pedra, das suas obras. No fundo, são esculturas, obras originais, a uma escala menor do que aquelas que ficam nos locais públicos”, indicou.

A exposição, disse, na altura, foca “uma componente relevante do trabalho” do escultor e pretende igualmente “reconstruir, de forma didáctica, o percurso de criatividade do artista e de produção da obra de arte”, ou seja, “da ideia à maqueta, da obra ao local”.

“D. Sebastião” (1972), uma das quatro maquetas executadas para a estátua de D. Sebastião, que o escultor doou à cidade de Lagos, no distrito de Faro, onde se encontra, é uma das obras que podem ser apreciadas no museu em Évora.

Outras das peças que integram a mostra são “Luís de Camões” (1980), instalada na Biblioteca Pública de Cascais, no distrito de Lisboa, “D. Sancho I” (1990), encomendada pela Câmara de Torres Novas, no distrito de Santarém, e “Inês de Castro” (1993), em resposta a uma encomenda de José Miguel Júdice para a Quinta das Lágrimas, em Coimbra. “Ibn Marwan II” (2016–2017), a 2.ª versão para o monumento de homenagem a Ibn Marwan, em Marvão (Portalegre), encomendada pela respectiva câmara municipal, é também outra das maquetas expostas.

O projecto “Pedras na Praça” faz parte dos trabalhos em curso pela DRCAlen no âmbito da doação ao Estado do espólio de João Cutileiro e da criação, em Évora, da Casa/Ateliê do escultor.

A doação, anunciada em Fevereiro de 2016, numa cerimónia com o então ministro da Cultura João Soares, encontra-se, “desde essa altura, a aguardar despacho do secretário de Estado do Tesouro e Finanças”, segundo Ana Paula Amendoeira, que assinalou que, entretanto, a DRCAlen tem estado “a trabalhar no inventário e a organizar o arquivo” do escultor.

11 Jul 2018