Andreia Sofia Silva EventosFCM | Cultura macaense revelada a alunos em Portugal Os alunos de uma turma do ensino primário da Escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, vão saber mais sobre a cultura macaense graças ao projecto “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, levado a cabo pela Fundação Casa de Macau. Esta iniciativa tem a duração de três anos e poderá contar com a participação da Escola Portuguesa de Macau Ensinar a cultura macaense aos mais pequenos é aquilo a que se propõe a Fundação Casa de Macau (FCM) no seu mais recente projecto, intitulado “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, desenvolvido em parceria com o agrupamento de escolas D. Filipa de Lencastre, em Portugal. O protocolo foi assinado no passado dia 24 de setembro. O projecto, que arrancou já este mês, começou com uma turma do ensino primário da escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, podendo ser alargado a outras escolas. A ideia é que esta iniciativa dure até 2024, ou seja, durante três anos lectivos, conforme explicou ao HM a secretária-geral da FCM, Joana Silva. “A professora [Elisabete Correia Marques] definiu áreas que serão trabalhadas, sempre com a temática de Macau no horizonte. Vamos trabalhar com os alunos a culinária macaense, as festividades e os costumes. Também vamos procurar ter uma interacção com outras disciplinas. Vamos tentar, por exemplo, que na disciplina de expressão plástica os alunos possam fazer réplicas de cerâmica chinesa.” Para já, a única entidade que está associada a este projecto é o Centro Cultural e Científico de Macau, mas há também a ideia de juntar a Casa de Macau em Lisboa. Está também na calha a realização de um intercâmbio com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), sendo que poderá ser realizada uma visita de estudo ao território, ainda sem data prevista. “Como é um projecto para ser feito em três anos temos tempo para ir inserindo outros parceiros”, adiantou Joana Silva. Visitas e pesquisas A primeira actividade deste projecto passou por uma visita de estudo às instalações da FCM, na zona do Príncipe Real, no passado dia 8. “A Fundação acaba por ser, ela própria, um mostruário [da cultura macaense]. Depois, os alunos vão trabalhar em aula outros temas mais específicos.” Além dos estudantes do ensino primário, alunos mais velhos também poderão participar neste projecto que poderá chegar a outras escolas de Lisboa e do país. “Já antes da pandemia tínhamos esta ideia de que há falta de conhecimento de Macau junto do público infanto-juvenil português, devido à renovação de gerações e falta de ligação. Uma das acções da FCM é precisamente essa [dar a conhecer a cultura]. Já antes fazíamos algumas actividades pontuais com as escolas.” Joana Silva assume que é “responsabilidade” da FCM mostrar esta cultura “muito ímpar, mas também diferente”. “O facto de as crianças serem muito novas é a idade ideal para absorver [novas coisas] e despertar a curiosidade”, rematou. Além das visitas, será feita a apresentação de trabalhos, que inclui também a participação dos encarregados de educação dos alunos, e ainda a realização de pesquisa e investigação sobre Lisboa e a RAEM. Entre Outubro de 2022 e Junho de 2024 está agendado um intercâmbio entre turmas. Não está, para já, definido um orçamento para este projecto, sendo que caberá à docente “contactar diferentes organismos públicos e privados com vista a que se estabeleçam parcerias e, eventualmente, alguns patrocínios”.
Hoje Macau EntrevistaCarlos Piteira, investigador, defende que cultura macaense tem sido preservada por vontade da China e não de Portugal Carlos Piteira defende que a manutenção das características “singulares” de Macau se deve ao empenho do Governo chinês e não a iniciativas do poder político português que administrou o território durante quase quatro séculos. O investigador do Centro de Investigação do Instituto do Oriente considera ainda que a RAEM está a ser usada como “laboratório experimental” para diferentes modelos políticos do Governo Central [dropcap]N[/dropcap]atural de Macau, o investigador que integra a equipa de Coordenação Científica do Centro de Investigação do Instituto do Oriente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), Carlos Piteira, defende que a China tem contribuído mais para a preservação da identidade local do que Portugal. “Ao contrário do que possa parecer, o Estado chinês tem feito mais pela preservação da identidade macaense e da presença portuguesa em Macau do que propriamente o Estado português. Isto por que tem interesse para a China, obviamente”, afirmou o antropólogo e perito na Região Administrativa e Especial de Macau (RAEM) e Sul da China em entrevista à agência LUSA. Por outro lado, segundo Carlos Piteira, Macau é “de certa forma um laboratório experimental” para a China, que quer manter o território como “um espaço de singularidade” onde poderão ser testados novos modelos de administração. A par de Macau, Hong Kong e Taiwan também apresentam características próprias capazes de promover outros modelos de governação. “Macau, Hong Kong e, se quisermos, Taiwan são três peças daquilo que poderão ser novos modelos da própria China”, salientou o também docente do ISCSP da Universidade de Lisboa, acrescentando que “as experiências começam em situações muito localizadas que depois podem ser expandidas”. Exemplo disso são projectos como a Grande Baía, a iniciativa de cooperação regional que engloba as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong e expande a sua abrangência à província do sul da China, Guangdong, englobando uma população de mais de 60 milhões de habitantes. Para Carlos Piteira, Macau representa um papel de relevo dentro do projecto de cooperação regional que não deve ser descurado apesar da pequena dimensão do território. “O papel de Macau [na Grande Baía] é importante, não pelo tamanho, não pelos recursos, mas pela sua especificidade”, reforçou. Em entrevista à agência LUSA, Carlos Piteira acaba por retratar Macau, citando o célebre autor chinês de “A Arte da Guerra”, Sun Tzu: “’A melhor batalha que ganhamos é quando o adversário nos dá a vitória’. É um bocadinho isto que se está a passar em Macau”. Características a preservar Para Carlos Piteira, a identidade macaense foi criada a partir de uma matriz híbrida que continua a resistir através de traços identitários específicos. O investigador destaca o patuá e a gastronomia como as principais características identitárias que ainda caracterizam a cultura macaense. O desenvolvimento de uma identidade própria manifestada por estes traços deve-se à necessidade dos “filhos da terra” em identificarem uma identidade grupal para se distinguirem quer dos portugueses, quer dos chineses, justificou. “As identidades criam-se porque queremos ser diferentes e a gastronomia e a língua tiveram essa função”, adiantou o antropólogo, nascido em Macau e especialista no território. Os macaenses, um grupo mestiço com influências portuguesas, chinesas, malaias e japonesas, vai assim compondo, ao longo dos séculos, uma identidade “singular” que tem “renascido graças ao instinto de sobrevivência”, diz o investigador do Instituto do Oriente do ISCSP. Segundo Carlos Piteira, além do patuá e da gastronomia, havia um terceiro traço identitário, a religião, que se foi “perdendo, essencialmente devido às políticas da Administração” portuguesa que retiraram à igreja a competência de fazer os registos (sobre depois de 1975). “Em Macau, a nacionalidade portuguesa dava-se por via da igreja, através do baptismo. Éramos todos católicos”, lembrou. Língua múltipla O patuá macaense, um crioulo português influenciado pelas línguas cantonesa, espanhola, inglesa e malaia, é uma característica identitária local que “há quem diga que foi adoptado pelas senhoras macaenses para esconderem o mau português que se falava”, apontou. No entanto, trata-se de uma linguagem que foi desaparecendo devido à obrigação de aprendizagem do português nas escolas imposta pela Administração portuguesa. A língua, como os restantes traços identitários macaenses, tinham entre si características semelhantes: eram praticados pelas famílias dentro de casa. Fora de portas Contudo, com a transferência de Administração de Macau para a China, há 20 anos, e, “sobretudo, com a globalização e as diásporas”, houve necessidade de adaptar estes traços identitários à dinâmica das sociedades modernas e redefinir a identidade macaense, levando-a para fora do espaço doméstico. No caso do patuá, Carlos Piteira apontou a importância das tunas e das récitas do teatro que ainda se faz neste dialecto, que já foi declarado património cultural intangível de Macau. O objectivo é manter esta língua viva, tornando-a parte integrante da oferta turística, apontou. O que aconteceu com a língua, também aconteceu com a gastronomia, que saiu dos lares macaenses e foi adoptada pela restauração. Nesta cozinha de fusão, onde se cruzam temperos e sabores ocidentais e orientais, muitos dos pratos tradicionais mantêm a designação em patuá, como o “diabo” ou o “balichão”, exemplificou o antropólogo. Mas o mais famoso, sugere, será o “minchi”.